É estranho interpretar a notícia do Diário de Notícias como prova de que o facilitismo promovido pelo “eduquês” é o caminho a seguir, como alguns leitores defenderam nos comentários ao artigo "O "Eduquês" Desmascarado?". A notícia mostra que o facilitismo não teve o efeito que os partidários do “eduquês” dizem que teria: dar oportunidades aos estudantes culturalmente mais desfavorecidos. Em 30 anos de facilitismo educativo, os efeitos não se fizeram sentir: os cursos de maior prestígio e exigência cognitiva continuam a ser maioritariamente frequentados por “meninos finos”. Porquê? Porque o facilitismo, ao contrário do que os partidários do “eduquês” defendem (e têm toda a legitimidade para o defender, não é isso que está em causa), não favorece os meninos culturalmente carentes — pelo contrário, deixa-os ainda mais carentes. Apenas permite que não reprovem. Mas não reprovar sem saber é tão mau, ou pior, do que reprovar. O que era realmente necessário era fazer esses meninos ter aproveitamento cognitivo real, e não fingir que o têm por via do facilitismo.
O verdadeiro problema é este: a escola não sabe ensinar quem não vem ensinado de casa. Se queremos realmente dar oportunidades na escola a quem não as tem em casa, temos de estimular os estudantes culturalmente mais carenciados para o valor do conhecimento e do estudo. É esta valorização que faz a diferença e que explica que os meninos culturalmente privilegiados tenham prestações escolares muitíssimo melhores. Esses meninos trazem de casa uma valorização do estudo, dos livros, do conhecimento, que os outros não trazem. Mas como a escola também não incute tal valorização — dedicando-se ao invés a pôr ao mesmo nível a análise de regulamentos de concursos televisivos e Os Maias — os estudantes culturalmente desfavorecidos ficam cada vez mais na mesma. Os que vêm motivados de casa para valorizar Os Maias vão dar-lhe importância; os outros, não. E depois uns verificam que têm certos cursos e profissões vedadas, ao passo que os outros têm acesso aberto.
É este o igualitarismo ilusório promovido por 30 anos de facilitismo educativo. Chamemos as coisas pelos nomes: isto é elitismo, e não igualitarismo.
Daí uma das ironias deste debate de ideias: quem defende o “eduquês” surge como defensor da justiça social; parece que está muito preocupado em tornar a escola acessível aos meninos mais carenciados culturalmente. Só que os resultados práticos destas políticas são precisamente o inverso do que os seus defensores pretendem — e é por isso que a notícia do DN é tão importante. Claro, como Popper sabia, é precisa honestidade intelectual para, perante provas que refutam uma dada teoria, aceitar a refutação e mudar de ideias; nunca se viu um astrólogo a abandonar as suas teorias porque as suas previsões falham. É sempre possível distorcer as coisas e continuar a defender uma teoria que a realidade já refutou. Mas a menos que encaremos a política educativa como astrologia, os resultados do facitilismo educativo dos últimos 30 anos refutam cabalmente tais teorias: o facilitismo não tem o efeito desejado — antes tem o efeito oposto.
Por outro lado, quem defende maior exigência no ensino é visto como elitista, o que é absurdo. Quem mais ganhou ao longo de 30 anos de facilitismo foram precisamente as elites — cujos filhos não têm de competir com os filhos dos pobres, a quem não é dada qualquer hipótese de ter prestações cognitivas que os ponham a par dos outros. Os meninos que querem ser médicos só competem entre meninos cujos pais são médicos, professores ou arquitectos; não competem com meninos cujos pais são cabeleireiros, drogados indigentes, electricistas ou caixas de supermercado.
Não há distinção entre esquerda e direita no que respeita ao facilitismo educativo. Em 30 anos, não há diferença entre governos do PSD ou do PS: todos foram facilitistas. Se houve excepções, foram ministros que tentaram, em vão, e por via das suas ideias pessoais — e não por serem do PSD ou do PS —, lutar contra a imensa máquina ministerial, que é indomável. Quem realmente manda na política educativa que conta — conteúdos curriculares, desenhos curriculares, graus de exigência — não são os políticos, mas sim os pedagogos do ministério. São estes pedagogos que têm destruído os conteúdos curriculares a pouco e pouco, muitas vezes sem conhecimento público — só os professores das respectivas disciplinas se apercebem da ausência progressiva dos conteúdos centrais das mesmas, substituídas por conversa fiada, para que os filhos dos pobres possam ter um aproveitamento de fantasia, já que, coitados, não podem realmente interessar-se por Descartes nem Einstein.
Há aqui aspectos de “classismo”, e até racismo, envolvidos. A ideia é que os filhos dos pobres só querem ser cabeleireiras ou electricistas, mas não pianistas ou biólogos. E a ideia até parece muito igualitária e muito de esquerda, porque se faz acompanhar da posição de que não há maior prestígio em ser cabeleireiro do que pianista. Há aqui um novelo de confusões no pensamento da esquerda que levará algum tempo a desfazer, mas podemos começar por notar já algumas coisas.
Em primeiro lugar, quem defende isto geralmente está a ser hipócrita e “classista”, porque põe os seus filhos nos melhores colégios, e não quer que eles sejam cabeleireiros, mas sim biólogos ou pianistas.
Em segundo lugar, e mais grave, quem defende isto parte do princípio de que os filhos das cabeleireiras não podem interessar-se por teoria da literatura ou por filosofia. Mas porquê? Porque não têm os genes adequados? Isto é “classismo” cognitivo do mais repugnante e inaceitável. É falso que os filhos dos pobres tenham menos capacidades cognitivas do que os outros.
