sexta-feira, 21 de setembro de 2018
A imaginação, a ciência... e as crianças
Meu artigo na última revista PAIS:
Perguntaram um dia a Einstein se “ele confiava mais na sua imaginação ou no seu conhecimento”. A resposta foi rápida: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento do mundo é limitado. A imaginação dá a volta ao mundo.” Esta resposta merecia ser mais conhecida, pois, para muita gente, a imaginação é estranha à ciência. Nada mais falso: a imaginação é, afinal, o meio que os cientistas usam para fazerem as suas viagens mentais ao mundo todo. Ao contrário do que é pensamento comum, não são só os artistas que recorrem à imaginação para criarem, mas são também os cientistas. Poder-se-á pensar que, se a missão do cientista é descrever e explicar o mundo, então eles não poderão ter mais do que a “imaginação do mundo,” isto é, só terão que imaginar como é o mundo, ao passo que os artistas podem, mais livremente, imaginar “outros mundos.” Acontece, porém, que o mundo em que vivemos tem muita imaginação, no sentido em que não tem sido fácil chegar às leis do funcionamento do mundo. Por outro lado, a liberdade dos artistas também não é tanta como em geral se crê, porque os mundos que imaginam estão obviamente limitados pela sua familiaridade com o mundo real.
O nosso cérebro, sendo parte do mundo, é fruto de um longo convívio com ele. Imaginar é, segundo os dicionários, a faculdade que a nossa mente tem de criar imagens, representações, fantasias. A imaginação consiste sempre em dar um salto mental, um salto que pode ser maior ou menor conforme a imaginação nos levar mais perto ou mais longe. O que acontece no cérebro humano, essa prodigiosa conexão de neurónios, quando imagina é algo que ainda desafia as neurociências, apesar de todos os progressos que estas têm realizado nos anos mais recentes. Mas o certo é que os grandes cientistas, como Einstein, foram grandes imaginadores. Em busca de uma melhor compreensão da realidade, criaram imagens, representações, fantasias, que têm à partida de ter alguma coerência. E, depois, tiveram de escolher, entre essas imagens, representações e fantasias, aquela ou aquelas que melhor se ajustavam ao que eras observado e experimentado. O confronto com a realidade é obrigatório para os cientistas.
Imaginar o mundo
A ciência consiste, assim, em imaginar o mundo. Não é tanto um corpo fixo de conhecimentos, mas mais a capacidade de alargar continuamente esses conhecimentos, usando em primeiro lugar a imaginação, e depois o raciocínio lógico, a observação cuidadosa, o pensamento adequado. Usando o chamado método científico, um método que tem dado resultados extraordinários.
Um exemplo do uso da imaginação encontra-se em Arquimedes, o maior cientista da Antiguidade. Conta a lenda que, um dia, ele desatou a correr nu pelo centro da cidade de Siracusa, na Sicília, porque, estando a tomar banho, imaginou que ele próprio era um barco: dentro de água uma força opunha-se à força da gravidade ou peso, fazendo-o flutuar. Arquimedes era pesado, mas dentro de água era como se não pesasse. Formulou então a lei que tem o seu nome: todo o corpo mergulhado num líquido está sujeito a uma força, dirigida de baixo para cima, cujo valor é o do peso do volume de água deslocada. Isto é, Arquimedes dentro da banheira imaginou que o volume de água que deslocava tinha um peso igual ao seu. Eureka!
Outros exemplos de leis físicas podem ser dados. Por exemplo, desde temos imemoriais que se sabe que uma pedra de uma certa região da Ásia menor (a Magnésia, na actual Turquia) tem a propriedade de atrair pequenos corpos metálicos. Só mais tarde – aconteceu na China – se percebeu que uma agulha feita desse material, um magnete ou íman, apontava sempre para a mesma direção, a direção aproximada do pólo norte, o que permitia a orientação na Terra. O instrumento inventado pelos chineses e depois usado pelos descobridores portugueses chama-se bússola. Foi preciso, mais tarde, um salto mental para se perceber que a Terra é, ela própria, um grande íman. Concluiu-se que a bússola funcionava porque o pólo norte da agulha aponta para o pólo sul magnético da Terra, que está perto do pólo norte geográfico.
Curiosidade natural
As crianças são curiosas a respeito do mundo. Nascem com uma curiosidade natural. Olham para o mundo logo desde que nascem, começam por agarrar os objectos à sua volta para melhor para ganharem uma compreensão do mundo. Logo que o seu cérebro, ligado aos olhos e às mãos, tenha o desenvolvimento necessário, colocam perguntas, primeiro “o quê?” e depois “porquê?”. O seu cérebro faz representações que a sua experiência vai confirmar ou desmentir. Muitas vezes as coisas são como a criança pensa que são e outras vezes não são. Neste quadro, podemos dizer que as crianças são “pequenos cientistas”: elas querem saber como é o mundo, querem compreender o mundo.
É, portanto, fácil, pelo menos em princípio, levar a ciência às crianças, mesmo pequenas. Isso consegue-se fazendo experiências simples, que permitem aos infantes uma percepção cada vez maior do mundo à sua volta. Por exemplo, podem ver se um objecto flutua ou afunda em água e até classificar objectos entre aqueles que flutuam e aqueles que afundam. A seguir vem o “porquê”: o que é que determina que umas coisas se afundem e outros flutuem? Podem pensar que é o peso, mas a realidade é um pouco mais complicada: uma bola de plasticina afunda-se em água, mas o material da mesma bola já flutua se lhe for dada a forma de um barco. O segredo está na lei de Arquimedes: a bola transformada em barco desloca mais água! A criança pode usar o conhecimento adquirido para melhorar o seu barco. E passa a ver os barcos de uma outra maneira.
Uma semelhante aproximação à ciência pode ser realizada com ímanes: as crianças são fascinadas por eles. Há muitas experiências simples de magnetismo que podem ser feitas por crianças sobre magnetismo. Podem verificar que pólos do mesmo tipo se repelem e que pólos de tipos diferentes se atraem e podem também verificar que alguns objectos são atraídos por ímanes e outros não.
A propósito, recomendo a série “Ciência a Brincar” (Bizâncio), 10 livros que ajudei a preparar com o apoio de sociedades científicas, há alguns anos, mas que não se desactualizaram, pois a ciência que apresentam não mudou. E recomendo também a rede de Centros Ciência. Viva, espalhada pelo país, onde se podem fazer muitas actividades de experimentação a brincar. Sim, a brincar, pois a ciência pode começar como jogo.
Exercitar desde cedo
Os educadores - pais ou professores - devem estimular a imaginação das crianças, proporcionando-lhes contextos para exercitar o pensamento: uma maçã e uma batata terão destinos diferentes quando colocadas na água? Conseguir-se-á pôr um íman a flutuar no ar só com outros ímanes? As crianças adoram experimentar e essa sua atitude deve ser aproveitada, desde cedo, para lhes inculcar a noção de que há uma diferença entre o certo e o errado. Caberá naturalmente à escola promover o desenvolvimento intelectual, de modo a que a sua interação com o mundo seja cada vez mais elaborada.
