quinta-feira, 11 de novembro de 2021

MIGUEL NICOLELIS E O VERDADEIRO CRIADOR DE TUDO

 


Minha recensão no I de hoje:

O neurologista brasileiro Miguel Nicolelis (n. S. Paulo, em 1961), professor de Neurobiologia, Engenharia Biomédica e Neurociências na Universidade de Duke, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, é um dos cientistas brasileiros mais conhecidos no mundo. Talvez só rivalize nesse aspecto com o físico Marcelo Gleiser (n. Rio de Janeiro, em 1959), professor de Física e Astronomia no Dartmouth College, em New Hampshire. Os dois são autores de vários livros de divulgação científica, nas respectivas áreas de especialidade. Mas, se o mercado português recebeu bem os livros de Gleiser, designadamente Criação Imperfeita (Temas e Debates, 2011) e A Ilha do Conhecimento (2015), não estava ainda publicado deste lado do Atlântico nenhum livro de Nicolelis. A falta acaba de ser colmatada com a publicação pela Elsinore (a chancela, do grupo 2020, que publicou Yuval Harari e Elizabeth Kolbert) da tradução em português do seu livro mais recente (Yale University Press, 2020). O título é O Verdadeiro Criador de Tudo e o subtítulo, que ajuda a esclarecer o título, é Como o Cérebro Humano Moldou o Universo Tal Como o Conhecemos. A tradução, boa, é de Paulo Tavares, autor de obras de poesia. A única nota negativa da edição é o tamanho minúsculo da letra da bibliografia e o facto de não estarem indicadas muitas das traduções existentes.

O livro começa assim: «No princípio existia apenas um cérebro primata. E, das profundezas dessa rede bastante emaranhada de 86 mil milhões de neurónios, moldada através de um percurso evolutivo cego e de múltiplos big bangs ao longo de um período de milhões de anos, emergiu a mente humana.» Para se perceber a divergência entre o português dos dois lados do «rio Atlântico» (expressão de Onésimo Almeida) vale a pena ver como começa a versão em português do Brasil (Crítica, 2020), decerto abalizada por Nicolelis: «No princípio, havia apenas um cérebro de primata. E de suas profundezas, graças às misteriosas tempestades eletromagnéticas – originárias de um emaranhado de dezenas de bilhões de neurônios moldado por uma tão inédita quanto única caminhada evolucionária – a mente humana emergiu.» A expressão «graças às misteriosas tempestades eletromagnéticas», que deve apelar a um certo público brasileiro, não está na versão em inglês.

A tese do autor, expressa em 456 páginas, que por vezes são densas e exigentes de um esforço de concentração, é que o cérebro não é nem nunca será imitável por um sistema computacional. Inclino-me a concordar. Haverá faculdades do cérebro humano   se quisermos, da mente ou do espírito humanos  – que não parecem estar ao alcance de uma máquina, pelo menos das máquinas computacionais tais como hoje as conhecemos. Nicolelis socorre-se não apenas da medicina, mas também da biologia, da química, da física e da matemática. O autor fala de informação gödeliana, do nome do matemático austríaco Kurt Gödel, companheiro de Albert Einstein no exílio em Princeton, aquela que não pode ser inferida por sistemas lógicos. O momento-chave do livro ocorre logo no início do capítulo 3 («A informação e o cérebro. Um pouco de Shannon, uma mão-cheia de Gödel»), quando Nicolelis e um seu amigo, o matemático e filósofo suíço-egípcio Ronald Cicurel, se detêm, corria o ano de 2005, junto a uma árvore de aspecto retorcido nas margens do Lago Léman, perto de Montreux, na Suíça. Nicolelis teve então uma epifania e disse: «Viver é sobretudo dissipar energia de modo a incorporar informação em matéria orgânica».

Porque é que os computadores não são seres vivos?  Para Nicolelis os sistemas computacionais dissipam energia ao processarem informação, aquecendo o ambiente à sua volta, mas não a incorporam em matéria orgânica. Uma árvore, nós e os outros seres vivos transformamos a energia (que em última análise, não podemos esquecer, vem do Sol), para deixar informação gravada em matéria orgânica, que numa árvore pode ser em anéis concêntricos do tronco, mas no nosso caso são memórias cerebrais, que naturalmente desaparecem com a morte. Vale-nos o facto de ultrapassarmos a morte com memórias, que ficam guardadas noutros cérebros (já alguém disse que morremos duas vezes, uma quando efectivamente morremos e outra quando uma pessoa diz pela última vez o nosso nome) e em obras de todo o tipo (artigos, livros e outras marcas culturais).

No capítulo 6 («O porquê de o verdadeiro criador do tudo não ser uma máquina de Turing»), o autor esclarece a sua posição: «A ideia de que o funcionamento intrínseco do cérebro humano pode ser reduzido a um algoritmo computacional e reproduzido numa lógica digital tem de ser simplesmente considerada mais um mito pós-moderno, uma espécie de lenda urbana, ou um exemplo da era da pós-verdade, um tempo em que uma declaração falsa, por ser tantas vezes repetida e disseminada em tão larga escala no seio da sociedade, passa a ser aceite como verdadeira.»

É um bom exemplo do estilo do autor: as frases são, em geral, longas, ao contrário do que é usual nos cientistas que escrevem em inglês. A ideia de Nicolelis encontra fundamento, em última instância, nas ideias de Gödel, para quem existia uma barreira lógica que coloca limites à complexidade computacional. No capítulo 12 («Como a nossa dependência da lógica digital está a alterar os nossos cérebros») o autor afirma com convicção a singularidade do cérebro humano. Segundo ele, se continuarmos a imitar as máquinas, a ser «escravos» delas, correremos o risco de nos tornarmos iguais a elas, perdendo o melhor da humanidade: «Esta hipótese prevê que, quanto mais formos cercados por um mundo digital e quanto mais as tarefas simples e complexas das nossas vidas forem planeadas, ditadas, controladas, avaliadas e recompensadas pelas leis e pelos padrões da lógica algorítmica que caracteriza os sistemas digitais, mais os nossos cérebros tentarão emular esse modo digital de operação, em detrimento das funções mentais analógicas e dos comportamentos mais relevantes do ponto de vista biológico, gerados ao longo dos milénios pelo processo de evolução natural». O autor continua, sempre em frases grandes e de grande estilo: «Esta hipótese do camaleão digital prevê que, à medida que o nosso obsessivo entusiasmo com os computadores digitais for assumindo um maior controlo na forma como percepcionamos e reagimos ao mundo à nossa volta, os atributos humanos únicos como a empatia, a compaixão, a criatividade, a inventividade, a intuição, a imaginação, o pensamento inovador, a linguagem metafórica, o discurso poético e o altruísmo – apenas para referir algumas das manifestações de informação gödeliana não computável – sucumbirão e desaparecerão do repertório das capacidades mentais humanas.»

Não é que Nicolelis despreze as capacidades dos computadores. Ele tem até usado recursos computacionais para ajudar pessoas com handicaps severos, como os tetraplégicos. No posfácio descreve uma experiência que exibiu na Copa do Mundo de Futebol realizada no Rio de Janeiro em 2014. No jogo inaugural, um tetraplégico, de seu nome Juliano Pinto, deu o pontapé de saída, com o auxilio de um exoesqueleto. Um sistema informático captou a informação do seu cérebro para a transmitir ao pé artificial. Estive atento, mas achei que essa operação mediática, realizada brevemente numa lateral do campo do jogo, ficou aquém do que pensava que ia ser, com uma encenação mais demorada no centro do relvado. Muitos colegas de Nicolelis, especialmente no Brasil, foram bastante críticos do dinheiro que o governo brasileiro investiu para se produzir esse curto momento mediático.

É estimulante ler Nicolelis. Exige tempo e paciência, mas seremos recompensados com a visão abrangente de um cientista com experiência na interacção homem-máquina (já ligou os cérebros de dois ratinhos, colocando-os em contacto à distância, numa espécie de telepatia; nessa experiência participou o jovem neurocientista português Miguel Pais Vieira) a respeito das extraordinárias capacidade do homem que lhe permitem superar as máquinas. Elenco, por ordem cronológica inversa, os seus livros publicados no Brasil: Muito Além do Nosso Eu (Crítica, 2.ª edição, 2017); O Maior de Todos os Mistérios (Editora do Brasil, 2017), escrito em parceria com a sua mãe, uma autora de livros infanto-juvenis de grande sucesso, Giselda Laporta Nicolelis; Made in Macaíba (Criativa, 2016), sobre a criação de um centro de neurociências no estado de Natal, no Brasil, que originou forte polémica; O Cérebro Relativístico, com Ronald Cicurel (Createspace Platform); e Prazer em Conhecer: A Aventura da Ciência e da Educação (Papirus, 2008), escrito com Drau­­­­­­­­­zio Varella, um médico muito conhecido no Brasil pelo seu trabalho de divulgação na área da saúde.

Nicolelis tem tido uma presença frequente na imprensa brasileira, incluindo uma coluna na edição em português do El País cm comentários sobre a pandemia de Covid 19. As suas críticas ao governo brasileiro são justíssimas. Em Março passado, dizia numa entrevista ao Expresso que «o Brasil perdeu o controlo da pandemia e é uma bomba-relógio para o mundo. A comunidade internacional deve intervir.» O cientista, que é um adepto do Palmeiras, pediu mesmo que os jogos de futebol parassem. Ora o futebol confunde-se, no Brasil, com a vida e a vida não pode parar, mesmo quando há uma ameaça tão grande como a actual pandemia, que já custou ao Brasil 610 mil mortos (a mortalidade diminuiu felizmente de Março para cá). Não faltam ao Brasil cérebros, falta usá-los.