Em terceiro lugar, quem defende esta ideia está a fazer tábua rasa do facto de que, na realidade, tem muito mais prestígio social ser biólogo do que cabeleireiro, e portanto ao defender o que defende está a ser “classista”, pois defende que não vale a pena ter uma escola que dê aos filhos dos pobres a possibilidade de ser qualquer coisa de diferente do que são os seus pais. Por outras palavras, a hipocrisia disto é alarmante, dado que estas pessoas ao mesmo tempo dizem-se preocupadas com o facto de a escola reproduzir as diferenças sociais — mas o que defendem aprofunda ainda mais essas diferenças sociais, como a notícia do DN, correctamente entendida, prova claramente.
quarta-feira, 4 de abril de 2007
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40 comentários:
A notícia só comprova as virtudes do sistema de ensino alemão e de outros países. As crianças são logo sujeitas a avalição no final do ensino básico e separadas em dois percursos escolares adequados às suas competências, um para um nível médio profissionalizante outro orientado para um percurso académico mais longo. Todos ficam logo cedo a ganhar porque é o próprio sistema educativo que diz aos pais o que podem ou não esperar para o futuro dos seus filhos, e o próprio sistema dá a oportunidade de mais tarde reavaliar os alunos e integrá-los no percurso mais valorizador. O problema não tem a ver com o chamado 'eduquês', massacrar os alunos com tarefas que eles não conseguem por mais que tentem fazer não serve de nada senão aumentar a aversão à escola, é preferível haver dois níveis, não nívelar por baixo e de facto ter em conta as virtualidades dos métodos de ensino centrados nas reais capacidades dos alunos.
Honestíssima análise do que se esconde por detrás do politicamene correcto. Na mouche.
Aff, eu gostaria de saber a percentagem de filhos de pobres que, no sistema alemão, acedem ao percurso que dá acesso à universidade. Mas aposto que é diminuta. O que significa que ficamos na mesma, ou pior.
Concordo com aff.
O que é preciso é, como o Desidério bem diz, estimular todas as crianças e jovens para que elas se eduquem e aprendam algo a um nível de grande profundidade e competência. Só que, esse "algo" variará de criança para criança. Uma criança dará um excelente ginasta de alta competição, outra dará um violinista virtuoso, ainda outra um competente operário industrial.
Nem todas as crianças têm que aprender o mesmo. O que é essencial é que, aprendam o que apenderem, o façam com profundidade e alto grau de proficiência.
Concordo perfeitamente com o Desidério quando ele condena o "facilitismo". Concordo com a exigência de exames.
Onde discordo do Desidério é na sua insistência em "Os Maias" e na filosofia. Eu li "Os Maias" com grande aborrecimento quando tinha 17 anos, por pura obrigação, e, apesar de hoje em dia ser um doutorado e um investigador em física, continuo a não perceber por que me obrigaram a ler aquilo nem para que é que me serviu. (á da filosofia tenho opinião diferente, foi uma cadeira que achei interessante.)
É impossível pretender, como o Desidério diz, estimular as crianças para a aprendizagem, quando aquilo que se lhes oferece é um ensino formatado e todo igual, no qual as crianças são sempre submetidas a uma série idêntica de saberes, independentemente dos seus interesses e talentos.
Penso hoje que a minha educação sofreu de imensos erros. Perdi imenso tempo a aprender coisas que não me serviram para nada, e deixei de aprender muitas outras coisas que me teriam sido úteis, e que hoje me fazem imensa falta. E isso foi, em boa parte, porque não me deixaram nunca escolher. Obrigaram-me sempre a seguir o programa.
Luís Lavoura
"gostaria de saber a percentagem de filhos de pobres que, no sistema alemão, acedem ao percurso que dá acesso à universidade. Mas aposto que é diminuta. O que significa que ficamos na mesma, ou pior"
Não, falso.
O facto de filhos de pobres não acederem à universidade nada tem de mal, se isso resultar de testes psicotécnicos que demonstram que essas crianças não têm efetivamente aptidão para irem para a universidade.
O problema do Desidério é que ele identifica "sucesso educativo" com "acesso à universidade". Um velho erro português.
Sucesso educativo é que os filhos, tanto dos pobres como dos ricos, atinjam um alto grau de proficiência numa carreira qualquer.
Quanto ao estudo do DN, eu não o li, mas suspeito que ele caia no mesmo erro que o Desidério: identificar "sucesso educativo" com "acesso ao ensino superior". De facto, é verdade que em Portugal as universidades estão sobremaneira cheias de pessoas da classe média e alta. Mais duvidoso é que isso possa ser considerado um sucesso educativo. Muitas dessas pessoas que estão na universidade não merecem lá estar. Estão satisfeitas por lá estar, é certo, mas tal não equivale a nenhum sucesso educativo.
Luís Lavoura
O artigo em causa apenas ressuscita velhas teses da Sociologia da Educação que, desde os anos 50 na Inglaterra (e mesmo antes) alertavam para os handicaps educacionais dos alunos de famílias proletárias.
As teses não estão completamente erradas, mas quase todas vieram a a padecer de derivas deterministas em diversas modalidades (Bourdieu, Althusser, Bowles e Gintis, Jencks, etc).
Mas afirmar, como se afirma no post que a escola não está em condições de ensinar quem não vem ensinado da escola é um erro quase tão grave como o daquelas teorias.
Mas eu depois vou tentar explicar isso melhor.
“O verdadeiro problema é este: a escola não sabe ensinar quem não vem ensinado de casa. Se queremos realmente dar oportunidades na escola a quem não as tem em casa, temos de estimular os estudantes culturalmente mais carenciados para o valor do conhecimento e do estudo.”
Admitamos que a escola não sabe ensinar quem não vem ensinado de casa; que a escola tem um excesso de missões e que é preciso fazer opções e retirar-lhe alguns apêndices.
O primeiro apêndice a retirar à escola é a formação profissional. Não entendo por que razão as políticas de emprego isentam as instituições de acolhimento da responsabilidade de formação dos seus profissionais (após a escolaridade obrigatória). Esta medida visa, por um lado, ajustar a formação profissional às necessidades e especificidades do mercado de trabalho; e por outro, (provocando de um certo modo o Desidério) deixar que a escola se dedique à formação humana dos educandos.