Einstein passou a sua tenra idade no meio estimulante da sua família, antes de ir para a escola (onde, ao contrário do que é voz corrente, teve boas notas). Numa fase final da vida, contou uma das suas recordações mais antigas relacionadas com a ciência: “Observei um milagre […] quando em criança, com quatro ou cinco anos, o meu pai me ofereceu uma bússola”. O pequeno Einstein, conforme ele disse, “tremeu e arrepiou-se.” Acrescentou: “Por detrás dos objectos deve haver algo que permanece profundamente oculto […] o desenvolvimento do nosso mundo de pensamento é, num certo sentido, uma fuga ao milagre”. Que força misteriosa era essa que impelia a agulha de bússola, uma e outra vez sempre para o mesmo lado?
Einstein acabava de observar uma lei física – a lei das ações magnéticas à distância – e começou a imaginar o que seriam essas acções. A imaginação foi a chave da sua vida científica. Para chegar à sua teoria da relatividade, começou por pensar como veria o mundo alguém que viajasse à velocidade da luz? Como essa experiência é impossível, Einstein só podia imaginar. A imaginação, que o acompanhava desde criança, levou-o muito longe…
Em resumo: a entrada na ciência deve fazer-se estimulando a imaginação infantil através de actividades interactivas e lúdicas. A ciência pode começar a brincar. Exercitar desde muito novo, e sem receios, a imaginação é a chave para uma vida criativa, alicerçada na família e na escola e posta em prática na sociedade.
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NA UNIVERSIDADE DO PORTO
Minha crónica no mais recente número de "As Artes entre as Letras":
Toda
a gente com um mínimo
de cultura científica, em Portugal ou lá
fora, ficou estupefacta com o anúncio da recente realização na Faculdade de
Letras da Universidade do Porto de um encontro de negacionistas das alterações climáticas. De facto, não passava pela cabeça de ninguém que a Universidade do Porto fosse oferecer um palco a
grupos organizados cujo trabalho tem sido o de negar a ciência: esses grupos
são alguns dos “inimigos da ciência” de que fala um livro da
colecção “Ciência Aberta” da Gradiva de que sou coautor com David Marçal.
Não faz sentido que uma universidade, uma instituição comprometida com a criação e difusão de conhecimento científico, ofereça o seu espaço a negacionistas. A
oferta funcionou como meio de legitimação de pessoas cujos interesses não são decerto a valorização do conhecimento
científico. Nem faz sentido que uma universidade que até agora se tem revelado
defensora da sustentabilidade passe a apoiar a posição contrária. Portugal
assinou o Tratado de Paris, com vista à redução das emissões de gases de efeito de estufa,
sem que ninguém da Universidade do Porto ou de outra universidade nacional
tenha protestado.
A
Faculdade de Letras da Universidade do Porto forneceu os microfones e holofotes
a indivíduos que, sem bases científicas, negam aquilo que já se conhece bem,
graças ao labor de muitos anos da extensa comunidade científica dedicada ao
estudo das alterações climáticas. Um dos nomes ligados ao grupo que fez um happening no Porto (falar de conferência
científica seria errado) é Christopher Monckton, jornalista e político
britânico que tem ligações ao Heartland, um think-tank
conservador norte-americano que, segundo um artigo no New York Times de 16 de Fevereiro de 2012, queria minimizar, senão
mesmo eliminar, o ensino nas escolas públicas de temas relativos a alterações
climáticas. Segundo foi noticiado na altura, para essa organização “os
directores e os professores das escolas estão fortemente condicionados em relação
à perspetiva alarmista do aquecimento global”. Maria Assunção Araújo, professora
de Geografia da referida Faculdade, num gesto de censura, não considerou
bem-vindos ao happening mediático que
ajudou a organizar os defensores do
mainstream científico, que são os alegados “alarmistas das alterações
climáticas.”
Não me
compete a mim, evidentemente, dizer à Universidade do Porto o que deve ou não
fazer. Mas seja-me permitido que comente. O que disse na altura – assinei um
abaixo-assinado, cuja lista de nomes incluía, como não podia deixar de ser,
professores da Universidade do Porto - é
que estamos perante um caso insólito no meio universitário. Não é normal que
pessoas que negam factos estabelecidos da ciência apresentem as suas conclusões
numa universidade, que deveria ser um bastião da ciência. Não significa isso
que as pessoas, quaisquer pessoas, não tenham direito a dizer o que quiserem -
felizmente que existe o direito ao disparate- mas significa que as
universidades, que albergam institutos de investigação, têm a obrigação de
escolher com algum critério as iniciativas que acolhem. Trata-se de cuidar do
bom nome da sua instituição. Não se confunda o happening com um debate científico. Claro que um debate científico
deve ter lugar através dos processos próprios da ciência, por muito
revolucionárias que sejam as ideias apresentadas. Mas o happening foi uma mera manobra de propaganda, que instrumentalizou
indevidamente a Universidade.
Percebeu-se
logo que a iniciativa embaraçou a Reitoria, que lavou as mãos como Pilatos, e
também o Banco Santander, que seria um dos patrocinadores da iniciativa, mas se
viu obrigado a afastar-se com uma declaração pública que teve repercussão
internacional. O banco declarou-se comprometido com as metas de prevenção e
mitigação das alterações climáticas que estão hoje consensualizados à escala
global (com a excepção de Donald Trump, para quem as alterações climáticas são
“uma invenção dos chineses para destruir a economia americana.”)
A Faculdade
que acolheu o evento não pareceu ter compreendido o que se passou, apesar das
reacções nacionais e internacionais. A directora, Fernanda Ribeiro, defendeu o
indefensável. Chegou a acusar de censura
quem não achava boa ideia fazer passar por científico aquilo que pouco ou nada
tem de científico. Claro que uma Universidade tem – deve ter – outras dimensões
para lá da ciência, tem de cultivar as artes e as humanidades, dimensões que podem
dialogar com a ciência, mas sem desmentir os factos nem contrariar as teorias
alicerçadas neles. A directora desconsiderou os cientistas, assim como os
defensores da ciência e da cultura científica. E desconsiderou-se a si própria.
Para se perceber a contradição em que caiu, basta referir que patrocinou um
evento, realizado em 2 de Março de 2016 no Anfiteatro Nobre da Faculdade, de
entrega dos prémios de um concurso sobre
“Alterações Climáticas”. Na sessão foram entregues prémios, no total de cem mil
euros, às escolas ou agrupamentos, que venceram três categorias a concurso
sobre aquele tema, no quadro do projecto Clima@EduMedia: categoria A
(Adaptação); categoria B (Mitigação) e categoria C (Alterações Climáticas).