IN MEMORIAM JOÃO DA PROVIDÊNCIA SANTARÉM E COSTA (1933-2021)


Elogio fúnebre que proferi hoje ao Prof. Dr. João da Providência:

Estamos aqui, com pesar, reunidos para prestar uma homenagem – que não será decerto a última – ao Prof. Dr. João da Providência Santarém e Costa. Tive a felicidade de ter sido aluno dele na Universidade de Coimbra nos anos 70, tendo tido depois o privilégio de passar a ser seu colega, embora bastante mais novo. Estou certo de partilhar o sentir dos numerosos estudantes que passaram pelas suas aulas, incluindo as aulas de pós-graduação de que ele foi pioneiro na Universidade de Coimbra, e de todos os colegas dele, uns mais velhos e outros mais novos, quando profiro aqui uma palavra muito sentida de agradecimento. Muito obrigado, Prof. Dr. Providência, não só por todo o saber que generosamente sempre nos deu, mas também pela lição de vida que foi a sua dedicação plena à academia que foi a sua desde que se formou em Ciências Físico-Químicas, no já longínquo ano de 1954, até que se jubilou em 2003, continuando depois disso a trabalhar na Universidade. Quando eu o conheci, cerca de 1973, nas minhas primeiras aulas de Física, já ele era uma lenda viva do professorado desta escola. Quando dei a «última aula»  em Julho passado recebi dele uma simpática mensagem de felicitações. O tempo passou a correr.

O Prof. Dr. João da Providência nasceu no dia 1 de Março de 1933, curiosamente o dia em que se assinala a fundação da Universidade de Coimbra,  na freguesia da Lage, concelho de Vila Verde, distrito de Braga. É filho de Maria Stella da Motta Campos Santarém e do  ilustre  professor de Filologia Germânica da Universidade de Coimbra Prof. Dr. João da Providência Sousa e Costa, que foi director da Biblioteca Geral da Universidade e director da Faculdade de Letras. Licenciou-se em Ciências Físico-Químicas pela Universidade de Coimbra em 1954,  e tomou posse como 2.º assistente, além do quadro, em 1955. Doutorou-se primeiro em Física-Matemática pela Universidade de Birmingham, em Inglaterra  (1959), com a tese  «Perturbation theory of a finite nucleus», e depois em Ciências Físico-Químicas pela Universidade de Coimbra (1960), com a tese «Método para o estudo de núcleos pequenos e sua aplicação a O16». Tornou-se professor catedrático em 1972, o sétimo do Laboratório de Física no século XX. Exerceu ao longo de várias décadas a sua profissão de professor na Universidade de Coimbra, tendo sido sempre incansável investigador e, nalgumas ocasiões, responsável pelo Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Ao longo da sua vida, manteve um intercâmbio científico muito intenso: Colaborou com universidades e instituições prestigiadas do Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos, Brasil, Japão, etc. Dirigiu e participou em vários projectos de investigação, com financiamentos vindos de diversas entidades. Tem o seu nome em quase meio milhar de publicações, individualmente ou em coautoria. Recebeu, com inteira justiça, os prémios Boa Esperança (do Ministério do Planeamento, em 1990), Gulbenkian de Ciência (Fundação Calouste Gulbenkian, em 1992), Oriente (Fundação Oriente, em 1994) e Estímulo à Excelência (Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, em 2014). Foi sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Física e sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa.

O Prof. Dr. João da Providência foi, na sua juventude, enviado para Birmingham, a fim de estudar Física Teórica, por iniciativa  do clarividente Professor Dr. João de Almeida Santos, então director do Laboratório de Física. Regressou de Inglaterra doutorado bastante jovem – tinha 26 anos - em 1959. O seu supervisor foi o eminente físico britânico de origem germânica Sir Rudolf Peierls, que  foi estudante de alguns dos mais notáveis físicos de sempre:  do alemão Werner Heisenberg, na Universidade de Leipzig, com quem se doutorou em 1929, e do austríaco Wolfgang Pauli no Instituto Federal de Tecnologia, em  Zurique. Depois da guerra, o Prof. Dr. Peierls ficou professor na Universidade de Birmingham, onde permaneceu até 1963, quando se mudou para Oxford, onde teve um outro estudante português, o Prof. Dr. José Urbano.  No  obituário de Sir Rudolf Peierls publicado em 1995 na revista Physics Today está que desempenhou um «papel maior na entrada da Física Nuclear nos destinos do mundo». Com efeito foi ele, com o austríaco Otto Frisch, que, em 1940, escreveu um memorando sobre a construção da bomba atómica. O Prof. Dr. Peierls tinha ascendência judaica, tendo fugido de Berlim por causa de Hitler, e a arma era, bem entendido, contra o ditador. Haveria de participar no projecto Manhattan, em Los Alamos, nos Estados Unidos, que determinaria o fim da guerra. São vários os fenómenos e descrições que na Física têm o nome de Peierls. Fez pois  muito bem a Universidade de Coimbra em torná-lo doutor honoris causa em 1998. Eu estava lá. E quem veio de Lisboa para lá estar foi o saudoso Prof. Dr. José Mariano Gago, então já ministro da Ciência e Tecnologia. O Prof. Dr. Peierls gostava muito da borla e do capelo que a Universidade de Coimbra lhe tinha oferecido e que ele exibia com orgulho nas cerimónias em Oxford.

Foi no  pós-guerra, quando a energia nuclear aparecia como uma fonte promissora  de desenvolvimento que em Portugal foram encaminhados várias pessoas para a Física Nuclear. Regressou a Coimbra obtido o grau doutoral, mas teve de fazer novo doutoramento, tendo realizado além de provas de Física também provas de Química, porque o doutoramento aqui era em Ciências Físico-Químicas. Até 1965 não havia sequer uma licenciatura autónoma em Física, tendo o Prof. Dr. Providência tido papel activo nesse processo de emancipação da física. O interesse então reinante pela Física Nuclear fazia com que em Coimbra se tivesse investigado, com a participação do Prof. Dr. Providência, a radioactividade de folhas de eucalipto da região da Urgeiriça, rica em urânio. Numa entrevista que deu em 2019 que foi gravada no Rómulo – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra e está na Internet, quando perguntaram ao Prof. Providência porque é nos anos 50 e 60 houve entre nós tanto interesse pela Física, ele respondeu prontamente: «por causa da bomba atómica». Os mistérios do núcleo atómico atraíam então as melhores mentes do país e do mundo.

O Prof. Dr. João da Providência, que em Birmingham tinha assistido a conferências de alguns dos maiores físicos do século, como os já referidos Heisenberg e Pauli, trouxe para Coimbra a teoria quântica aplicada aos núcleos atómicos. Já  tinha aprendido no seu curso de licenciatura a teoria quântica básica com o Prof. Dr. Ruy Couceiro da Costa, do Laboratório de Química. A ele, como aos outros físicos portugueses regressados de Inglaterra, caberia  aplicar a teoria quântica à Física e transmiti-la aos estudantes. Foi o tempo em que o também jovem Prof. Dr. José Veiga Simão regressava da Universidade de Cambridge doutorado em Física Nuclear Experimental.

O Prof. Providência começou após o doutoramento a publicar na melhores revistas, como a Nuclear Physics. Um dos problemas que estudou era perceber as correlações entre os nucleões, isto é, os protões e neutrões do núcleo atómico. Lembro que nessa altura quase não havia computadores, pelo que  o trabalho analítico era absolutamente indispensável. O Prof. Providência cedo revelou grandes dotes matemáticos, para além de uma extraordinária intuição para resolver intrincados problemas de Física. Não admira, pois ele tinha bebido água numa excelente fonte. Estudantes de Sir Rufolf Peierls foram também os Drs. Fred Hoyle, o autor da expressão Big Bang, Edwin Salpeter, da equação de Bethe-Salpeter, e John Stewart Bell – famoso autor das desigualdades de Bell.

Na sua auto-biografia Bird of Passage, publicada em 1985, pela Princeton University Press, o Prof. Dr. Peierls refere-se ao casal Providência com particular carinho («casal muito charmoso», chamou-lhe), descrevendo algumas peripécias pitorescas. Conto uma: «Parecia ser um padrão geral dos Providências. As crises eram sempre resolvidas no último minuto. Nós tínhamos quase a certeza de que eles tinham um anjo da guarda especial. Uma situação típica em que o anjo da guarda teve de intervir ocorreu durante uma viagem na Europa, A família Providência tomou o comboio errado porque confundiram Genebra com Génova. Uma conversa com os outros passageiros permitiram-lhe sair a tempo com a bagagem de um comboio para outro. Ele voltou para Coimbra, onde construiu um grupo pequeno, mas muito activo.»

