- "O Segredo" diz basear-se num princípio de Física Quântica e toda a teoria da atracção vem, por vezes, enrolada em justificações cientificas. Está correcto isto?
O "Segredo" invoca, de facto, a mecânica quântica mas isso não é apenas incorrecto: é tremendamente incorrecto. De facto, teorias desse tipo, que o movimento "New Age" defende, referem a ciência porque... são anticientíficas. Buscam uma legitimação que não têm! Muito pouco do que dizem tem alguma sustentação científica e o que tem será mais na psicologia e não seguramente na física quântica, que descreve a estrutura e comportamento do universo microscópico. Para algo ser científico, não basta dizer que o é: torna-se necessária uma base empírica sólida e o consenso da comunidade científica. Pode até haver um dois cientistas confundidos e que gostam de confundir os outros, mas duas ou três andorinhas não fazem a Primavera. Um grupo de dois ou três cientistas não formam a comunidade científica. Alguns cientistas também "se passam" e, nesse caso, as habilitações anteriores não lhes servem de nada...
- Qual é a sua apreciação da obra e do fenómeno?
Não é nada de novo. O "New Age" já é velho nos Estados Unidos (teve grande eco no Brasil e também, embora menos, entre nós) e reencarna de vez em quando. Mas, no essencial, nada muda. Trata-se de fornecer a chamada "auto-ajuda", expressão que nunca compreendi muito bem pois a ajuda vem de uns gurus que se cobram muito bem por isso. Aqui o negócio é a venda de um DVD de "auto-ajuda" feito por uma senhora australiana a partir das afirmações de uns pretensos professores. O livro é apenas uma sequela do vídeo para "auto-ajudar" o negócio. Em Portugal o livro vende até sem necessidade do DVD, que só aparecerá depois. O segredo de "O Segredo" afinal não é segredo nenhum: alguém enriquece à custa de quem está psicologicamente pobre e precisa de ajuda. Além de psicológica fica também materialmente pobre. Quando se deitam moedas para o "lago da fortuna", a fortuna é de quem as apanha e não de quem as deita. Eu próprio já vi pessoas a deitar moedas, isto é, comprar o livro e não pude deixar de ter pena delas...
- O que faz deste um livro de auto-ajuda mais popular que os outros?
O mercado precisa de ser constantemente fornecido. É o mesmo lixo embrulhado de novo para prolongar o negócio. Mal comparado, é como os filmes pornográficos, nenhum deles varia muito em relação aos anteriores, mas há sempre público. Também neste sector há modas sazonais que são promovidas com campanhas de "marketing" globais, porque há sempre público. Neste momento quase toda a gente em quase todo o mundo está a comprar "O Segredo" e o "Harry Potter". O paradoxal é que, numa sociedade baseada na ciência e na tecnologia, o que mais vendam sejam obras de ficção mágica (sim, "O Segredo" também é ficção mágica, embora possa aparecer arrumado em não-ficção)... Haverá concerteza explicações sociológicas para esse curioso fenómeno. Mas julgo que só há uma maneira de o contrariar: incrementar a cultura científica, o que passa por mais e melhor ciência na escola. A escola - que deveria transmitir uma atitude científica - é fundamental para não nos deixarmos iludir.
- Como é encarado este tipo de obras - e o seu sucesso - pela comunidade científica?
Passam-lhe, em geral, ao lado pois estão a fazer ciência. Mas há cientistas que dão a sua opinião quando lha pedem e eles são unânimes em apontar o chorrilho de disparates. No caso, fala-se de um "princípio de atracção", que pura e simplesmente não existe na física quântica. Há quatro atracções conhecidas, algumas delas unificadas, mas nenhuma permite desejar, chamar e receber o que quer que seja que nos apeteça, como afirma o livro. Isso é que era bom! Muitos cientistas pertencem a organizações que defendem o cepticismo e a razão, que estão subjacentes à ciência e que são os meios mais eficazes para nos confrontarmos com a realidade. A realidade existe mesmo para além dos nossos desejos e, infelizmente, não é assim tão simples alterá-la a nosso favor... No blogue "De Rerum Natura" procuramos combater a pseudociência, o engano e o erro .
8 comentários:
Caro Professor: Como se explica que indivíduos, que se dizem "cientistas", embarquem nestas patranhas, as baptizem e pretendam dar-lhes um cunho de seriedade? Voltámos à época dos bruxos, dos curandeiros, dos pantomineiros? Ao contrário do que nos disse o Poeta, mudam-se os tempos, não se mudam as vontades? A vontade de enganar o próximo será intemporal?
"torna-se necessária uma base empírica sólida e o consenso da comunidade científica".
