quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Sobre o plágio


Enquanto ainda decorre o 1º Encontro Mundial em Lisboa sobre "Integridade na investigação" eis um post de Elvira Calapez sobre o plágio:

“When you steal from one author, it’s plagiarism; if you steal from many, it’s research”.

Será mesmo assim? Roubar é um crime. E quando ouvimos falar de roubo, normalmente e de imediato, associamos esse gesto, a dinheiro, a bens materiais, a coisas palpáveis. Talvez não ocorra à maioria das pessoas que também há roubos de pensamentos, ideias, opiniões, palavras, frases, dados, resultados, números, tabelas, etc. sem dar o devido crédito aos autores. Quando isto acontece, o roubo chama-se plágio. Se plagiar é roubar, trata-se de um crime. Antes de mais, esse tipo de fraude é uma atitude moral e eticamente condenável. Pela frequência com que vem ocorrendo, tem sido objecto de vários debates e publicações. Títulos nas revistas americanas como “Plagiarism is worse than mere theft”, “Plagiarism: A Spreading Infection” e “The scourge of plagiarism”, ilustram bem o sentimento que este assunto suscita nos dias que correm.

Todavia, o assunto é bem antigo. A origem da palavra plágio remonta ao início do primeiro século d. C. e são atribuídas a Marcus Valerius Martialis (Marcial), conhecido pela sua poesia de carácter satírico, vulgo epigrama. Lê-se na fonte que o plágio, como epíteto para o roubo das ideias e das palavras de outro escritor, foi inventado pelo poeta romano Marcial. Ao censurar Fidentinus, por este recitar as suas palavras como se fossem dele próprio, Marcial comparou-o à pior coisa que podia – um ladrão de escravos, um plagiario”.

Nasceu assim uma das figuras mais censuradas - o plagiador. Na sua forma mais simples, um plagiador é um kidnapper, um raptor que comete um sequestro intelectual, que escreve algo, que de facto, pertence a outra pessoa. Mas, segundo Randall, já a enciclopédia de Diderot, no século XVIII, oferece uma definição de plagiador semelhante à que vigora hoje: “Um plagiador é um homem que a todo o custo quer ser autor e, não tendo nem génio nem talento, copia não só frases, mas também páginas e passagens inteiras de outros autores e tem a má fé de não os citar; ou aquele que, com pequenas mudanças e adição de pequenas frases, apresenta a produção dos outros como algo que fosse imaginado ou inventado por si; ou ainda aquele que reclama a honra de uma descoberta feita por outro”. Inferimos que estamos perante um plágio intencional. Porém, os nossos pensamentos, ideias, opiniões, linguagem, escrita, comportamentos, são influenciados por outros e, por isso, não raras vezes, escrevemos, de forma não intencional, ideias e pensamentos que já outros transmitiram, mas que nos parecem originais. Nesta situação não é fácil ter consciência que estamos a plagiar, na medida em que expomos, subconscientemente, a informação lida, absorvida e enraízada nas nossas mentes. Logo, não é simples julgar tal actuação.

Pese embora muito do trabalho intelectual assentar nos conhecimentos de outros, como reage a academia quando confrontada com o plágio? Pois, para os académicos, o plágio, é o pior dos comportamentos. É uma decepção para todos os que lêem os textos roubados visto que o autor que plagia ganha crédito através das ideias de outrém, enganando assim os leitores, pelo menos de duas formas: por um lado, impede que eles contactem o original e, por outro, eles poderão apresentar as ideias e as palavras originais fora do contexto, defraudando o sentido da investigação original. Por isso, na academia, o plágio, tal como a fabricação de resultados, é reconhecido como uma forma de comportamento desviante. Richard Smith, antigo editor do British Medical Journal, é muito violento para com os plagiadores, quando escreve: “Where plagiarism is found, the author's previous publications must be examined. The evidence shows that an act of misconduct is usually part of a pattern of behaviour rather than an isolated incident”. Ao longo dos tempos têm sido divulgados vários exemplos de escritores famosos e de alguns cientistas que cometem plágio (e auto-plágio, sendo este uma outra vertente de plágio, que ocorre quando alguém usa um trabalho seu já publicado mas não faz qualquer referência a isso). E porque o plágio cresce, John Maddox, ex-editor da Nature, pergunta: “how can established academics, almost by definition not neuronally deficient, be so artless in their intellectual burglary?”

Sabendo-se que o plágio constitui um problema, porque razão ele ocorre? Entre outros factores, a pressão para publicar, a falta de tempo, da ânsia de ganhar bolsas, prémios e reconhecimento, poderão estar associados “ao aumento da corrupção do empreendimento académico”. Para ganhar fama rapidamente, ou promoção na carreira, alguns preferem escolher a via mais fácil de “cut-and-paste”.

