domingo, 20 de novembro de 2022

ESPERANÇA? "QUEM PUDER QUE A TENHA".

A construção dos edifícios, piscinas e jardins, bem como de outras estruturas que o mundial de futebol em curso exigiu, tem provocado milhares de mortes entre os trabalhadores da vasta e indefinida classe designada por "mão-de-obra". Não sabemos (e talvez nunca saberemos) quantos são esses milhares. Circula um número, mas já li que, afinal, ele será, pelo menos, o dobro.

Considerem-se as causas das mortes: não foram devidas a um desastre natural, a uma doença súbita, enfim, a algo imprevisível e altamente destrutivo a que o ser humano não tenha possibilidade de deitar a mão. Foram as terríveis condições de trabalho - e a miséria que lhe anda associada - que levaram a vida a tanta gente. 

Será que isso interessa? Dirão uns que, mesmo que se tratasse de centenas de mortos, dezenas, um só... deveríamos inquietar-nos. Considerando a vida, e a dignidade que ela requer, como bem supremo, é para aí que somos conduzidos. 

Acontece que as ditas pessoas estão entre as mais pobres e anónimas dos países de origem, migrando para sobreviver, acrescentam o "ser-se  estrangeiro" à sua frágil condição. Não têm mais valor do que aquele que a produtividade dita, numa linha altamente organizada e controlada. Caindo uma, é de imediato substituída por outra, que muito provavelmente cairá... Este retrato, comprova-nos a História, é recorrente, estando bem visível no momento em múltiplas latitudes, não apenas nesta, de que muitos falam com justificada indignação, estando dispostos a considerá-la indigna do estado civilizacional que julgam ter sido alcançado.

Ora, tal estado civilizacional é deveras enganoso: deslumbrados que ficamos com a tecnologia - essa filha da ciência, que não raras vezes se desvia da linha de conduta da mãe -, esquecemo-nos da ética a que ela tem de estar submetida. Melhor, desprezamo-la, subvertemo-la, fazemos com ela o que nos der mais jeito para atendermos a interesses próprios ou corporativos, incluindo invocá-la para defender pontos de vista e acções que não têm defesa possível.

Uma tal atitude remete-nos para o estado de barbárie que nos vem dos confins dos tempos. Este mundial de futebol é apenas mais um ilustrativo exemplo disso mesmo. Enquanto morrerem pessoas nas condições que bem sabemos, que não podemos ignorar, e que acima recordei, são usados os mais sofisticados meios tecnológicos, nomeadamente na monitorização dos jogos, dos jogadores, da bola, etc. Esses e outros meios são engendrados e usados por técnicos e profissionais, que, para chegarem a um elevado nível de especialização, terão frequentado universidades, algumas delas de renome. A educação escolar não está, portanto, afastada da equação.

O que interessa notar neste ponto do raciocínio é a dissonância formada, não há como a negar. 

E aqui, consciente da importância que a tecnologia sempre teve para a humanidade, lembrei-me do físico, professor e poeta - entre outras coisas - que foi Rómulo de Carvalho. Assumindo o seu pseudónimo - António Gedeão - declarou em 1995, numa entrevista a Maria Augusta Silva:
“Os seres humanos continuam como eram há séculos e séculos (…). Permanecemos exactamente os mesmos. [Nem uma maior preparação académica propiciou melhorias?] Não creio. O homem de hoje faz tantas barbaridades como o das cavernas” [Terá as mesmas motivações?] Podem ser outras. A maneira de planear também mais cínica, possivelmente. Os outros eram mais impulsivos, agora tudo se faz com mais mediação. Mas o homem continua bárbaro, como há milénios. O nosso progresso é todo técnico e científico (…). Basta ver os episódios da História das várias nações, mesmo na idade contemporânea. (...) Verifica-se um grande progresso na ciência e na técnica, mas apenas aí. [Não existe esperança?] Quem puder que a tenha. Eu não tenho esperança numa melhoria social (…). A minha estrela polar é esse desejo inatingível de a humanidade melhorar nos sentimentos e na forma de actuar.”
Nesta dissonância que não sabemos, ou não queremos, encarar de frente porque isso seria, a diversos títulos, demasiado exigente, ou, mesmo insuportável, para nós, assumamos como modo de pensar colectivo e, portanto, também nosso, o dito por um presidente de um país europeu, democrático e humanista, perante pessoas desse mesmo país, por certo democratas e humanistas:
“(...) não respeita os direitos humanos (...) mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas..."
É que, bem vistas as coisas, quem consegue resistir ao "circo", que, no caso, assume a figura de futebol?
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A frase do presidente é tal como transcrita na imprensa (ver aqui, por exemplo): “O Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal, mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa. Começámos muito bem e terminámos em cheio”

As imagens usadas circulam na internet, não tendo conseguido identificar a sua fonte.

ACATAR O QATAR

SONETO FEITO COM PALAVRAS PRÓPRIAS PARA SEREM USADAS

Aceitar a boa hospitalidade
de tiranos que pagam e impedem
que a vida dos seus tenha qualidade 
e, no direito à dignidade, não cedem, 

fingir que tudo está muito bem,
quando tudo, afinal, está mal,
é o que sempre faz a sacanagem,
seja ela de rei ou cardeal.

