quinta-feira, 1 de abril de 2010

O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM CURSO NO SISTEMA EDUCATIVO

“A nossa fatalidade é a nossa história” (Antero de Quental, 1842-1891).

Logo a seguir a 25 de Abril assistiu-se em Portugal a uma convulsão social, denominada Processo Revolucionário em Curso (PREC), que se fez sentir em todos os domínios da sociedade com reflexos nefastos no actual sistema educativo.

Pouco a pouco, uma aparente normalidade foi restabelecida em outros sectores da res publica mas que deixou resquícios numa carreira docente abrangente de todos os docentes da educação pré-escolar ao ensino secundário, como se “a democracia fundada sobre a igualdade absoluta não fosse a mais absoluta tirania”, como escreveu Cesar Cantú.

Ou seja, uma espécie de “sociedade sem classes” que não encontra paralelo em qualquer outro país europeu com carreiras docentes distintas e em que os vencimentos divergem em função do grau de ensino ministrado e da formação académica dos docentes.

Inicialmente, houve essa destrinça salarial entre bacharéis (alguns com simples diplomas do então ensino médio) e licenciados. Mas foi sol de pouca dura! Logo surgiram escolas privadas ditas superiores, e até sindicatos docentes, a aproveitarem-se da situação para fazerem disso um negócio chorudo vendendo “licenciaturas” enquanto o diabo esfrega um olho a simples equiparados a bacharéis, oriundos do então chamado ensino médio.

Para este statu quo, a Fenprof e a própria FNE tiveram um papel preponderante assumindo a vanguarda de um igualitarismo que Medina Carreira definiu como sendo “uma trafulhice” (Revista Expresso, 24/10/2009). De permeio, assistiu-se à proletarização do exercício docente, com greves e manifestações de massas herdadas do século XIX, batendo-se desesperadamente para retardar, ou até impedir, a criação de uma Ordem dos Professores mesmo depois de profissões em grande parte formadas por profissionais sem diploma académico superior de raiz (v. g., enfermagem e técnicos oficiais de contas) estarem actualmente representadas por ordens profissionais.

Bem sabem o Governo a Fenprof (que vive o período de graça de ter sabido congregar numa plataforma sindical a maioria dos sindicatos docentes unidos num descontentamento de natureza laboral) que a criação de uma Ordem dos Professores é uma questão de tempo em benefício do sistema educativo e do exercício da docência em que a profissão de professor não existe verdadeiramente, como existem as profissões de médico ou de advogado, por exemplo.

Disse Woody Allen que ”o político de carreira é aquele que faz de cada solução um problema”. Surge agora o secretário de Estado Adjunto e da Educação Alexandre Ventura, no Diário de Notícias (20/03/2010), “a mostrar-se favorável à criação de uma instância de auto-regulação da profissão de professor e elaboração de um código deontológico” ,com o nome de “Conselho Superior das Profissões de Educação”, como diria Pessoa, “uma coisa indistinta, a indistinção entre nada e coisa nenhuma”. Para o efeito, é, ainda aí, proposto por ele “um debate que importa prosseguir no seio das organizações representativas dos educadores e dos professores”.

Cabe aqui perguntar: a que “organizações representativas” se refere Alexandre Ventura? A sindicatos, como escreveu Mário Soares (Diário de Notícias, 29/01/2008) “correias de transmissão do PCP” e, por razões óbvias, contrários a uma regulação que escape à sua influência política? Se essa auto-regulação é atribuída por norma às ordens profissionais porque apelidar esse organismo de direito público de “Conselho Superior da Profissões de Educação” criando, desde logo, uma possível indefinição sobre a respectiva abrangência: professores, psicólogos, assistentes sociais, pessoal administrativo, auxiliares de acção educativa?

Como nos adverte a vox populi, "nas costas dos outros lemos as nossas”. Como tal, temo que para a educação se esteja a desenhar uma solução que não seja peixe nem carne, ou que convenha que seja carne a passar por peixe, ou vice-versa, como o acontecido com o exercício profissional de jornalista com carteiras profissionais passadas até 94 pelo respectivo sindicato, a exemplo das carteiras profissionais de electricistas, cabeleireiros, esteticistas, cozinheiros, sem querer pôr em causa a respeitabilidade destas profissões.

