segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS


“O acto de tributar é idêntico ao depenar de um ganso, procurando obter o máximo de penas com a menor gritaria” (Jean-Baptiste Colbert, ministro de Estado e da Economia do rei Luís XIV).
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Nos países desenvolvidos, a média de vida das populações não pára de crescer. Este é um problema a que sociedade portuguesa terá de dar resposta atempada para que os nossos reformados não arrastem o peso dos anos e dos achaques de saúde cada vez mais agravados com medidas de governantes que encaram a velhice como uma coisa distante, uma coisa que não ensombra as suas preocupações.

Isto vem a propósito das medidas de austeridade espartana anunciadas pelo Partido Socialista no Orçamento de Estado/2011, a serem discutidas na Assembleia da República. Medidas draconianas que vão de encontro (e não ao encontro) a uma política proteccionista de reformados atingindo-os em questões tão importantes como o agravamento de IRS de pensões degradadas pelo tempo e pela não sua indexação aos vencimentos da população no activo, como tem acontecido em algumas outras profissões.

Pela actualidade de que se reveste, reproduzo um post que publiquei neste blogue, em 15 de Março deste ano, intitulado “Um tecto para as despesas na saúde?”:

“Em declarada crise económica que assola grande parte do planeta e num pequeno país como Portugal, em que há um evidente desequilíbrio entre as despesas públicas e as receitas fiscais, tomam-se medidas de desenrascanço de apertar o cinto que pouco afectam quem usa suspensórios!

Desta forma, em vez de se cortarem em esbanjamento de dinheiros públicos (finalmente e pelos vistos, pelo menos, o TGV e o Aeroporto de Alcochete encontram-se em banho-maria) tenta-se cortar em despesas com pouco significado positivo para os cofres estatais e muita expressão negativa no que respeita à justiça social.

Refiro-me ao Programa de Estabilidade e Crescimento
[uma espécie de reinado em que já vamos no PEC III, ouvindo-se já os vagidos do seu príncipe herdeiro, o PEC IV] no que concerne à criação de um tecto limitativo para deduções de despesas da saúde para efeitos de IRS. Esta situação, levou a que o ministro Teixeira Santos tenha optado por não fazer comentários sobre a sua possibilidade ("Correio da Manhã", 25/11/2009). Infelizmente, duvido que este silêncio prenuncie boa notícia e muito menos 'a eloquência dos anjos' de que nos fala Camilo.

Aliás, esta indefinição sobre o futuro fiscal das famílias portuguesas da classe média traz preocupação acrescida ao cidadão comum a quem a velhice trouxe doenças e desânimos muito bem retratados numa personagem de um dos livros de Arnaldo Gama, não em vivência própria do autor pela sua morte prematura aos 41 anos de idade: 'Para isto é que eu vivi! Malditos anos! Maldita velhice!'

Como se nós tivéssemos um Serviço Nacional de Saúde de boa saúde (ora, num direito que assiste a qualquer cidadão de procurar o que mais lhe convém na vida, assiste-se à hemorragia de muitos dos melhores médicos dos hospitais públicos para o sector privado), Francisco Louçã, dirigente do Bloco de Esquerda, em debate televisivo com José Sócrates (RTP1, O8/09/2009), defendeu a ideia peregrina de que as despesas com consultas médicas em consultórios privados deviam deixar de contar para efeitos de desconto no IRS.

Sabendo nós que os recibos dos médicos constituem uma parcela importante do total que é taxado a estes profissionais para pagamento de IRS, a não passagem desses recibos constituiria uma perda evidente de rendimentos para a fazenda pública criando uma forma de economia paralela que vigora em muitas profissões que não passam recibo porque o cliente assim não o exige por não ganhar nada com isso e não desejar amontoar papelada para lançar no lixo.

Mas atenhamo-nos apenas ao caso dos medicamentos. Actualmente são deduzidos para efeitos de IRS 30% das despesas feitas nas farmácias com determinados medicamentos. Ou seja, quem tem uma saúde de ferro beneficia do dom precioso em não gastar um cêntimo em medicamentos. Por outro lado, quem tem uma saúde frágil que anda associada, frequentemente, a achaques da velhice, como sejam, por exemplo, graves doenças do foro reumatismal, em que, para apaziguar dores insuportáveis, o paciente é obrigado a encharcar-se em analgésicos, gastando quantias que fazem perigar, ainda mais, o seu periclitante equilíbrio financeiro em busca de uma dignidade humana que não se curve ao amparo de uma bengala para não abdicar da sua ascendência bípede de milhões de anos.

A ser levada avante esta medida, um doente de magros ou remediados cabedais de vencimento ou esquálida reforma que, porventura, tenha uma gripe ao atingir o referido tecto terá que deitar contas à vida e pedir a Deus para que uma possível pneumonia não lhe bata à porta na pior altura. Ou, nessa infelicidade, empenhar os anéis para ficar com os dedos, ou mesmo sem os anéis e os dedos, como se a própria vida 'não fosse o último hábito que se quer perder porque é o primeiro que se toma', como escreveu Alexandre Dumas Filho.