Afasta-se o pobre que incomoda
e o que morreu só pra chatear
enterra-se depressa e que se foda!

Importante é ver a bola entrar
e, finalmente, ver chegar a glória
à selecção que assim fique na História! 

Eugénio Lisboa

DESCODIFICAR O QUE SE DIZ E ESCREVE SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR

Isabel Leiria, jornalista do Expresso, faz um trabalho de investigação profundo no campo da educação escolar que em muito esclarece o que nele acontece. Em vez de, como é comum, replicar "narrativas" - não o faz, de todo! - reúne informação, trata-a e apresenta o resultado, que é claro, sistematizado, informativo. A opinião fica a cargo do leitor, como deve, de resto, ficar em trabalhos jornalísticos.

Acontece que para chegar a um resultado deste tipo, é preciso "descodificar". Em educação - como noutras áreas - revela-se um exercício particularmente difícil e moroso. É certo que o conhecimento adquirido e o traquejo aguça o discernimento, torna o exercício mais ágil e rápido, mas, ainda assim, não é qualquer um que o faz com qualidade e sobriedade. Por isso, este título "descodificador", que aparece no jornal em causa, é particularmente feliz neste campo. Precisamos de quem, sem orientar o pensamento, "descodifique" mensagens muito bem elaboradas para que as aceitemos sem colocar qualquer questão.

Dois Poemas

I

Os pássaros, gelados e mortos,

Voaram com o meu coração.

Saciados, cantam na caleira.

Acabaram de erguer-se do chão.


Os pássaros, gelados e mortos,

Voaram, ergueram-se do chão.

Correm o côncavo da caleira.

Cantam agora no meu coração.

II

Fui o primeiro a esperar-te em vão,

De rosto caído para as lágrimas, em martírio.

Fui o primeiro a amar-te como se fosses mosto.

E sei que serei o último a esperar-te 

E que nunca vou esquecer-te.

Ainda que o céu se abata sobre cada círio.

Ainda que as lágrimas tenham perdido o rosto.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

UM TESOURO: AS CRÓNICAS DE ANA CRISTINA LEONARDO

Por Eugénio Lisboa 

O humor é uma coisa muito séria.
Penso que é uma das maiores e mais antigas riquezas nacionais
que devem .ser preservadas a todo o custo.
James Thurber

A coisa mais negligente, para não dizer a mais feia, que podemos fazer, é descobrirmos um tesouro e não badalarmos logo esta descoberta a amigos e conhecidos, para que dela também possam beneficiar. É tão criminoso como descobrir o chocolate e ficar calado. Não se faz! O que é bom é para repartir.

Dei com a Ana Cristina Leonardo, quando o meu filho João Luís me ofereceu o seu pícaro e fabuloso romance O CENTRO DO MUNDO, que desafia a imaginação do mais pintado. Depois, apareceram as suas crónicas no suplemento ´IPSILON, do PÚBLICO, de tal modo cintilantes de inteligência, verdadeira cultura e humor sonso, fininho e manhoso (os ingleses chamam-lhe humor “sly”, que talvez se possa também traduzir por sacaninha), que achei francamente ranhosa a periodicidade com que eram publicadas. Resmunguei com os meus botões: “Se o PÚBLICO desse conta do valor destas crónicas, publicava-as semanalmente.” Acontece que o PÚBLICO ou deu conta ou ouviu o meu resmungo enviado para o éter.

E passámos a ter, todas as semanas, à sexta feira, o prazer e o privilégio de ler as crónicas de Ana Cristina Leonardo, que são sérias, da maneira mais séria e competente que há de o ser: recheadas daquele humor que os lusíadas cultivam tão pouco, com excepção de gente (pouca) com o talento de um José Sesinando.

Dos humoristas tem-se dito muita coisa, mas o mais frequente – e tem um fundo de verdade – é dizer-se que não são, em geral, uma tribo feliz. O notável crítico e ensaísta literário britânico, Cyril Connolly, autor do muito conhecido ENEMIES OF PROMISE, punha a coisa nestes termos: ” Os humoristas não são homens felizes. Como Beachcomber e Saki e Thurber, eles ardem enquanto Roma toca violino.” 

Ser humorista é uma profissão de alto risco, sobretudo se exercida num milieu de gente com pouca vocação para o humor e que mais depressa afina do que ri. É precisa uma grande arte, para gozar fininho, todo o tempo, com o parceiro, e sair incólume desse exercício. Era isso mesmo que avisava George Bernard Shaw, quando dizia: “Mark Twain e eu estamos muito na mesma posição. Temos de pôr as coisas de tal maneira, que levem as pessoas que, normalmente, nos teriam enforcado, a acharem que estamos só a brincar.”

Ana Cristina Leonardo exercita-se, da maneira mais culta e atrevida, nesta arte de ensinar, divertindo-nos com o seu finíssimo senso de humor e pisando galhardamente a fronteira do risco. E quem não gosta de arriscar-se é melhor não se meter nestas andanças.