Caro Luís:
Afirma que eu identifico "sucesso educativo" com "acesso à universidade". Não o faço, mas já esclareço isto. Afirma também o seguinte: “Sucesso educativo é que os filhos, tanto dos pobres como dos ricos, atinjam um alto grau de proficiência numa carreira qualquer.” Concordo com esta última afirmação. Mas se os filhos dos pobres, como mostra o estudo do DN, raramente acedem a certos cursos de alto prestígio social e exigência cognitiva, é porquê? Porque são mais estúpidos do que os outros? Não. É porque a escola não lhes dá essa oportunidade. E por que razão não vão os filhos dos ricos para cabeleireiros em vez de irem para médicos?
A questão é só esta: um sistema educativo justo deve permitir que as crianças e adolescentes desenvolvam as suas potencialidades, independentemente da sua origem social. Mas se estatisticamente verificamos que só os filhos dos brancos, ou dos ricos, ou dos arquitectos, acedem a determinados cursos e profissões, isso significa que a escola não está realmente a permitir o desenvolvimento das potencialidades das crianças; está apenas a reproduzir as desigualdades sociais: quem vem estimulado de casa para ser médico, é médico, quem não vem, não é. E o problema não é ser cabeleireiro ou taxista, que considero profissões tão condignas como outras quaisquer; a questão é que os filhos dos taxistas não puderam escolher ser médicos.
Claro, esta situação não choca quem tem a crença falsa (eventualmente sem se dar conta) de que os filhos dos pobres são geneticamente incapazes de ser médicos ou arquitectos. E depois lá vem a conversa de que é tão digno ser caixa de supermercado como ser médico. Pois é. O problema é saber quantas pessoas que trabalham no supermercado poderiam ter dado médicos excelentes se a escola não tivesse a crença ridícula de que os filhos dos pobres são demasiado estúpidos para poderem ser médicos.
Miguel: obrigado pela provocação, mas até concordo consigo! Acho um erro terrível de estratégia fazer da escola escolas de formação profissional: nem são boas escolas de formação profissional nem são boas escolas.
Talvez tenhamos alguma discordância é sobre o que é isso de "formação humana". No meu entender, é pôr os estudantes em contacto criativo e estimulante com as grandes realizações humanas nas ciências, na filosofia, nas artes e nas religiões. Aquilo a que se chama "educação liberal". Mas para se fazer isto é preciso pensar que estas coisas têm valor em si, e não apenas valor instrumental para o mercado de trabalho. Raios, para que diabo precisa um cabeleireiro de saber biologia? Para nada. Mas não será um ser humano provinciano se não conhecer os factos e teorias básicas da biologia? Claro que sim -- penso eu, e penso que o Miguel concorda.
Pegando no comentário do Miguel Pinto, eu diria que a formação profissional deve ser efetuada no quadro da escola, isto é, ela deve ser algo que, embora feito no interior de uma empresa e eventualmente pago por essa empresa, consitui um crédito escolar. Ou seja, é válido e deve ser aceite que um jovem passe uma parte do seu tempo na escola a receber certos conhecimentos formais e académicos, e simultâneamente passe outra parte do seu tempo numa empresa a trabalhar e a formar-se. Tal experiência formativa deve ser aceite pela escola como uma parte válida do percurso escolar do aluno.
Aliás, é comum nos EUA os alunos e estudantes fazerem este tipo de coisas, trabalhar em part-time durante os anos finais da sua educação; e depois põem isso no curriculum, e tal é validado e bem considerado.
A escola portuguesa poderia encorajar isso mesmo, através da concessão de créditos escolares a quem faz formação profissional numa empresa.
Luís Lavoura
Luís,
Muito provavelmente a filosofia e a leitura dos Maias constituiriam um precioso contributo para saber pensar com rigor questões como as da educação e ensino.
E disso, creio, não há dúvida. Lamento discordar, mas a leitura dos Maias ou a aprendizagem filosófica, foi-lhe mais útil do que aquilo que presentemente defenda. Ou, pelo menos - uma vez que não quero ajuizar sobre a formação do Luís - é-nos mais fácil aceitar o seguinte: será que tudo o que o Luís estudou ou estuda em física está directamente relacionado com aquilo que lhe dá prazer? Repare: eu acho a Crítica da Razão Pura de Kant uma obra terrivelmente aborrecida e, com efeito, frequentemente lá vou procurar referências. Acho os diálogos Platónicos muito mais interessantes e divertidos e li-os menos no curso do que os textos de Kant. É que, afinal, para quem serve ler os Maias? Curiosamente usamos aqui um exemplo que partiu do Desidério e que, provavelmente até nem veio à sorte: é que os Maias revelam muito dos tiques e preconceitos da sociedade Portuguesa, incluindo aqueles tiques que até encontrámos nas posições que aqui traçamos e defendemos nos comentários. E se não servir para mais nada, pelo menos que a leitura da obra nos sirva para compreendermos os nossos defeitos mais mesquinhos e tacanhez de espírito. Olhe, pelo menos recordo que, ao ler os Maias, ri tanto como me rio ao ver o Gato Fedorento.
Espero não estar a ser duro na minha observação, mas , na realidade, continuo sem entender porque ainda há gente com formação e que defenda que os Maias não deve ser lida porque os meninos acham "chato". Seria o mesmo que eu afirmar que a física não deve existir porque é chata e eu não tenho de contribuir com os meus impostos para uma coisa aborrecida.
Felizmente, não acho a física chata, apesar de gostar bem mais da metafísica.