Tratar atempadamente da nossa saúde não é o mesmo que adquirir um bem que se possa dispensar ou adquirir mais tarde quando a vida corre melhor! Atento à situação de verdadeira crise económica em que a grande maioria dos estratos sociais deste país mergulharam, e que não deve ser paga por aqueles que cumprem com grande sacrifício os seus impostos - como escreveu Peter Vries,
' os ricos não são como nós: pagam menos impostos' –, manifestou-se, dias atrás, publicamente contra esta medida o CDS/PP ao declarar publicamente que rejeita o PEC 'se o Governo não recuar no corte das deduções fiscais em Saúde' ("Correio da Manhã", 13/03/2010)-

Ir buscar umas migalhas no cotão de certos bolsos que a actual crise virou do avesso e não em ordenados escandalosos, sinecuras principescas e chorudas contas bancárias é o mesmo, como nos ensina a sabedoria popular, que "poupar no farelo para gastar na farinha", promovendo o desaparecimento de uma classe média com reformas que se degradam de ano para ano, necessitadas, como tal, de cuidados fiscais intensivos que lhes transmita e à economia portuguesa um novo e desejável alento para sair do pântano em que se encontram estagnadas.

Em abreviar de razões, a solução deve ser procurada numa ainda mais apertada malha que taxe o cidadão com sinais exteriores de riqueza, aqueles que, em palavras sábias da vox populi, 'cabritos vendem e cabras não têm', segundo os seus reais rendimentos e haveres e não sobre aquilo que eles dolosamente possam declarar serem os seus hipotéticos rendimentos e haveres. A isto, sim, chama-se, com toda a propriedade, justiça fiscal!”

Mas será que uns tantos governantes vindos do 25 de Abril, “revolucionários que já não são o que eram por se identificarem pelos seus fatos listados e telemóveis topo de gama” (Finantial Times, 10/03/2004), comungam da tese optimista de que não há velhos espalhados pelo país fora, uns a dormirem ao relento em ruas e arcadas lisboetas, em noites invernosas, outros,das classes baixas e médias que tudo fazem para que as mais ou menos esquálidas ou magras pensões lhes cheguem até ao fim do mês?

Senhores governantes deste país, de um país de faz de conta: acordem para a realidade de um povo tristonho, desalentado ou mesmo nas garras de patologias depressivas – segundo a revista Focus (n.º 574, de 13 a 19 de Outubro deste ano) "esta epidemia do século XXI já atinge 20% da população portuguesa" - que vê diminuir a percentagem de comparticipação dos medicamentos de que necessita para afastar as angústias e os medos do seu dia-a-dia, mas que em vergonhoso confronto se depara com obras públicas faraónicas e a penúria de cofres estatais sem barras de ouro a não ser aquelas poucas herdadas do Estado Novo. A chamada pesada herança!

Nota: O título deste post foi colhido de um filme,"No country for old man" (“Este país não é para velhos”), realizado por Ethan e Joel Coen e galardoado com quatro Óscares em 2008.

15 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Caro Rui Baptista:

Este país não é para velhos. Nem para novos, crianças ou jovens. Nem para pessoas da meia idade.
Para quem é este país?
De quem é este país?
Para onde vai este país?
Quem são/têm sido os timoneiros deste país?
O que devemos exigir aos sábios, altíssimos e ilustríssimos executivos, mais os seus colaboradores, por nos terem conduzido para aqui?
E que alternativas temos?
Quem somos nós?
Quem elegemos para nos representar?
Com que atenção vigiamos os que elegemos?
Temos o que merecemos?
Ou merecemos melhor?
Responda quem souber.

joão boaventura disse...

Que este país não é para velhos pode ser testemunhado aqui.

Trata-se de um idoso apanhado em contramão, em Braga, que a GNR não ajudou a desenvencilhar-se da situação incómoda. Apenas a disposição cívica de um automobilista que, ao vê-lo incapaz de resolver a situação, arrumou a sua viatura, pediu ao idoso para sair do carro perguntando-lhe qual o destino que pretendia, foi em marcha atrás até posicionar o carro no local pretendido.

Não satisfeito com a solução, aguardou a chegada do ancião, entregou-lhe a chave, e foi a correr para a sua viatura estacionada à beira da estrada.

Graça Sampaio disse...

Excelente texto! Tristemente cheio de verdade e de razão e muito bem exposto! E, no entanto, a nossa população é, cada vez mais, uma população envelhecida. Que vai ser de nós?

Cisfranco disse...

"Medidas draconianas que vão de encontro (e não ao encontro) a uma política proteccionista de reformados "...

Pode ser uma minudência, mas gostei desta sua frase, que realça a diferença/oposição entre "ir de encontro a " e " ir ao encontro de". Muitas vezes se escreve e diz, erradamente, a 1ª expressão atribuindo-lhe a significação da 2ª e vice-versa.

joão boaventura disse...

A propósito da indicação do filme que titula este post, o trailer do mesmo, pode ser visionado aqui.