Se, como sugere Connolly, ela também pertence à tribo dos infelizes, não sei, porque não tenho o privilégio de a conhecer pessoalmente. Mas sempre direi que, quando leio o seu discurso recheado de ensinamentos e humor sacaninha, prefiro pensar que talvez ela desminta o aforismo do autor de ENEMIES OF PROMISE.

Eugénio Lisboa

NOVA ATLANTIS

A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.

Imprensa da Universidade de Coimbra

Atlantís - review

v. 48 (2022)

Sumário

https://impactum-journals.uc.pt/atlantis/index

  [Recensão a] DÍAZ-ANDREU, Margarita: A History of Archaeological Tourism. Pursuing Leisure and Knowledge from the Eighteenth Century to World War II, New York, Springer, 2020, 122 p., ISBN 978-3-030-32075-1

Sérgio Alexandre da Rocha Gomes

[Recensão a] LESAGE GÁRRIGA, Luisa: Plutarch. On the Face Which Appears in the Orb of the Moon. Introduction, Edition, English Translation and Commentary to the Critical Edition, Leiden-Boston: Brill, 2021, IX+230 pp. ISBN: 978-90-04-45807-9

Vicente M. Ramón Palerm

[Recensão a] LANZA, Lidia & TOSTE, Marco (eds.): Summistae. The Commentary Tradition on Thomas Aquinas’ ‘Summa Theologiae’ from the 15th to the 17th centuries, Ancient and Medieval Philosophy – Series 1‑ LVIII, Leuven, University Press, 2021, 447 pp. ISBN: 978-946-166-37-02

Mário Santiago de Carvalho

[Recensão a] UMBELINO, Luís António (coord.), Corps ému / Corpo Abalado. Essais de philosophie biranienne / ensaios de Filosofia Biraniana, Coimbra, Impressa da Universidade de Coimbra, 2021. 587 pp. ISBN: 978‑ 989-26-1991-0

Graciela Fainstein Lamuedra

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Atlantís

http://impactum-journals.uc.pt/atlantis 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

DIA DE CHUVA

O dia nasceu com rosto feio 
e a chuva molha as nossas emoções.
Que fica mais cinzento: o nosso anseio
ou a chuva com sinistras canções?

E, afinal, que anuncia o dia?
Mais guerra sem aprumo, mais peste?
A destruição de toda a harmonia? 
Brutalidade, de leste a oeste?

Por que não sabe o homem conviver?
Por que preferir sempre o conflito,
em vez de o diálogo acolher?

Por que, à paz, preferir o grito?
O dia nasceu feio e penumbroso,
deixando todo o mundo ansioso.

Eugénio Lisboa

SOBRE A INFILTRAÇÃO DE CERTAS EMPRESAS NA ESCOLA PÚBLICA POR VIA DA "EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA"

Nos anos mais recentes, a presença do ramo empresarial da cerveja ganhou solidez, dinamismo e sofisticação em escolas públicas, algumas com nome e tradição. A porta de entrada tem sido  adivinhe-se...  a da "educação para a cidadania", em especial da "educação para o empreendedorismo". Pode dizer-se que é um caso de "experiência pedagógica" adquirida por parte de certas empresas e também de legitimação política por parte do Ministério da Educação. A figura de stakeholder ("parceiro educativo"), constante em normativos da tutela, normaliza essa presença, que fica, agora, ao critério das escolas, a que não é alheia a influência das autarquias.

Importa que os educadores, no sentido mais amplo e sério da palavra, parem para pensar: esta prática, que se quer inscrita na propalada "responsabilidade social das empresas", é aceitável sob o ponto de vista ético? Deve ser aceite sem qualquer reflexão como se fosse normal? 

Para ajudar futuros educadores a pensarem sobre o assunto com base em conhecimento (convém que assim seja de modo a evitar a opinião desinformada) convidei o Professor Mário Frota, actualmente presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal. A síntese da sua contribuição pode ser lida em diversos sítios na internet, nomeadamente no Diário Online. Região Sul (ver aqui).

COMCEPT: Conferência sobre Desinformação

 Terminam hoje as inscrições para a ComceptCon, com o título "Realidade ou Ficção: como navegar num mar de desinformação". A entrada é gratuita, servindo a inscrição apenas para garantir lugares para os participantes.

O evento terá lugar no sábado, dia 19 de Novembro, no Museu de Leiria.

Entre os oradores estarão o jornalista Paulo Pena, autor do livro "Fábrica de Mentiras", as investigadoras Ana Delicado e Inês Narciso, e ainda o britânico Michael Marshall, diretor da Good Thinking Society, e participante no podcast "Skeptics with a K". 

No final será entregue o prémio COMCEPT a uma personalidade que se tenha destacado na promoção de ciência e do pensamento crítico.

Também haverá bolo para celebrar o 10º aniversário da COMCEPT - Comunidade Céptica Portuguesa. 

Poderão consultar o programa e inscrever-se aqui: https://ccon2022.comcept.org/programa/



quarta-feira, 16 de novembro de 2022

OUTROS POEMAS DE REINALDO FERREIRA NO ANO DO CENTENÁRIO DO SEU CENTENÁRIO

Por Eugénio Lisboa

Na tarde erramos 
Nós, tu e eu, 
Mas três.
Tão sós que vamos 
E não sou eu 
Quem vês.