José Azevedo, professor da Faculdade de Letras e coordenador do projecto,
declarou na altura, na presença da directora e de representantes da Agência
Portuguesa do Ambiente e da Direcção Geral de Educação: “É com muito gosto que
organizamos esta cerimónia, onde vamos premiar as melhores ideias de adaptação
e/ou mitigação das alterações climáticas submetidas a concurso. Todas as
escolas estão de parabéns pela qualidade dos trabalhos propostos”
A mesma
diretora inaugurou agora o encontro dos negacionistas. Ficamos sem perceber se
ela está de acordo com os objetivos do concurso escolar, transmitir aos jovens as
conclusões científicas sobre alterações climáticas, ou com os objectivos do encontro de negacionistas, negá-las? Que
vão pensar alunos e professores? Em quem devem acreditar?
Carlos Fiolhais
MInhas recomendações de livros de biotecnologia. genómica e engenharia genética
LISTA BIBLIOGRÁFICA
Títulos sobre Biotecnologia, Genómica e
Engenharia Genética
Não ficção
CURADO,
Sílvia de Carvalho Gomes - Engenharia
genética: o futuro já começou. 1ª ed. Lisboa: Glaciar, 2017. (A ciência Disruptiva).
ISBN 9789898776587.
LEROI, Armand Leroi – Mutantes: forma, variações e erros do corpo humano. Tradução Jorge
Lima. Lisboa: Gradiva, 2009. (Ciência Aberta ; 178). ISBN 9789896163136.
SYKES, Bryan - A maldição de Adão: [a ameaça genética que
paira sobre o futuro do homem]. Tradução Fernanda Oliveira. Mem Martins: Europa-América,
2006. (Forum da Ciência ; 64). ISBN 9721056723.
RIDLEY,
Matt – Genoma: autobiografia de uma
espécie em 23 capítulos. Tradução Carla Rego. 1ª ed. Lisboa: Gradiva, 2001.
(Ciência Aberta ; 111). ISBN 9726627729.
REISS, Michael J.
; STRAUGHAN, Roger - Melhorar a
natureza?: a ciência e a ética da engenharia genética. Tradução Luís
Cadete. Mem Martins: Europa-América, imp. 2001. (Forum da Ciência ; 54). ISBN
9721049468.
HOUDEBINE,
Louis-Marie - A engenharia genética: do animal
ao homem? Tradução Teresa Coelho. Lisboa : Instituto Piaget, 2000.
(Biblioteca Básica de Ciência e Cultura ; 76). ISBN 9727712622.
JONES,
Steve – A linguagem dos genes: biologia,
história e evolução. Tradução Isabel Mafra. Lisboa: Difusão Cultural, 1995.
(Ciência Hoje). ISBN 9727092438.
DULBECCO, Renato ;
CHIABERGE, Riccardo - Engenheiros da
vida : um prémio nobel fala do nosso futuro. Tradução Maria Helena V. Picciochi. 1ª ed.
Lisboa: Presença, 1990. (Limiar do Futuro ; 18). ISBN 9722313002.
MORETTI, Jean-Marie ; DINECHIN, Olivier de - O desafio da genética. Tradução de Luís
de Almeida Campos. Lisboa: Editorial Notícias, 1988. (Ciência Aberta ; 11).
NOSSAL, G.J.V. – A engenharia genética. Tradução Maria Elisa Prista e Renato Silva. Lisboa: Presença, 1987.
Ficção científica
HUXLEY,
Aldous - Admirável mundo novo. Tradução
Mário Henrique Leiria. Porto: Público Comunicação Social, imp. 2003. (Mil
folhas ; 47). ISBN 8496075737.
SHELLEY,
Mary – Frankenstein. Tradução
Fernanda Pinto Rodrigues. Mem Martins: Europa-América, 1994. ISBN 9721038733.
COOK,
Robin – Mutação. Tradução Lucília
Rodrigues. Mem Martins: Europa-América, 1990. ISBN 9721030848.
WELLS, H.G. – A ilha do Doutor Moreau. Tradução Eduardo Saló.
Lisboa: Círculo de Leitores, 1988.
LEM,
Stanislaw - Congresso futurológico. Tradução Manuela Alves. Lisboa: Caminho,
1986. (Caminho de bolso.
Ficção científica ; 31).
CRICHTON,
Michael – Parque Jurássico. Tradução
Fernanda Branco.
Lisboa:
Difusão Cultural, 1983. ISBN 972709094X.
*Nota: A presente lista foi elaborada de acordo com a NP 405 e
está organizada pela ordem númerica da colecção.
RÓMULO CCVUC
Setembro de 2018
Lista preparada por Maria João Oliveira
terça-feira, 18 de setembro de 2018
Mais um inquérito que não devia ter chegado à escola
"Obviamente a Fundação não tinha qualquer conhecimento da forma como as questões estavam formuladas já que existe independência científica", refere fonte oficial da instituição, sublinhando que "não pode tolerar que possam ser postos em causa princípios da igualdade". O teor das questões de um estudo que visava perceber, "no primeiro ciclo, de que forma os pais dedicarem alguns minutos à leitura com os filhos tinha impacto na aprendizagem deles", levou a Fundação a terminar o contrato com a equipa de investigação. "Não concordamos de todo e não podemos patrocinar um estudo desta natureza" (aqui).
As escolas têm muitíssimas crianças dos 3 aos 6 anos, no jardim de infância, e todas as crianças e jovens dos 6 aos 18 anos, no ensino básico e secundário. Têm também os professores. E através delas tem-se, directa ou indirectamente, acesso às famílias.
Empresários, políticos, investigadores – agentes externos, portanto – olham para as escolas e o que vêem? Vêem oportunidades: a visibilidade, a publicidade, o direccionamento de opções, estão entre elas… Oportunidades, note-se, alheias ao fim que a educação escolar deve perseguir.
Esses agentes recolhem os dados que podem, porque os dados são, como se sabe, valiosos para concretizar tais oportunidades.
É certo que todo e qualquer estudo (ou algo com essa designação) em contexto escolar requer apreciação prévia dos instrumentos a usar por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados e da Direcção-Geral da Educação, bem como dos directores escolares e, defendo eu, dos professores, se se der o caso de estarem envolvidos.
Não obstante os cuidados previstos, mais uma vez entrou nas escolas um inquérito destinado a alunos e às suas famílias que nunca podia lá ter entrado.
Esse inquérito foi ontem capa de um jornal, desencadeou notícias noutros, passou para a televisão e para a internet, foi denunciado pela organização SOS Racismo à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. E porquê? Porque tem perguntas consideradas racistas, usadas, de resto, em inquéritos que (infelizmente) se tornaram correntes em certos países, ainda que em Portugal não sejam comuns.
O problema está, porém, longe, muito longe, de ficar por aí. Essa é apenas a questão crítica mais visível aos olhos selectivos da contemporaneidade.
Tão ou mais grave é, a confiar no que consta nas informações que vieram a público, o estudo ter por objectivo "melhorar os métodos educativos em Portugal", apesar de ser da responsabilidade de “uma empresa de consultadoria em economia comportamental”, de a coordenação estar entregue a uma investigadora que não é especialista em Educação, e de o financiamento ser o de uma Fundação de base empresarial.
Tão ou mais grave é ser solicitado no inquérito o nome completo dos alunos, pois todas as perguntas que se seguem podem ser relacionados com ele.