Rolando Almeida
O sistema alemão já existe assim há bastante tempo, confesso que não sei desde quando, mas muitos países desenvolvidos têm sistemas idênticos, nomeadamente Singapura por exemplo. O sistema não é nada elitista, muito pelo contrário é simplesmente pragmático e dá aos alunos e aos pais expectattivas realistas para o futuro. Na alemanha p. ex. só os graus académicos superiores dão uma titularidade informal (Prof e Dr) que aliás só é usada em alturas de cerimónia. É uma questão prática, o grau académico e a consideração estão intrinsecamente ligados ao exercício da profissão, e aí ou se é bom profissional ou se não é. Por isso não é nada desprestigiante ser-se apenas profissionalizado. Aliás porque a formação se faz ao longo da vida e como toda a gente sabe não há uma disparidade tão grande de salários como aqui.
O Miguel diz.
"O primeiro apêndice a retirar à escola é a formação profissional. Não entendo por que razão as políticas de emprego isentam as instituições de acolhimento da responsabilidade de formação dos seus profissionais (após a escolaridade obrigatória). Esta medida visa, por um lado, ajustar a formação profissional às necessidades e especificidades do mercado de trabalho; e por outro, (provocando de um certo modo o Desidério) deixar que a escola se dedique à formação humana dos educandos."
Não sei se entendi bem este comentário. mas até pegando por aqui podemos concluir que o problema só está a ter um ângulo de visão. Tem-se pensado que a escola se deve adequar ao mercado de trabalho, preparando os alunos para ele. Mas que tal pensar ao contrário: que é precisamente a escola que potencia novas ideias e fluxos para desenvolver o mercado de trabalho. Mas para isso é preciso que a escola dê as ferramentas adequadas ao sujeito livre e criativo, ainda que para tal, o ensine a ler os Maias e a pensar os argumentos de Kant. Só na falta de uma cultura sólida é que não somos capazes de estabelecer esta ponte. Claro está que se eu entrar na casa de uns mineiros analfabetos e lhes disser que se lerem os Maias, provavelmente vão pensar que estou louco, quando o seu trabalho é árduo. O problema é que os Mineiros são os pedagogos do ministério da educação!
(Nota: o meu avô foi mineiro! E oferecia-me livros, mesmo que ele nunca os tivesse lido. Hoje, podemos ser pedagogos e retiramos os livros, mas falamos de valores e competências)
Rolando Almeida
Ainda sobre a questão da escola ser 'profissionalizante', se não é é o quê? Claro que é necessária uma formação geral e básica mas a formação académica serve antes de tudo para o quê senão para o exercício de uma profissão? Para se viver de subsídios estatais?
Caro Luís
Mas estamos a falar de quê? De crianças de 15 anos (ou menos) a trabalhar em empresas? O exemplo americano que dá tem como contexto o ensino superior e não o secundário. De resto, é verdade que a sociedade americana encoraja o trabalho em part-time, sobretudo nas férias, para os jovens (mesmo os muito jovens) - mas isso é uma coisa diferente, não dá créditos nenhuns (faz parte de uma generalizada de valorização do trabalho, que tem algo a ver com a tradição americana protestante - e que eu só elogio, aliás). Mas também se deve acrescentar que uma das razões mais fortes que levam os universitários americanos a trabalhar (aí, sim, por vezes com créditos) é o "balúrdio" que custa a universidade por lá. Não é o mesmo sistema europeu das universidades públicas, pelo que as comparações devem ser feitas com cuidado.
Então não gostou dos Maias e gostou de filosofia? Não teria sido dos respectivos professores? De qualquer forma, pelos vistos o problema não passa pela utilidade (pelo que diz sobre o seu trabalho, a filosofia também não lhe será propriamente útil, no sentido imediato do termo). Mas pelo gosto. E aí, há-de concordar que uma escola à la carte é uma ideia um bocadinho obtusa (tenho uma sobrinha que, a certa altura, lá para os 14 anos, só queria fazer cursos de zen - acha mesmo que a escola lhos devia fornecer, em exclusividade, e tudo o que fosse matemática, biologia, português e etc. estava fora de questão?). Estamos a falar de crianças e adolescentes, não é? A escola deve compreendê-los, mas "ir atrás" não me parece boa opção, mesmo em termos de utilidade futura, não acha?
A questão está em que sobre as matérias a ensinar o consenso (mesmo técnico) será tão impossível como com o aeroporto da Ota (Maias? Júlio Dinis? Literatura de anteontem?). O que não é razão para não haver escolhas claras e claramente justificadas, que possam eventualmente ser discutidas (e de preferência, não sobre 25 matérias). E não quilómetros de metodologia, como acontece nos actuais programas. Não sendo professora do secundário, acho uma afronta aos professores o modo como os actuais programas estão escritos e que os tratam como atrasados mentais. É esse o "eduquês" que eu critico.
De resto, e isto agora é para o Desidério, não sejamos angélicos: a questão da reprodução das desigualdade sociais pela escola é complexa e não se resolve facilmente. Pessoalmente, acho que seria melhor, no entanto, a esquerda deixar-se de "flores" e relembrar os valores da "instrução popular" caros à 1ª República. Terá uma componente utópica, mas sem uma boa utopia a gente também não vai a lado nenhum.
Marvl
Caro aff,
Não conheço o sistema alemão, mas se é como o sistema suíço, e pelo que diz deve ser, é dos sistemas mais elitistas e injustos que conheço. A triagem dos estudantes começa, de facto, logo na primária. Os estudantes com melhores resultados no fim da primária vão para uma certa escola, os outros para uma escola mais profissionalizante. Resultado, a descriminação começa logo bem cedo. E o que se verifica é que quem vai para as escolas profissionais são os filhos das famílias mais carenciadas, não por serem menos inteligentes, mas por não terem o apoio e o estímulo que os outros estudantes têm em casa. Afinal, é obviamente errado pensar que o background cultural dos estudantes só os beneficie ou prejudique ao fim de muitos anos de escolaridade. Uma criança que nasça numa família cujos pais têm hábitos de leitura, que seja estimulada a ler desde muito pequena, que tem jogos cognitivamente estimulantes, etc., terá à partida melhores resultados (a não ser que seja mesmo muito pouco inteligente) do que uma criança cujos pais nunca lhe compraram um único livro, nem nunca lhe leram uma história e que não se importam se esta passar o dia inteiro a ver televisão. Estas diferenças culturais existem e fazem-se sentir desde a primária.