Uma base empírica sólida, concordo.
O consenso da comunidade científica, discordo.
Em Ciência não há "consensos". Uma afirmação científica tem de ser irrefutavelmente demonstrada, permitindo a verificação e confirmação de experiências e/ou expressões matemáticas por todos os elementos da comunidade científica que o queiram fazer. Por que diabo é necessário falar em consenso? Ou se comprova, ou não!
A conversa do consenso permitiu a sobrevivência de aberrações como a da "eugenia" e do "lysenkoismo", puras aldrabices que, não obstante, recolhiam, ou diziam recolher, o consenso das comunidades científicas da época.
Actualmente, a treta do "aquecimento global" de origem antropogénica, também se reclama do consenso da comunidade científica.
Jorge Oliveira
Gostei de ler a sua visão desta questão da Física Quântica. Eu su das pobres tolas que acredita nestas coisas, fiquei um pouco amis elucidada.
Pode ser que venha a contribuir para o universo dos que gostam de atirar moedas, mas confesso que não gosto muito de livros de auto-ajuda e concordo com a ideia que os gurus enocontraram na fragilidade das pessoas e das sociedades uma forma de enriquecer.
Mas somos todos energia e sabe-me bem, com ou sme segredo, pensar na teoria da Física Quântica.
Virei mais vezes ao seu blog... o jasmimdomeuquintal.blogspot.com naõ tem nada de científico.
bom trabalho
A propósito disto, lembrei-me de ter visto os resultados de um interessante inquérito feito em França (pelo CSA para o Le Monde)às crenças dos franceses no chamado paranormal e fenómenos afins, com evolução histórica, aliás(1994-2003 - não sei se conhecem, pode ser consultado em:
http://www.pseudo-sciences.org/spip.php?article441)
Pergunto: conhece o Carlos ou algum dos leitores algum estudo semelhante (e fiável) feito em Portugal? Simples curiosidade. Como diz o autor do artigo que comenta os resultados franceses, os números não são tudo, mas podem dar uma boa base de referência.
(Já agora, este artigo, chamado "Les pseudo-sciences nuisent-elles à l’image de la science?", e que aborda igualmente a coisa pelo lado "business" também é giro:
http://www.pseudo-sciences.org/spip.php?article141)
Fiquei sem saber o que os do segredo reclamam da Física Quântica. Não dúvido que esteja tudo mal percebido, pois até a grande maioria dos Físicos não sabem verdadeiramente de Física Quântica. Contudo, ao não ser aqui analisado um único desses aproveitamentos, o De Rerum - na pessoa de Carlos Fiolhais - presta um péssimo serviço à sua causa.
Combate palavras ocas com verborreia vazia. Na Física Quântica - tal como toda a ciência empírica - não há nem afirmações irrefutáveis, nem verificadas. Há teorias. Redes que inventamos para tentar apanhar o máximo de factos. A física quântica é uma dessas teorias. Deste modo, a física quântica não pode fazer afirmações fora do seu domínio, nem pode sequer ter como garantido o que julga saber. Mas dentro do seu dominio, ela é dona e senhora. Logo, se alguém tece afirmações suportando-se indevidamente da Física Quântica, então cabe a quem é de direito que mostre claramente que essas afirmação são falsas. Preferir insultar, sem nada mostrar, só serve para colocar o assunto ao nível da crença pessoal. E, como tal, só serve para dar crédito a quem deturpa.
Fiquei sem saber o que os do segredo reclamam da Física Quântica. Não dúvido que esteja tudo mal percebido, pois até a grande maioria dos Físicos não sabem verdadeiramente de Física Quântica. Contudo, ao não ser aqui analisado um único desses aproveitamentos, o De Rerum - na pessoa de Carlos Fiolhais - presta um péssimo serviço à sua causa.
Combate palavras ocas com verborreia vazia. Na Física Quântica - tal como toda a ciência empírica - não há nem afirmações irrefutáveis, nem verificadas. Há teorias. Redes que inventamos para tentar apanhar o máximo de factos. A física quântica é uma dessas teorias. Deste modo, a física quântica não pode fazer afirmações fora do seu domínio, nem pode sequer ter como garantido o que julga saber. Mas dentro do seu dominio, ela é dona e senhora. Logo, se alguém tece afirmações suportando-se indevidamente da Física Quântica, então cabe a quem é de direito que mostre claramente que essas afirmação são falsas. Preferir insultar, sem nada mostrar, só serve para colocar o assunto ao nível da crença pessoal. E, como tal, só serve para dar crédito a quem deturpa.
