quarta-feira, 17 de julho de 2013

O fim da nova ortografia?

Hoje foi um dia muito importante para todos os que desejam a desvinculação de Portugal ao Acordo Ortográfico de 1990. Depois de ouvidos alguns dos subscritores da petição submetida à Assembleia da República, foi decidido por unanimidade, pela comissão parlamentar que analisou o tema, a obrigatoriedade de discussão em plenário da Assembleia da República. Esta é uma decisão significativa, pois as anteriores petições não produziram resultados importantes. Como um dos muitos peticionários, estou muitíssimo agradecido à Madalena de Homem Cardoso, ao Ivo Miguel e a todos os que deram o seu tempo, o seu dinheiro e a sua paciência e saber e vontade para levar por diante esta petição. Muito obrigado!

Mas o que mais me impressionou, pela positiva, foi o trabalho impecável do deputado relator, o Sr. Michael Seufert. O seu relatório é extremamente profissional e enxuto, coisa que raramente vejo em documentos oficiais portugueses, nomeadamente emanados do Ministério da Educação. E mais: quando o Sr. Deputado apresenta a sua opinião, fiquei estupefacto pela clareza das ideias e pela visão realista e moderada. Mas todos podem ler este documento, na íntegra aqui, ou a síntese do que me parece mais importante aqui.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O ENIGMÁTICO ELECTRÃO

 Os neutrinos são um dos muitos tipos de partículas criadas quando há colisões entre electrões e positrões. A imagem mostra trajectórias dessas partículas. Reproduzido de Nature, Vol. 498 (2013), 31, com autorização
O que é o electrão? 

Um século depois do físico dinamarquês Niels Bohr o ter imaginado como satélite do protão no átomo de hidrogénio, a nossa percepção do electrão continua a evoluir e a complicar-se misteriosamente. Descoberto como partícula em 1897 por Joseph John Thomson, foi confirmado experimentalmente que se propaga como uma onda (de De Broglie), pelo seu próprio filho George Thomson e, independentemente, por Davisson e Germer, (1927), em experiências de difracção.

Para todos os efeitos práticos, o electrão é uma partícula pontual (sem estrutura), com um momento angular intrínseco, o spin, e com massa e carga eléctrica. O spin do electrão contém em si vários mistérios. É hábito considerar que o spin do electrão corresponde a um movimento de rotação em torno de si próprio, o que, pelo facto de ter carga eléctrica, daria origem a um momento angular intrínseco e respectivo momento magnético.

Só que, os valores desse momento angular, medidos segundo qualquer direcção arbitrária, são metade do que seria de esperar se o spin fosse um verdadeiro momento angular. Por isso se diz que o spin do electrão é 1/2. Seria como se o electrão precisasse de dar duas voltas completas em torno de si próprio, para voltar à mesma configuração, o que não acontece a qualquer objecto comum, que apenas precisa de dar uma volta completa (i.e., de 360º).

O mais estranho ainda, é que, em muitas circunstâncias, se põe o problema de saber se a componente do spin segundo uma dada direcção existe a priori — se é uma grandeza física, antes de ser medida. O que se sabe é que quando é medida segundo uma dada direcção, seja ela qual for, dá um dos valores +1/2 ou -1/2. Parece, portanto, que neste e noutros casos da teoria quântica se põe em dúvida a existência de uma realidade a priori.

Há uma outra questão filosófica que se põe na teoria quântica e que é a questão da identidade das partículas elementares como o electrão. Essa questão é, não só, filosoficamente relevante, mas também, crucial na física, pois a entidade matemática, ou seja, a função de onda, que descreve, por exemplo, um par de electrões, tem de reflectir o facto de que os dois electrões do par não se distinguem um do outro, e podem estar constantemente a ser trocados.

A função de onda para o par de electrões emparelhados é uma soma, ou sobreposição, das duas possibilidades do spin. Além disso, a sobreposição é tal que a função de onda do par muda de sinal quando se trocam os dois electrões. Diz-se que os dois electrões estão entrelaçados, ou, se se preferir, entangled, termo inventado por Schrödinger para significar que o nosso conhecimento sobre um dos membros do par está inextricavelmente ligado ao conhecimento sobre o outro. A anti-partícula do electrão é o positrão, que tem carga positiva e a mesma massa.