Seja a que pretexto for, o jornalismo, pelo seu importante papel social, devia estar a coberto de soluções de recurso, ou mesmo envenenadas, motivadas pelas fortes objecções levantadas à criação de uma Ordem dos Jornalistas. Anos idos, num programa da RTP2, intitulado “Clube dos Jornalistas, assistiu-se a um debate entre dois jornalistas e uma ex-presidente do Sindicato de Jornalistas, de seu nome Diana Andriga, manifestando-se ela declaradamente contrária à criação de uma Ordem dos Jornalistas em oposição às opiniões favoráveis de Octávio Ribeiro, subdirector do Correio da Manhã e Eduardo Cintra Torres, crítico de televisão do Público. Manifestou-se igualmente a favor – não posso precisar se nessa altura ou em qualquer outra – o antigo director do Diário de Notícias, Bettencourt Resendes. Por seu turno, em 25/7/2005, em artigo de opinião, José Manuel Fernandes, director do Público, perante os inúmeros desafios levantados à profissão de jornalista – e a que, ainda, segundo ele, o respectivo sindicato não pode dar resposta, sob pena de exorbitar nas suas funções -, saía em defesa “de uma associação de filiação obrigatória para todos os jornalistas”. E interrogava-se e aos seus leitores: “Uma Ordem?”

Estes pesos pesados do jornalismo nacional encontraram pela frente a simples e expectável opinião da sindicalista Diana Andriga com respaldo no constitucionalista e então deputado do Partido Socialista Vital Moreira: ”Sempre me manifestei contra a criação de uma ordem profissional [dos jornalistas] – aliás rejeitada num referendo à classe realizado há mais de uma década” (Público, 05/07/2005). Em contradita com a opinião favorável do então bastonário da Ordem dos Advogados, Júlio de Castro Caldas, esta tomada de posição fora no ano anterior já defendida por este constitucionalista ao considerar a criação de uma Ordem dos Jornalistas como “não sendo a melhor solução” (Público, 03/06/97). Ora, o argumento do referendo, por si havido como uma espécie de pachorrenta e idolatrada vaca sagrada dos hindus tinha sido revisado por Miguel Sousa Tavares: “(…) opus-me no referendo feito à classe sobre a criação de uma Ordem dos Jornalistas. Hoje, revejo a minha posição: é urgente a criação de uma Ordem dos Jornalistas” (Público, 06/03/98).

Como ultima ratio para a sua discordância, escreveu Vital Moreira “que as ordens profissionais tiveram a sua origem no sistema corporativo do Estado Novo” (Público, 05/07/2005). Mas ,como é sabido, a criação da Ordem dos Advogados (Decreto 11.715/26, de 16 de Junho) é sete anos anterior à Constituição Portuguesa de 1933 que estabeleceu o regime corporativo em Portugal. Apesar de uns tanto opositores à criação da Ordem dos Professores pertencerem ao Partido Socialista nada autoriza a pensar que esta formação política esteja contra esta forma de associação profissional de direito público: foi no consulado de António Guterres que foi criada a Ordem dos Enfermeiros destinada a uma profissão sem formação académica universitária como era de tradição.

Cessem as desculpas de mau pagador. A docência merece e deve ser tratada com a dignidade de que é credora por um passado que muito a lustra. Para o efeito, deverá ser nomeada oficialmente uma comissão instaladora nacional para a criação da Ordem dos Professores, sempre falada e sempre deixada para as calendas gregas como se o seu protelar fosse a solução para que o exercício da função docente, órfã do título profissional de professor, deixe de ser “arrabalde de si própria”, como diria Pessoa.

