domingo, 30 de setembro de 2007

Química verde: Bioplásticos

Os polímeros de síntese são parte tão integrante do nosso quotidiano que, como referiu a Elvira, a designação «idade dos plásticos» descreveria adequadamente os tempos modernos. Uma das causas do sucesso dos polímeros sintéticos, a sua inércia química e resistência a biodegradação, ao contrário dos polímeros naturais como amido ou celulose, é hoje em dia uma das suas principais desvantagens. Na realidade, nos primórdios da era dos plásticos, os polímeros eram desenhados de forma a retardar e prevenir o ataque por fungos, bactérias e outros organismos vivos. Em particular, os polímeros obtidos de hidrocarbonetos como o etileno ou o propileno, são resistentes ao ataque químico e biológico, o que assegura a sua longevidade mas transforma numa dor de cabeça a tarefa de quem tem de dar destino aos resíduos sólidos desta era que além de plástica é também descartável.

Isto é, a durabilidade dos polímeros que no passado era uma vantagem não despicienda, constitui um sério problema para o homem contemporâneo e traduz-se numa enorme quantidade de lixo que se acumula em lixeiras e aterros ou se dispersa no meio ambiente provocando problemas ambientais que podem ser desastrosos. As alternativas, a queima ou reciclagem, nem sempre são soluções para estes problemas, a primeira principalmente por razões sociais/políticas e a segunda porque muitos polímeros, nomeadamente termoendurecíveis, não são recicláveis.

Uma solução compatível com os frenéticos tempos modernos passa pela utilização de polímeros biodegradáveis e nos últimos anos vários destes produtos foram disponibilizados no mercado, por exemplo, o Ecoflex da BASF AG, Eastar Bio da Eastman Co., Bionelle da Showa Co., USA (mas fabricados na Showa Highpolymer Co., Japão e SK Chemicals Co., Coreia do Sul), Sky Green BDP da SK Chemicals; Biomax da Dupont Co. etc.. Todos eles são produtos do que se designa indústria petroquímica de terceira geração e são poliésteres alifático-aromáticos, polímeros que do ponto de vista químico são análogos ao PET, polietileno tereftalato, um termoplástico reciclável muito utilizado, mas que ao contrário deste último se degradam em semanas e não séculos no meio ambiente.

Embora biodegradáveis, estes polímeros obtidos de derivados do petróleo não são biopolímeros, designação consagrada para polímeros biodegradáveis obtidos a partir de fontes renováveis e que muito recentemente têm conhecido uma enorme expansão.

Em 1992, a paulista PHB Industrial sob direcção de Sylvio Ortega Filho desenvolveu com apoio da FAPESP um biopolímero obtido da fermentação de cana do acúcar. Três anos mais tarde, a PHB deu início à produção numa instalação piloto de 5 toneladas anuais deste biopolímero, produção que expandiu em Dezembro de 2000 para cerca de 50 toneladas/ano e pretende ampliar brevemente para dez mil tonelada anuais.

O BioCycle, PHB (polihidroxibutirato, um polihidroxialcanoato, PHA) pode substituir o polipropileno ou o poliuretano em praticamente todas as suas aplicações e a empresa desenvolveu outro PHA, PHB-HV (polihidroxibutirato-hidroxivalerato), para as aplicações que envolvam filmes finos de polímero, como seja a produção de sacos de plástico. Por outro lado, por ser biocompatível, este polímero tem aplicações na indústria farmacêutica, nomeadamente, por associação com a nanobiotecnologia, pode ser utilizado em «drug delivery», a libertação gradual e/ou dirigida do princípio activo de um determinado medicamento.

No Brasil, apenas a PHB comercializa «plástico de açúcar», mas existe, para além de cerca de dez grupos de investigação interessados na produção de biopolímeros, outra empresa, a Res Brasil, que já comercializou desde Outubro de 2003 cerca de 1 200 toneladas de embalagens produzidas com polímeros obtidos a partir de amido de milho, mandioca ou batata.

Nos Estados Unidos, o sector biopolímeros é liderado pela NatureWorks, inicialmente Cargill Dow, uma associação formada em 1995 entre a Cargill, um gigante do sector agrícola, e a Dow Chemical (que saiu em 2005) que produz polilactato, PLA, comercializado como NatureWorks® e utilizado ainda para produzir a fibra têxtil Ingeo™ . O polilactato é igualmente obtido por via microbiana, agora de milho - incluindo milho geneticamente modificado, o que lhe tem trazido alguns problemas de aceitação dos produtos que comercializa.