A escola de Física Teórica, que o Prof. Dr. João da Providência fundou na Universidade de Coimbra, tem, como referi, uma ligação directa aos maiores nomes da física do século XX. E ele andou pelos melhores sítios do planeta, tendo  estagiado na Europa, além de Birmingham no Instituto Niels Bohr, em Copenhaga; do outro lado do Atlântico, no MIT em Boston (com uma bolsa Fullbright), e no Brookhaven National Laboratory, perto de Nova Iorque; e, do outro lado do mundo, em várias universidades japonesas. Além do Centro de Física Teórica, que ele fundou, essa escola esteve presente no Centro de Física Computacional, entretanto formado. Os dois centros deram lugar, com outros de índole experimental, ao actual Centro de Física da Universidade de Coimbra, que continua muito activo com os meios sempre escassos que em Portugal existem para a investigação. O Centro de Física é, portanto, herdeiro de uma plêiade de  professores, depois do Prof. Dr. João da Providência doutoraram-se, por ordem cronológica, os Profs. Drs. Luís Alte da Veiga, Armando Policarpo, Carlos Conde,  Pedro Martins, José Urbano,  Maria Salete Leite, António Melo, João Pedroso de Lima,  Carlos Sá Furtado,  Joaquim Domingos,  Margarida Ramalho, Maria José Almeida e  Nuno Ayres de Campos. Outros nomes deviam ser referidos: só interrompo aqui o rol por falta de tempo. Alguns infelizmente já não estão entre nós. Saúdo-os a todos muito cordialmente.

O Prof. Dr. João da Providência publicou mais de 400 artigos de Física e Matemática – será preciso fazer uma lista cuidada, mas estou em crer que se aproximam dos 500, o que é verdadeiramente pouco habitual entre nós ou mesmo lá fora. Estudou os mais variados sistemas físicos, desde núcleos atómicos, até sistemas astrofísicos como estrelas de neutrões onde há matéria nuclear em condições extremas, passando por sistemas atómicos e moleculares, alguns exóticos, como   sistemas magnéticos e outros de física de matéria condensada. O Prof. Dr. Providência saiu nesse aspecto ao seu pai doutor – em alemão o supervisor diz-se Doktor Vater: para ele cada problema era uma oportunidade de encontrar uma solução elegante. Os métodos eram matemáticos: quando eu estava a acabar o curso, o método em vigor era o Método da Coordenada Geradora, e um dos maiores especialistas mundiais era precisamente o Prof. Dr. Providência. Uma boa parte dos artigos dele são sobre matemática, designadamente álgebra linear. Ele circulava à vontade entre a Física e a Matemática.

Aprendi com o Prof. Dr. Providência muito do que sei de Física. Aprendi, em particular, o encanto da Física Teórica, a beleza das construções matemáticas que tão bem se adequam à realidade. Como eu, estou certo, muita gente beneficiou da sua mente ágil, que ligava umas coisas com as outras, com uma lógica impecável. Dedicou toda a sua vida à ciência, tendo publicado ao longo da sua vida académica, desde o final dos anos 50 até ao presente ano. Publicou por exemplo já neste ano de 2021 um artigo na Physical Review C sobre a matéria no interior das estrelas de neutrões, que começa por referir as descobertas recentes de ondas gravitacionais vindas da fusão de buracos negros e de estrelas de neutrões. Assinam o artigo com ele o grande físico norte-americano Prof. Dr. Steven Moskowski, da Universidade da Califórnia – Los Angeles, que morreu antes de o artigo sair,  e o biofísico dinamarquês Prof. Dr. Henrik Bohr, um sobrinho-neto de Bohr, professor na Universidade Tecnológica da Dinamarca, em Copenhaga. O Prof. Dr. Providência também tem artigos sobre a história da Física, a que se dedicou até por ter sido director do Museu da Física, um museu que merece ser mais valorizado do que tem sido: lembro-me da descrição que fez do funcionamento da máquina de Poleni que se encontra nesse museu.

A vida do Prof. Dr. Providência era a Física: vivia com ela. Julgo até que dormia e sonhava com ela. Sendo a sua casa muito perto do Departamento, vinha muitas vezes ao seu gabinete.  Por causa da Física viajava para todo o lado do mundo: tinha por exemplo uma colaboração permanente com alguns físicos japoneses, que têm vindo a Coimbra, num trabalho conjunto que tem durado longos anos. A Física é uma disciplina verdadeiramente global.

O Prof. Dr. Providência trabalhou em vários domínios da Física Teórica e da Matemática, mas brilhou principalmente na Física Nuclear e de Partículas. Já referi a  Escola de Física Teórica de Coimbra que ele criou, e que rapidamente foi reconhecida no panorama internacional.  Se consegui ir bastante novo doutorar-me para a Alemanha foi porque o Prof. Providência era bem conhecido lá fora. E eu não fui o único a beneficiar da sua fama. O nome dele abria portas. Reconhecido e admirado no mundo todo – o seu nome encontra-se nalguns manuais especializados de física. Investigadores em pós-doutoramento procuravam-nos. Também no país formou vários doutores num tempo em que a pós-graduação era muito mais difícil do que hoje, até porque os doutorandos eram assistentes com uma forte carga docente.

Era uma professor com fama de distraído, despreocupado das questões práticas da vida. Mas tinha uma cabeça extraordinária, capaz de dar aulas de cor sobre qualquer assunto de Física, por mais avançado que fosse. Tornou-se uma lenda, apesar de os alunos nem sempre entenderem logo o que ele ensinava. Vi-o numa aula escrever equações atrás de equações no quadro preto e, no fim, quando comparou o resultado com o do livro verificou que não batia tudo certo. Mas, esclareceu depois, era o livro que estava mal!

Em 1993, quando fez 60 anos, os seus colegas fizeram-lhe uma festa e homenagem no quadro da Conferência Internacional sobre Many Body Physics, cujas actas foram publicadas pela World Scientific. Organizámos um jantar de homenagem no palácio de São Marcos.  Falaram o Prof. Dr. Marcos Moshinsky, da Universidade Nacional Autónoma do México, na Cidade do México, prémio Príncipe de Astúrias e prémio de Ciência da UNESCO, que faleceu em 2009, e o Prof. Dr. David Brink, da Universidade de Oxford, que faleceu há poucos meses. Os dois enfatizaram o reconhecimento internacional do Prof. Dr. Providência e o mérito do grupo de Física Teórica que ele tinha desenvolvido ao longo de décadas. Ele agradeceu num discurso breve, mas expressivo. Um mago das equações, gostava da concisão. Não era uma pessoa de muitas falas, mas falava quando tinha algo que dizer.

Pude viajar nalgumas missões científicas com o Prof. Dr. Providência. Uma  vez foi durante várias semanas no Brasil -- vem a propósito referir que a actual presidente da Sociedade Brasileira de Física, Prof.ª Dr.ª Débora Menezes, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, teve uma estada prolongada em Coimbra e tem artigos em co-autoria com o Prof. Dr. Providência. Por o ter acompanhado sei que era uma pessoa muito modesta: contentava-se no dia-a-dia com pouco, prescindindo de quaisquer luxos. Além de luxos era avesso a glórias e honrarias.

Nesta hora de dor, apresento sentidas condolências à família, em particular às filhas e filhos, dois dos quais são catedráticos de Física: os meus colegas  Profs. Drs. João Pinheiro da Providência, na Universidade da Beira Interior, na Covilhã,  e Constança da Providência, na Universidade de Coimbra, actual directora do Departamento de Física. Espero que os outros filhos, meus amigos, me perdoem se eu só refiro os nomes dos dois filhos mais velhos, que saíram físicos como o pai. A perda não é só da família: a Universidade, o país e o mundo ficaram mais pobres. Estou certo de expressar em nome de todos os presentes e de muitos ausentes os pêsames à família. Uma palavra especial para a sua esposa Maria Constança Quelho Batoréu Mendes Pinheiro da Providência, que foi professora de Ciências Físico-Químicas em escolas básicas e secundárias e que infelizmente não pode estar hoje aqui connosco. E, claro, uma palavra de conforto a todos os restantes membros de uma família numerosa, em que encontramos as mais variadas profissões.

Ficam nas bibliotecas e na Internet os seus numerosos e valiosos artigos científicos. Ficam também os livros que ajudou a preparar, editando e arbitrando. Fica uma grata  recordação nos seus amigos não só em Portugal, mas também no Reino Unido, na Dinamarca, no Japão, na Alemanha, na Roménia, nos Estados Unidos, no Brasil, etc. É bem verdade aquela máxima que não se morre quando a memória permanece. Fica na  nossa memória a imagem indelével de um homem bom, que passou pela vida criando e distribuindo saber. Poderia aplicar-se a ele o dito de Carolina Michaëlis, a primeira professora da Universidade de Coimbra, de quem o pai do Prof. Dr. Providência foi assistente: «Não tenho biografia. Passei a minha vida a estudar». O estudo ao longo de toda a vida é o melhor percurso biográfico que se pode ter.

A morte é sempre um grande mistério. Quando morre alguém que nos é querido, um familiar, um amigo, um professor, é sempre um pouquinho de nós que também morre. Mas é nossa obrigação, honrando os que nos precederam, seguir em frente, na longa marcha da humanidade. Devemos prosseguir na procurar de respostas a questões como «Quem somos nós?». No mármore do frontão do templo de Apolo em Delfos na Antiga Grécia estava gravado um imperativo, que continua muito actual: «Conhece-te a ti mesmo». Sobre a possibilidade de a Física um dia poder vir a responder às interrogações filosóficas «quem somos, donde viemos, para onde iremos?», o Prof. Dr. Providência afirmou numa das suas raras entrevistas, dada ao Diário do Minho, que «essa é uma questão cuja resposta, na sua plenitude, transcende a ciência. Continuará sempre a desafiar a nossa curiosidade». Existem dimensões para além da ciência e o Prof. Dr. Providência tinha consciência disso. Fazia ciência com consciência.