Discreto calo,
P’ra que o meu senso
Louves; 
Em vão não falo,
Tanto o que eu penso
Ouves.

Melhor me fora
Que a outro assim
Levasses
E, longe embora,
Somente em mim
Pensasses. 

ALGUNS “POEMAS DO BATAL E DA PAIXÃO DE CRISTO” 

OS PROFETAS
Assombra, esta verdade que trazemos.
Aterra, a nitidez com que falamos.
Mas nós, mais do que vós, nos aterramos
Da certeza que temos.
Porque há distâncias que ninguém transpôs
E predizer é ser no tempo – Aquém. 
Correm palavras como um rio, em nós: 
A verdade é Belém. 

II
VISITAÇÃO
Que é do anjo das asas rutilantes
Com que lutou Jacob, na madrugada?
Que é desse outro, das falas sussurrantes,
Que surgiu a Maria, a fecundada, 

Tão casta e sem pecado como dantes?
Que é da estrela, pela mão de Deus lançada 
A guiar os incertos caminhantes
Ao colmo da cabana consagrada?

Onde estão os sinais que Deus envia? 
Onde estão, que os procuro noite e dia
Sem nunca ver cumprido o meu desejo?

Não os vejo e não sei se eu, que os procuro,
Os não encontro porque sou impuro,
Ou sou impuro porque os não vejo. 

III
CANÇÃO DO PASTOR PERDIDO
Ia eu p’ra Belém
Com oferendas também
Por Babel me passava;
E, passando, hesitei,
Hesitando, parei
E, parando, ficava.

Mas nem lavas, nem lodos,
Nem os répteis todos
Da Paixão e do Mal 
Terão força que possa
Afundar-me na fossa
Do Juízo final. 
________________
Outro dia, trarei ao DRN, mais uma pequena colheita da seara deste grande poeta. 
Eugénio Lisboa

PUBLICIDADE INDIRECTA A TODA A HORA E MOMENTO

Por Mário Frota  

Publicidade INDIRECTA
A toda a hora e momento
Há lá coisa mais infecta
Sem cabal deferimento? 

O PORTO CANAL, uma estação simpática, ali para as bandas da Senhora da Hora, paga pela publicidade e pelo mais que constitua receita, e a RTP 3, que consumidores e contribuintes se esfalfam em pagar através da CAV e do OE, passam a “desoras”, a pretexto de algo que se aloja em programa de informação, seja lá o que for, publicidade INDIRECTA a bebidas alcoólicas.

Se se tratar de programa com patrocínio das Marcas e da Revista Essência do Vinho, é à ERC – Entidade Reguladora da Comunicação Social – que incumbe agir, nos termos da lei, para reverter a situação, para pôr a coisa no são.

Se se tratar pura e simplesmente de publicidade, ainda que de PUBLICIDADE INDIRECTA, é à DGC – Direcção-Geral do Consumidor que cabe actuar de molde a reprimir as violações ao Código da Publicidade.

O que diz a Constituição da República Portuguesa
Artigo 60.º Direitos dos consumidores 
“1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.
2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.
3. As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes reconhecida legitimidade processual para defesa dos seus associados ou de interesses colectivos ou difusos.” 
E o Código da Publicidade, no sempre ignorado artigo 17.º? Ei-lo nas epígrafes da secção e do artigo: 
Restrições ao objecto da publicidade
Artigo 17.º Bebidas alcoólicas 
“1 - A publicidade a bebidas alcoólicas, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida quando: 
a) Não se dirija especificamente a menores e, em particular, não os apresente a consumir tais bebidas; 
b) Não encoraje consumos excessivos;
c) Não menospreze os não consumidores;
d) Não sugira sucesso, êxito social ou especiais aptidões por efeito do consumo;
e) Não sugira a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos;
f) Não associe o consumo dessas bebidas ao exercício físico ou à condução de veículos;
g) Não sublinhe o teor de álcool das bebidas como qualidade positiva.
2 - É proibida a publicidade a bebidas alcoólicas, na televisão e na rádio, entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior é considerada a hora oficial do local de origem da emissão.
4 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º, é proibido associar a publicidade de bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais, consagrados no artigo 11.º da Constituição da República Portuguesa.
5 - As comunicações comerciais e a publicidade de quaisquer eventos em que participem menores, designadamente actividades desportivas, culturais, recreativas ou outras, não devem exibir ou fazer qualquer menção, implícita ou explícita, a marca ou marcas de bebidas alcoólicas. 
6 - Nos locais onde decorram os eventos referidos no número anterior não podem ser exibidas ou de alguma forma publicitadas marcas de bebidas alcoólicas.”
A menos que as forças em presença no mercado (e até a televisão pública é permeável ao facto) consigam a revogação de um tal preceito (que pelo desuso parece já não amedrontar ninguém), há que fazê-lo cumprir. A menos que pela sua desadequação aos “costumes vigentes” se deva fazer alarde da publicidade até cair na valeta, pôdre de bêbado, passe a expressão!