Mas no sistema suíço este tipo de segregação, que tem mais de social do que de outra coisa, começa logo desde a primária. E quando essas crianças chegam ao 9º ano de escolaridade são obrigadas a escolher uma profissão: mecânico, serralheiro, cozinheiro, cabeleireiro, etc. Julgar que as crianças vítimas de um tal sistema podem voltar atrás e retomar o percurso de acesso a uma melhor educação e, eventualmente, à educação superior, é não estar a ver bem. Na verdade, nem sei se tal é possível. Julgo que na Suíça não é, pois isso levaria a que uma criança com 15 anos de idade ou mais pudesse voltar para a primária para poder retomar o percurso normal que lhe foi recusado na 4ª classe.
Repare-se que em Portugal só uma pequena minoria de estudantes é que é filho de pais licenciados. Ou essa pequena minoria é mais esperta do que os outros, razão pela qual consegue aceder aos lugares a que os outros não conseguem, ou a escola descrimina as pessoas socialmente. É falso que essa minoria possa ser mais esperta do que os outros — afinal são uma minoria, e isso da inteligência distribui-se sem olhar a classes, pelo que há muitas mais pessoas inteligentes filhos de não licenciados do que de licenciados. Logo, a conclusão só pode ser a de que a escola portuguesa descrimina socialmente as pessoas. O que o aff parece propor é uma escola que descrimine ainda mais, que o faça logo desde a primária, não vão os filhos dos pedreiros tirar os lugares dos filhos dos doutores.
Ainda, Desidério:"Aff, eu gostaria de saber a percentagem de filhos de pobres que, no sistema alemão, acedem ao percurso que dá acesso à universidade. Mas aposto que é diminuta. O que significa que ficamos na mesma, ou pior."
Pergunto, prefere a ditadura do proletariado?
A Escola como agora está definida para pouco serve. Professores que verdadeiramente não amam a sua arte, que se limitam a
Lamento imenso as muitas milhares de horas que passei na Escola Secundária a fazer...nada. Poucos foram os docentes que me introduziram ao conhecimento que exploraram outras formas de transmitir o saber, usam e abusam da forma livresca. Muitas vezes hesito, será que vale a pena mandar os filhos frequentarem a actual Escola com os programas que insistem em ver os alunos enquanto máquinas de decorar ?
O sistema alemão é mais útil à sobrevivência dos alunos, todos sabem (e saber é fazer) uma arte. Os que gostam de estudar frequentam o Gymnasium e têm acesso à Universidade. Por cá, continuamos a enganar os alunos.
João Vaz
A mesma pergunta para o anónimo.
Anónimo. Não acho que os filhos de famílias pobres sejam necessáriamente menos inteligentes conheço imensos exemplo que demonstram precisamente o contrário, mas em média como refere o artigo do DN estatísticamente estão muito menos preparados para o ensino. Aliás isto é mero bom senso.
Caro aff: Defendo a liberdade e a justiça, e sou contra os racismos, classismos, machismos e outras tolices. Logo, sou contra a ditadura do proletariado.
Mas também sou contra uma sociedade que alimenta elites sociais que não são elites cognitivas, ainda que sob um discurso falsamente de esquerda que pretende pôr ao mesmo nível o Quim Barreiros e Beethoven, ou ainda que sob um discurso profissionalizante e cego que esconde sempre a ideia seguinte: "os filhos dos taxistas precisam é de aprender a ser electricistas aos 9 anos, porque a medicina não é para eles, coitados". Será que não é mesmo para eles?
A escola deve procurar dar a *todas* as crianças as mesmas oportunidades, em função *exclusivamente* dos seus talentos e capacidades e não em função da sua origem social.
Obviamente, isso não está a acontecer em Portugal -- apesar de termos há 30 anos um sistema de facilitismo que existe pretensamente para dar às crianças culturalmente mais carenciadas as mesmas oportunidades que os outros têm.
Olá a todos:
Penso que o valor do ensino é exactamente o de permitir que os alunos possam contactar com várias áreas do conhecimento, que faz parte de toda a cultura que a Humanidade construiu ao longo de Milénios...
Encarando a escola simplesmente como uma forma de se aprender uma profissão, é para mim redutor. A educação serve para que os alunos adquiram as ferramentas que lhes permitam aceder à cultura e não podemos esquecer que todos têm esse direito, independentemente do uso que fazem dele!
Obviamente que as pessoas podem e devem trabalhar, mas viver só para trabalhar é um visão muito pobre do que é ser Humano.
Além disso, a leitura dos Mais ou de Kant ou de Hegel ou de outros autores clássicos, ainda que não sirva para mais nada, pelo menos pode servir para abrir os horizontes dos alunos, para que conhecendo as áreas em que podem trabalhar, possam fazer escolhas verdadeiras livremente.
Não pondo os alunos, principalmente os mais desfavorecidos, em contacto com estas obras e conhecimentos, deixa-mo-los com menos hipóteses de poderem tornar-e investigadores ou escritores ou filósofos. Mas para isso a escola tem de considerar o conhecimento como algo válido em si e por si, e dá-lo a conhecer aos seus alunos.
A grande vantagem da escola é a possibilidade de abrir caminhos para os alunos que as frequentam. Esta é pelo menos a minha convicção, que queria partilhar com todos.