Inclinemo-nos perante a memória de um homem sábio e bom. Nesta hora em que nos confrontamos mais uma vez com o grande mistério da vida e da morte, julgo que só me resta ser lapidar, deixando sobre o nosso professor, amigo e familiar as palavras muito antigas: «Requiescat in pace». Que descanse em paz!

Capela da Universidade de Coimbra,  11 de Novembro de 2021

Carlos Fiolhais

terça-feira, 9 de novembro de 2021

José Ramón Bertomeu-Sánchez - Mujeres Envenenadoras

"Uma nota de introdução à edição portuguesa" de "Está a Brincar Senhor Feynman!"



A Gradiva acaba de publicar numa tradução completamente revista o grande livro auto-biográfico de Richard Feynman, que tem um prefácio de Onésimo Teotónio Almeida, professor na Brown University nos EUA (nesta edição há um outro prefácio de Bill Gates). Aqui vai o prefácio do Onésimo (sem as notas):

 Quando enviei ao meu amigo Guilherme Valente, da Gradiva, um exemplar do livro de Richard Feynman sugerindo‑lhe a publicação em português, acrescentei um parágrafo à carta, dizendo‑lhe, sem mais rodeios, que queria escrever a introdução. Atrevimento que venho agora justificar ao materializar o desejo que manifestei ao editor. 

O livro andava havia tempos pelas livrarias sem eu o topar. Foi o Alex, um amigo de Biologia, que, na versão impressa das anedotas que regularmente me envia do seu laboratório1, insistiu numa nota garatujada: You must read it

As recomendações do Alex nunca falharam e, por isso, fui arranjar um exemplar. Li‑o em ritmo acelerado. No fim, ainda embalado, registei brevissimamente a minha impressão global nos termos que agora traduzo: «Que tipo! Do género ‘Sim, eu sei que sou grande, mas isso não é nada de especial. Sou um ser humano e não vejo razão nenhuma para me armar em Deus ou sequer no seu sacerdote! Humano, demasiado Humano (Nietzsche)’.» 

Ao relê‑lo agora, antes de escrever esta nota introdutória, sinto o mesmo a propósito do livro e da personalidade de Richard Feynman, que ressalta desta série de histórias por ele contadas a um amigo, que as passou ao papel. Admito, porém, que o meu entusiasmo possa estar aqui reforçado pelo contacto com essa jóia da literatura científica que é The Character of Physical Law (Traduzido em português: O Que É Uma Lei Física, Gradiva, 1989) , em que Feynman se revela um grande escritor, senhor de um estilo elegante, que consegue transmitir com simplicidade e transparência, de forma cristalina, conceitos científicos profundos. Depois tenho essa imagem de Richard Feynman ele próprio filmado ao vivo (em vídeo) a dar as lições que constituem o livro: uma inteligência fulgurante a dimanar‑lhe do corpo inteiro, superiormente descontraído e sem pose e com um sentido de humor sorridente a iluminar‑lhe as palavras. Tudo menos o cliché do prémio Nobel. Mas creio ser mesmo essa imagem que nos dá este livro. 

Aliás, ele dispensa quaisquer introduções, sobretudo esta. Mas não resisto a chamar a atenção para alguns pormenores culturais que vejo como virtudes e em Portugal serão por não poucos considerados defeitos. Na verdade, Richard Feynman surge‑nos como a quinta‑essência prototípica e paradigmática do cientista contemporâneo. Um profissional (superprofissional) que se assume apenas como cientista e somente na área da sua especialidade. Não se evade às suas responsabilidades de cidadão. Leva a sério, mais que ninguém, a missão que lhe é entregue de, por exemplo, avaliar a qualidade de livros didácticos e demite‑se quando vê que afinal esse ofício não era para levar assim tão a sério. Mas Feynman não transfere para outras áreas a convicção de competência. No resto, é um cidadão como os outros, com plena consciência de não se dever meter em coisas que não sabe. É capaz de desenvolver hobbies, e tornar‑se até perito neles, como acontece com a sua diabólica habilidade de decifrar códigos e a sua perícia em tocar tambor na bateria de uma escola de samba. Mas não tem qualquer rebuço em dizer que não sabe quando não sabe ou admitir candidamente o que muitos considerariam uma fraqueza, como confessar que foi hipnotizado apesar de ter procurado resistir. Recordo‑me de, nos anos 1960, ter lido algures um texto de Jorge de Sena em que, numa nota, esboçava um pouco caricatamente o professor universitário norte‑americano como alguém que trabalhava intensamente das nove da manhã às cinco da tarde, mas depois deixava de ser universitário e ia para casa cortar a relva do jardim. Esses traços, a que ainda hoje ouço referências em Portugal, eram exagerados. Reflectiam o olhar do intelectual europeu (e em que elevado grau representava Jorge de Sena esse modo de ser!), sobretudo das letras e humanidades, que, exceptuando esse grupo de umas quantas personalidades invulgares, como era Jorge de Sena, chama «cultura» a uma série de conhecimentos diletantes e superficiais sobre tudo ou quase tudo e aponta displicentemente o especialista norte‑americano como uma deformação aberrante. Mas trata‑se apenas de estilos, maneiras de ser, preferências, porque o universitário norte‑americano, por hábito cultural, coíbe‑se de falar fora da sua área. Deixa isso a outros, o que não significa que não leia sobre temas alheios aos seus interesses profissionais. É bom que, do outro  lado do Atlântico, determinado tipo de preconceituosos se apercebam disto. O especialista norte‑americano desconfia do erudito verboso, pronto a discorrer sobre o universo inteiro com convencimento e presunção, como se fosse possuidor de acesso privilegiado ao mistério das coisas. Naturalmente que os exageros de caracterização habitam os dois lados, mas o ponto a vincar aqui é essas diferenças constituírem paradigmas tradicionalmente estabelecidos e cultivados com apreço. Revelam concepções diferentes da sociedade, do indivíduo, e acima de tudo do papel do cientista, do universitário, ou do scholar, já que a palavra «intelectual» para englobar todo esse grupo não é geralmente usada nos Estados Unidos. Numa sociedade em que há especialistas em tudo, os amadores assumem‑se como amadores nas áreas em que o são. Respeitam o seu interlocutor e não o maçam com banalidades sobre coisas que toda a gente sabe. Até porque ele(a) não sabe se esse(a) interlocutor( a) não será especialista no próprio assunto sobre o qual ele(a) se atreve a dizer umas balelas. Mas se esses especialistas em cultura geral, sabedores de tudo e leitores de tudo (do género de sabença de ouvido ou de leitura em diagonal dos semanários ao fim‑de‑semana), ainda por cima se dão ares de importância, então é que Feynman vai às nuvens: «Fico doido com palermas pomposos!» 

A tolerância, o respeito pela área em que os outros são especialistas, o gosto pela frontalidade no diálogo, como troca livre de pontos de vista, o estilo nonsense, uma grande dose de reconhecimento das limitações do conhecimento humano, são características que ressaltam destas páginas, personificadas num modelo ou modo de estar que é emulado pelo profissional das ciências e da universidade liberal da melhor tradição norte‑americana. Feynman não seguiu as pisadas de tantos Nobel  sobre quem o prémio tem efeitos sacramentais: como que eleva o premiado a um estatuto quase religioso, meio profético meio metafísico, e impele‑o a fazer declarações grandiosas sobre o mundo, a história, o universo. To go off the deep end, como é conhecida a atitude. 

Einstein comparou‑se uma vez com uma criança que entrara numa biblioteca enorme com livros escritos em variadíssimas línguas, de onde apenas tirara um volume e conseguira traduzir algumas páginas. Newton falou de si em termos semelhantes: sentia‑se como um garoto a brincar na orla de um vasto oceano de verdade, entretendo‑se a apanhar um seixo ou uma concha. 

Apetece aqui citar o parágrafo final do já referido livro de Richard Feynman, The Charater of Physical Law. Após umas considerações em epílogo sobre o período fascinante que a ciência vive hoje e os padrões em que se processam as descobertas científicas, fecha a última lição nestes termos: «Mas o que há na Natureza que permite prever o comportamento do todo a partir de uma só parte? Não é uma questão científica. Como não sei a resposta, vou responder de uma forma não científica. Penso que é porque a natureza tem uma grande simplicidade e, portanto, uma grande beleza.»

 Quando, há cerca de um ano, uma comissão nacional investigava as razões do malogro do vaivém espacial Challenger, à frente dela estava nem mais nem menos que Richard Feynman. Lembro‑me de o ver na televisão, com um à‑vontade impressionante, a explicar aos políticos no Senado, em Washington, e através da televisão ao país inteiro, o que apurara o grupo de cientistas sobre as causas da fractura do anel de borracha  à volta da Challenger. Como sempre, fê‑lo com a simplicidade arrasadora de quem sabe profundamente das coisas e consegue falar delas agarrando o essencial, graças a um poder de comunicação invulgar, a que quase nunca é alheio um finíssimo humor. Feynman pediu um copo com água e gelo e um elástico de segurar maços ou rolos de papéis. Esticou o elástico diante dos circunstantes. Tudo normal. Depois mergulhou‑o no copo e deixou‑o ali algum tempo. A seguir retirou‑o e dobrou‑o. O elástico partiu‑se. Feynman concluiu para os presentes mais ou menos nestes termos e com o ar que Cristóvão Colombo deveria ter tido na história provavelmente apócrifa de pôr o ovo em pé: «Foi o que aconteceu com o anel do Challenger. Estava demasiado frio no cabo Canaveral aquando do lançamento da nave espacial. Com a trepidação, o anel de borracha da base, sem elasticidade, partiu‑se.» Tomas, meu ex‑professor de Filosofia, e agora reformado, companheiro de cavaqueio frequente, comentou assim essa história, que ele seguira igualmente pela televisão: «A câmara não mostrou os rostos estupefactos daqueles sisudos senadores a ouvir atentamente o relatório de Feynman. Esperando, com certeza, uma lição complexíssima com terminologia científica impenetrável misturada de fórmulas, ao depararem‑se com uma explanação tão lucidamente simples, imagino uns quantos a exclamarem de si para si: ‘Deve estar a brincar, Sr. Feynman!’» 