Post scriptum: A vontade dos docentes para a criação da Ordem dos Professores ficou bem expressa numa petição apresentada, em 2004, pelo Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, na Assembleia da República, subscrita por 7857 assinaturas (quase o dobro das 4000 exigidas para o efeito) que foi discutida sem ser votada sob a alegação de estar para ser publicada uma Lei Quadro das associações públicas profissionais como viria a acontecer.

27 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Já pertenci a uma Ordem (a dos Biólogos) e, por decepção e espanto, quando deram aprovação aos actuais programas de biologia do ensino secundário, particularmente o de décimo ano, entreguei o respectivo cartão.
Também me parece que há muitas Ordens, para muitas profissões, e fica-me a impressão que com poucos benefícios para essas profissões e para aqueles que deviam usufruir da acção desses profissionais. Talvez esteja enganado. Mas foi a experiência que vivi, enquanto professor e biólogo...
De qualquer forma daria o meu apoio a algum organismo que exigisse um módico de decência no acesso e na regulação da profissão docente.
E faço a devida vénia a quem tão denodada, coerente e honestamente se bate por isso.

Rui Baptista disse...

Meu Caro José Batista da Ascenção:

Começo por lhe agradecer o reconhecimento que faz à minha "teimosia" na defesa da criação da Ordem dos Professores.

Embora reconheça que "não há bela sem senão", reside ela, em grande parte, na acção nefasta de um certo sindicalismo que pretende transformar a docência numa arma política.. Julgo que isso mesmo tentei documentar com o meu post cujo mérito encontro no facto de me não tornar cúmplice dessa acção.

Aliás, como tenho escrito mais de uma vez, assemelha-se a defesa deste “stau quo” à história daquela mãe que num desfile militar ao ver o seu rebento marchar com o passo trocado se vira para as pessoas em redor, dizendo cheia de orgulho. “Todos levam o passo trocado; só o meu filho leva o passo certo!”

Será que os médicos, os advogados, os engenheiros levam o passo trocado? Os exemplos aqui deixados são justificáveis pelo prestígio que os antigos professores do liceu gozavam em paridade com aqueles, talvez com a única excepção dos médicos por lidarem com a doença e serem a esperança na sua cura.

Ai meu Deus disse...

Aqui está, num blogue geralmente com muito interesse, um desinteressante texto... panfletário. Feito de chavões atirados sem qualquer "prova" (por ex., que o PREC "se fez sentir em todos os domínios da sociedade com reflexos nefastos no actual sistema educativo"). De fundamentação de opiniões a partir de outros casos (como se os outros, por serem como o autor desejaria que fosse o nosso, fossem bons: é o caso dos países onde há "destrinça social"). de "análises" superficialíssimas e pouco documentadas (como é o caso dos sindicatos correias de transmissão)..

E não são as citações que o salvam -- porque as citações valem o que valem (os argumentos, que aqui faltam).

Enfim... no melhor pano cai a nódoa...

Rui Baptista disse...

Ai meu Deus:

Li o seu comentário que agradeço por satisfazer parcialmente o ponto 3 do envio de comentários: discordâncias.

Fernando Martins disse...

Excelente texto - a coerência e dedicação do seu autor merecia mais apoio por parte dos Professores para fazerem a sua Ordem...

Rui Baptista disse...

Caro Fernando Martins:

Se mais apoios não houver, os vossos comentários, meus caros Fernando Martins e José Batista da Ascenção, ou vice-versa, são mais do que suficientes para eu ser senhor da certeza de que a Ordem dos Professores será, mais dia menos dia, uma realidade porque o "soberaníssimo bom senso", de que nos fala Antero, acabará por vingar sobre paixões sectárias.

Um abraço grato e uma Páscoa Feliz a ambos.

Rolando Almeida disse...

Este texto mostra uma hipótese interessante e que me parece corresponder em larga medida à realidade: o excesso de socialismo e pseudo igualdade no sistema de ensino dado pelo Estado. E parece-me também verdade que não faz sentido que as regras de um professor de física sejam exactamente as mesmas de um educador de infância ou um professor de educação física.