E, porque o plágio existe, só nos resta, então, enfrentá-lo e tentar evitá-lo. Como fazer? De acordo com Balaram, “educar a nova geração pode ser a única vacina disponível para conter a propagação, disseminação do vírus do plágio”. Assim, para não se contagiar os estudantes, é importante que as escolas, as universidades, os professores, os ensinem a combater o plágio. É do conhecimento geral que alguns estudantes, por exemplo sob a pressão do cumprimento de prazos, entregam trabalhos totalmente copiados tirando partido da proliferação dos recursos electrónicos. O que fazer com eles? Simplesmente ensinar-lhes as regras dos métodos de investigação bem como as técnicas de pesquisa e citação: porquê, quando e como citar e usar as fontes e referências.

Muitas universidades americanas têm feito circular informações detalhadas sobre o que é o plágio e como evitá-lo. Um papel fundamental tem sido atribuído às bibliotecas. Agora, como nas bibliotecas aumenta o número de recursos online, com apenas um clique pode aceder-se facilmente a toda a informação. Mas é necessário educar os utilizadores sobre o uso ético dessa informação e os bibliotecários são decerto as pessoas mais adequadas para isso.

17 comentários:

Nuno Sousa disse...

Gosto muito da frase de arranque:

“When you steal from one author, it’s plagiarism; if you steal from many, it’s research”.

Na verdade, muitos artigos são um recombinar de frases de outros artigos, em que a unica coisa de diferente são as ultimas palavras. Nem por acaso, hoje li um artigo de Netzelmann 1990, que posteriormente foi corrigido por Kakazai, sobre interacção entre particulas, e encontrei frases quase iguais!
Mera curiosidade.

Anónimo disse...

A mera curiosidade está na necessidade do comentador revelar que lê artigos científicos, não? Outra: eu faço Sudokus dos difíceis e reparei que o do mundopt.com tem um layout bastante semelhante com o do sudoku.com -- até os números eram parecidos.

Anónimo disse...

Quem tem medo do plágio?

Anónimo disse...

"Agora, como nas bibliotecas aumenta o número de recursos online, com apenas um clique pode aceder-se facilmente a toda a informação. Mas é necessário educar os utilizadores sobre o uso ético dessa informação e os bibliotecários são decerto as pessoas mais adequadas para isso."

É isso mesmo. 5 estrelas.
A utilização educa-se e os comportamentos corrigem-se. Mas o caminho não é proíbir a utilização, ou colocar o ónus do "plágio" nas ferramentas colocadas à nossa disposição. As ferramentas online permitem detectar plágio com mais facilidade, e expô-lo de forma veemente.

DS

Anónimo disse...

Este texto é um plágio original

Anónimo disse...

não sei o quê

Nuno Sousa disse...

Caro Jorge:
Sem duvida que era desnecessário tal comentário.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Plagiar é a oportunidade de se ser tudo aquilo com que se sonha ser. Não o fazer n é humano.

O Sr. Joaquim Pitta do mini-mercado ao lado da papelaria de esquina onde vou comprar os cadernos moleskine, diz q roubar n é vergonha. Vergonha é roubar e ser "apanhado".

César disse...

Mais uma acção propagandística do Governo: a reabertura das Minas de Urânio como motor para a salvação da economia nacional.

Faça as contas aqui: http://cafepuroarabica.blogspot.com/2007/09/os-mitos-e-falcias-da-explorao-de-urnio.html

e veja como os lucros são irrisórios, ao contrário do impacto ambiental. (desculpem a pub, e o despropósito)

Bruce Lóse disse...

Caro Prof. Natura,

Aproveitando o despropósito do comentário anterior, permita-ma que rebente também, ainda que por outro motivo. Tenho lido abundantes oposições à distribuição de computadores nas escolas (impostos mal gastos e exposição a maus conteúdos, dizem) e logo me lembrei do orçamento da TV pública, algo mais elevado que para os laptops, bem como das execráveis direcções de informação que insistem em trocar investigação por futebolização. Como é óbvio, o âmbito e alcance do media mais poderoso do mundo são um pouco maiores do que este ou aquele lente catatónico que não saiba fomentar o bom uso dos meios tecnológicos. É por isso que peço encarecidamente a esta Junta de Salvação Nacional, na pessoa do Caro Professor Natura, que entorne uma opiniãozinha, mesmo que inacessível a provincianos, sobre o plágio entre os quatro canais nacionais.
Receoso pelo destino deste país, retira-se às arrecuas

Bruce

(LABELS: ciência, ensino, erros)

Carlos Medina Ribeiro disse...

Um plágio pode não ser apenas de textos.

Lembram-se quando a Revista do Expresso trazia uma página inteira dedicada a uma invenção?

Pois um dia deparei com uma invenção minha (mais concretamente "modelo de utilidade"), devidamente patenteada, a ser anunciada por um cavalheiro - com nome de marca, slôgane e tudo!

-

Informei-me acerca do que podia fazer, e soube que a única solução era processar o Estado, pelo facto de o IPPI ter aceitado registar algo que já existia.

«Não se meta nisso » - aconselharam-me. «Vai ter despesas e chatices, e não vai dar em nada».
.

Anónimo disse...