Onésimo Teotónio Almeida 
Providence, Rhode Island Junho de 1987 

ADEUS ÀS ARMAS. UM PODEROSO LIVRO DE RUI DE AZEVEDO TEIXEIRA: O ELOGIO DA DUREZA

 


Novo texto de Eugénio Lisboa:

Rui de Azevedo Teixeira, nascido em 1951, em Agival, Póvoa de Varzim, abandonou os estudos universitários, que mal começara, e foi, aos vinte e dois anos, para Angola, como comando voluntário. A palavra “comando” era, por essa altura  - agonia do Estado Novo – uma palavra pestiferada e, como tal, Rui Teixeira foi abundantemente vituperado pelos resistentes lusíadas residentes em Argel.

Leitor apaixonado de Camões e com infaustos fantasmas familiares, que não conseguira exorcizar, Rui Teixeira amava o conceito de império e de luta e partiu para a guerra, como quem busca uma solução para os demónios que o devoravam e lhe davam uma sede de aventura, que talvez beirasse um namoro com o suicídio, mas também com a liquidação de um adversário respeitado. Fê-lo também à boleia de um Hemingway, que leu com mão diurna e nocturna e outros que, tendo visto a guerra, por dentro, nos deixaram, depois, poderosos argumentos contra ela. Rui Teixeira, no seu poderoso romance autobiográfico – O ELOGIO DA DUREZA – não mente, não faz batota, não diz que foi para a guerra contra sua vontade e que até odiava o colonialismo. É isto que dá um particular e agudo significado a este pungente relato de uma aprendizagem. Não é um livro que sirva o simplismo dos a preto e branco. É, antes, um livro que rima com a condição humana, que é complexa, contraditória e perturbantemente rica. Não dá para juízos primários de leitores primários. Lembremo-nos de que o mesmo Montherlant, que adolescente, cantou liricamente, numa prosa soberba, a guerra, como território privilegiado da fraternidade e da luta que educa, deu-nos depois, implacável notícia do que ela realmente é: ”Nós amamos, nos animais, podermos matá-los, legalmente. Na guerra, também amamos poder matar legalmente. Bem entendido, os homens nunca o confessam.”

A diferença – de monta – é que Rui Teixeira – com uma coragem ímpar, confessa que partiu para a guerra, para convictamente matar e defender um império em que acreditava. Como diria Montherlant, não nos enterneçamos, mas também não ergamos já um dedo pedagógico e acusador. Montherlant trocou as voltas à interdição familiar para se ir juntar às trincheiras da morte, na carnificina de 1914 – 1918, antes que a idade a isso o obrigasse. Depois, contraditório, como são os homens, enviou o seu canto de louvor à guerra ao pacifista Romain Rolland, cuja coragem admirava, por defender, com risco de vida, que a paz prevalecesse contra a carnificina. Este, que tivera de se exilar para a Suíça, para que a sua impopular luta contra a guerra o não fizesse assassinar em França, saudou galhardamente a grandeza literária do jovem autor, apesar de, ideologicamente, se lhe opor. Há gente desta, capaz de não confundir pelouros e de encontrar um lugar onde se saúdem, como adversários que se admiram e estimam. Aliás, Montherlant, como vimos, viria, com o tempo, a ver a guerra com outros olhos, bem como as touradas, que começara por venerar e praticar.

Rui Teixeira, apaixonado por grandes poetas, pelo império e por uma guerra que o defendesse e lhe permitisse, ao mesmo tempo, exorcizar demónios antigos, que o empurravam para a beira do abismo, partiu, no princípio de 1973, para Angola, apresentando, à superfície, o rosto do cavaleiro sans reproche.

Numa prosa descascada, enérgica e sem mentira, Rui Teixeira dá-nos destemidamente notícia das suas pulsões, sabendo muito bem o preço que por isso se paga. Talvez por isso este livro se destaca de muitos outros que a guerra colonial produziu: não há nele a mais pequena gota de política beata e facilmente premiável. O seu “franc parler” seria bem recebido por Stendhal. E é precisamente por este livro vir de quem vem, que esta lição de aprendizagem de vida nos parece tão poderosa e convincente.

Rui Teixeira, por cortesia do alferes Paulo, protagonista de O Elogio da Dureza, não nos presenteia com um sermão edificante sobre a descoberta dos malefícios do colonialismo e da guerra. Na boa esteira da narrativa moderna, cujos caminhos Hemingway desbravou como poucos, Rui Teixeira não gosta de pregar, prefere mostrar o que foi a guerra e o colonialismo. Em quadros curtos, sem ênfase, dá-nos a violência e o rosto sanguinário do combate, o encarquilhar obscenamente rápido do ser humano esvaziado de sangue, e, num episódio curto, situado em Luanda, num fim de semana de férias, Paulo depara, sempre sem ênfase, mas com uma inesperada e desorientadora iluminação, com o rosto verdadeiro do colonialismo. Para me não afundar em paráfrases ineptas, transcrevo literalmente a passagem do livro, que deveria ser antologiada para os livros das escolas e, no fim de contas, levada ao conhecimento de tantos leitores quantos possíveis: “Paulo descia [o passeio} e o homem preto subia. Ambos pelo mesmo passeio estreito. O preto tinha cerca de cinquenta anos, cabelo grisalho, fato coçado. Um ar sério, digno, de pequeno funcionário. Três ou quatro metros antes de se cruzarem, o homem olhou para Paulo, baixou os olhos, encurvou as costas e, automaticamente, desceu do passeio para Paulo poder passar à vontade. Baralhou-se a cabeça ao cadete. Caiu-lhe muito mal que um homem preto de meia idade se tivesse curvado, diminuindo-se, perante um jovem branco, perante si. Pela idade podia ser seu pai. Nenhum dos textos que tinha lido sobre o colonialismo teve em Paulo o mesmo impacto que esta cena muda numa rua de Luanda, em princípios de 1973. Tinha visto, sentido e percebido uma das faces do poliedro do Mal.” O apocalíptico cavaleiro da guerra e da morte e o defensor sanguíneo do império, entregava os trunfos todos, perante a humilhação inconcebível de um preto que poderia ser seu pai.

O resto do romance é a lenta mas profunda apreensão de que Paulo estava a travar uma guerra sem sentido e a desperdiçar os melhores anos da sua vida.

Ao fim de dois anos, Rui Teixeira regressou a Portugal, licenciou-se, doutorou-se sobre literatura da guerra colonial, especializou-se nessa área, conheceu o amor, de que estivera afastado, por feridas interiores que o tinham feito mergulhar em mitos de pés de barro, e julgo que aprendeu que pode haver verdadeira fraternidade, para além da fraternidade das armas, se é que esta não é também um mito demasiado celebrado. De todas as aprendizagens que fez, a talvez mais fecunda foi a do amor que encontrou, numa mulher rara, que foi uma docente emérita, que tive a felicidade de conhecer, porque, como leitora de português, em duas cidades europeias, por várias vezes me convidou para ir falar com os seus alunos. Foi, para mim, uma experiência inesquecível. Na contracapa deste romance de Rui Teixeira, aparece, como presença esfumada, mas intensa, o rosto admirável desta grande companheira do romancista. Mas, em lado nenhum se pode ver o seu nome, a não ser na dedicatória, onde uma delicada referência a uma Isabel, não chega a revelar a sua identidade. Eu escrevo-o, para que conste: Isabel Ravara. Obviamente, a Iza do romance.

Eugénio Lisboa

domingo, 7 de novembro de 2021

LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS”


 Meu artigo no último JL:

As expressões “idade das trevas” ou “noite de dez séculos” são hoje reconhecidamente desajustadas para designar a Idade Média. A primeira surgiu logo no início do século XIV, quando Petrarca quis contrastar a Antiguidade Clássica com o tempo após a queda do Império Romano do Ocidente. No século XVI, o cardeal César Barónio, historiador da Igreja Católica, usou  o termo saeculum obscurum para designar os tempos da transição do primeiro para o segundo milénio, dos quais havia muito poucos documentos. No Iluminismo, o uso dessas expressões e outras aparentadas acentuou-se, na clara tentava de contrastar os tempos pós-renascentistas com aqueles que os antecederam: a «Idade da Razão» devia contrastar com a «Idade da Fé». O Romantismo veio, porém, de várias maneiras reabilitar o tempo medieval, cultivando temas e enaltecendo pessoas dessa época.