Ai meu deus,
Como é que é possível alguém de que: 1) não apresenta argumentos 2) que a defesa não passa de afirmações avulsas quando a própria acusação: 1) não apresenta argumento algum e 2) não passa de afirmações que traduzem a visão mais que pessoal de alguém???

Anónimo disse...

Ó Ai meu Deus: é óbvio que o autor do post não percebeu ainda que o homem é um animal político. Para seu (dele, autor) azar uma vez que não gosta de política.

José Batista da Ascenção disse...

Caro Rui Baptista:

Obrigado pelas suas palavras. A sua luta e a sua frontalidade são para mim um exemplo. Que apoio, com muito gosto.
Desejo-lhe uma Boa Páscoa.
Estou de saída, durante poucos dias, para onde não há net.
Voltarei depois, ávido de consultar este sítio.
Até lá.

Aristes disse...

Mas isto aqui é o De Rerum Natura ou o 31 da Armada?

joão boaventura disse...

Caro Rui Baptista

A propósito do igualitarismo, em 1931, Adrian Rogers desenvolvia esta ideia:

"É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar a alguém aquilo que não tira de outro alguém.
Quando metade da população entende a ideia de que não precisa de trabalhar, porque a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a.”

Neste pressuposto um professor de economia na universidade Texas Tech disse que nunca chumbou um só aluno, mas tinha, uma vez, chumbado uma classe inteira. Esta classe, em particular, tinha insistido com o professor que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo.

O professor então propôs fazer uma experiência socialista na classe. Em vez de dinheiro, seriam utilizadas as notas das provas, para validar ou invalidar a teoria dos alunos. Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e, portanto seriam justas, segundo a teoria dos alunos. Isto significaria a atribuição da mesma nota a todos, consequentemente, sem reprovações.
Como a média da primeira prova foi 14, todos foram classificados com 14. Quem estudou com afinco ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.

Para o segundo teste, os preguiçosos estudaram ainda menos, confiados na configuração da primeira prova, que resultaria numa nota do nível anterior. Na mesma linha de pensamento, os que tinham estudado bastante para a primeira prova, escudaram-se na figuração da prova anterior, e resolveram também aproveitar o nível da média anterior.

Portanto, os estudiosos, contra as suas tendências, acabaram por seguir os hábitos dos preguiçosos. Daqui resultou que, a segunda média dos testes, foi 10. E ninguém gostou.

No terceiro teste, a média geral foi um 5. As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, acusações mútuas e mau estar passaram a fazer parte da atmosfera daquela classe que preconizava um socialismo realizável e justo.

A ansiada justiça dos alunos que tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e sentido de injustiça passaram a fazer parte da turma. No fim de contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da turma. Como epílogo, todos os alunos chumbaram… Para total surpresa de todos.

O professor explicou que a experiência socialista tinha falhado porque fora baseada no menor esforço possível da parte dos seus participantes. Preguiça e mágoas foi o seu resultado.

O professor concluiu que “quando a recompensa é grande, o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem o seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável.”

Isto não passa de uma parábola porque não vejo este filme realizável para chegar ao efeito perverso de chumbar uma turma inteira, sem dó nem piedade, mas, como parábola é perfeitamente aceitável.

Rui Baptista disse...

Anónimo (02.Abril:13:54):

Desde os meus tempos de aluno de Filosofia no então liceu, sei, como aliás o sabe pela citação que faz, que “o homem é um animal político” (Aristóteles) , não aceitando, portanto, ser eu uma excepção para a compreensão da sua capacidade humana de agir que se deve reger por uma ética de virtudes, como defende aquele filósofo,que encontra na política um pleno exercício não compadecido “com ratos em cima do telhado e pássaros na cave”, como escreveu um poeta da pátria de Racine, em generosa guarida a “direitos” alcançados em conturbados períodos de desvario revolucionário ou em suas sequelas.

Aliás, Rui Alarcão, ex-reitor e catedrático de Direito da Universidade Coimbra, diz-nos que “o princípio da igualdade que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente”.

Em consequência, não se trata de eu gostar ou não da política mas dos princípios que a norteiam em defesa de uma igualdade desigual.

