domingo, 11 de abril de 2010

O máximo de criatividade

A criatividade é uma capacidade humana, como o são a retenção de dados na memória, a compreensão, a elaboração de juízos, ou a invocação de conhecimentos prévios para tomar decisões ou agir. Quando nascemos, todas estas capacidades se encontram em potência e, nessa medida, para se revelarem precisam de ser ensinadas e aprendidas. Falhas nestes dois processos comprometem a inteligência, que se constitui numa articulação, ainda não completamente esclarecida, entre estas capacidades e outras não aqui referidas.

Porém, num certo discurso, que está longe de poder ser corroborado pela Pedagogia (que se rege pelo modo de pensar aceite pelas comunidades científicas), insiste-se nas seguintes ideias:
(1) certas capacidades dispensam a estimulação, porque a criança, por si só, consegue desenvolvê-las;
(2) a estimulação dessas capacidades por adultos, a ser feita, tem efeitos contraproducentes: inibe a sua livre expressão;
(3) assim sendo, certas capacidades dispensam a estimulação de outras, pois estas podem destruir aquelas.

São três ideias que emergem imediatamente quando, nesse tipo de discurso, se invoca a criatividade. Assim, no plano da educação escolar, sublinha-se que:
(1) as crianças são naturalmente criativas e, quando não constrangidas, são capazes de fazer desabrochar e concretizar essa vertente no seu maior explendor;
(2) nessa medida, os professores devem, apenas e só, criar as condições para tanto;
(3) e devem, abster-se de trabalhar a memorização, porque esta abafará todo e qualquer laivo de criatividade.

Trata-se de ideias que, além de erradas, são perigosas. A criatividade é uma capacidade abstracta e complexa, requendo, para se desenvolver, outras que lhe são propedêuticas, como é o caso da memória. Não se trata de duas capacidades antagónicas, mas de duas capacidades complementares. A falta de estimulação duma prejudica a outra.

Tais ideias não estão, infelizmente, apenas patentes em discursos teóricos, elas perpassam os doumentos curriculares vigentes. Reproduzo, de seguida, um extracto do Programa de Educação Visual e Tecnológica para o 2.º Ciclo do Ensino Básico, que ilustra na perfeição o que acima afirmei:

“A investigação deve ser orientada para a autonomia dos alunos e a criação de hábitos de pesquisa, tanto relativamente aos interesses dos alunos como às formas de registo, de exploração das respostas e de apresentação das ideias, no sentido de permitir o máximo desenvolvimento da criatividade. Ao professor caberá essencialmente estimular a procura do maior número de respostas, animar a recolha de dados, promover a reflexão…”

7 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Foi assim que chegámos onde nos encontramos (em que se encontra a Escola). Dir-me-ão que há muitas razões para isso. O que é verdade. Só que, entre essas razões, e com grande peso, estão precisamente as ideias perniciosas referidas no "post"...

José Batista da Ascenção disse...

Foi assim que chegámos onde nos encontramos (em que se encontra a Escola). Dir-me-ão que há muitas razões para isso. O que é verdade. Mas, entre essas razões, e com peso determinante, estão precisamente as ideias perniciosas referidas no "post"

margarida disse...

Criativemo-nos! :)

De profundis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fartinho da Silva disse...

É este o cerne da questão!

Nan disse...

Entrará em vigor no ano de 2011/2012 um programa de Língua Portuguesa para o Ensino Básico em que se deve esperar que as crianças «descubram» as regras gramaticais.

António Martins disse...

Boa noite.
Srª Helena Damião, deixe-me que lhe diga que o que está escrito no programa de EVT, o que está em vigor e que data de Julho de 1991, ou seja 19 anos passados, são orientações metodológicas. Se ler com atenção também verifica que há uma parte respeitante às operações constantes da Geometria.
Concordo quase em pleno com o seu artigo, mas por experiência sei que a aplicação prática de conteúdos a “ensinar”, e não se ensina a criatividade, esta desenvolve-se partindo da tal relação com a memória e a experimentação, só pode ser feita se a memória estiver presente. Um professor sério sabe que não se ensina a ser criativo, mas também deve saber que há ferramentas que podem potenciar esse acto abstracto e criativo, nomeadamente a repetição e a constante procura, baseada nos resultados obtidos e na memória desses mesmos resultados. Não vejo os meus alunos só nessa perspectiva da criatividade, mas sei, e do que falo que de facto os há mais criativos que outros, mesmo que “possuam” talvez as mesmas capacidades de memorização. Como em tudo, o problema não está nas instruções do produto, mas sim o que fazemos com ele. E acredite, que eu e muito professores de EVT fazem um grande esforço, para por exemplo trazerem e levarem conteúdos da tão mal tratada matemática para a aplicação nas unidades de trabalho. Não julgue a árvore pela folha, até porque tenho tido muitos bons exemplos de como com a persistência e memória se consegue ser criativo. Mas há um facto que importa não esquecer, não somos, nem podemos ser todos Pessoa, mas se nunca tentarmos, nunca o saberemos.
Se quiser consultar, deixo aqui uma muito pequena amostra dos trabalhos (criativos) e técnicos, e com o uso da memorização que já desenvolvi com os meus alunos. Lembro que todos os trabalhos foram executados pelos alunos de forma AUTÓMONA e orientados pelos professores. Aqui: http://www.evtaltomoinho.blogspot.com/
Att. António Martins

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...