Valha-nos o Deus Baco para que se possa impor uma certa moderação, uma conveniente morigeração nos hábitos… de anunciantes e suportes que não olham a meios para atingir os seus nefastos fins! 

Mário Frota 
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal

terça-feira, 15 de novembro de 2022

A ÉTICA COMO BASE DA EDUCAÇÃO

 Meu texto saído hoje n´O Portal dos Jesuítas em Portugal (ver aqui).



TEODICEIA DO GATO

À Ísis, ao Lindo e à Lua

O gato criou deus à sua imagem,
mas deu-lhe poderes orientados
no sentido de meter, na bagagem
do gato, mimos bem condimentados.

Perante o gato, deus é bem mandado,
porque o gato, com o seu belo porte,
mantém deus muito bem disciplinado,
se quer que lhe corra bem a sorte!

O gato manda e deus obedece:
assim roda o mundo em grande harmonia.
Ao gato, não aquece nem arrefece

saber pra que lado deus assobia:
o gato come, ao pequeno almoço,
os deuses que vai tirando do bolso!

Eugénio Lisboa

Nunca me disseste poesia

Nunca disseste poesia.

Nunca deitaste o rubor tímido

Nas águas impávidas do mar.

Nunca devolveste ao olhar

As lágrimas que perdi para o tempo.

Nunca encostaste ao peito

As flores e as folhinhas da olaia.

Só balbuciaste matéria erodida,

A que tilinta na superfície ou a poalha,

As rodas de pez do teu carro

Diante da minha acédia no passeio,

O esfacelamento das lentes,

O declínio da visão, 

Que não via sequer um estendal

Do outro lado da rua,

O caos que vias através das estrelas

E de um menino,

A ausência de império no asseio,

A alma nua e a inspiração

Ou a lívida lucidez ao vento.

A poesia diz-se para que ninguém espere.

Nunca disseste poesia.

Nem no início claro do nosso tempo,

Onde num dissimulado assomo de lascívia,

Querias ouvir a flauta e a intempérie. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Lição

Ler-te-ia outro poema de Cesariny,

Por tudo o que me fizeste sofrer a sério.

Riste quando a lágrima iniciou o pântano.

Riste do comboio dos tesos,

Que, rente ao abismo e ao ocaso dos álamos presos,

Eu tomava na margem do rio.

Riste das pedras imundas, chão

Até à porta do meu prédio

Onde palavras profundas me viam o coração.

Riste da minha confusão, do desatino,

Quando te disse que era obtuso e desorganizado.

Já tinha reparado, respondeste-me.

Só mais tarde soube que havia uma menina,

Que, próxima de mim, respondia às tuas indagações.

Riste da minha sempiterna magreza 

E da pobreza da alma-de-deus.

Riste da minha inércia, da minha indolência,

E só não riste do meu labor

Quando foi partilhado contigo.

Tinhas sempre escusas e afazeres.

Mas logo esquecias tudo e me subestimavas.

Eu tive de comer lume, como diz a mãe.

Era humilhação atrás de humilhação.

Doía-me o peito e recrudescia o teu riso.

Um dia, após dizeres para eu não te entender mal,

Que éramos apenas colegas de trabalho,

Eu passei a noite a tremer encostado à janela e ao rio.

Passei então a saber mais sobre a ausência e o homem,

E jurei que nunca iria abdicar de um dia poder sorrir,

Tremer e colocar o coração também para além do quarto.

De manhã, sem pudor, defenestraste-me à face

Que eu não tinha interior 

E que as minhas aulas deviam ser um sonho.

Num outro dia, para me molestares mais,

Quando me encontrava sozinho e com ar de abandono,

Disseste-me que andavas à procura de alguém distinto.

Eu sabia que as pessoas distintas estavam muito longe de nós

E não te disse nada.

Eu nunca reparei na tua soberba,

Nem na tua posição tão inclinada ao desprezo.

Confrontei-te com as mentiras.

Antes, já tinhas começado a tratar-me com indiferença.

Num pequeno supermercado, não tinhas reparado em mim,

Porque o teu filho estava inquieto e queria tudo.

E ele era todo mansuetude!

Depois afastavas-te, colocando em mim um olhar intimidador.

Eram, afinal, os alunos que te faziam queixas.

Todavia, no final do ano, disseste-me a sós,

Que tinhas gostado de trabalhar comigo,

Enquanto eu via de viés uma albízia mirífica.

Nunca tive tanta vontade de rir e morrer!

O que me melindrava mais eram as mentiras

E a tosse da velhinha que partilhava o apartamento comigo.

Não tinhas palavras, tinhas uma palavra: constrangimento.

Que prazer eu tinha em te ouvir falar em projetos!

Alguns eram sobre doenças mentais.

Então, abria um caderno e rabiscava 

Um trabalho interdisciplinar num instante.

Eu gostava era de dar aulas, num ambiente pacífico,

Enquanto uma miríade de professores desenvolvia projetos.

Italo Svevo ensinara-me onde encontrar o sabor da vida.

Dostoievsky ensinara-me que a vida

Vale mais do que a compreensão da vida.

O amor, o amor, aprendera-o com Boris Pasternak.