A historiografia evita hoje esse tipo de expressões uma vez que são mais bem conhecidas as «luzes» da Idade Média. Essa atitude extravasou para o dia-a-dia: há até polémicas recentes na política por causa do uso da palavra «medieval» como sinónimo de «bárbaro». De facto, o tempo medieval legou-nos uma extraordinária instituição que perdura: a universidade. E legou-nos tecnologias como os óculos e os relógios mecânicos. Além disso, foi na Idade Média que, através da intermediação árabe e dos monges copistas, que se transmitiram os preciosos saberes da Antiguidade.

O historiador inglês Seb Falk, jovem professor de História da Ciência  na Universidade de Cambridge, publicou na Penguin no ano passado um livro que no original se intitula The Light Ages. A Medieval Journey of Discovery. O livro, a primeira obra do autor, muito bem acolhido pela crítica e pelo público, acaba de sair entre nós na Bertrand Editora, em tradução de Elsa T. S. Vieira intitulada A Idade Média. A Verdadeira Idade das Luzes. O autor apresenta a vida e a obra de um obscuro monge beneditino inglês, John Westwyk (c. 1350 - c. 1400), que viveu na imponente Abadia de St. Albans, a uns 30 km a noroeste de Londres. Westwyk foi matemático, astrónomo, instrumentista e, embora a expedição tenha falhado, um cruzado. Apesar da falta de documentação sobre o biografado, Falk conseguiu escrever um livro de 471 páginas, que se lê como um romance e que serve, mais do que para apresentar o personagem, para apresentar a ciência medieval.

Havia ciência no século XIV? A palavra latina scientia significa conhecimento, que obviamente existia. O rei D. Dinis, com  Scientiae Thesaurus Mirabilis («O maravilhoso tesouro da ciência»), o documento de 1290 que criou a Universidade de Coimbra (estabelecida em Lisboa), pretendia reforçar o conhecimento no nosso país. Não existia ainda o termo «cientista» para designar aquele que pratica a ciência usando o método científico, pois esse termo só foi cunhado no século XIX. O monge inglês, não sendo um cientista no sentido actual, procurava o conhecimento com os meios à sua disposição, fazendo avançar a ciência da sua época. A sua obra maior, escrita em inglês arcaico, intitulada The Equatorie of the Planetis. Descreve o equatorial, um instrumento que permite determinar as posições dos astros sem fazer cálculos. O livro de Falk começa com a fascinante história da descoberta desse manuscrito, o MS-75. O físico e historiador de ciência Derek de Solla Price consultou, nos anos 1950, na biblioteca medieval da Peterhouse, o colégio mais antigo de Cambridge (a Universidade de Cambridge remonta a 1209), o MS-75, tendo nele identificado  o nome de Chaucer. Julgou, com alvoroço, estar na presença de um segundo trabalho científico do escritor inglês Geoffrey Chaucer (c. 1343 – 1400), considerado o maior antes de Shakespeare: é o autor dos Canterbury Tales, que inaugura a literatura inglesa. Ora, mostrando que ciência e literatura não são incompatíveis, Chaucer é também o autor do A Treatise on the Astrolabe, um manual de instruções do astrolábio, instrumento para medir a altura dos astros que remonta aos antigos gregos, foi melhorado pelos árabes, e que os portugueses adaptaram no tempo dos Descobrimentos para o uso em alto mar. Chaucer descreveu, em inglês e não em latim, o modo de usar um astrolábio. Price, que haveria de emigrar para os Estados Unidos para ser professor na Universidade de Yale, estava equivocado. Em 2014, a historiadora norueguesa Kari Anne Rand concluiu, por comparação caligráfica, que o MS-75 era afinal da autoria de Westwyk.

Seb Falk, que foi nomeado pela BBC New Generation Thinker, tem uma enorme domínio da matemática e a astronomia medievais, incluindo o uso de astrolábios e equatoriais. Além disso, é velejador e montanhista, sabendo orientar-se pelas estrelas. É ainda corredor de maratona. E sabe escrever, como mostra este trecho do seu livro: «Na viagem de Westwyk pela ciência medieval, conheceremos um elenco de personagens fascinantes, nenhum dos quais é um nome famoso. O judeu espanhol convertido ao cristianismo que ensinou tudo sobre eclipses a um monge lotaríngio em Worcestershire; o abade relojoeiro inglês com lepra; o artesão francês transformado em espião; o polímata persa que fundou o observatório mais avançado do mundo. A ciência medieval era um empreendimento internacional, tal como a ciência de hoje (…). As crenças religiosas estimularam a investigação cientifica, mas as pessoas profundamente devotas não tinham qualquer problema em adoptar teorias de outras fés.» Esta posição contrasta com outra, baseada no julgamento de Galileu pela Inquisição e mais corrente, segundo a qual o poder da razão contraria o poder da fé. De facto, o sábio pisano tinha na sua cabeça a razão em bom equilíbrio com a fé. Disse ele que «o Espírito ensina como ir para o Céu e não como é o céu».

Este livro colocará o leitor em plena Idade Média, a fazer ciência com o monge beneditino. Aprenderá contar pelos dedos até 9999 e a fazer horóscopos. De facto, a ciência ainda não dispunha do método que tanto poder lhe deu, mas já era uma prática partilhada baseada no contacto estreito com a realidade.

ODE AO GATO II

 


Poema de Eugénio Lisboa:

ODE AO GATO II

(A ODE AO GATO I FOI ESCRITA

POR PABLO NERUDA)


1

OS GATOS NÃO TÊM CULPA

DE NASCEREM TÃO PERFEITOS.

PARA QUÊ PEDIR DESCULPA?

SER PERFEITO NÃO É DEFEITO.

2

DESENHOU-OS LEONARDO,

NISSO PONDO GRANDE EMPENHO:

COPIOU O LEOPARDO,

MELHORANDO O DESENHO.

3

NÃO HÁ MAIOR AMBIÇÃO,

NESTA VIDA, QUE SER GATO,

MAS, SELECTOS, POUCOS SÃO,

O RESTO É SÓ CANDIDATO.

 

Eugénio Lisboa.

que dedica esta humilde

mas sentida Ode aos mi-

lhões de admiradores do

bicho mais glorioso que

a natureza produziu.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

JOÃO PEDRO MARQUES E O PRAZER DE GUIAR


Minha recensão no I de hoje:

Faço muitos quilómetros, porque gosto de conhecer sítios, mas não tenho propriamente o prazer de guiar. Prefiro um carro com mudanças automáticas, que me dão menos controlo mas mais relaxe na condução. No entanto compreendo que haja quem tenha o prazer de guiar e consuma quilómetros pelo pura fuição da estrada. Não me custa a acreditar que, daqui a uma década, os carros sem condutor se tenham generalizado e que profissões como as de taxista ou de camionista estejam em vias de extinção. Para mim, que conheço as minhas falhas, designadamente no tráfego e aparcamento urbano, não será mau de todo. Mas não me custa a acreditar que haverá futuros ex-condutores infelizes.

O historiador e escritor João Pedro Marques (n. 1949), se não é uma dessas pessoas, dá-lhes voz muito bem voz, no seu último romance O Prazer de Guiar, acabado de sair na Porto Editora. Conta uma história, passada em 2032, em que o personagem principal quer dar livre curso ao seu prazer de guiar, num mundo quase totalmente automatizado, no qual todos dispõem de táxis automáticos gratuitos, alguns têm veículos autónomos particulares e poucos têm carros não autónomos, usando o velhinho combustível fóssil, que só estão autorizados a andar em caminhos do fim do mundo, as «estradas cinza». O protagonista João Blundell (que partilha o nome próprio e idade, 72 anos, com o autor e cujo apelido pode vir de Mark Blundel, piloto britânico e comentador de Fórmula 1) pede à ex-mulher, Raquel, que lhe venda o Honda Jazz, com motor a gasolina de 1200 centímetros cúbicos, que ela tem há muito parado na garagem (aposto que o romancista tem ou teve um desses carros), a fim de fazer uma solitária «volta a Portugal», passando pelos sítios das antigas pousadas.

João, amante da velocidade, tinha visto na televisão a Cannonball Run, uma corrida realizada entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos nos anos 70. O piloto norte-americano Dan Guerney tornou-se lendário nessa prova (depois de ter sido campeão noutras, como a Fórmula 1, 500 milhas de Indianópolis, etc.), tendo atravessado a América em 35h54m num Ferrari, o que dá uma média de 130 km/h. Essa corrida é, bem entendido, ilegal, o que não impede que haja hoje um recordista, que reclama tê-la feito em menos de 26 horas, o que dá a formidável média de 173 km/h. O mais difícil será evitar a polícia...

Raquel, depois de um categórico não, reconsidera e resolve emprestar-lhe o carro, desde que… ela o acompanhe. Ele fica perplexo, porque a separação era longa e grave, mas é mais forte o prazer de guiar do que o receio de se confrontar com o passado. É, portanto, um romance on the road, não como o de Jack Kerouac, cheio de sexo, álcool e drogas, mas com dois reformados, ambos na casa dos 70 anos, fugindo a uma «rodo-polícia» que dispõe de poderosos meios aeroterrestres. O perseguidor do casal vai ser uma dupla de agentes policiais, ela, Valentina, de origem ucraniana, e ele, Alcídio, de origem cabo-verdiana, que encarnam respectivamente a pressa e a lentidão. O livro, bem produzido (destaco a qualidade do papel e a legibilidade do tipo de letra) lê-se muito rapidamente. Pelo menos, eu li-o muito rapidamente porque tenho prazer em ler a grande velocidade.