Rui Baptista disse...

Aristes:

Tanto as minhas como as suas são concepções políticas que eu respeito e que lhe devem merecer idêntica atitude enquanto “animais políticos” que somos numa sociedade democrática em que o lápis azul dos chamados coronéis da censura pertencem a um passado tão reprovável quanto aquele que vigorou em países em que não havia liberdade de expressão, pese embora o anúncio das suas “amplas liberdades”!

Não queira ver, portanto, fantasmas onde os não há mesmo com” o manto diáfano da fantasia” de que nos fala Eça de Queiroz.

Rui Baptista disse...

Caro Rolando Almeida:


A páginas tantas, no seu comentário a este meu post, escreve que “não faz sentido que as regras de um professor de física sejam exactamente as mesmas de um educador de infância ou um professor de educação física”.

Interpreto esta referência aos vencimentos igualitários auferidos na docência por estes docentes. Aliás, eu próprio no meu post critico este “statu quo” por entender que o esforço feito nas respectivas formações académicas deve ser devidamente evidenciado e recompensado. Ou seja, comungo da opinião que o vencimento de um indivíduo com um antigo curso médio (caso dos educadores de infância) não deve ser o mesmo de indivíduos habilitados com cursos superiores de raiz: professores das disciplinas de Física e de Educação Física.

Tempos houve (anteriores a 25 de Abril) em que a disciplina de Educação Física era ministrada, simultaneamente, por professores e pelos então instrutores de Educação Física com cursos médios com ordenados menores, a exemplo dos educadores de infância.

Aliás, numa outra perspectiva, teci considerações referentes à aberração de um estatuto de carreira docente metendo no mesmo saco docentes dos vários graus de ensino não superior com formações díspares.

Escrevi na altura:”Em nome de uma pretensa democracia, que anula toda e qualquer diferença e posterga todo e qualquer valor, procedeu-se a uma igualização de indivíduos diferenciados na sua formação académica. Consequentemente, os responsáveis pelas normas estatutárias de uma única, mesquinha e tirânica carreira docente pressionados por instâncias sindicais devem assumir a responsabilidade do mal-estar por parte de professores mais habilitados ao serem metidos num fato ‘prêt-à-porter’ com outros com menor formação académica.”

E prossegui: “Desta forma, são mal tratadas as elites que, segundo António José Saraiva ( na opinião respeitável do ensaísta Eduardo Lourenço, uma referência-chave da cultura portuguesa), assustam muito democratas por julgarem que as sociedades podem ser superfícies rasas”(“O Leito de Procusta”, edição do SNPL, Outubro de 2005,p.14).

Rolando Almeida, na sua qualidade de professor de Filosofia, estará bem a par da importância que as actividades corporais assumem no escopo das modernas concepções filosóficas. Mas, na previsão de poder haver quem ainda se atenha ao dualismo cartesiano refiro ser esta uma situação ultrapassada pelo tempo e pelos modernos conhecimentos da neurobiologia mas que parece persistir no espírito de muito boa gente, mesmo depois da morte de René Descartes no longínquo ano de 1360.

joão boaventura disse...

Sobre o "Conselho Superior das Profissões de Educação”

Quando às instâncias superiores rareiam as capacidades de renovar soluções que correspondam às necessidades de dar vida, credibilidade e estabilidade no tecido educativo, o caminho mais fácil é a opção, ou seja, leis decretos, portarias, despachos, recomendações, directrizes, avisos, que são as chamadas soluções imediatistas, porque evitam o trabalho de investigar as causas dos efeitos que se pretendem colmatar.

E de lei em lei, de decreto em decreto, de portaria em portaria, de despacho em despacho... porque os males são estudados pela rama, ou mal estudados, sem a profundidade que os casos exigem, o Ministério da Educação vai atabalhoando, saltando, revogando, emendando, tapando, ou o que se quiser as maleitas do enfermo educação.