Este nicho de mercado, em franca expansão não obstante os preços (ainda) elevados, surgiu há quase 20 anos pelos esforços de um grupo de cientistas italianos liderados por Catia Bastioli, numa pequena localidade 100 quilómetros a norte de Roma.

Em 1989, a Novamont deu início à sua actividade, tarefa complicada uma vez que ofereciam um produto (caro) para o qual não existia mercado, biopolímeros obtidos a partir de amido de milho. O salto que permitiu à Novamont ser actualmente a líder do mercado, assegurando 60% da produção mundial de biopolímeros, deu-se em 1992 quando Fürstenfeldbruck, uma cidade no sul da Alemanha, resolveu testar o Mater-Bi nos seus sacos de recolha de lixo e descobriu que estes tinham um desempenho muito superior aos sacos tradicionais, nomeadamente em termos de odores.

Actualmente, cerca de 3500 municípios europeus utilizam sacos de lixo biodegradáveis, uma prática que esperemos seja seguida universalmente, não obstante o preço mais elevado destes (os sacos de supermercado da Novamont custam entre 8 e 9 cêntimos contra os 5 cêntimos de um saco de plástico de polipropileno ou polietileno). De facto, são produzidos anualmente no mundo ocidental cerca de 150 sacos de plástico por pessoa, muitos dos quais terminam os seus dias contaminando por séculos o meio ambiente, nomeadamente rios e oceanos onde são culpados pela morte de muitos milhares de baleias, golfinhos, tartarugas e aves marinhas todos os anos.

Um grande obstáculo à substituição de polímeros «convencionais» por PHAs ou PLAs tem sido de natureza económica. Por exemplo, o preço dos PHAs é muito superior ao do polipropileno (em 2002, € 9/kg para o PHB contra €1/kg para o polipropileno). Como referiu uma colega no DEQB do Técnico, a investigação na área não pode descurar o aspecto económico, e «Com este objectivo, pode pensar-se em utilizar matérias-primas 'residuais' (subprodutos industriais) como nutrientes para o crescimento dos microrganismos. Além da óbvia vantagem do seu baixo custo, o escoamento de subprodutos de indústrias, em muitos casos poluentes, vem ajudar a resolver problemas ambientais».

Entre os maiores desafios da actualidade destacam-se a sustentabilidade de recursos e a gestão do lixo urbano, nomeadamente no que respeita a embalagens, um dos principais agentes multiplicadores desses resíduos. Urge compatibilizar o nosso estilo de vida e o desenvolvimento sustentável, sem comprometer os recursos e futuro do planeta. Uma maior utilização de biopolímeros, que neste momento são preteridos pelos biocombustíveis e dão conta de uma fatia mínima do mercado mundial de polímeros, poderá certamente contribuir para esse objectivo.

9 comentários:

Joana disse...

Excelente artigo :)

Esperemos que o frenesim biocombustíveis passe depressa e os biopolímeros recebam o apoio que merecem!

Unknown disse...

Muito bom artigo!

E mesmo a propósito no dia de hoje em que o DN tem na capa um artigo sobre o problema das fraldas descartáveis:

Sabia que, até utilizar o bacio, um bebé chega a usar cinco mil fraldas, o que equivale a uma tonelada? E que cada uma demora cerca de 500 anos a deteriorar-se num aterro? A estimativa excede o nosso tempo de vida mas as empresas especializadas do sector garantem que não há engano. Por estranho que pareça, as fraldas são dos piores resíduos domésticos e aqueles que mais urge retirar dos aterros.

Unknown disse...

O problema não é só as fraldas os pensos higiénicos têm o mesmo problema. Eu uso pensos só de celulose desde que me apercebi do problema mas aposto que coisas comezinhas como pensos e fraldas estão longe das preocupações do pessoal da pesada "ambientalista" tipo Verde Eufémia que gosta mais de medidas "radicais".

Ora se em vez de destruir o milho alheio promovessem a utilização de fraldinhas e pensos de pano ou celulose não contribuiriam mais para um planeta verde?

É por estas que eu não posso com organizações ambientalistas: fazem um grande folclore com irrelevâncias mediáticas o resto assobiam para o lado...

Unknown disse...

Fraldinhas e pensos de celulose enquanto não houver enchimentos de biopolímeros. Ah! Mas para as organizações ditas "ambientalistas" se esses biopolímeros forem feitos de OGMs mais vale conspurcar por 500 anos o planeta que OGMs não!