Abraço,
José Oliveira
Tomar
Desidério você está a confundir democracia com igualitarismo. O que acabou de afirmar não decorre obviamente do que se está a discutir, é pura retórica. Uma criança pobre não é necessáriamente impedida de prosseguir estudos superiores. Discursos demagógicos como o que acabou de fazer, 'politiquês' correcto, é que alimentam um sistema que me recorda uma história contada por um professor amigo a quem os pais de um aluno vieram pedir pqra salvar o filho porque eles mesmo não conseguiam... Se preferir nivelar pro baixo o ensino a sua receita é precisamente aquela que é a adequada.
Aff, a questão é precisamente saber por que razão as crianças com origens sociais mais humildes não aparecem nos cursos de medicina.
Só há duas respostas.
A resposta classista é esta: porque são menos inteligentes do que as outras. Esta resposta é falsa, ridiculamente falsa.
E a resposta que eu dou é esta: porque a escola, apesar de todo o seu facilitismo, não atrai para o conhecimento as crianças pobres.
Faço uma pergunta muito simples: quando vai ao médico, prefere ter um médico que o é só porque é filho de médicos, ainda que seja bronco mas tenha conseguido o que conseguiu à custa de muitas horas de marranço, ou prefere um médico genuinamente talentoso, ainda que seja filho de sapateiros? Já agora, podemos fazer a mesma pergunta relativamente aos políticos.
As coisas são muito simples: quanto maior for o "pool" (não sei como isto se diz em português) onde se vai procurar o talento, mais talento genuino se encontra. Se procuramos o talento apenas nos filhos dos ricos, ainda que nos estejamos nas tintas para a injustiça social disto, ficamos todos a perder como sociedade porque teremos piores arquitectos, piores médicos, piores políticos, do que teríamos se alargássemos o nosso "pool" e procurássemos o talento no filhos de toda a gente, independentemente da sua classe social.
Desidério, sabe quantos médicos descendem de famílias pobres? Vá ver exemplos ficaria paradoxalmente espantado.
Caro aff,
O que é mero bom senso? A constatação de que os filhos dos culturalmente mais ricos têm melhor preparação e conseguem melhores resultados na escola? Mas é precisamente isso o que o artigo do DN denuncia e que está em discussão! Nós sabe-mos que é isso que se passa, que a escola não está a fazer o seu papel. Ou seja, que a escola em vez de colmatar as diferença sociais permitindo a todos os estudantes desenvolver as suas potencialidades, está meramente a reproduzir as diferença sociais que já temos. E o que queremos saber é como mudar este estado de coisas, que é mau para todos, além de injusto. Pois em vez de termos uma sociedade baseada no mérito, em que temos as pessoas mais capazes como médicos, físicos, matemáticos, etc., temos uma sociedade elitista, em que temos apenas os filhos das elites como médicos, etc.
Célia Texeira
Célia, o que o artigo do DN denuncia é o que qualquer pessoa minimamente atenta pode constatar aparte as estatísticas. Não é verdade que apenas os filhos dos ricos ascendem ás elites profissionais, o nosso presidente da república é um bom exemplo, muitos filhos de famílias modestas têm até, dado o pragmatismo da sua situação económica e do bom contexto familiar, ótimas performances nos estudos. A visão de que o ensino tem necessária ( qualitativamente) ser igual para todos é que é perfeitamente desadequada e que leva à desgraça em que se encontra.
Assiste-se aqui a discussões de âmbito muito teórico e muito ideológico, que são aquelas que há vários anos ocorrem, e com resultados bem à vista.
Queria colocar a questão mais “junto ao solo”.
Os alunos entram no sistema de ensino. Ao fim de algum tempo, logo nos primeiros anos para alguns alunos, ou mais tarde para outros, verifica-se alguns não conseguem acompanhar os conteúdos leccionados. Essa dificuldade pode ter vários motivos, dos quais saliento dois: os alunos não têm capacidade para aprender determinadas matérias, ( e convém não esquecer que as pessoas não têm todas as mesmas capacidades em qualquer classe social); os alunos, por pertencerem a um meio social mais desfavorecido, poderão ter alguma dificuldade em adquirir uma “ nova cultura” que lhes é estranha e que não se relaciona com o seu quotidiano.
Já agora, acrescento um terceiro motivo, que normalmente afecta as classes mais altas: o aluno não quer, não lhe interessa a escola, porque já tem tudo sem qualquer dificuldade. Este terceiro caso surge normalmente nos últimos anos da escolaridade básica, e não é tão rara como se possa pensar.
Há pelo menos 4 possibilidades para encarar a situação:
1- Deixar os alunos com dificuldade reprovar e fazer avançar os outros, mantendo um nível de exigência alta.
2- Apoiar os alunos com mais dificuldade até que eles atinjam um patamar mais elevado, sem baixar o nível de exigência. Esta hipótese deixa em aberto a situação saber se é possível elevar todos os alunos a esse nível, ou haver um momento em que se vão deixar alguns para trás.
3- Baixar o nível de exigência para que mais alunos atinjam aquilo que se considera mínimo. ( Esta tem sido a opção tomada em Portugal)
4 – Separar os alunos por níveis, permitindo-lhes percursos diferentes. Situação que poderia ser obrigatória ou por opção do aluno. (Posição defendida por alguns comentadores anteriores, dando o exemplo da Alemanha e da Suiça).
Na minha opinião deveria seguir-se uma conjugação de 2 com 4, com a aplicação desta última após a aplicação de 2.
Obviamente que teria que ser muito bem determinado em que é que consistiria o apoio aos alunos, deixando de ser o actual “ faz de conta”.
Bem, no que me diz respeito, eu não defendi que o dito «eduquês» e o facilitismo fossem o caminho a seguir na educação. O que eu afirmei foi que tanto o eduquês» como o «elitês» são ambos discriminatórios: o primeiro porque prejudica os alunos ao oferecer-lhes um ensino de baixo nível e exigência; e o segundo porque prejudica os alunos ao oferecer-lhes um ensino indiferente às suas dificuldades (e com isto não estou querer dizer que os alunos das classes mais pobres são menos inteligentes).