Para não diminuir o prazer da leitura não vou contar as aventuras e desventuras do casal, embora seja fácil de adivinhar que o ex-casal vai deixar cair o «ex»; o happy end é bastante previsível. Antes deixo algumas impressões que a leitura me deixou. Passado no futuro, é uma história de ficção científica, um género que entre nós não é, nem nunca foi, muito cultivado. Direi que os portugueses consomem muito mais romances históricos do que romances de ficção científica, sendo curioso ver um historiador profissional escrever uma «história do futuro». O Prazer de Guiar é um grito de liberdade. Exprime uma revolta contra a automatização e a regulação na vida futura, em resultado de um processo que há anos está já em curso. Parece-me claro que o autor usa a ficção como meio de expressar a sua opinião sobre o presente. Ele é manifestamente contra a perda da liberdade, de guiar e não só. Ele, um historiador especializado na escravatura, imagina-nos como futuros escravos das máquinas. O seu romance conta a revolta de um par de escravos contra a proibição de circularem à vontade.

O livro é também uma denúncia do politicamente correcto, que hoje impera. No futuro imaginado pelo autor, a toponímia está mudada: por exemplo, a Ponte Vasco da Gama passou a chamar-se Ponte Europa, porque não se podem referir os antigos descobridores (a União Europeia é, no livro, o Big Brother que controla tudo e todos, impondo entre outras a proibição de fumar); e o Parque Marechal Carmona em Cascais passou a ser o Jardim Greta Thunberg (o livro não diz como está o ambiente na altura). A respeito do politicamente correcto é elucidativa uma história que o João, que tinha sido professor, conta: quando uma vez pediu aos alunos que comentassem a proeza de um cego que escalou uma montanha, a mãe de uma aluna protestou com a direcção da escola, pois esse exercício partia de um preconceito contra os cegos: «a história sugeria que as pessoas cegas estavam de algum modo em desvantagem face a quem via normalmente, o que era incorrecto e menorizava os cegos.» Sobre a igualdade de género, há um curioso diálogo, dentro do carro, entre ex-marido e ex-mulher. Quando esta defende a possibilidade de as mulheres ganharem corridas de Fórmula 1, ele riposta que às mulheres faltará a agressividade imprescindível nessas provas, embora reconheça que elas têm habilidade suficiente para ganhar outro tipo de competições motorizadas, lembrando a vitória da francesa Michèle Mouton no rally de Portugal.

Gostei de ler, é um bom exemplo de literatura light (nada contra, há espaço para todos os tipos de livros). O enredo talvez pudesse ser mais intrincado assim como a discussão de ideias mais complexa. Por exemplo, a relação dos robôs, omnipresentes no livro, com os humanos podia ter sido aprofundada, como faz, por exemplo, o romance recente do japonês Kazuo Ishiguro Clara e o Sol (Gradiva, 2021). Claro que concordo com o autor sobre a desumanidade de um mundo extremamente robotizado, mas parece-me haver uma nostalgia excessiva pelo regresso à Natureza.

Um momento-chave no livro é quando a audaz agente Valentina sofre, na perseguição que movia ao casal transgressor, um aparatoso acidente na serra da Lousã e, em situação crítica, é ajudada por uma mulher e um homem que vivem numa aldeia comunitária das proximidades. Eis o diálogo entre eles: «– A Valentina gosta da civilização?/ Ela teve medo de responder. (…) Limitou-se a anuir a meia-haste e a meia voz:/ – Acho que sim./ – Gosta? – insistiu a mulher/. Sim, acho que sim./ – Eu não gosto desta civilização – afirmou o homem. – Muitas máquinas e poucos sentimentos. Se fôssemos máquinas já nos tínhamos ido embora, não era, Valentina?» Esta última fala remete para a marca do humano num mundo pós-humano.

João Pedro Marques foi, durante mais de duas décadas, investigador do Instituto de Investigação Científica Tropical. Doutorou-se em História pela Universidade Nova de Lisboa em 1998, com a tese Os Sons do Silêncio. O Portugal de Oitocentos e a Abolição do Tráfico de Escravos (Instituto de Ciências Sociais - ICS, 1999) que foi traduzida em inglês (The Sounds of Silence, Berghahn Books, 2006). Tornou-se conhecido no debate público pelas suas posições sobre a escravatura que ele fundamenta com o seu bom conhecimento das fontes, mas que têm encontrado antagonistas obnubilados pela ideologia. Tenho acompanhado com vivo interesse os seus livros sobre escravatura e não posso deixar de concordar com ele quando sustenta que os portugueses estiveram muito longe de terem sido os inventores da escravatura, que não só é muito antiga, como até existia em África antes da chegada dos descobridores. Os seus livros sobre este assunto são: Portugal e a Escravatura dos Africanos (ICS, 2004); Revoltas Escravas. Mistificações e Mal-entendidos (Guerra & Paz, 2006), Sá da Bandeira e o fim da escravidão (ICS, 2008), Escravatura. Perguntas e respostas (Guerra & Paz, 2017) e Combates pela Verdade. Portugal e os Escravos (idem, 2020). Tem ainda um livro em inglês, em co-autoria: Who Abolished Slavery? Slave Revolts and Abolitionism. A debate with João Pedro Marques (Berghahn Books, 2010).

Dos seus seis romances antes de O Prazer de Guiar, todos eles do prelo da Porto Editora, quatro passam-se no século XIX e dois no século XX. O primeiro romance, saído em 2010, Os Dias da Febre, versa a epidemia da febre-amarela que grassou em Lisboa a meio do século XIX, um tempo que Marques conhece bem da sua investigação histórica. Seguiram-se, em 2012, Uma Fazenda em África (um best-seller, com várias edições), que aborda a colonização, também a meio do século XIX, de Moçâmedes, no sudoeste de Angola; em 2014, O Estranho Caso de Sebastião Moncada, sobre as lutas liberais no Norte; e, em 2015, Do Outro Lado do Mar, sobre a escravatura entre Angola e o Brasil. Os últimos foram: em 2017, Vento de Espanha, sobre a década de 1930 na Península, sacudida pela Guerra Civil Espanhola; e, em 2019, A Aluna Americana, uma love story nos anos 60 entre uma estudante portuguesa vinda dos Estados Unidos e um seu professor universitário. Confesso que, destes, só li A Aluna Americana, um livro com uma excelente capa cuja história simples prende o leitor. Vou procurar e ler os anteriores.


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

IHC - Novo Podcast de História

 O IHC - Instituto de História Contemporânea, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, lançou esta semana um novo podcast sobre História, intitulado By the book. A produção é da comunicadora de ciência Diana Barbosa e a coordenação científica é do historiador Steven Forti.

Podem visualizar o primeiro episódio aqui:


 


terça-feira, 2 de novembro de 2021

Conferência sobre Mobilidades em Transição

Irá decorrer esta semana, mais concretamente de 3 a 5 de Novembro, a 19ª Conferência Anual T2M - International Association for the History of Transport, Traffic and Mobility, acolhida pela Faculdade de Ciências de Lisboa e pela NOVA School of Science & Technology.  

Este ano o tema será dedicado às "Mobilidades em transição: circulação, apropriação, globalização".

A iniciativa, coordenada por membros do CIUHCT, insere-se no âmbito do Ano Europeu do Transporte Ferroviário 2021.

A conferência será totalmente online.

Para mais informações, consultar o site: https://t2m2021.ciuhct.org/

O Programa pode ser consultado aqui.



António Andrade - O Legado de Amato Lusitano

NOVIDADES DA GRADIVA:

Informação recebida do editor:

A Alpinista

Sexo e corrupção na Alemanha nazi

Marcio Pitliuk

 UM ROMANCE ABSORVENTE SOBRE SOBREVIVÊNCIA E ASCENSÃO SEM ESCRÚPULOS NA ALEMANHA NAZI.

 Desde muito jovem Hannelore Schultz sabia bem o que não queria: o desconforto, a pobreza e os modos rudes do ambiente onde crescera. Mas também sabia o que queria: luxo, riqueza, poder. A porta abriu-se com o início da perseguição aos judeus. Berlim parecia-lhe ser a resposta para as suas ambições.

Quanto a armas, usaria as que tinham nascido consigo e aprimorá-las-ia ao longo do tempo: rara beleza, elevada capacidade de sedução, inteligência, foco. Para Hannelore nada mais contava do que a sua vida, os seus planos, a sua ambição. Ambição, sexo, traição – tudo isso se revela neste romance que tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, a Berlim que se julga dona de tudo, os campos de extermínio nazis na Polónia. A vida das personagens cruza-se com a política imperialista e aterradora de Hitler, e boa parte delas usam-na a seu favor. O remorso, esse, parece ser uma palavra desconhecida. No fim do caminho haverá espaço para a justiça?

Uma obra que se lê sem paragens.

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Destinados à Guerra

Poderão a América e a China escapar à Armadilha de Tucídides

Graham Allison

 A CHINA E OS ESTADOS UNIDOS RUMAM PARA UM NOVO CONFLITO...

 «Allison torna os dilemas mais difíceis da política externa acessíveis tanto aos especialistas quanto ao cidadão comum. Por isso me aconselhei e aconselho frequentemente com ele.» 

Joe Biden

«Este livro identifica um desafio essencial à ordem mundial: o impacto de uma potência em ascensão sobre uma potência dominante.»

H. Kissinger

«Um dos livros mais profundos e intelectualmente estimulantes que li sobre as relações mais importantes do mundo: os EUA e a China.»