Com Lara e a estepe em flor,

Com o inverno e o elétrico.

Ah, como eu amara tanto Lara!

Mais tarde, Tchekhov ensinara-me o valor do trabalho

E Vítor Hugo, em Os Homens do Mar, o da verdade. 

Então, disse à mãe que queria o seu caminho da terra para o céu.

Que ela encontraria os olhos azuis do pai repletos de alacridade,

Mas não encontraria as duas lágrimas,

Nem as últimas forças de sua mão fria nem a minha mão.

Então, disse à mãe que o meu rosto tinha de estar longe dessa colina.

Nessa altura, alguns professores começaram a virar-me as costas,

Porque havia alguém do meu barro que não o sentia

E porque tu contavas a minha vida no seio da escola. 

Então, disse à mãe que não era exímio.

Era incomum e infeliz.

Por isso, um sete era para mim um sete e não um quatorze

E um quatorze era uma alegria tão desmesurada como imerecida.

Riste também do tamanho dos meus poemas

E da sua conspícua inanidade.

Nunca quis ir pela mania do tamanho e do prazer.

Como te disse, eclodiram penas e amargor das calúnias,

Onde se sente a vida mais perto e mais longe.

Riste, quando te falei da precária saúde de que padecera

(o maior erro da minha vida!)

E que tinha receio de voltar a manifestar-se sob alta pressão.

Então, irradiavas uma compaixão sem centro:

Corrias os estores das janelas para a luz me beijar o rosto.

Depois, e de forma inclemente e fria,

Serviste-te dos meninos para me obstruírem o pensamento,

Para se increparem diante de mim e eu perder as estribeiras.

O meu peito cederia e eu teria de partir do monte.

Desse belo monte que se chama Cardo de Ouro. 

A boca ardia-me, línguas mordiam-me no peito,

Os miúdos chamavam-me maluco, 

O peito tremia-me e tremiam-me as mãos.

Prestes a desmaiar, sentava-me num banco,

Encostava a nuca à parede,

E, com denodo, erguia a cabeça.

Despontaste o bulício para que eu partisse mais cedo da colina.

Ainda me lembro do teu júbilo,

Quando eu parti no início daquele agosto.

Disseste, então, com um sorriso, que moravas no prédio defronte,

Que eu merecia ser feliz,

Que tinhas deixado muito a desejar

E que nos cruzaríamos de certeza noutra vida.

Eu até acreditaria nisso, se não fosses tu a dizê-lo.

Nunca pensaste no meu regresso, mas a verdade,

Para mim, vale mais do que a vida.

Eu queria saber toda a verdade.

Continuei no quarto que fora de um palhaço e de um padre.

Tive a sorte e os santos comigo para o encontrar sem ninguém.

Mas o inimaginável e surreal ainda estava por vir:

O rumor de que eu te andava a perseguir.

Nunca te perseguira: o remorso é que te perseguia.

Eu queria o futuro, não queria o amanhã.

Mas, entretanto, nada se alterou.

Então, disse à mãe que retornaria à missa, mas, ao quarto e ao monte,

Não retornaria mais.

Ainda assim, continuei em busca da verdade.

Os homens eram aí exímios,

Como tu eras, menina dos projetos grandiloquentes,

Dos tubérculos que não medravam,

Da Ribeira Azul, que nascia sob as ruínas de uma abadia,

Onde revolvi pedras e larvas.

Após uma semana, estavas com o disco a medir a transparência da água,

Enquanto eu olhava para o fundo e olhava para ti. 

Aí, os homens eram sábios, petulantes,

Conheciam impérios que por aí passaram e pereceram.

A verborreia, de alguns desses homens, enojava-me!

Então, disse à mãe que queria a sua estrada, o seu caminho,

Tão próximo do entardecer,

Que não queria estar com os exímios,

A ver o pulmão de um porco a boiar na água de uma cisterna

E as mãos ensanguentadas de sangue.

Então, disse à mãe que não queria ver os meninos

Com o dedo indicador exangue

A aproximar-se do globo e de uma miríade de mapas.

Nesse sítio, não havia misericórdia nem coragem. 

Só altivez e um monte onde adivinhava o arco-íris,

Depois de erguer um estore.

Que se lixasse o Oi perto da face

E o Boa Noite para todas as horas longe de mim.

Colocaste-me, depois, um processo por difamação.

Eu perdi todo o dinheiro que até então ganhara.

A minha coluna, doente, teve de voltar às vinhas.

Apesar disso e com pudor, salvaguardei muito a tua vida.

Até hoje, nunca me pediste desculpas. 

Este poema será entregue ao coração de quem ama,

Como a estrada começa,

Como a mãe que caminha com os olhos postos no céu.

Este poema será entregue a quem procura o amor,

Sem pensar noutro conceito que afaste a acédia e a tempestade.

Este poema será entregue a quem procura o sonho inteiro e a verdade, 

E não apenas o desafogo.

Como pode agora a minha alma soletrar o teu nome de fora para dentro?

Por que tive de passar por isto, Deus?

Será que foi para não acreditar no deslumbramento?!

Será que foi para fazer o caminho com o pó de tudo isto

E alcançar o que quero?