Isto do que se pode ler nos artigos indicados abaixo e ver na fotografia ao lado.
O que aconteceu depois da denúncia do instrumento e de que a imprensa deu destaque – as justificações da investigadora e das escolas, a demarcação e o corte de financiamento por parte da Fundação, a suspensão da aplicação por parte da Direcção-Geral da Educação – não chega ao problema de base.
Esse problema é o que enunciei acima: a abertura indiscriminada da escola a entidades que se abeiram dela por interesse próprio, sendo que a responsabilidade não é dessas entidades mas dos sistemas (não falo só do português) que a promovem.
_________________________
Notícias de jornal usadas para redigir este texto:
- Do Público, aqui.
- Do Expresso, aqui.
- Do Diário de Notícias, aqui
A "narrativa" da educação a transformar-se em prática escolar
O 26.º episódio do programa Prós e Contras, difundido há algumas horas num canal de televisão pública, teve por tema: Como vai a educação em Portugal (ver aqui)
Por dever de ofício, tentei acompanhá-lo mas confesso que não consegui evitar um nervoso zapping. Impossível para quem tem a educação como uma das actividades humanas mais sérias e de maior responsabilidade, assistir sem grande inquietação e profunda tristeza a muito do que foi dito.
Nas passagens que vi dei conta de múltiplos erros e equívocos de enorme gravidade, mas que, por serem tantas vezes repetidos, repisados, reafirmados, impostos, entram no pensamento colectivo e passam a ser assumidos como verdades, como certezas, como dogmas. Ai de quem discordar!
É a "narrativa da educação que queremos" a transformar-se em prática escolar concreta, a chegar aos directores, professores, alunos e pais, a chegar a todos. Temo seriamente que um dia, muito em breve, não sejamos capazes de pensar além dessa "narrativa" criada para formatar, e que defendamos como única possibilidade de educar esta "educação" que não o é.
A "pós-verdade" espalha-se pelo mundo, infiltra-se em todas as áreas, mas, talvez tenha sido na educação onde ela se instalou com mais afinco e sem, estranhamente, ter encontrado grande resistência. Reflecte-se naquilo que o programa em causa revelou.
domingo, 16 de setembro de 2018
ESCOLHA DE LIVROS SOBRE ROBÔS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
DOMINGOS, Pedro - A revolução do algoritmo mestre: como a aprendizagem automática está a mudar o mundo. Lisboa : Manuscrito Editora, 2017. ISBN 9789898871183.
FORD, Martin - Robôs: A ameaça de um futuro sem emprego. Tradução José Vale Roberto. Lisboa: Bertrand, 2016. ISBN 9789722532280.
FRANKLIN, Stan - Mentes artificiais. Tradução Margarida Vale do Gato. Lisboa : Relógio d'Água, 2000. (Ciências cognitivas). ISBN 9727085687.
GANASCIA, Jean-Gabriel - O Mito da singularidade: devemos temer a inteligência artificial?. ISBN 978-989-644-468-6Tradução de Artur Lopes Cardoso, Lisboa: Temas e Debates, 2018.
KAKU, Michio - O futuro da mente : a demanda científica para compreender, aperfeiçoar e reforçar o poder da mente. Tradução Fernanda Barão, Isabel Fernandes. Lisboa : Bizâncio, 2014. (A máquina do mundo ; 32). ISBN 9789725305430.
MORAVEC, Hans - Homens e robots : o futuro da inteligência humana e robótica. Tradução José Luís Malaquias F. Lima ; revisão científica Carlos Fiolhais. Lisboa : Gradiva, 1992. (Ciência aberta ; 57). ISBN 9726622719.
OLIVEIRA, Arlindo - Mentes digitais: a ciência redefinindo a humanidade. Lisboa: IST - Instituto Superior Técnico, 2017. ISBN 9789898481603.
PEREIRA, Luís Moniz - A máquina iluminada : cognição e computação. 1ª ed. Porto : Fronteira do Caos Editores, 2016. ISBN 9789898647580.
SAGAL, Paul T. - Mente, homem e máquina. Tradução Desidério Murcho ; rev. científica M. S. Lourenço. Lisboa : Gradiva, 1996. (Filosofia aberta ; 3). ISBN 9726624541.
TEIXEIRA, João de Fernandes - O Cérebro e o Robô : inteligência artificial, biotecnologia e a nova ética. Paulus Editora, 2016. ISBN 9788534942980.
Ficção Científica
ASIMOV, Isaac - Sonhos de robot. Tradução Mário Redondo. Mem Martins : Europa América, 1991. (Nébula ; 39). ISBN 9721032417.
ASIMOV, Isaac - Eu, robot. Tradução Eduardo Saló. Mem Martins : Publicações Europa-América, 2004. (Nébula ; 96). ISBN 9721054410.
ASIMOV, Isaac - Robot completo. Tradução José Teixeira de Aguiar. Mem Martins : Europa-América, 1982. 2 Vols. (Nébula ; 2, 3).
CLARKE, Arthur – 2001 Odisseia no espaço. Tradução Maria Nóvoa. 2ª ed. Mem Martins: Europa-América, 1988. (Nébula ; 8).
CRICHTON, Michael - O homem terminal. 1ª ed. Lisboa : Gradiva, 1984 (Não incomode ; 5).
GIBSON, William - Neuromante. Tradução Fernando Correia Marques. 1ª ed. Lisboa : Gradiva, 1988. (Contacto)
WILSON, Daniel H.- .Robopocalipse, Tradução: Ana Soares Lisboa: Bertrand , 2014 isbn: 9789722527583
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
How to lie with data
Resumo visual da minha intervenção na conferência Insights 2018, organizada pela Data Science Portuguese Association.
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
NOVA "ATLANTIS": RECENSÕES SOBRE OS CLÁSSICOS
A
revista “Atlantís” acaba de publicar o seu último número (em acesso
aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à
informação.
v. 23 (2018)
Sumário
http://impactum-journals.uc.pt/atlantis/issue/view/337
[Recensão a] BILRO, Sherley, Vinho, Genebra e Champanhe. Diz‑me o que bebes, dir‑te‑ei quem és, Curitiba, Juruá Editora, 2015, 146 pp. ISBN: 978853625483‑8.
Ana Teresa Peixinho
[Recensão a] BRAGA, Isabel Drumond, Sabores e Segredos. Receituários conventuais portugueses da Época Moderna, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, 416 pp. ISBN: 978‑989‑26‑1079‑5.
María de los Ángeles Pérez Samper
[Recensão a] ROGERS, Brett & STEVENS, Benjamin Eldon (eds.), Classical Traditions in Science Fiction, Oxford, Oxford University Press, 2015, 380 pp. ISBN: 978-0-19-022833-0.
Nuno Simões Rodrigues
[Recensão a] FATTAL, Michel, Du bien et de la crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse, Paris, l’Harmattan, 2016, 104 pp. ISBN: 978-2-343-08612-5.
Pedro Paulo A. Funari
[Recensão a] HERNÁNDEZ MUÑOZ, Felipe, GARCÍA ROMERO, Fernando, Demóstenes. Las cuatro Filípicas, Madrid, Clásicos Dykinson, 2016, 230 pp. ISBN: 978-84-9085-745-8.