General David Petraeus, ex-director da CIA e ex-comandante do US Central Command

«Allison, académico e profissional extremamente respeitado no campo da segurança nacional, é também um mestre em História aplicada. Todos os cidadãos que querem estar informados devem ler este livro.»

Niall Ferguson, senior da Hoover Institution, Stanford Univ., autor de The War of the World

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Nocturno

Prémio Ferreira de Castro de Ficção Narrativa de 2020

António Canteiro

Romance vencedor do Prémio Ferreira de Castro de Ficção Narrativa de 2020, tendo sido considerado pelo júri «uma proposta consistente e original».

O contexto do romance é o da sub-região da Gândara de Carlos de Oliveira, no tempo da gripe pneumónica (em 1918), uma pandemia muito semelhante à que vivemos hoje. O protagonista, o músico António de Lima Fragoso, sucumbe aos 21 anos à doença da febre amarela. Foi no dia 13 de Outubro daquele ano, o mês fatídico em que mais três irmãos, duas primas e uma tia são vítimas mortais da mesma doença, todos debaixo do mesmo tecto, na sua casa da Pocariça, Cantanhede. António de Lima Fragoso, que foi aluno de Thomás Borba e Luís Freitas Branco, concluiu o exame final de piano no Conservatório Nacional com 20 valores e compôs uma obra musical notável, mas também escreveu Contos e Cartas a Maria, obra literária que dirigia a um sujeito ambíguo no seu ideário sócio afectivo, e que poderia muito bem tratar-se da amiga, pintora, Maria Amélia Carneiro, sua conterrânea da Pocariça, com quem convivia, amiúde, partilhando «artes» durante a permanência de ambos na cidade do Porto.

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E NOVAS REEDIÇÕES  |  já à venda 

QED

A estranha teoria da luz e da matéria

6.ª edição

Richard Feynman 

Richard P. Feynman, um dos físicos teóricos mais célebres do mundo, apresenta aqui a teoria da electrodinâmica quântica com a clareza, o rigor e a perfeição que tornaram famosas as suas conferências. Pressupondo que os leitores possuem poucas bases científicas, procura sempre ilustrar as interacções da luz com exemplos de fenómenos que todos podemos observar no quotidiano.

Ver dwtalhes


PARA QUE SERVE A POLÍTICA?

 Novo texto de Eugénio Lisboa:

 

A política é a arte de impedir

  as pessoas de se intrometerem

                                                                          naquilo que lhes diz respeito.

Paul Valéry

 

O espanto ou a capacidade de nos espantarmos é o motor de arranque da maior parte das descobertas. Quando alguém perguntou a Newton como se descobria a lei da gravitação, diz-se que o grande cientista respondeu deste modo: “Pensando nisso o tempo todo.” Pensar nisso o tempo todo é o segredo dos que se espantam e se demoram tempos intermináveis, detidos por esse fecundo espanto, diante de algo que os surpreende. A concentração dos que se espantam e obstinadamente buscam decifrar o motivo desse espanto, aparece como irresistivelmente cómica aos que nunca se espantam e tudo têm como um dado evidente e inquestionável.

Conta-se que o filósofo Schopenhauer se deteve, um dia, num jardim público, diante de uma flor. E ali ficou, fascinado, a olhar para aquela beleza floral, durante imenso tempo, totalmente absorvido por aquele pedacinho de universo. As pessoas que por ali passavam, não compreendendo aquela teimosa imobilidade do filósofo, faziam comentários jocosos. Até que um polícia que por ali cirandava, desconfiado daquele comportamento insólito, lhe perguntou o que estava ali a fazer, especado tanto tempo, diante de uma flor. Schopenhauer olhou fixamente para o guarda, sem qualquer arrogância, antes com grande candura, e respondeu-lhe, com acento sincero: “Se o senhor guarda fosse capaz de me explicar o que estou aqui a fazer, ficava-lhe muito grato.” Schopenhauer (que, aliás, escreveu um soberbo ensaio sobre o “espanto” como motor de arranque de todo o conhecimento), estava ali, simplesmente, perplexo, espantado, perguntando não sabia bem o quê, em suma, “pensando o tempo todo”.

Sirva isto de introdução a algo que, por estes dias, muito me tem espantado, levando-me, por isso, a uma persistente conversa com os meus botões.

O meu espanto, causa de inquietação e infinita distracção – já me fez perder um guarda-chuva e deixar as chaves penduradas na porta de casa, enquanto ia almoçar -  diz-me isto que, à primeira vista, me parece difícil de explicar. O mundo todo vive, actualmente, à beira do abismo: a economia ameaçada de terramotos demolidores, as grandes potências, dirigidas por gente pouco sábia, a prepararem-se para uma estúpida confrontação económica e militar, a probabilidade de futuras pandemias duradouras e altamente mortíferas e produtoras de grave desaceleração económica, como se tem visto, desemprego, fome, quebra de recursos financeiros para a saúde, alterações climáticas de consequências assustadoras para a vida neste belo e maltratado planeta, sem falar noutros flagelos, que não vou enumerar.

Tudo isto, ameaçando o mundo todo, é óbvio que não vai poupar Portugal, à beira do mar plantado.

Pois bem, diante deste sinistro Apocalipse, com que se preocupa a nossa inefável comunicação social, dando-lhe abundante e estridente palco? Por mais que pareça inacreditável, preocupa-se com esta ínfima coisa: com as balbúrdias internas de um micropartido – o CDS – já hoje totalmente irrelevante e, no futuro próximo, mais do que provavelmente, extinto. As escaramuças estridentes entre duas cómicas nulidades, Nuno Melo e Rodrigues dos Santos, pela conquista da liderança do CDS, trazem-me ao espirito a imagem de dois cães esfomeados, lutando furiosamente por um osso despido de qualquer vestígio de carne ou tutano! Em suma, dois alienados pretendentes, disputando coisa nenhuma. Isto, confesso, estas pequeninas escaramuças entre insignificantes comadres, perante um dilúvio de catástrofes que se aproximam a grande velocidade, causa-me um espanto muito maior e mais angustiante do que aquele que terá causado uma bela flor ao autor de O Mundo como Vontade e Representação, ou a queda de um grave, ao espírito taciturno e teimoso de Newton. Porque, sim, como se explica isto? Como se explica que os seres humanos, à beira de desaparecerem do planeta – e, com eles, outras formas de vida – sem disso deixarem memória, por não haver a quem, se preocupem com ninharias e com disputas que não interessam nem à vaquinha do Presépio? Eu só vejo, depois de me espantar, uma plausível explicação: trata-se de pura caridade; de uma manobra de diversão, caridosamente engendrada por políticos bem intencionados, para nos distraírem do pavoroso Apocalipse que se avizinha. Paul Valéry, a quem lestamente roubei o aforismo que dei a este texto, tinha razão. Os políticos querem apenas impedir-nos de metermos o nariz naquilo que nos diz respeito. O mesmo Valéry que, um dia, nos avisou com grande clarividência: “Nós outras, civilizações, sabemos agora que somos mortais”. Infelizmente, sabemos, num agora posterior ao de Valéry, que não são só as civilizações que são mortais: toda a vida, no planeta, também é.

Eugénio Lisboa

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

A FIGUEIRA E A CIÊNCIA

Do jornal O FIGUIRENSE:

 A Figueira da Foz e a ciência Várias vezes estive na Figueira da Foz para reuniões científicas. Lembro-me de ter estado em 2000 na 12.ª Conferência Nacional de Física, na qual a estrela foi Leon Lederman, Nobel da Física de 1988 (foi ele que deu o nome de “partícula de Deus” ao bosão de Higgs). Coorganizei nessa cidade a 1.ª Escola Internacional em Física Computacional, que aí teve lugar em 1999. E em várias ocasiões fui convidado a fazer palestras no Casino da Figueira

Confesso que nunca percebi por que razão a Universidade de Coimbra não tem uma delegação na Figueita da Foz (tem uma em Alcobaça), que organizasse conferências e escolas de Verão, para além de dinamizar em permanência actividade local de investigação. Ressalvando o excelente trabalho que tem sido feito pelo instituto MARE de Coimbra na ilha da Morraceira na foz do Mondego, parece-me que muito há a fazer na investigação do mar nesse sítio privilegiado da Natureza onde não só o rio se junta ao mar como a serra da Boa Viagem cai sobre a água, num sítio que, há mais de 150 milhões de anos, foi povoado por dinossauros. O mar podia ser uma marca forte da ciência portuguesa e a Figueira da Foz um dos sítios essenciais dessa investigação. A Figueira da Foz é não só um viveiro das letras e artes, como o é sem dúvida - basta lembrar nomes como David de Souza, Eduardo Nery, João César Monteiro e Afonso Cruz - também das ciências e tecnologias – lembro nomes como o arqueólogo António dos Santos Rocha, o filósofo e historiador de ciência Joaquim de Carvalho, o botânico Luís Wittnich Carrisso e o engenheiro civil Manuel Rocha. 

Dos nomes dos cientistas figuerenses em plena actividade, permito-me, entre muitos outros, destacar, porque os conheço pessoalmente, Sílvia Curado, geneticista a trabalhar em Nova Iorque, e Rui Curado da Silva, físico de altas energias especialista em instrumentação espacial. A Figueira tem de aspirar a ter um papel da ciência do que simplesmente ser um berço de cientistas. Pode e deve ser uma cidade de ciência.


 

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...