E é assim que a anarquia vai crescendo, de Ministro para Ministro, porque cada novo Ministro pretende resolver um problema que é secular, à pressa, porque só lá vai estar quatro anos e não sabe se terá ainda mais quatro anos para emendar o que fez à pressa nos primeiros quatro anos, vide Maria de Lurdes Rodrigues, e agora, a correr em sentido contrário, vide Isabel Alçada.

Depois aparece o Dr. Rui Baptista a defender acerrimamente a construção da Ordem dos Professores, e a apresentar ao Parlamento a respectiva petição com a atenção que matéria tão sensível despertou e vem estampada no post-scriptum: "...foi discutida sem ser votada sob a alegação de estar para ser publicada uma Lei Quadro das associações públicas profissionais como viria a acontecer".

Não sei se é inteligível o raciocínio da Assembleia da República, talvez um pouco obnubilada com o andamento desgovernado intuído por Belmiro de Azevedo, porque a Assembleia, sabendo antecipadamente da preparação de um normativo destinado à regulação das ordens presentes e futuras, dá-se ao trabalho de discutir a petição da Ordem dos Professores, e depois, concluir que não vale a pena votar porque uma nova lei irá impedir o seu parto.

Mas a Ordem dos Professores foi-se disseminando e já apareceram mais dois proponentes à criação da Ordem, como se nunca tivessem ouvido falar dela, ou tenham tido conhecimento da batalha travada pelo Dr. Rui Baptista, supõe-se que por medo que este viesse a ocupar a cadeira de Bastonário, o que sempre tem rejeitado.

Um deles é a Associação Nacional de Professores, e o outro intitula-se Associação Sindical Pró-Ordem, com a singularidade de o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados ter sido o primeiro a entregar a petição tão tarde que a Assembleia cerceou os trâmites.

Continua

Aristes disse...

Rui Batista,

Pois é, a sua liberdade de me associar às "amplas liberdades" é a mesma da minha de achar que este seu escrito tem mais a ver com o 31 da Armada do que com o De Rerum Natura.

Mas olhe que esse tique de perante uma opinião que não lhe agrada vir com o paleio de censura e lápis azul, não lhe fica nada bem.

joão boaventura disse...

Sobre o "Conselho Superior das Profissões de Educação”. 2

Apesar das dificuldades de um parto da Ordem dos Professores que a Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro, acabou por cercear, e porque o cerco parece ampliar-se para que a lei seja expurgada das discriminações sociais, o Ministério em resposta pronta e imediata, para cortar os sonhos da sociedade civil (Max Weber), aparece pelo voz do Secretário Adjunto e da Educação a propor, supomos que para a criação de uma Ordem mínima tipificada, um Conselho Superior das Profissões da Educação, para aumentar a elencagem dos 13 Serviços Centrais já existentes no Ministério.

Como não esclarece quem entra na titulação nem o que é que entende por Profissões da Educação, embora tenha tido o cuidado de expor que o alvitre é apenas uma mera sugestão. Supomos que terá sido abordado sobre o tema, ou alguém proposto, na reunião havida em Braga, porque, tal como o Ministério trabalha à pressa e sob pressão, também a imprensa nem sempre é pródiga em notícias muito claras e independentes, pelo que ressalvo a suposição de pretender mais um serviço central do Ministério, o que não seria caso virgem.

Mas a proliferação de criadores da Ordem dos Professores não abona o professorado, e retrata a falta de unidade nos únicos operadores credíveis do ensino, e é pena, mas a forma como o Ministério tem tratado o sistema de ensino, afigura-se como o maior culpado pelos estragos irreparáveis e pela irresponsabilidade com que exerce uma função que deveria ser a mais nobre. É pena, porque tem tratado os professores com desconsideração, e cobriu-os com uma manta desprezível. E assim como o país vai levar anos a recompor a sua economia, assim os levará para repor o professorado no nível em que sempre estiveram.

Rui Baptista disse...

Aristes:

Numa sociedade democrática (verdadeiramente democrática) cada um é livre de manifestar as suas opiniões políticas ou de qualquer outra natureza. Daqui eu não criticar as escolhas políticas que cada um faz e, muito menos, associá-las "às amplas liberdades" de regimes políticos onde não havia essa liberdade.