Elisabete Cação
[Recensão a] LAKS, André & MOST, Glenn (eds.), Early Greek Philosophy, Cambridge MA, Loeb Classical Library, 2016, 9 vols. Les débuts de la Philosophie, des premiers penseurs grecs à Socrate, Paris, Fayard, 2016, 1672 pp. ISBN: 978-2-213-63753-2.
Livio Rossetti
[Recensão a] BUDIN, Stephanie Lynn, Artemis. Gods and Heroes of the Ancient World, London/New York, Routledge, 2016, 184 pp. ISBN: 978-0-415-72541-5.
José Malheiro Magalhães
[Recensão a] VAN NOORDEN, Helen, Playing Hesiod: The ‘Myth of the Races’ in Classical Antiquity, Cambridge, Cambridge University Press, 2015, 360 pp. ISBN: 978‑0‑521‑76081‑2.
Joaquim Pinheiro
Atlantís
http://impactum-journals.uc.pt/atlanti
A escrita como acto de resistência
O livro Contra la nueva educación. Por una enseñanza basada en el conocimiento, publicado em 2016 (Barcelona, Plataforma Editorial) foi escrito por um professor de Música do ensino secundário.
Lecciona numa escola espanhola, mas se leccionasse numa portuguesa ou de um outro qualquer país ocidental, poderia fazer a mesma análise e chegar às mesmas conclusões.
Partindo da sua prática, do que lê, do que vê, do que faz, analisa, de um modo perspicaz, a reforma curricular em curso. Não se limitando ao nível micro - da escola - nem ao nível macro - do país -, vai até às orientações/pressões das entidades que determinam, de facto, as políticas educativas, entidades que têm um marcado interesse em que o conhecimento fundamental não chegue a todos.
A questão que coloca é mesmo essa: a do conhecimento que a escola oficial tem obrigação de facultar a todos e que não faculta.
A razão é simples: porque tal não interessa a quem tem o poder de decidir o currículo. Retoma o autor a “figura” que nos é familiar: quem mais poder tem decide o que se aprende, para quê e como. E o poder é, agora, o económico à escala mundial.
Numa sofisticada e sedutora retórica, esse "poder" reúne à sua volta um séquito de especialistas (que costumam ser apresentados como pedagogos, psicólogos e, mais recentemente, neurocientistas, mas onde há representantes de todos os quadrantes disciplinares), que tratam de convocar bons princípios para afastar a cultura que é específica da escola, introduzindo, a “felicidade ignorante” e “a empregabilidade ocasional”.
Nesta dupla linha, esmiúça alguns dos dogmas que perpassam a retórica curricular, notando a sua falta de discussão, a pseudodiscussão ou a discussão enviesada.
O livro foi, assim, para Royo, como ele próprio o afirma como um "acto de resistência, de legítima defesa", como tentativa de "não cair em desânimo".
Lecciona numa escola espanhola, mas se leccionasse numa portuguesa ou de um outro qualquer país ocidental, poderia fazer a mesma análise e chegar às mesmas conclusões.

A questão que coloca é mesmo essa: a do conhecimento que a escola oficial tem obrigação de facultar a todos e que não faculta.
A razão é simples: porque tal não interessa a quem tem o poder de decidir o currículo. Retoma o autor a “figura” que nos é familiar: quem mais poder tem decide o que se aprende, para quê e como. E o poder é, agora, o económico à escala mundial.
Numa sofisticada e sedutora retórica, esse "poder" reúne à sua volta um séquito de especialistas (que costumam ser apresentados como pedagogos, psicólogos e, mais recentemente, neurocientistas, mas onde há representantes de todos os quadrantes disciplinares), que tratam de convocar bons princípios para afastar a cultura que é específica da escola, introduzindo, a “felicidade ignorante” e “a empregabilidade ocasional”.
Nesta dupla linha, esmiúça alguns dos dogmas que perpassam a retórica curricular, notando a sua falta de discussão, a pseudodiscussão ou a discussão enviesada.
O livro foi, assim, para Royo, como ele próprio o afirma como um "acto de resistência, de legítima defesa", como tentativa de "não cair em desânimo".
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
"Afinal, flexibilidade curricular e sucesso escolar são as bandeiras que qualquer professor competente e responsável ergue bem alto"
Na revista Visão de ontem, dia 11 de Setembro, uma professora de português, Carmo Miranda Machado, publicou um artigo sobre o "Projeto de Autonomia e de Flexiblidade Curricular", a mais recente revisão curricular homologada pelo Ministério da Educação, no qual introduz um toque de humor, apesar do registo sério com que termina. Usamos uma frase do texto, que abaixo reproduzimos, para dar título a este post (Isaltina Martins e Maria Helena Damião).
"Num dia ainda ameno de Setembro, chegou à escola uma simpática menina chamada Flexibela. Mas a menina não vinha só. Trazia com ela uns fiéis amiguinhos que pretendiam promover naquela nova instituição de ensino grandes mudanças, sobretudo o sucesso escolar de todos os meninos que lá se encontravam.
Flexibela era apenas o petit nom que os pais lhe tinham atribuído porque o seu nome completo era muito mais complexo (Projeto de Autonomia e de Flexibilidade Curricular). A menina entrou na escola acompanhada da Articulação (de apelido Vertical), da Aprendizagem (cujo apelido é Essencial), da Planificação e de vários meninos todos eles de nome próprio, Critério, só mudava o apelido (Critério Português, Critério Biologia, Critério Geografia, etc.).
O objetivo de Flexibela e dos seus amigos era alargar o sucesso escolar a toda a escola e fazer com que nenhum menino ou menina a abandonasse antes de tempo. Assim decidiram começar a criar jogos de associações a problemas do quotidiano; promoveram atividades em que as meninas e os meninos cooperavam entre si, faziam jogos de escolhas, confrontavam as diferentes opiniões e resolviam todos os problemas que lhes iam aparecendo.
Flexibela e os amigos estavam convencidos de que só eles é que sabiam as regras destes novos jogos. Diziam mesmo a quem os ouvisse que os outros jogos que na escola se jogavam antes deles lá terem chegado não favoreciam nem o sucesso nem a inclusão de todos os meninos e meninas.
Mas Flexibela esqueceu-se que nessa escola, muito tempo antes dela lá chegar, tinha havido e continuava a haver muitas outras Flexibelas, cuja luta diária foi e continua a ser exatamente a mesma.
O Projeto de Autonomia e de Flexiblidade Curricular pretende promover o sucesso escolar e a flexibilidade curricular. Para tal, propõe uma articulação entre o perfil do aluno e as aprendizagens essenciais que este deve fazer (conhecimentos, capacidades e atitudes). No seu art.º 4, ponto 1, pode ler-se: (...) o reconhecimento dos professores enquanto agentes principais do desenvolvimento do currículo, com um papel fundamental na sua avaliação, na reflexão sobre as opções a tomar, na sua exequibilidade e adequação aos conteúdos de cada comunidade escolar.