Quando um positrão colide com um electrão a baixas energias, aniquilam-se e há emissão de raios gama. No entanto, se as colisões electrão-positrão forem a muito alta energia, são produzidos feixes de muitas outras partículas, como quarks, gluões, muões, leptões tau, fotões e neutrinos. Tais experiências foram feitas no Large Electron–Positron (LEP) um acelerador no CERN, em Geneva, instalado onde agora está o Large Hadron Colider, no qual foi detectado o que se pensa ser o bosão de Higgs.

A complexidade do electrão só é revelada quando se fornece energia suficiente para separar os pares electrão-positrão e que é, pelo menos, 1 megaelectrão volt (equivalente a uma temperatura da ordem de 10 mil milhões de graus). Os mais imponentes objectos constituídos por electrões são as estrelas anãs brancas. O nosso Sol converter-se-á numa anã branca daqui a cerca de cinco mil milhões de anos, quando se extinguir o seu combustível nuclear e colapsar, tornando-se numa esfera com o tamanho da Terra, mas um milhão de vezes mais densa.

O comportamento colectivo dos electrões é também estranho. A acção colectiva pode fragmentar a carga eléctrica dos electrões, em fenómenos que ocorrem em semicondutores a baixas temperaturas e sujeitos a campos magnéticos, dando origem ao chamado efeito de Hall quântico fraccionário — as correntes eléctricas geradas revelam a presença de partículas em que a carga eléctrica é uma fracção da carga do electrão.

Os electrões também perdem a sua identidade individual nos materiais supercondutores. No estado supercondutor, ou seja, abaixo da temperatura crítica, as vibrações dos átomos entram em acção e ajudam os electrões a formar pares, de spin zero, que se comportam como bosões, que não obedecem ao princípio de exclusão de Pauli. Abaixo da temperatura crítica, os electrões que estavam nos últimos níveis de energia do estado normal, vão todos atrás uns dos outros para o estado supercondutor, como carneiros quânticos — onde está um, querem estar os outros.

E como esse nível pode conter todos os pares de electrões que houver, quando se aplica um campo eléctrico, eles vão deslocar-se sem resistência. O que é afinal um electrão? Um electrão é uma partícula e uma onda; é simples e incrivelmente complexo; é compreendido com enorme precisão e absolutamente misterioso; é uma partícula verdadeiramente elementar e, no entanto, susceptível de decomposição. Nenhuma resposta faz justiça à realidade.

A questão da existência de uma realidade física objectiva no mundo quântico é um problema importante e não resolvido. Foi essa a questão posta num célebre artigo de Einstein, Podolsky, e Rosen com o título ”Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?” ("Pode a Descrição da Realidade Física pela Mecânica Quântica ser Considerada Completa?”) publicado na Physical Review em 1935, e que é conhecido na gíria por paradoxo de EPR. 

Foi na sequência desse artigo que Schrödinger publicou, poucos meses depois, um artigo não menos famoso, intitulado "A Presente Situação da Mecânica Quântica" no qual descreve uma experiência imaginária, cujo resultado parece um paradoxo — o célebre paradoxo do gato de Schrödinger". 

Luís Alcácer

domingo, 14 de julho de 2013

"A educação é a única solução, a educação primeiro"

Conheci Malala Yousafzai no ano passado, tinha ar de menina, agora tem ar de rapariga, mas a delicadeza e a serena determinação mantêm-se.

Malala vive num lugar do mundo onde a educação se encontra refém de quem quer impôr o seu poder. Sabemos bem que quando isto acontece, quando se quer impôr o poder, à força ou não, uma das primeiras coisas que se faz é fecharem-se as escolas ou decretarem-se novos currículos e regras...

Mas, também é certo que, em geral, nessas circunstâncias, confirma-se o que Manuel Alegre escreveu num poema-canção: "há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não". Malala , resistiu, disse não... E é tão jovem.

Tão jovem, que as suas palavras simples, por serem suas e por serem simples, parecem estranhas: "estou aqui para defender o direito à educação para todas as crianças (...) Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo".

Há seres iluminados e Malala Yousafzai é um deles.

(Pode o leitor ter acesso ao discurso que fez na ONU aqui).


sábado, 13 de julho de 2013

Demokratia

"Portugal's political crisis has taken a turn for the worst thanks to it's own President"
Reuters - 2012/07/11

A democracia é a solução óptima encontrada pelo desenvolvimento humano para a organização política das sociedade. As sociedades assim organizadas dominaram as outras porque são mais seguras do ponto de vista económico. É um facto bem conhecido que a único mitigante de risco efectivo é a diversificação e um regime que se organiza em função da diversificação e da pulverização das opiniões está muito mais protegido dos imponderáveis que um em que exista uma "unanimidade".  Desta forma, as democracias são entidades económicas muito mais eficientes e, daí, o seu sucesso na sociedade humana.