Deduz, mas deduz mal, porque não o escrevi, que o associo a essas " amplas liberdades" como se fosse lícito deitar-me a advinhar as preferências políticas de cada um ou de cada qual podendo cair no erro de confundir a simples casca de noz de uma crítica com uma Armada que parece causar tanto e tamanho incómodo.

Ai meu Deus disse...

Só umas notazinhas para o Rolando Almeida:

1) fazes-me rir com coisas do género de "excesso de socialismo e pseudo igualdade no sistema de ensino dado pelo Estado". Um chavão e ponto final, como se isso não traduzisse "a visão mais que pessoal de alguém";

2) fazes-me rir com distinções do género destas: "não faz sentido que as regras de um professor de física sejam exactamente as mesmas de um educador de infância ou um professor de educação física". Belíssima argumentação, como se pode l/ver... (já agora, aconselho-te a (re)ler a resposta do autor do texto, onde, desta vez, apresenta um critério -- ainda que questionável, é um critério -- diferenciador de vencimentos -- se era a vencimentos que te referias, porque além de não justificares o que afirmas também não és claro no que escreves);

3) fazes-me ficar parvo com observações (ana)lógicas deste tipo: "Como é que é possível alguém de que: 1) não apresenta argumentos 2) que a defesa não passa de afirmações avulsas quando a própria acusação: 1) não apresenta argumento algum e 2) não passa de afirmações que traduzem a visão mais que pessoal de alguém???". Que argumentos querias tu que apresentasse? os 2 pontos que referes vêem-se no texto /digo eu).

Anónimo disse...

Caro Rui Baptista,
Tem razão quando diz que há professores mais habilitados “metidos num fato ‘prêt-à-porter’ com outros com menor formação académica".Veja-se o que acontece na nova estrutura da carreira docente. Os professores licenciados (alguns com mestrado na sua área de ensino), que se encontravam no antigo 7º escalão, passaram para o 4ºescalão da nova estrutura, sendo ultrapassados por alguns colegas bacharéis ( que também se encontravam no 7º escalão) e que foram reposicionados no 5º escalão da nova carreira.

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

Do seu comentário, desdobrado em duas partes, como impunha a necessária extensão e não menor qualidade, retenho, para além da intencional e oportuna parábola, meia dúzia de palavras que podiam ser havidas, por alguns leitores, menos informados ou mais maldizentes, como espelhando uma minha intenção encapotada, como escreve, e que cito “verbo pro verbo”: “(…) supõe-se que por medo viesse a querer ocupar a cadeira de Bastonário, o que sempre tem rejeitado”.

Devido ao condicionalismo de me ter aposentado vai para uma dezena de anos (depois de 40 anos de docência no ensino técnico, liceal e universitário) dão a garantia aos mais desconfiados e cépticos dessa impossibilidade ou até da minha inscrição numa futura Ordem dos Professores.

Resta-me, portanto, continuar a defender uma causa em que continuo a acreditar, agora, em benefício de terceiros, espelhada em muitas dezenas de artigos de jortnal e posts de opinião, neste blogue, e a publicação do livro “Do Caos à Ordem dos Professores” (Edição do SNPL, Janeiro de 2004 ), de que transcrevo o parágrafo inicial da respectiva Introdução:

“Este livro, como o leitor oportuna e facilmente se aperceberá, espelha a simplicidade e a parcimónia do número de páginas (201). Todavia, teve como ‘vis a tergo’ uma razão muito forte. Combater ‘a liberdade, a fraternidade e a igualdade do insignificante e do medíocre’, como escreveu Eça de Queiroz, ou seja de todos aqueles que, em evocação abusiva de princípios que nortearam a Revolução Francesa, conseguiram uma carreira docente única tentando, agora, por todos os meios, combater a criação de uma Ordem dos Professores”.