Afinal, flexibilidade curricular e sucesso escolar são as bandeiras que qualquer professor competente e responsável ergue bem alto. Não há, que eu conheça, muitas outras classes profissionais mais capazes e habituadas a flexibilizar do que os docentes. Não há, neste decreto-lei nada de novo para os bons professores.
Estes sabem, desde a sua profissionalização, a necessidade de compromisso com uma escola inclusiva, essa escola em que todos os alunos têm a oportunidade de realizar aprendizagens significativas e na qual todos são respeitados e valorizados. Os professores lutaram sempre por uma escola que corrige assimetrias que a sociedade e a vida fora da escola insistem em acentuar. Os professores passam os seus dias, nas aulas e fora delas, a desenvolver ao máximo o potencial dos seus alunos.
O problema não são os professores. O problema reside nas políticas educativas que mudam consoante as cores do parlamento e, sobretudo, na ausência total de respeito pela profissão docente que este e outros governos anteriormente têm demonstrado.
O Decreto-Lei 55/2018 de 6 de Julho parte, a meu ver, do princípio de que os professores de Portugal são todos maltratados do miolo."
SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA
![]() |
Caos de blocos no Granito (Serra d’Arga) |
Deixando este tema para outras conversas, comecemos agora por dizer que o termo granito, em sentido restrito, designa uma rocha plutónica (gerada em profundidade, na crosta), granular, rica em sílica (mais de 70%), com quartzo essencial, expresso e abundante (20 a 40%), e feldspato alcalino (ortoclase, microclina, albite). Como mineral ferromagnesiano contém, geralmente, biotite, sendo raros os granitos com anfíbolas ou piroxenas. Entre os seus minerais acessórios, destacam-se moscovite, apatite, zircão e magnetite. Esta rocha corresponde ao que, numa linguagem mais rigorosa, se designa por “granito alcalino”. O termo granito, atribuído ao italiano Andrea Caesalpino, surgiu em 1596, e radica no latim granum, que significa grão.
Imagine o leitor uma paisagem como a do norte de Portugal, essencialmente formada por granitos, xistos argilosos e grauvaques, na margem ocidental da placa litosférica euroasiática, à beira de um oceano (o Atlântico) que a separa de uma outra placa (a Americana).
Como é sabido, os agentes atmosféricos (a humidade, a água da chuva, o oxigénio e o dióxido de carbono do ar e as variações de temperatura) alteram (“apodrecem”) as rochas e é essa alteração, ou meteorização, que gera a capa superficial (rególito) que dá origem ao solo.
- E quais são os materiais desta capa de alteração e do respectivo solo? – Pergunta-se.
Restringindo a resposta ao local em questão, aos principais minerais destas rochas, e à situação climática que aqui exerce a sua influência, diremos, de um modo muito esquemático, mas que aponta o essencial da questão, que:
(1) No granito, o feldspato altera-se, transformando-se parcial e, de início, superficialmente, em argila. Alterando-se o feldspato, os restantes grãos minerais descolam-se uns dos outros e a rocha perde coesão (esboroa-se entre os dedos). Os grãos de biotite (uma mica contendo ferro) também se alteram e dessa alteração resulta o seu aspecto “enferrujado”, o que confere à rocha exposta as cores de castanho-amarelado, que contrasta com a cor da rocha sã, acabada de cortar. O quartzo não sofre qualquer alteração, o mesmo sucedendo à mica branca (moscovite) que apenas se divide em palhetas cada vez mais pequenas e delgadas.
(2) No xisto argiloso, que além de argila tem quartzo em grãos finíssimos, microscópicos (ao nível de poeiras), tem lugar a perda de coesão destes materiais.
(3) No grauvaque acontece outro tanto, com a libertação dos seus componentes arenosos (os mesmos do granito, mas muito mais finos).Podemos agora dizer que os rególitos e os solos desta região de Portugal têm uma fracção arenosa com quartzo abundante, algum feldspato, micas e um fracção argilosa ou barrenta que faz o pó dos caminhos, em tempo seco, e a lama, em tempo de chuva. Podemos igualmente dizer que, quando chove com certa intensidade, as águas de escorrência arrastam estes materiais, com suficiente visibilidade na componente argilosa em suspensão. Isso vê-se frequentemente nas enxurradas, nas águas barrentas dos rios e, até, no mar, frente às fozes desses rios.
As pedras (cascalho) vão ficando, em parte, pelo caminho, outras atingem o litoral e não passam daí. As areias enchem as praias, as dunas e o fundo rochoso da plataforma continental. As areias mais finas e as argilas, incapazes de se depositarem em mar de pequena profundidade, constantemente agitado pela ondulação, progridem no sentido do largo, indo depositar-se na vertente continental (onde ficam em situação instável). As muitíssimo mais finas, essencialmente argilosas, vão imobilizar-se mais longe, no fundo oceânico. Sempre que, por exemplo, um sismo abala a região, os sedimentos em situação de depósito instável na vertente desprendem-se, indo decantar sobre os já acamados no dito fundo.
Imaginemos que este processo (alteração das rochas, erosão, transporte e acumulação no mar) se repete ao longo de milhões de anos e que dele resultam alguns milhares de metros de espessura deste tipo de sedimentos. Imaginemos, ainda, que o mesmo se passa do lado de lá do Atlântico.
A tectónica global ensina-nos que este oceano, como todos os outros, ao longo da história da Terra, irá fechar-se. Isso terá como resultado o encurtamento do espaço coberto pelos ditos sedimentos que, à semelhança de um papel que amarrotamos entre as mãos, sofrerão enrugamentos, com “dobras” que vêm para cima, formado novas montanhas, e outras que vão para baixo, formando as “raízes” dessas montanhas.
É sabido que a Terra conserva grandes quantidades de calor no seu interior e que a temperatura aumenta com a profundidade, o mesmo sucedendo com pressão (dita litostática). Assim, dos sedimentos envolvidos nas citadas “raízes”, os mais superficiais ficarão sujeitos a pressões e temperaturas relativamente baixas, sofrendo ligeiríssima transformação (anquimetamorfismo), dando origem a rochas na fronteira entre as sedimentares e as metamórficas, como são o xisto argiloso, o grauvaque e, um pouco mais abaixo, a ardósia. Continuando em profundidade, com o aumento da pressão e da temperatura, mas sempre com transformações no estado sólido, formar-se-ão outras rochas francamente metamórficas, de graus progressivamente mais elevados, expressas na sequência: filádios ou xistos luzentes (uma vez que a componente argilosa se transformou em minerais que têm brilhos característicos, ”luzentes”, como a sericite, a clorite ou o talco), xistos porfiroblásticos, micaxistos e, ainda mais abaixo, gnaisses (estes representando o grau mais elevado).