Foi por isto que eu afirmei que o estudo do DN confirma as teses do eduquês, nomeadamente o facto de a escola reproduzir as diferenças sociais. Agora, se as soluções postas em prática pelo eduquês não resolvem o problema (mas contribuem, antes, para ele), isso é outra questão. Mas a verdade é que, como eu disse, as soluções dos «eliteses» também não o resolvem, e só o agravam com o sistema do cheque-educação, por exemplo.
Aliás, naquilo que o Desidério propõe – a estimulação dos estudantes para o conhecimento – o que eu vejo é um princípio teórico do eduquês, pois, como é sabido, o que as diversas pedagogias «eduquesas» defendem é que os alunos devem ser o centro da aula e ser motivados para o estudo (em oposição ao tipo de ensino centrado no professor e que é indiferente à recepção da mensagem). Só que o que se verificou é que estas ideias degeneraram, perdendo-se o sentido da finalidade prioritária das aulas, e que é a transmissão do conhecimento. Assim, a motivação deixou de ter um fim e tornou-se no próprio fim das aulas.
Mas a degradação do ensino não se deve apenas a esta degeneração. É preciso não esquecer que, cada vez mais, se defende a adaptação do ensino ao mercado de trabalho. A tendência é para o conhecimento como um todo ser substituído por uma formação cada vez mais tecnocrática, e desligada das disciplinas das humanidades. Por isso a disciplina de Filosofia está em perigo, e quer-se fundir as disciplinas de História e Geografia numa única. E por isso, com o Processo de Bolonha, as primeiras cadeiras a serem eliminadas nos cursos universitários são as menos técnicas. Assim, pode afirmar-se que o ensino estruturado em função de competências e não em função de conteúdos, é mais uma exigência do mercado do que de determinadas teorias pedagógicas. Porque o mercado precisa é de ferramentas e não de cidadãos, não é verdade? Se o «eduquês» é criticável o que dizer, portanto, do «mercadês» ou do «economês»? É que não deixa de ser interessante verificar que aqueles (JMF, JCE, JCN) que mais crónicas dedicam à critica do eduquês, sejam os mesmos que mais crónicas dedicam à apologia de um sistema de ensino construído à imagem do mercado e em função do mercado.
“Não sei se entendi bem este comentário. mas até pegando por aqui podemos concluir que o problema só está a ter um ângulo de visão. Tem-se pensado que a escola se deve adequar ao mercado de trabalho, preparando os alunos para ele.”
Rolando
A meu ver, a escola não tem de preparar nenhum aluno especificamente para o trabalho. Primeiro, porque a escola deve preparar o homem, para ser homem, e não preparar o homem para o exercício de uma actividade profissional. Em segundo lugar, e admitindo que a escola teria como incumbência preparar o homem para o trabalho, a volatilidade do emprego tornaria o esforço da escola despiciendo.
Miguel,
Obrigado. tinha percebido ao contrário.
abraço
Rolando
Caro paulo v, a opção 4 que refere e pelo que conheço por exemplo na Alemanha, não é opcional para o aluno, é obrigatória através de provas de avaliação no final do básico. A virtualidade desta metodologia é de que não sendo opcional não esvazia o percurso médio, valorizando-o, e não o torna simplesmente num percurso de 'desistentes'. Claro que existem depois mecanismos de avaliação para os alunos que entretanto recuperaram de retomarem o percurso com seguimento para o ensino superior. A grande vantagem deste sistema é de que não se misturam alunos bons com alunos maus e as turmas são mais homogeneas em termos das suas capacidades com programas de ensino a elas ajustados. A desvantagem é a de poder eventualmente criar escolas difíceis só com alunos maus, mas julgo que precisamente por causa disso as escolas lecionam ambos os programas.
Caro Miguel: concordo consigo que a escola não deve ser entendida como escola de formação profissional.
Um dos problemas das nossas políticas educativas é aliás esse mesmo. Quando não se tem uma concepção clara do valor intrínseco do conhecimento, entende-se o conhecimento meramente como instrumento para outra coisa qualquer; logo, entende-se a escola meramente como instrumento para outra coisa qualquer, extrínseca ao valor próprio do conhecimento: seja como fábrica de empregados de supermercado, seja como educação para a cidadania (que mais não é do que doutrinação ideológica). Nunca se entende a escola como um lugar onde o estudante contacta com as grandes realizações das ciências, das artes e das letras, e onde alarga a sua compreensão das coisas, porque isso não tem, desta perspectiva, valor algum. Ironicamente, quando a escola não é entendida deste modo, nem consegue formar bons profissionais, nem cidadãos críticos e activos.
Caro Desidério, tenho de novo de discordar de si. O que considera "uma concepção clara do valor intrínseco do conhecimento"? Só para trazer à colação um singelo argumento quer-me explicar o que em última instância possibilita que possamos estar a trocar ideias através da tecnologia como o estamos a fazer? Foi simplesmente por obra e graça de um 'espírito santo' pleno de "uma concepção clara do valor intrínseco do conhecimento"?
Não quero com o último comentário desvalorizar a importância de uma boa formação cultural providenciada pelo ensino, nomeadamenta no que concerne à filosofia e à história, mas uma sociedade não pode evoluir sem conhecimento operacionalizável na actividade económica, senão como é óbvio toda a gente morria de fome.
Caro aff
Eu compreendo a sua posição, porque associa psicologicamente conhecimento "escolar" a idiotices vácuas sem qualquer relação com coisa nenhuma.
Só que isso é uma ilusão. Percorrendo a história das grandes realizações humanas, verificamos que estão intimamente ligadas a um gosto pelo valor intrínseco do conhecimento, incluindo pelas áreas aparentemente mais abstrusas e afastadas da vida prática. Pelo contrário, é nos povos que não manifestam gosto pelo conhecimento em si que os avanços tecnológicos não acontecem.