Eu que  ainda continuo a querer o longo caminho da mãe 

Quase a cumprir-se.

OS NOBEL DA FÍSICA: COLHEITA DE 2022


Meu artigo no último As Artes entre as Letras:

Outubro é, desde 1901, o mês dos Prémios Nobel. As letras continuam a ganhar às ciências no espaço mediático. A atenção dada ao Nobel da Literatura, recebido este ano pela francesa Annie Ernaux, foi, no espaço mediático, muito maior do que os Nobel das áreas científicas (Medicina, Física e Química), que este ano foi repartido por sete investigadores, quatro europeus e três norte-americanos. É natural dada a dificuldade da compreensão pública da ciência. Tentemos explicar aqui o mais recente Prémio Nobel da Física.

O Nobel da Física de 2022 distinguiu o norte-americano John F. Clauser, da empresa John F. Clauser (Clauser, que nunca foi professor de Física, é sócio-gerente da empresa de consultadoria, na Califórnia, com o seu nome), o francês Alain Aspect da Universidade de Paris – Saclay e da Escola Politécnica, e o austríaco Anton Zeillinger, da Universidade de Viena, por «experiências com fotões entrelaçados, que estabeleceram a violação das desigualdades de Bell e foram pioneiros da ciência da informação quântica.» A Academia Sueca distinguiu, sem surpresa, trabalhos que, somando-se a tantos outros, contribuíram para validar a teoria quântica, a teoria introduzida pelo alemão Max Planck em 1900 (Nobel da Física em 1918) e que ficou pronta tal como hoje a conhecemos em 1926 com os trabalhos do alemão Werner Heisenberg (Nobel da Física em 1932), do austríaco Erwin Schrödinger) e do inglês Paul Dirac (os dois Nobel da Física em 1933). Entre Planck e os físicos teóricos que chegaram ao formalismo actual dois nomes se destacam, o suíço nascido na Alemanha Albert Einstein (Nobel da Física em 2021) e o dinamarquês Niels Bohr (Nobel da Física de 1922, há precisamente cem anos), tendo-se dado o caso, relevante para o Nobel deste ano, de ter ocorrido uma disputa entre Einstein e Bohr sobre a natureza e o significado da nova teoria.

Em que consistiu essa disputa? Einstein, apesar de ter sido um dos pais da teoria quântica por, em 1905, ter interpretado o efeito fotoeléctrico – a emissão de electrões por uma placa metálica quando nela incide luz ultravioleta - distanciou-se progressivamente dela. Não que duvidasse da sua validade (achava, por exemplo, notáveis os trabalhos de Bohr sobre a estrutura electrónica do átomo), mas considerava-a incompleta. Tal como foi em geral entendida – baseada em noções probabilísticas – ela não podia ser a última palavra. Ficou famosa a sua frase «Deus não joga aos dados», que queria significar que o Universo não podia ser, em última análise, probabilístico. Bohr respondeu que não competia a Einstein dizer a Deus como é o Universo, o que queria dizer como o mundo é como é e não como nós desejamos que fosse. O sábio sustentava uma visão realista e determinista da Universo: deveria existir uma realidade, independente do observador, sujeita a leis deterministas. Ora Bohr teve com ele um grande debate, talvez o maior debate intelectual do século XX, no qual acentuava o papel do observador e a incerteza quântica. Einstein perguntou a Bohr, a certa altura, se este acreditava que a Lua não estava lá quando ele não olhava para ela... Havia uma diferença entre os mundos microscópico e macroscópico, embora o segundo fosse o limite do primeiro. Em 1935, Einstein propôs, com dois outros físicos, os norte-americanos Boris Podolsky e Nathan Rosen (os dois, como Einstein, de origem judaica), uma experiência conceptual que desafiava a versão de Bohr da teoria quântica. Num artigo intitulado com uma questão «Pode a descrição quântica da realidade física ser considerada completa?» o trio de cientistas considerou duas partículas relacionadas (num estado que mais tarde se varia a chamar «entrelaçado») e consideraram muito estranho que o resultado de uma medida de uma delas (para o qual a teoria quântica indicava probabilidades) pudesse determinar instantaneamente o resultado de uma outra medida semelhante feita na outra partícula, ainda que muito distante. O efeito chama-se «não-localidade», mas Einstein chamou-se «acção fantasmagórica à distância». Em 1964, o físico teórico da Irlanda do Norte John Bell que trabalhava no CERN, em Genebra, na Suíça, chegou a uma desigualdade, conhecida como «desigualdade de Bell», que permitiria distinguir entre a teoria quântica à la Bohr e teorias alternativas à teoria quântica, conforme Einstein pretendia, que envolviam o que se chamou «variáveis escondidas». Bell morreu com apenas 63 anos em 1990 de uma inesperada hemorragia cerebral, não sabendo que nesse mesmo ano tinha sido proposta para o prémio Nobel devido à sua proposta.