Anónimo disse...

Caro Rui Baptista,
As suas palavras são tão tristes que quase matam o corpinho frágil das palavrinhas.
Mas são verdadeiras, tristemente verdadeiras.
Um país de gente que nos lidera que não é séria. Engravatados todo o ano e a assoarem-se à gravata por engano, como dissera o poeta.
Sabe o que lhe digo? Desta vez não voto|!
E só não digo uns palavrões para manter a decência nas palavrinhas que escrevo.

Fartinho da Silva disse...

Subscrevo as interrogações de José Batista da Ascenção.

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Já reparou que o Estado (todos nós) está a pagar anualmente 6,3 mil milhões de euros só em juros? Este é o valor de todo o orçamento da educação, incluindo o polvo da 5 de Outubro... e este valor (dos juros) cresce todos os anos e está a aproximar-se do orçamento da saúde...

Este país está obviamente a caminho da insolvência, só não vê quem não quer ver... todos estes remédios dos PECs, orçamentos, desorçamentações, parcerias público-privadas, EPEs, empresas municipais, empresas públicas, semi-públicas, institutos, fundações, etc., etc., etc, servem, para além de atribuir negócios milionários ao aparathik para que a nomenklatura continue a reinar, para continuar a aumentar despesa e mais despesa sem que a mesma se reflicta no Orçamento Geral do Estado e sem que se reflicta na dívida soberana, o problema é que a teremos, todos, que pagar. Mas, sinceramente, não estou a ver como vamos pagar tamanha monstruosidade!

Daqui a uns tempos, estaremos a falar não em cortes de salários, mas em cortes de pensões... é só fazer meia dúzia de contas.

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

Pedindo desculpa aos outros comentaristas (a quem responderei na devida altura, aliás como é meu uso), faço um pequeno,mas necessário, esclarecimento ao seu comentário. Para além das pensões se degradarem cada ano que passa elas já são cortadas com as novas medidas PECtárias...

ABS disse...

Caro Rui Baptista, estou genericamente de acordo com o seu post. Uma simples correcção à nota de rodapé sobre o título: o filme chama-se mesmo "Este país não é para velhos", tradução livre de "No country for old men".

Rui Baptista disse...

Prezado ABS: Grato pela correcção. Acabo de emendar. Para além de uma incómoda gralha, tratava-se de uma tremenda injustiça por haver países em que os velhos são tratados com o carinho que devem merecer no crepúsculo das suas vidas.

maria disse...

embora concordando com o seu artigo , não me sai da cabeça o artigo do Público de ontem ( coisa que eu já sabia ) de como a medicina de hoje constroí doenças para vender medicamentos. suponho que mais de 70% dos medicamentos comparticipados pelo estado não servem para nadinha a não ser para dar lucro às farmacêuticas e laboratórios. e exames e patati patata idem.
a bem dizer , os médicos de clínica geral podiam ser substituidos por PCs ( que não ganham salário ) dado que só leêm resultados e prescrevem de cor e salteado. um bom programa informático fazia o mesmo.

ABS disse...

Estimada maria, chama-se a isto pontaria. Sou médico de clínica geral (médico de família, segundo a terminologia actual) e professor de medicina geral e familiar na Faculdade de Medicina de Lisboa. Dir-lhe-ei que lamento a imagem que tem dos clínicos gerais. Trata-se, efectivamente, de um estereotipo comum. E errado. Não a vou maçar e aos restantes com mais comentários sobre este aspecto.

Referir-me-ei apenas ao artigo do "Público" que menciona. O entrevistado, Ray Moynihan, é uma das vozes mais significativas de uma luta contra a medicalização da sociedade. Veio fazer uma conferência à Ordem dos Médicos e à Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade do Algarve. A tentativa de medicalização de situações comuns, cara maria, é um produto do marketing farmacêutico e não da medicina. E também este tema dava pano para muitas mangas.

maria disse...

podia-me maçar à vontade que eu não me importo. este é um tema que me importa. e não pense que desdenho dos médicos. mas vou-lhe confidenciar que prefiro confiar a minha saúde a um médico para aí , pelo menos , com 70 anos. toda a medicina do século XXI , exceptuando cirurgias e quase milagres , me faz desconfiar: querem que eu seja saudável ou querem ganhar dinheiro?
já disse aqui neste blog que religião e ciência se aproximam assustadoramente naquilo que toca mais ao ignorante pagante: saúde e ambiente.
aquecimento global e todos pré doentes. e não gosto.porque o mundo não é assim tão mórbido. ou pecadento , em linguagem religiosa.

ABS disse...

maria, não posso estar mais de acordo com o seu último parágrafo. Talvez seja para si uma surpresa, mas há toda uma corrente médica que luta contra os excessos da prevenção e da medicalização da vida humana. Há até um nome para isso: prevenção quaternária. Procure e vai ver que não está sozinha. E que há médicos mais novos - muitos, na verdade, da nova geração - que pensam precisamente assim.

As minhas desculpas ao blogue por este diálogo de rodapé, algo "off topic".

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