Tome-se o exemplo dos EUA. Hoje, você não diria que as suas universidades são só para mandar catar grilos numa floresta de nenúfares, pois não? Grande parte das patentes registadas no mundo tem origem nas universidades dos EUA.
Pois bem, estas mesmas universidades nada faziam antes da segunda guerra mundial. Porquê? Porque não se investia no conhecimento puro -- só se investia no conhecimento "operativo" muito aplicadinho da silva. E depois não se aplicava nada porque não se tinha conhecimento fundamental para aplicar.
Aff,
Acho muito estranha e bizarra esta incompreensão entre valor do conhecimento e produto do conhecimento. è que um não acontece sem o outro. Bastaria até olhar uns anos para trás e compreender que o nosso atraso se deve precisamente pela desvalorização do conhecimento. Provavelmente o problema é que ainda vivemos intrinsecamente nessa miséria de falta de cosmopolitismo para pensar o mundo e a vida. Assim, pensamos que os telemóveis, os computadores, etc... nascem nas lojas para os comprarmos, tal como as couves nascem da terra. E, desse modo, pensamos que o Eça de Queiroz ou o Kant ou o David Lynch são coisas para quem não tem mais nada para fazer na vida. Curiosamente a burguesia rica só aparece como consumidor deste tipo de obras e, é muito comum, quem as produz não ser propriamente rico, mas estar preocupado com o mundo que habita nas suas mais diversas manifestações. O Eduardo Loureço, no Labirinto da Saudade, dá uma sugestão que cabe aqui muito bem: todos os povos têm uma imagem sobre si próprios, os seus mitos que explicam a sua realidade. Assim, há povos cujos mitos os elevam à necessidade de conhecimento. O povo português tem, segundo Lourenço, uma falsa imagem de si próprio. Talvez por essa razão sejamos uma espécie de pobres com mentalidade de ricos, vivamos muito para o exterior, para o estatuto. Mas basta crescer um bocadinho para perceber uma coisa: só se vale do estatuto quem não tem nada de si construído para dar ao mundo. O ensino é, no meu ponto de vista, mais uma vítima deste tipo de pensamento, ao qual, o Desidério, por diversas ocasiões chama de "pensamento mágico". E com razão. Sejamos práticos: o problema dos exames só é um problema porque isso implica trabalho mais sério para alunos, professores e ministério. E isso é uma chatice do caraças, uma vez que não conhecemos o valor intrínseco do conhecimento e da vida e isso leva a que só tenhamos motivações externas, como ganhar o ordenado ao fim do mês, tirar boas notas, no caso dos alunos, para um dia também ganhar dinheiro e apresentar resultados para o Ministério. Andamos com os dados trocados e vivemos numa espécie de país de brincadeira. Sinceramente a mim custa-me imenso constatar que há pessoas como o APf que ainda questionam esta realidade. Não quero fazer aqui qualquer acusação ou insulto mas, sinceramente, parece-me damasiado estúpido que pessoas com responsabilidades não percebam isto. Até porque perceber o valor intrínseco do conhecimento nem é nada do outro mundo. Basta usar a cabecinha para pensar. A menos que vivamos num sistema totalitário no qual somente pequenas minorias se apercebem dos mecanismos de controlo social e se organizam clandestinamente como movimentos de resistência. Não queria politizar em demasia esta questão, pelo menos passando pelos estigmas habituais em Portugal, mas termino, outra vez, com Eduardo Lourenço: "o salazarismo em Portugal começou quando Salazar morreu", ou, como uma vez referiu um jornalista inglês, "Portugal é um país que estava a dormir, levantou-se para fazer uma revolução e deitou-se outra vez a dormir". Com estas ideias não dúvido que vivemos num país infantilizado, movido pelo tal "pensamento mágico". É triste e difícil viver assim.
Abraço
Rolando Almeida
Caro Rolando, o seu discurso é longo e, permita-me, redundante. Claro que isto e aquilo, mas a questão que se estava a colocar é a de o ensino dever antes do mais preparar para a vida profissional ou ao invés dar prioridade ao conhecimento pelo conhecimento. Cito na forma retórica como o Desidério colocou a questão, acha que as maiores economias europeias, americanas e asiáticas podem providenciar a qualidade de vida e o conhecimento em geral, eg. publicações, arte, influência cultural senão tivessem economias fortes? E o que faz essas economias fortes senão a prioridadde ao conhecimento produtivo/tecnológico, muitas vezes até mal orientado como é o caso dos EUA para a industria militar sobre o conhecimento científico, artistico, filosófico, etc. Gosto de citar sempre nestas ocasiões a pirâmide das necessidades de Maslow, repito ninguém pode viver sem comer, ninguém pode pensar sem viver. O resto é discurso moralista que pode valer para si ou para mim mas que na prática não interessa a 99% da população, quer portuguesa que desses países.
aff,
de acordo, mas note o seguinte:
"acha que as maiores economias europeias, americanas e asiáticas podem providenciar a qualidade de vida e o conhecimento em geral, eg. publicações, arte, influência cultural senão tivessem economias fortes?"
Eu faço a questão de uma outra forma:
Acha que é possível uma economia ser forte sem um forte e coerente investimento de capital humano e financeiro em matéria de conhecimento e educação? E acha que isso passa pela eliminação de exames e todo o facilitismo que verificamos existir no sistema de ensino português? Claro que entramos em ciclos viciosos. De todo o modo, o que verificamos em portugal é um mau investimento e políticas que não passam de um disfarce camuflando os problemas. E é nisto que consiste o pensamento mágico ou fantasioso. Era isto que estava em discussão, creio. Claro está que estamos a discutir pontos de vista e basta-me argumentos mais fortes que os meus para me convencer do contrário.
Abraço
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Rolando Almeida
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