Só não percebo porque protestam só uns OGMs: então e as bactérias e leveduras que são utilizadas universalmente para produzir medicamentos, hidrogénio para energias limpas, biogás e montes de mais coisas, tratar lixos, esgotos e sei lá que mais? São OGMs como os outros... Com esses OGMs não se metem porquê?

Anónimo disse...

Fui recentemente das pessoas que mais defenderam os ambientalistas que lutaram contra os OGM, ao insistir, para contrariar a manipulação mediática, na diferença crucial entre 1 ha e 51ha, etc. Inclusivamente escrevi um artigo na imprensa sobre este assunto. E até defendi (pasme-se!) o nome do movimento Verde Eufémia como criativo (melhor do que outras possibilidades, pelo menos, que por decoro não refiro aqui).
Há 6 ou 7 anos atrás fui uma das principais defensoras, senão mesmo a principal na altura, das fraldas de pano neste país, que usei de forma exclusiva com o meu 4º filho, pelo que já este ano ofereci o resto de fraldas de pano (ergonómicas e não quadradonas!) que por aqui andava em casa a uma pessoa das minhas relações, que está agora para ter bebé. Cheguei na altura a escrever um artigo para o Público sobre fraldas de pano (se bem que, entretanto, tivesse mudado o tipo de fraldas de pano referidas nesse artigo - também neste campo o progresso tecnológico se verificou, e de que maneira!). E escrevi pelo menos mais um outro artigo sobre pensos higiénicos de pano (um deles creio que foi censurado, talvez porque fosse ainda ousado falar de «paninhos» neste país).
Portanto, estou perfeitamente à vontade para dizer que não há melhor do que fraldinhas de pano ergonómicas, laváveis e reutilizáveis, e posso sobre isso fazer longas prelecções, de resto muito «radicais», sim. Com todo o gosto e muito, muito orgulho. Aliás, certa vez fui assistir a uma conferência na Gulbenkian, dum nome sonante do ambiente, creio que alemão, sobre análise custo-benefício em matéria de ambiente, em que ele dizia, adoptando uma posição conservadora, que a cultura humana é dominada pela atitude do «man the hunter», que obriga a gastar largas zonas de território. Intervim dizendo que em Portugal eu também tinha tido que fazer como o «man the hunter», mas procurando fraldas de pano *no estrangeiro, porque não as havia cá*, mas que me estava a dar muito bem com isso, em termos de custo-benefício. Cá fora, a mulher dele segredou-me que lá em casa também usavam fraldas de pano, creio que com os netos, ou assim...
Não é pois lícito relacionar todos os «radicais» ambientalistas à contestação de tudo e mais alguma coisa. Este post da Palmira está muito interessante, mas preciso de mais tempo para o comentar, e para fazer algumas perguntas também... Porque sobre este assunto há muito, mesmo muito a dizer.
PS: sim, apesar de os lavar a altas temperaturas com alguma regularidade, estão praticamente como novos os pensos higiénicos de pano que comprei há 6 anos, e que uso todos os meses, se bem que não de forma exclusiva. Vieram da Suécia e já me fizeram poupar muito dinheiro.
Abraço
Adelaide Chichorro Ferreira

Anónimo disse...

Impertinente exemplificar com o descalabro das fraldas? dos panos?
Mas se (quase) tudo começa e acaba aqui, porque ignorá-lo?
Bom texto, comentadora ACF

JSA disse...

Cara Rita, creio que o problema das fraldas e dos pensos estará mais relacionado com os polímeros absorventes que são utilizados, esses sim, sem grande probabilidade de serem reciclados ou degradados biologicamente. A celulose, sendo um polímero vegetal, penso que pode ser degradado, desde que não extensivamente modificado. Mas será melhor que a Palmira esclareça o assunto.

Anónimo disse...

de acordo com os textos, mas só 2 curtos comentários, os plásticos (refiro o pp ou o pe, por exemplo), não contaminam o ambiente conforme tem sido dito, uma vez que se demoram tanto a degradar.contaminam fisicamente, mas quimicamente não.creio que a contaminação quimica é pior pois entra nos ciclos biológicos e pode fazer muito mais "mossa".outro aspecto, não será arriscado dizer que os plásticos demoram 500 anos a degradarem-se? não será muito tempo de previsão? o atol de biquini demorou 50 anos a recuperar de explosão nuclear quando se previam séculos. temos de contar com a capacidade da natureza a recuperea dos males que lhe infringimos.

Atico Export disse...

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