Como unanimidades não existem entre seres humanos, são unanimidades prácticas, isto é privam-se as pessoas de fazerem valer a sua opinião na prática. Ou com formas mais radicais em que existe a proibição de emitir uma opinião, ou, caso mais comum, todo o processo de decisão é cumprIdo mas sem consequências, como acontece em inúmeros países com eleições "controladas". Assim, economicamente, é fundamental que a opinião de cada um, por mais absurda que possa parecer ou menos informada seja, seja colocada como parte da decisão colectiva. A história está repleta de déspotas iluminados que arrastam países remediados para países paupérrimos.

Isto tudo vem na sequência deste post que fiz antes da abertura dos mercados e depois do discurso de Cavaco Silva. A resposta dos mercados ( recordava as pessoas que os mercados somos nós) não podia ser mais clara. Depois de uma incompreensão inicial devido à pouca clareza do discurso,  a perspectiva dos mercados face a Portugal tornou-se bem pior que a pior perspectiva da semana anterior. Não porque o estado português se torne de repente um estado rebelde que deixa de pagar a dívida porque lhe apetece, mas porque economicamente o país tem hoje menos valor hoje que tinha na passada quarta-feira à tarde. 

Porquê? A minha explicacao é que a democracia portuguesa tem uma falha na colocação da opinião de cada um nas decisões do colectivo. Essa falha está na possibilidade do presidente da república poder ultrapassar o âmbito da sua acção para condicionar as escolhas do colectivo em termos de governação ao ponto de, nem a respeitar, nem a devolver. Nem aceitar a escolha dos representantes do povo, nem devolver a escolha ao povo. Isso é uma forma de "unanimidade" escondida. Alguém que foi escolhido pelo voto, fazer da sua opinião a opinião do colectivo, embora não tenha sido para tal mandatado. Economicamente, isto é muito pior que qualquer uma daquelas hipóteses, muito pior que eleições legislativas antecipadas e, claro, muito pior que aceitar proposta dos representantes democraticamente eleitos.  Os mercados estão carregados de razão e muita gente deve ter desfeito os seus investimentos em Portugal e para os fazer em ambientes mais seguros. Tomara eu ter sido avisado antes...

Esta é a análise  mais fria que alguém que tem boa parte da sua vida investida em Portugal consegue ter nesta fase. Do ponto de vista económico, eu concordo com muita gente que diz que não se deve obedecer aos mercados, mas deve-se ouvi-los. E aquilo que os mercados nos disseram foi: não façam legislativas antecipadas, façam presidenciais!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Impostos e injustiça

O leitor nunca se perguntou por que razão a legislação tributária é tão, tão complexa, que quem paga tudo isso -- nós -- não conhecemos os seus meandros? Nunca se perguntou por que razão só quem tem tanto dinheiro que pode pagar a um contabilista profissional consegue usar todos buracos legais para pagar menos impostos? Nunca se perguntou como é possível permitir que um país democrático, supostamente feito a pensar na justiça, use o que mais importa à generalidade da população, que é o seu dinheiro, para fazer o que interessa sabe-se lá a quem mas não à população? Pois é. E que tal se a legislação tributária fosse simples e transparente, e sem as mil excepções, que permitem quem mais ganha pagar menos? Sabe o que aconteceria? No nosso país, não sei; mas nos EUA, onde a pressão dos impostos é muitíssimo menor, a simplificação e o fim das excepções labirínticas significa isto: arrecadando o estado a mesma tributação, as pessoas comuns pagariam menos 44% de impostos. Em Portugal, os números devem ser bastante superiores. Mas, enfim, não sonhemos com um país tributariamente justo, até porque quem mexe nessas leis é precisamente quem tudo tem a ganhar com o labirinto das excepções opacas ao cidadão comum. Mas leia-se este artigo, para fazer pensar.

Humanidades e desenvolvimento

A Universidade de Oxford acaba de divulgar aqui um estudo importante sobre o impacto económico do estudo das humanidades. O estudo parece mostrar que, além evidentemente do valor intrínseco que tem o estudo das humanidades, os graduados nestas áreas contribuem de maneira importante para o crescimento económico. Uma boa notícia, certo?

Errado.

Uma má notícia. Porque confirma que, quando se trata de defender o seu tacho, mesmo os investigadores mais honestos perdem as estribeiras. Ao ler o artigo percebemos duas coisas importantes, e que são de fazer qualquer observador imparcial ficar logo de pé atrás quanto à honestidade deste estudo.