A escolha da Academia Sueca foi, neste ano, bastante previsível, até porque o trio premiado tinha recebido o prémio Wolf, um prémio israelita que costuma ser premonitório relativamente ao Nobel. Clauser propôs em 1969, com alguns co-autores, uma experiência com fotões polarizados que permitia verificar a violação da desigualdade de Bell. Em 1972 conseguiu realizá-la ele próprio, ajudado por um colaborador, Stuart Freedman, entretanto já falecido. Por sua vez, Aspect refinou essa mesma experiência no início dos anos de 1980, ao resolver alguns problemas técnicos, tendo reforçado a conclusão que já tinha sido alcançada. Por último, alguns anos volvidos, Zeilinger conseguiu a partir de 1998 usar o entrelaçamento quântico para concretizar o fenómeno dito de «teletransporte quântico»: é feita uma cópia de um estado quântico entre sítios distantes. Realizou a proeza primeiro entre dois lados do rio Danúbio em Viena, depois entre duas ilhas das Canárias e, finalmente, entre Viena e Pequim, usando um satélite chinês. A experiência, que exige a utilização de um canal convencional, isto é, não quântico, entre os dois sítios, tem a vantagem de assegurar uma segurança absoluta da cópia de informação. Por isso se fala da «criptografia quântica». Por outro lado, encontra aplicações em novas formas de computação, chamadas de «computação quântica».

A teoria quântica deixou há muito de ser um tema meramente teórico: está hoje no nosso bolso graças aos transístores e aos LED. Com toda a probabilidade (para usar um termo relacionado com a teoria quântica) e, graças aos trabalhos agora justamente premiados, amanhã estará ainda mais.

Vês o que para mim é o mundo

Versos nos meus olhos escondo

Que são apenas dos teus olhos.

Tu, nos meus, vês mais fundo.

No céu quase azul e redondo,

Vês o que para mim é o mundo.

domingo, 13 de novembro de 2022

Os teus lábios esquecidos e uma flor

Os teus lábios esquecidos e uma flor.

Sem tremer, noutros se abrirão mais tarde.

Morrem de tanto se abrirem sem amor,

Sem um sol do tamanho do céu que arde.

O rosto, lã, nuvem

O rosto, lã, nuvem

De rastros, azul sereno.

O rosto, olho, avelã,

Terra, passos, o vento.


BREVE NOTA SOBRE A INTOLERÂNCIA

No Tratado sobre a tolerância: a propósito da morte de Jean Calas, publicado em 1763, o seu autor (François Marie Arouet, ou seja, Voltaire) partiu da injusta condenação e brutal execução de Jean Calas para dissertar sobre um princípio que nos é (ou devia ser) caro: a tolerância

Formulado na Grécia Antiga, foi (re)elaborado, na Modernidade, nomeadamente, por John Locke (Carta sobre a tolerância, 1689) que, por certo Voltaire leu, e, mais recentemente, entre outros, por Karl Popper cujo ensaio Tolerância e responsabilidade intelectual (integrado no livro Em busca de um mundo melhor) é bem conhecido.

Pensando a (in)tolerância sob diferentes perspectivas, Voltaire incluiu um retorno a Atenas, a outra condenação à morte: a de Sócrates... Tão distante no tempo e tão presente no nosso horizonte.
"Sócrates, que mais se aproximou do conhecimento do Criador, sofreu punição por isso, dizem, e morreu mártir da Divindade; foi o único que os gregos fizeram morrer por suas opiniões (...). Os inimigos da tolerância não devem, em minha opinião, prevalecer-se do exemplo odioso dos juízos de Sócrates. 
É evidente, aliás, que Sócrates foi vítima de um partido furioso animado contra ele. Fizera-se inimigo irreconciliável dos sofistas, oradores, poetas que ensinavam nas escolas, e mesmo de todos os preceptores encarregados dos filhos da elite. Ele próprio confessa, em seu discurso relatado por Platão, que ia de casa em casa provar a esses preceptores que não passavam de ignorantes. Tal conduta não era digna daquele que um oráculo havia declarado o mais sábio dos homens. 
Lançaram-se contra ele um sacerdote e um conselheiro dos Quinhentos, que o acusaram; confesso que não sei precisamente de quê, vejo apenas algo vago na sua Apologia; atribui-se-lhe, de maneira geral, a acusação de inspirar aos jovens máximas contra a religião e o governo. É assim que procedem diariamente os caluniadores no mundo; mas um tribunal requer factos comprovados, pontos de acusação precisos e circunstanciados: é o que o processo de Sócrates não nos fornece, sabemos apenas que ele chegou a ter duzentos e vinte votos a favor. O tribunal dos Quinhentos possuía portanto duzentos e vinte filósofos. É muito; duvido que fossem encontrados alhures. 
A maioria, enfim, decidiu pela cicuta; mas consideremos que os atenienses, caindo em si, abonariam os acusadores e os juízes; que Melito, o principal autor da sentença, foi condenado à morte por essa injustiça; que os outros foram banidos e que se ergueu um templo a Quinhentos. Jamais a filosofia foi tão bem vingada nem tão honrada. 
O exemplo de Sócrates é, no fundo, o mais terrível argumento que posso citar sobre a intolerância. Os atenienses tinham um altar dedicado aos deuses estrangeiros, aos deuses que não podiam conhecer."
Voltaire. Tratado sobre a tolerância. Martins Fontes, 2001

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...