Gostei muito da crítica à "auto-ajuda". Realmente, no lugar de autosuficiência, o que ela vende é a dependência cada vez maior desse tipo de mercadoria.
Não concordo apenas com a defesa de uma educação científica, como forma de se enfrentar a influência desses autores. Se tomarmos a perspectiva historicista de Kuhn, e a consideração de que os paradigmas são matrizes disciplinares que organizam os cientistas em grupos de afinidade, tem-se que a ciência se caracteriza por depender de um dogmatismo "meio" gratuito para se desenvolver. Nesse sentido, o dogmatismo cego dos livros de auto-ajuda seria meramente criticado e trocado por um outro, atrelado aos ideias produtivos e utilitários da vida moderna.
O que é preciso é que as escolas ensinem os alunos a terem um pensamento crítico. Aí sim, poderíamos todos ser menos suscetíveis a tais charlatanices.
Um abraço.
Voltarei sempre ao blog.
Thiago - Belo Horizonte / Brasil
Bem, já ouvi falar do livro e vi mesmo, há largos meses, o vídeo promocional do filme "The Secret".
Quanto à lei da atracção, e de tudo também que li sobre este recente fenómeno, creio que apenas enfatiza a sincronicidade e "serendipity", dois conceitos que vêm sendo popularizados nos últimos anos nos meios espiritualistas "New Age", se assim o quisermos denominar.
Ou ainda, mais do que qualquer eventual referência à física ou a outra ciência exacta, o fenómeno é indubitavelmente psicológico, afectando sobretudo a mente, e nesse sentido o mundo real, do crente... so to say!
Isto, se somos o que pensamos, o que é verdade em grande parte, como as ciências médicas e a psicologia muito bem reconhecem. Vide, por exemplo, a recente discussão sobre placebos e o seu ainda mal conhecido mecanismo de actuação no organismo.
Logo, apelidar os interessados nestes temas de uns patetas ignorantes ou iliteratos científicos que se encantam com duas balelas é um tanto redutor e apressado, não?!
...alguém enriquece à custa de quem está psicologicamente pobre e precisa de ajuda.
Esta é uma afirmação objectivamente pouco inteligente e de nula cientificidade. Ou seja, simplesmente não é possível generalizar de forma tão ligeira sobre um universo de vários milhões de pessoas, não esquecendo que a venda de um só livro corresponde à sua leitura por bem mais do que um leitor.
Olha, e com tudo isto de facto já vai sendo tempo de eu o ler... é ver p'ra crer! :)
Ah! e meter o "Harry Potter" no caso do anti-cientifismo também já me parece cara-de-pau a mais! Aliás, sei que até veio num semanário um artigo sobre a ciência nos livros de Rowling, ou como algumas daquelas criações da fantasia têm certa correspondência em projectos científicos futuristas, por assim dizer.
Por fim, é deveras caricato... isto para ser um pouco mais caridoso do que os doutos escrevinhadores cá do blog... ver o paternalismo por aqui reinante, que não se fica só pela defesa das crianças imaturas sujeitas a uma ignóbil educação religiosa, mas também se estende aos tais adultos psicologicamente pobres... "magister dixit"!
De facto, esta pérola do entrevistado é mesmo de fazer sorrir... ou rir com gosto! Ora vejam só:
Eu próprio já vi pessoas a deitar moedas, isto é, comprar o livro e não pude deixar de ter pena delas...
Homessa! Mas pena por quê?! Enfim, suponho que as moedas não serão assim tantas, sei lá, 15€ ou por aí, certo?!
De onde vem essa estranha sensação de comiseração por quem compra um livro... e best-seller!... ainda que possamos não ter interesse nem na obra, nem no autor nem no género, sequer?!
Por fim, eu também sempre achei algo estranho essa designação de "auto-ajuda", mas nem está assim tão deslocada a expressão. No fundo, falamos de literatura que pretende aumentar o grau de consciências das pessoas sobre si mesmas, ou seja, enriquecê-las interiormente e tornar as suas vidas mais preenchidas. Este desiderato provavelmente só irá ser alcançado por algumas, já que implica um desejo real e a vontade indómita de o conseguir. Nesse sentido, de facto até se obtém mesmo aquilo que se deseja, mas claro que tem de ser um pouco mais do que mero wishful thinking, right?!
É que o desejo é o real motor da acção, em literalmente TODOS os campos da actividade humana. É certo que existe um estado em que se age sem agir e obtém sem desejar (wu-wei). Mas essa é outra história, a do desapego do resultado das acções na alegria do simples agir sem nada esperar do retribuir...
Logo, quem tem medo de um "Segredo"...
Rui leprechaun
(...que o mundo torna mais ledo?! :))
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