A profundidades na ordem dos 30 quilómetros, a temperatura pode atingir os 800.ºC, e a pressão ultrapassar as 4000 atmosferas. Neste ambiente e na presença de água (toda a contida na composição das argilas) terá lugar a fusão dos minerais menos refractários (quartzo e feldspatos). Entra-se aqui no domínio do chamado ultrametamorfismo e o processo toma o nome de anatexia (do grego “aná”, novo, e “teptikós”, fundir), ou palingénese (do grego “pálin”, de novo, e “génesis”, geração), dando origem a migmatitos.
Logo que a fusão seja total, entra-se no domínio do magmatismo, com a formação de um magma que, dados os materiais envolvidos, só pode ser de composição granítica, magma que, uma vez arrefecido e solidificado, gerará um novo granito.
A história que acabámos de descrever nesta espécie de antevisão é a que julgamos saber contar relativamente à que, há pouco mais de 300 milhões de anos, deu origem à orogenia hercínica ou varisca e ao granito, ao xisto e ao grauvaque que nela se geraram e que marcam a paisagem do norte de Portugal. Do mesmo modo, esta história conta a de todas as paisagens afins do planeta, desde as mais antigas, com mais de 4000 milhões de anos, às mais recentes com escassos milhões.
Relativamente ao granito, a mais importante rocha magmática que forma a “ossatura” dos continentes, sabemos que o primeiro resultou de um processo de diferenciação, lenta e complexa, de uma crosta primitiva, de natureza próxima da do basalto. Sabemos também que qualquer geração de granito tem, atrás de si, outro granito e que, muitos milhões e anos depois (400 a 500, em média), renascerá numa nova geração de granito.
Esta história é, afinal, a expressão (reconhecível ao nível das paisagens da Terra) do conhecido Ciclo de Wilson (do geólogo canadiano John Tuzo Wilson (1909-1993), relativo às sucessivas aberturas e fechos dos oceanos da Terra.
____________________________
Notas:
Grauvaque – rocha sedimentar arenítica e coesa, gerada nos grandes fundos marinhos, a par dos xistos argilosos. Contém, sobretudo, quartzo (20 a 50%), feldspatos e micas. O termo foi Introduzido na nomenclatura litológica, em 1789, por Lasius, e radica no alemão grauwacke, que significa pedra cinzenta.
Migmatito – rocha ultrametamórfica, gerada por anatexia, de que resulta uma composição granitóide, na qual uma parte foi fundida e outra, mais refractária, permaneceu no estado sólido. Situa-se na passagem das rochas metamórficas da catazona (como é o gnaisse) ao granito franco.
Abaixo da zona dos gnaisses a temperatura e a pressão permitem a fusão dos elementos
A. Galpoim de Carvalho
segunda-feira, 10 de setembro de 2018
domingo, 9 de setembro de 2018
NEGACIONISTAS NA UNIVERSIDADE DO PORTO
Crónica publicada primeiramente no Diário de Coimbra.
Vivemos uma época em que tsunamis de informação nos trespassam erodindo sem
qualquer critério o conhecimento. Nunca houve tanta informação disponível, mas,
comparativamente, muito pouco conhecimento nela. Abundam as notícias falsas e a
desinformação generalizada. Vivemos um mundo de pós-verdades de lés-a-lés. Acresce,
a isto, a tendência imemorial de o ser humano parecer ter uma necessidade natural
de fantasiar a precepção que recebe do mundo em que vive, de modo a obviar a
dor, o medo, a morte, etc. Opta pela versão fantasiosa da realidade que lhe
torne mais cómodo e fácil o viver no imediato, que lhe dê confiança para vencer
as agruras do dia-a-dia, trocando a verdade factual por uma ilusória panaceia, sacrificando
assim o planeamento e compreensão do que poderá acontecer no futuro menos
imediato, mas, contudo, inevitável. E os charlatões, vendedores de banha da
cobra milenar e pseudocientistas modernos fazem uso desta fragilidade humana para
daninharem a ignorância.
Ao longo da história da Humanidade, foi a educação que contrariou esta
natureza primeva. A educação permitiu construir o futuro com verdade e trazer
conhecimento sobre como o Universo funciona. Reside, assim e sempre, nas instituições
de ensino o garante de um conhecimento despojado de fantasiosas ilusões e
falsidades. Por isto, é inquietante quando uma instituição de ensino, qualquer
que ela seja, acolhe eventos que visam não discutir conhecimento, mas propagar
crendices sem fundamentos factuais. Foi isto que acaba de acontecer na
Universidade do Porto nos recentes dias 7 e 8 de Setembro. Mais exactamente,
decorreu na Faculdade de Letras da Universidade do Porto uma conferência
intitulada “Basic science of a changing climate: how processes in the sun,
atmosphere and ocean affect weather and climate”. Esta conferência,
organizada por um conhecido lobby negacionista das alterações
climáticas, o auto-denominado “Independent Committee on Geoethics”, reuniu no
Porto negacionistas de vários países, sendo presidida por Maria Assunção
Araújo, professora catedrática daquela faculdade. Desprezando todas as
evidências científicas, estes negacionistas insistem em que não estão a ocorrer
alterações climáticas que sejam devidas à actividade poluidora humana.
Tendo tido conhecimento deste evento e das
declarações pseudo-científicas da professora Maria Assunção Araújo, registadas
em várias entrevistas dadas a jornais portugueses, em que se vangloria despudoradamente
de ensinar pseudociência nas suas aulas e de que “não interessa ter alguém [na conferência] a dizer que a causa das
alterações climáticas é o CO2”, um grupo de 60 cientistas
portugueses subscreveu uma carta aberta primeiramente publicada no Diário de
Notícias (foi replicada por muitos outros órgãos de comunicação social) que,
apesar de ser dirigida ao Reitor da Universidade do Porto, se destina a toda a
sociedade portuguesa. Nesta carta, os signatários, em que me incluo e em que se
incluem também os professores Carlos Fiolhais, Helena Freitas e Jorge Paiva (da
Universidade de Coimbra), “vêm expressar a sua indignação pelo facto da
Universidade do Porto promover uma conferência a favor da desinformação,
credibilizando ideias políticas que visam travar as acções para conseguir obter-se
a estabilização climática do planeta durante este século. Estas ideias
cientificamente erradas, em vez de esclarecerem e sensibilizarem para as
alterações climáticas, não pretendem mais do que criar dúvidas sem qualquer
fundamento ou método.”
Os cientistas que subscreveram a carta
acrescentam: “Não somos alheios às tácticas frequentemente utilizadas por este
tipo de organizações, utilizando o espaço público das democracias para tentar
polarizar a sociedade e ganhar espaço mediático criando uma polémica
artificial, vitimizando-se. Também não estranhamos a realização deste evento
coincidindo com a data da Marcha Mundial do Clima, momento em que manifestações
sairão às ruas por todo o mundo, e em Portugal também, para exigir acções
concretas para travar a espiral de descontrolo que têm sido as últimas décadas
em termos de eventos climáticos extremos e aquecimento constante.”
E no final da carta é feito o seguinte apelo:
“Sendo uma universidade pública, e uma das maiores produtoras de Ciência em
Portugal, a Universidade do Porto tem de escrutinar aquilo que organiza e
promover o conhecimento científico sobre as alterações climáticas, em vez de
emprestar o nome e dar credibilidade à negação da Ciência e do Conhecimento.”