Na natureza o acto de replicar é dos comportamentos mais eficazes na conservação das espécies. Os q perduram são aqueles q melhor garantem esse fim: conservar o indivíduo.

Acontece q o ser humano é o ser em q a noção de interior é mais desenvolvida. É para mim bastante plausível aceitar q em algum ponto do seu desenvolvimento intelectual e emocional o homem "ocidental" tenha sentido o acto de repetição como apropriação indevida ou violação do seu espaço, tendo internalizado essa noção e tendo-a transmitido aos seu pares pelo método q lhe é mais inerente, a reacção agressiva de defesa. A recuperção desta noção de errado pode ter muito a ver com o modelo de organização q os grupos humanos posteriormente seguiram.

Não sei o q acontece nas tribos da Amazónia, por exemplo, mas é muito provavél q a noção de plágio, para estas, nem sequer exista. Parece assim q o plágio pode depender do referêncial civilizacional.

Assim, numa civilização em q seja errado "repetir" e "agredir" o passo imediato é a lei. Primeiro tácita e depois oficial.

O mundo da ciência, em particular, é hoje dominado pelo estrelato, pelo reconhecimento universal, pelo interesse económico. N é portanto de estranhar o nojo pelo plágio pq entra em conflito com os interesses do indivíduo.

Tenho no entanto a suspeita de q o plágio não é um conceito universal no ser humano. Outros caminhos de evolução, outros modelos de organização, poderiam ter gerado noções de plágio diferentes ou nem existir tal noção. Ou ainda, embora menos provável, q a evolução da sociedade actual, deixe de catalogar o plágio como comportamento "desviante".

Esta é uma visão pessoal do plágio. Vale o q vale.

Facto: Na sociedade actual o plágio é considerado errado e punível. Cada indivíduo, pelas razões q melhor entender escolhe em que lado quer estar.

Ricardo Silva

Anónimo disse...

Algumas achas para a fogueira:
em Portugal, a legislação sobre os direitos de autor (directamente relacionados com a "patente" de um texto, de forma a obstar ao plágio)estabeleceu-se por meados do século XIX, sendo o seu principal autor Almeida Garrett. Há uma interessantíssima discussão entre Garrett e Herculano sobre o assunto, motivada pelo facto de Herculano ser contra a lei. Abreviando imenso, os argumentos de Herculano eram: se não fosse a cópia, o mundo não evoluía. E perguntava: em que difere uma pessoa que faz sua uma ideia que um outro escreveu de um agricultor que copia uma técnica agrícola que viu o vizinho do quintal ao lado desenvolver com êxito? Ou: não é plágio o que uma parte significativa dos professores pede aos seus alunos? (que debitem textualmente o que ele lhes ensina?)Argumentos que se baseavam na (utópica?) ideia de que o saber, fruto da invenção e inteligência humanas, deve ser universal e não ter dono. Ou de que plagiadores somos todos, em formas mais ou menos evidentes, e mais ou menos moral e socialmente sancionadas.
Não estou a defender o plágio (o próprio Herculano aceitou, e muito lucrou, aliás, com a dita lei). Estou a abrir a discussão para aspectos menos a preto e branco da questão.
E se quiserem um exemplo actual, onde se situa aqui o Windows da Microsoft, que estou a usar, relativamente às célebres janelinhas da Apple? Ou a ainda mais recente multa da UE à mesma Microsoft?
Cumprimentos

Anónimo disse...

Há nestes comentários um pouco de tudo. Os que o não são, os que o são e a sério, e os que confundem plágio com divulgação de conhecimentos adquiridos. É que, para levar esta última ideia às máximas consequências, ainda hoje deveríamos estar pagando direitos de autor ao inventor da roda. (Edison e Bell não foram plagiadores?)
Uma das questões éticas mais dramáticas do nosso tempo é o direito que as empresas farmacêuticas têm, e não deveriam ter, de registar a patente das propriedades químicas descobertas numa qualquer planta que só exista em países do Terceito Mundo.
Quanto a outros plágios, Luís XIV criou uma lei drástica: a forca.

Anónimo disse...

Algo excessiva esta penalização, não?
Seria melhor proceder da mesma maneira que em ciência, com o descrédito do plagiador... e , claro, com investimento decente na educação de mentalidades

Anónimo disse...

Caro Nuno:
Por aquilo que sei, já foi meu professor. Embora tenha fama bravo, não passa de um cordeiro. A sua tese de Doutor teve problemas? Plagio diz-lhe alguma coisa?

João Alves (lembra-se de mim???)

André disse...

Boas

Acho que se deviam ficar pela definição de Diderot. Nós aprendemos uns com os outros, e duas pessoas cada uma numa ponta do planeta podem ter a mesma ideia ao mesmo tempo.
Eu condeno o plágio, tasmbém porque acho que o plagiador está a humilhar-se a si próprio. Se eu tive a ideia original (texto, invenção, música, o que for...)e alguém a copiou, só significa que a minha criação era mesmo boa e invejável...o resto só serve para alimentar o ego...

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