sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Adeus "Área de Projecto" - 1

No sistema educativo português, tal como provavelmente noutros sistemas educativos, é assim: quando se apresenta uma medida (política) apresenta-se como intocável (no sentido de só ter vantagens e, claro, nenhuma fragilidade), eficaz (no sentido de ser capaz de resolver imediatamente os problemas mais complicados) e indiscutível (no sentido de que é, obviamente, a medida certa).

Assim, se e quando alguém levanta uma dúvida em relação à medida, por mais ínfima que seja, é imediatamente chamado à atenção: por limitação sua, não terá compreendido o seu verdadeiro sentido e alcance, estará com má vontade, não quererá que a educação evolua, etc., etc., etc.

Porém, acontece muito frequentemente, que tão depressa como a medida se instalou se desinstala e, nessa ocasião, as mesmas entidades que a defendiam até à últimas consequências, passam a apontar-lhe mil e um defeitos...

Uma das medidas que vi mais elogiada em documentos da tutela e trabalhos académicos desde 2001, altura em que se publicou a Reorganização Curricular do Ensino Básico, foi a introdução de "Áreas curriculares não disciplinares" desde o 1.º ao 9.º ano de escolaridade destinadas à "formação pessoal e social dos alunos": Estudo Acompanhado, Formação Cívica e Área de Projecto.

Em relação a esta última área, esclarece-se no Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, que sistematiza a dita Reorganização, o seu objectivo:

"visando a concepção, realização e avaliação de projectos, através da articulação de saberes de diversas áreas curriculares, em torno de problemas ou temas de pesquisa ou de intervenção, de acordo com as necessidades e os interesses dos alunos."
Por seu lado, na página 77 do Currículo Nacional do Ensino Básico: Competências Essenciais (2001), no quadro da área curricular Estudo do Meio, e no que respeita à "mobilização e utilização dos saberes das áreas curriculares não disciplinares", a Área de Projecto deveria permitir a:

"negociação e tomada de decisão acerca dos aspectos relacionados com a vida na turma; organização da turma e dos grupos; selecção de temas; levantamento de questões; definição de estratégias e actividades a desenvolver; inventariação de recursos fontes e meios a envolver; elaboração de regras; confronto de ideias, partilha, aferição e avaliação do desenvolvimento do trabalho; atribuição e assunção de responsabilidades em tarefas individuais e de grupo; concepção de instrumentos adequados para a avaliação individual e de grupo ao longo do processo, mas também do produto final..."
Ora, acontece que esta área, tão enfaticamente descrita aqui e noutros sítios, acaba de ser retirada do currículo dos 2.º e 3.º Ciclos (mantem-se no 1.º Ciclo e no Secundário).

A decisão, ao que li no Público, foi do Conselho de Ministros, e é “decorrente, quer da experiência da sua aplicação, quer das opiniões expressas pela comunidade educativa que o consideram ineficaz”.

A ex-secretária de estado, Ana Benavente, uma das mentoras e defensoras da dita área curricular, insiste na sua validade, tendo declarado ao referido jornal:

“Acabar com a Área de Projecto é apenas mais um passo num retrocesso para a escola tradicional.” A Área de Projecto tem como objectivo ensinar os alunos a pensar e a trabalhar “além das disciplinas desgarradas e sem nenhuma articulação umas com as outras, dando sentido aos saberes (Português, Línguas, Matemática, Ciências, História, etc.). É esse o sentido da Área Projecto. Aprender e exercitar em torno de problemas reais, sejam ambientais, sociais ou outros." Admite que trabalhar desse modo "só faz sentido com autonomia das escolas, com professores com liberdade de acção pedagógica e com objectivos que, para além de instruir, pretendam que os alunos sejam cidadãos cultos e capazes de intervir na sua realidade." Contudo, com a burocracia e com os professores "tratados como funcionários e esmagados com relatórios e papeladas - entre as quais os da dita avaliação - é natural que se considere inútil a Área de Projecto", conclui.
Discussão pedagógica à parte, que também a tem, e neste caso, parecendo que não, seria longa, noto a grande margem de arbitrariedade de muitas decisões que se vão tomando em matéria de ensino, nunca se percebendo muito bem os fundamentos científicos, nem os modos de aplicação e muito menos os seus resultados.
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Na imagem: desenho constante num blogue exactamente dedicado à Área de Projecto.

5 comentários:

Celso disse...

Área de Projecto era uma treta de disciplina que servia para meter os alunos dentro de uma sala a fazer o mesmo o que faziam lá fora (mas sem futebol) mas com uma professora em modo "baby-sitter". Eventualmente ajudava nalguns trabalhos de casa. Palavra de quem frequentou essa "maravilhosa" disciplina.

Fartinho da Silva disse...

Finalmente, tenho pena que isto seja feito apenas por dificuldades financeiras!

Projectos, fazem-se em todas as disciplinas. Não é, nem nunca foi, necessária a existência deste absurdo do eduquês!

José Batista da Ascenção disse...

A área de projecto foi "um projecto" falhado criado na sequência da defunta "área-escola". De modo geral, só pessoas fora da realidade escolar, que não ensinam alunos, continuam a defender tal coisa.
Ninguém pensa em projectos porque é artificial e arbitrariamente obrigado a pensá-los.
Ninguém faz bons projectos porque é obrigado a fazê-los.
A área de projecto não é uma disciplina, é uma área não disciplinar, logo pode ser qualquer coisa ou a negação de qualquer coisa, mas tem classificações como se de uma disciplina se tratasse e é orientada por um professor, em tempos curriculares, como se fora uma disciplina... No ensino secundário até pode ir-se a exame prestar provas sobre área de projecto! Dá para entender?
Só mais um pequeno pormenor: se a área projecto não é uma disciplina, mas tem tantas virtualidades, se é tão útil, e partindo do princípio que os cidadãos não são (completamente) estúpidos, porque é que não a tornam facultativa?...
A área escola é isto. E muito mais... Por muito que algumas (cada vez menos) vozes a defendam.

José Batista da Ascenção disse...

No último parágrafo do meu comentário anterior, onde se lê "área escola" devia estar "área de projecto"

Anónimo disse...

o defeito nao é da área de projecto. mas em que país estamos que toda a gente julga que só as disciplinas teóricas é que são boas?? e a componente prática que o currículo não dá mas que todos os e as alunas necessitam?

o grande problema não é a área de projecto! é este espaço ter sido muito mal aproveitado pelos professores/as e mal pensado pelo ministério da educação. tem tanta importância como o português, a matematica ou as ciências!

enfim...

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