Mas este apelo é, naturalmente, válido para
todas as instituições de ensino, desde o pré-escolar até ao universitário.
Sejamos mais críticos do que nunca e
duvidemos das opiniões que não se fundamentam em factos.
António Piedade
A INVENÇÃO DO BARÃO
Meu artigo no DN de hoje (suplemento dedicado às bicicletas):
A bicicleta fez 200 anos no ano passado, pois teve a sua
estreia no dia 12 de Junho de 1817. Este ano passaram 200 anos da respectiva
patente, concedida em 12 de Janeiro de 1818 pelo Grão-Duque de Baden, na
Alemanha, ao autor da invenção. Este foi um barão alemão, de seu nome , não apreciava o título, pelo que a certa altura
pediu para ser tratado por “cidadão Karl Drais.” Nasceu e morreu em Karlsruhe, não
longe de Baden-Baden, e a première da
bicicleta foi realizada entre a sua casa em Mannheim e uma estação de muda de
cavalos a cerca de 7 km. A ida e volta
ao longo de uma estrada que servia a mala-posta demorou cerca de uma hora, bem
mais rápido do que conseguia na altura um carro de tracção animal.
O bicentenário da bicicleta foi assinalado no Technoseum,
Museu de Tecnologia de Mannheim, com uma exposição intitulada “2 Rodas – 200
anos”, onde os dois zeros imitavam as duas rodas. Na exposição mostravam-se
alguns dos primeiros veículos de duas rodas, chamados “draisianas” em honra do barão. Mas os franceses chamavam-lhes vélocipèdes (que tem pés velozes). Em
inglês chamaram-lhes dandy-horses ou hobby-horses (cavalos chiques ou de
recreio).
A primeira bicicleta quase só tem em comum com a actual o
número de rodas. Não tinha pedais (ver imagem em cima). Uma barra de madeira unia as duas rodas. A
roda da frente tinha um sistema de direcção muito rudimentar e a de trás um
sistema de travagem não menos rudimentar. O condutor, sentado na barra,
avançava ao empurrar o veículo ora com uma perna ora com outra, tal como numa
trotineta, embora neste caso só com uma perna. Se o impulso fosse grande, podia
conservar os dois pés no ar. O grande segredo do invento era a poupança de
energia que representa o facto de o peso do condutor estar assente não sobre os
pés, mas sobre as rodas. Era uma verdadeira Laufmachine,
uma “máquina de andar,” como o próprio inventor lhe chamou.
O invento da bicicleta por Drais percebe-se melhor se se
contar a vida do barão. Nascido em berço de ouro (o pai chegou a juiz supremo
do Tribunal de Baden), em estudante embirrou com o latim. Os pais decidiram por
isso colocá-lo numa escola privada, onde aprendeu gestão florestal. Mais tarde
estudou matemática, física e arquitectura na Universidade de Heidelberg, próxima
de Mannheim. Feitas as necessárias provas, ganhou o título de “Mestre Silvicultor,”
passando a funcionário público em 1810, mas sem ter um território florestal
atribuído. Na prática o barão podia usar o seu tempo como queria, em particular
para pôr em prática os dotes inventivos que revelou desde cedo. Um dos seus primeiros
inventos, embora mal-sucedido, foi em 1813 um “carro sem cavalos,” um veículo a
quatro rodas de propulsão humana. Drais foi também o autor de uma máquina de
escrever notas do piano, de uma máquina de estenografar, de uma máquina de
picar carne e de um fogão com retenção de calor. O grão-ducado, que já lhe
pagava o salário, atribuiu-lhe, após a patente da bicicleta, um lugar de
Professor de Mecânica, um título honorário pois o barão não tinha que ensinar
nada. O privilégio foi-lhe dado apesar de a draisiana não ter sido um êxito
comercial: foi vista como uma curiosidade, que alguns ricos extravagantes exibiam. Várias razões concorreram para o insucesso.
Uma foi a eclosão de revoltas na região que abalaram a nobreza. Drais viveu de
1822 a 1827 um exílio no Brasil, onde participou na expedição ao Mato Grosso de
Georg von Langsdorff, um nobre germano-russo que foi médico e naturalista. Depois,
e talvez mais importante, as estradas estavam esburacadas e conspurcadas pela
passagem das carruagens, pelo que os draisianistas preferiam ir pelo caminho de
peões, causando acidentes. Cedo a draisiana foi proibida quer em cidades
europeias, como Mannheim e Milão, quer em cidades longínquas, como Nova Iorque
e Calcutá, facto que mostra como a bicicleta se globalizou rapidamente.
A bicicleta haveria de evoluir até ao final do século XIX,
quando adquiriu a forma que essencialmente tem hoje. Marcos dessa evolução
foram a adição de pedais com tracção na roda traseira, que foi aumentada, pelo
ferreiro escocês Kirkpatrick MacMillan, em 1839 (à esquerda); a passagem da tracção dos pedais
para a roda da frente realizada pelo serralheiro francês Pierre Michaux, em 1861
(estes modelos de roda dianteira grande - ver em baixo ao centro- foram descontinuados devido aos enormes
tombos que proporcionavam); e, finalmente, o modelo moderno, dito de segurança,
com duas rodas iguais e pedais que puxam a roda de trás, que se ficou a dever
ao industrial inglês John Kemp Starley, em 1885 (em baixo à direita). Uma posterior inovação
importantíssima foi a dos pneus. O veterinário John Dunlop inventou em 1887 a
câmara de ar para o triciclo do seu filho, lançando toda uma indústria de pneus
para bicicletas que os carros iriam aproveitar. Pouco depois, os irmãos franceses
Édouard e André Michelin (os mesmos que criaram os Guias Michelin) querendo
ajudar um ciclista cujo pneu estava colado à roda, inventaram um outro tipo de pneu.
Curiosamente, Mannheim é a terra da primeira bicicleta e
também do primeiro carro: O primeiro carro comercial foi patenteado em 1886 pelo
engenheiro Karl Benz (1844-1929), cuja empresa começou por ser uma oficina de bicicletas.
A primeira viagem automóvel de longa distância foi feita pela Senhora Benz, sem
que o marido soubesse, quando resolveu, em 1888, visitar a mãe, que morava a
mais de 100 km de Mannheim. Mas há mais uma coincidência entre os inventores da
bicicleta e do carro: não só nasceram ambos em Karlsruhe, como foram aí
vizinhos.
Drais morreu doente (tornou-se alcoólico) e arruinado (quase
só tinha a sua draisiana), mas hoje a sua campa em Karlsruhe é mantida por uma
associação de ciclistas. Sem ele não teríamos bicicletas!
Subscrever:
Mensagens (Atom)
EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?
No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Não Entres Docilmente Nessa Noite Escura de Dylan Thomas (tradução de Fernando Guimarães) Não entres docilmente nessa noite seren...
-
Outro post convidado de Rui Baptista: Transformou-se num lugar-comum atribuir às gerações posteriores a responsabilidade pela perdição do mu...