Pela consideração devida à pessoa e à objecção levantada, puxo por aqui a minha resposta ao comentário que o astrónomo João Fernandes colocou ao último post do historiador António Mota de Aguiar sobre a história da Astronomia durante o "Estado Novo".
O meu caro colega João Fernandes, que aparece naturalmente a defender a sua “dama” (a física solar em Coimbra), faz algumas afirmações com as quais não posso deixar de concordar, nomeadamente a necessidade que há de mais estudos sobre a história da nossa astronomia (António Mota de Aguiar já os tem feitos e aguardam-se outros, tendo a luz de surgir da respectiva discussão). No entanto, ele esquece um ponto importante. Costa Lobo (o pai Francisco, não o filho Gumercindo) foi um oponente feroz da teoria da relatividade. Mas mais ainda: ele defendeu uma teoria alternativa que mantinha intactos os conceitos de espaço e tempo absolutos. Chamou-lhe "Teoria Radiante" e, para verificar quão delirante, mais do que radiante, essa teoria era, bastará uma curta frase [1]:
“L’Univers physique est une ensemble de points matériels qui possèdent et conservent, indéfiniment, le minimum de matière, et sa vitesse initiale (maximum).”
O ponto material, por ele chamado “ioton”, era, de acordo com Francisco Costa Lobo, o elemento constitutivo dos átomos, sendo muito menor do que os electrões e estando animados de uma velocidade máxima, maior do que a velocidade da luz! Esta teoria foi uma verdadeira mancha na carreira científica da Costa Lobo, tendo despertado críticas violentas por parte dos seus colegas, incluindo o professor de Matemática Manuel dos Reis e o físico Mário Silva, que eram evidentemente adeptos da teoria de Einstein [2]. Mas, Francisco Costa Lobo manteve sua posição para o resto de sua vida, defendendo suas estranhíssimas ideias numa conferência na Sorbonne, em Paris, em 28 de Maio de 1936 e apresentando uma comunicação semelhante em 3 de Julho do mesmo ano numa conferência em Tolosa, Espanha [3]. Repare-se no ano: 1936!
Se Costa Lobo for considerado um expoente da astronomia nacional, não poderá deixar de ser contraargumentado que não estávamos, de facto, na vanguarda mundial dos avanços astronómicos.
Agradeço a António José Leonardo e a Décio Ruivo Martins, meus co-autores de um artigo sobre a história da física solar que está em pré-publicação, as informações que me forneceram baseadas nos conteúdos da revista “O Instituto” cujo espólio está à guarda da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e a ser devidamente inventariado num projecto apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
NOTAS
[1] Lobo, F. M. da Costa (1936). Théorie Radiante. O Instituto. Vol. 90.º, p. 426.
[2] Num artigo publicado na Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra in 1932 vários professores de Física e Química da Universidade de Coimbra responderam aos “argumentos” de Costa Lobo (Basto, Egas Pinto e Mário Silva, 1932, La Théorie physique basée sur les phénomènes de radioactivité, du Dr. F. M. da Costa Lobo. Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, II (4): 263-280). Para mais informações ver Fitas, A. J. S. (2005). The Portuguese Academic Community and the Theory of Relativity. E-Journal of Portuguese History. Vol. 3, n.º 2, p. 1-15)
[3] Ambas as comunicações foram publicadas n’ “O Instituto”, o jornal do Instituto de Coimbra – Lobo, F. M. da Costa (1936). Théorie Radiante. O Instituto. Vol. 90.º, p. 416-457; Lobo, F. M. da Costa (1937). Complements à la théorie radiante. O Instituto. Vol. 91.º, p. 268.
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4 comentários:
Era um senhor muito simpático, e um espelho da investigação que se fazia na Universidade de Coimbra. Fazia e faz...
“L’Univers physique est une ensemble de points matériels qui possédant et conservent, indéfiniment, le minimum de matière, et sa vitesse initiale (maximum).”
Na transcrição, julgo que "possédant" deverá ser corrigido para "possèdent", a não ser que seja erro de redação do original.
Alberto Sousa
Caro Alberto Sousa
Já emendei a gralha no texto francês. Ibrigado
Carlos Fiolhais
Na última mensagem queria dizer: Obrigado.
Carlos Fiolhais
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