Aliás, a doutrina de combate sem quartel a uma carreira docente única subjaz nos motivos que levaram à criação do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados em 92 (data em que foi extinta a Associação Nacional dos Professores Licenciados de que se tornou herdeira), conforme consta do respectivo historial: [O SNPL] “nasceu para defender os interesses específicos dos professores licenciados por universidades que eram, e continuam ainda a ser, postergados pela administração e ignorados pelos outros sindicatos e suas federações”.

Com a criação da Plataforma Sindical, tendo como porta-voz Mário Nogueira da Fenprof, o SNPL deixou de “ser ignorado pelos outros sindicatos”, quanto a mim, pelas piores razões (expressas na minha demissão de presidente da respectiva Assembleia Geral poucos dias depois de ter sido aprovado um voto de confiança à minha pessoa em Assembleia Geral), deixando em banho-maria ou renegando a própria criação da Ordem dos Professores. "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades"...

Rui Baptista disse...

Caro anónimo:

O seu comentário exemplifica uma situação consentida por uma nova estrutura da carreira docente: a substituição do mérito pela mediocridade.

Mas eu dou-lhe o exemplo de uma caso que a antiga carreira docente proporcionou:

Um muito conceituado professor licenciado de Matemática, antigo e prestigiado reitor liceal, Dr. Álvaro da Silveira, foi obrigado a reformar-se, por limite de idade, aos 70 anos, no 9-º escalão não tendo chegado ao 10.º escalão por uma questão de alguns dias. Entretanto, uma professora diplomada pelo antigo Magistério Primário (equiparada a bacharel, apenas, para efeitos de docência e continuação de estudos), sua vizinha, reformou-se, na mesma altura, com 52 anos de idade. Ou seja, com 18 anos de idade a menos de docência e diploma de estudos abissalmente de menor duração e exigência académica. Esta situação amargurou-o tendo abalado a sua saúde.

São situações como esta que me fazem estar, ou mesmo revoltar, contra uma carreira docente única alcançada em clima de intolerável pressão sindical perante a passividade dos professores licenciados que, ingenuamente, foram levados, em manobras "palacianas" por julgarem
ser suficioente terem a razão e a justiça por seu lado...

Rui Baptista disse...

Rectificação: As penúltima e última linhas do meu comentário (em resposta ao comentário de João Boaventura)deverão ser recticadas da forma seguinte:(...)"supõe-se que por medo que este viesse a ocupar a cadeira de Bastonário, o que sempre tem rejeitado".

A João Boaventura e aos leitores, as minhas desculpas por este erro involuntário merecedor desta rectificação.

Fartinho da Silva disse...

Assino por baixo tudo o que foi escrito neste post por Rui Baptista.

O exemplo dado por João Boaventura é delicioso :)

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

É sempre um prazer meu ver comentários vindos de uma pessoa com espírito combativo defender os seus ideais de uma Escola com um projecto educativo de natureza privadada ao serviço dos alunos e da valorização de um país dependente cultural, social e economicamente do seu sucesso.

Também eu subscrevo com muito agrado o exemplo dado por João Boaventura e, para além disso, agradeço-lhe a evidência dada do meu interesse (ou mesmo teimosia, se quiser!) pela criação da Ordem dos Professores não ter intenções de um qualquer interesse pessoal encapotado. Ser eu a dizê-lo, corria o perigo de incorrer na crítica do aforismo da Antiga Roma recordado dos meus tempos saudosos de aluno liceal de Latim (lamentavelmente, caído em desuso), mesmo que viesse-mos a prosseguir estudos da então chamada Secção de Ciências, como foi o meu caso: “Laus in ore proprio vilescit”(elogio de boca própria envilece).

Rui Baptista disse...

Uma arreliadora ( e desastrosa) gralha pousou na antepenúltima linha do 2.º § do meu anterior comentário. Assim, na palavra viéssemos um hifen tomou o lugar de um acento agudo no primeiro "e" da forma verbal.

Rui Baptista disse...

Depois de enviar o meu último comentário fiquei na dúvida se tinha escrito acento agudo. "In dubio": acento agudo, acento agudo...acento agudo.

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