Primeiro, o Professor West, responsável pelo estudo, começa por declarar que "a necessidade de demonstrar o impacto e valor do estudo das humanidades na economia e na sociedade intensificou-se durante a recente crise económica". Ou seja, encomendamos um estudo a uma companhia de tabaco para mostrar que afinal o tabaco até faz bem? Qualquer pessoa que não seja completamente parva vê que um estudo que visa provar X e que é conduzido por quem tem tudo a ganhar que realmente "prove" X tem uma probabilidade tão elevada de ser uma completa fraude académica que é quase uma certeza. Oh, eu não duvido que tenha todas as marcas superficiais da seriedade e objectividade académica. Mas isto também nós encontramos nos estudos espíritas, homeopatas, astrológicos, numerológicos e criacionistas. A criatividade humana não tem limites, no que respeita à aldrabice.

Segundo, no final do artigo o Professor West especifica melhor qual é o impacto económico positivo do estudo das humanidades: "Qualquer pessoa que tenha escrito uma análise crítica da República de Platão em menos de mil palavras" está mais bem capacitada para responder ao que os empregadores procuram, que são pessoas com "competências sucintas e persuasivas de comunicação escrita e verbal, e capacidade de análise crítica e de síntese". Como deveria ser evidente, isto é como defender que toda a gente deve treinar halterofilia durante três anos, porque depois quando se vai trabalhar na sapataria temos mais força para arrumar as caixas das botas mais pesadas. Fora de brincadeiras, é evidente que se essas são as competências que os empregadores procuram e as pessoas querem, há maneiras muito mais directas e eficientes de as ensinar, em vez de instrumentalizar o pobre Platão.

A situação do mundo contemporâneo, com classes profissionais muitíssimo bem colocadas politicamente para conseguir o dinheiro dos impostos dos outros para fazerem o que lhes interessa a eles mas não a quem paga a despesa, é certamente insustentável. É um pouco como a escravatura no séc. XVII: é evidente que é uma vergonha, mas muita gente ganha com o negócio, sobretudo as pessoas mais próximas do poder, e quem mais perde com o negócio está tão longe do poder que é como se não existisse. Mas eu preferiria que ao menos se fizesse um silêncio recatado, em vez de se tentar atirar areia para os olhos dos outros, ao mesmo tempo que se prostitui a objectividade do estudo académico. Se para defender o meu tacho eu tenho de mentir descaradamente, prefiro mudar de profissão e ir vender cuecas para a porta do Coliseu.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Perdão??


Na sequência deste post do Carlos e algumas horas antes da abertura dos mercados, acho que nunca na minha vida "consciente" um presidente da república mostrou tão vincadamente a importância do cargo e o cuidado que deveríamos ter colocado na escolha de quem o ocupa.

O Átomo de Bohr

Para desenvolver o seu modelo do átomo, Bohr seguiu uma analogia com a teoria da radiação de Max Planck (à direita). Reproduzido de Nature, Vol. 498 (2013), 30, com autorização.

Faz agora cem anos que Niels Bohr apresentou o seu modelo do átomo, que ficou na história como uma das mais importantes contribuições para o conhecimento científico moderno.

Na primeira parte de um artigo publicado no Philosophical Magazine em Julho de 1913, Bohr começa por dizer que a teoria da electrodinâmica clássica não é adequada para explicar as propriedades dos átomos e sugere um modelo simples para o átomo de hidrogénio que consiste num núcleo de muito pequenas dimensões carregado positivamente e um electrão que descreve órbitas fechadas à sua volta. 

Como chegou Bohr, com apenas 27 anos, a este modelo?

Após o seu doutoramento na Universidade de Copenhaga,  defendida a 13 de Maio de 1911, Niels Bohr foi para a Universidade de Cambridge fazer um estágio de pós-doutoramento com Joseph John Thomson, famoso por ter descoberto o electrão em 1897 e prémio Nobel de Física em 1906.

As relações com Thomson aparentemente não foram as melhores. Bohr tinha, na sua tese, apontado erros nos artigos de Thomson e Thomson estava preocupado com o seu modelo do átomo, proposto em 1904, que ficou conhecido pelo modelo do "pudim de ameixas", pois segundo ele "os átomos dos elementos consistiam num certo número de corpúsculos electrificados negativamente embebidos num esfera de electrificação positiva uniforme".  

Em Fevereiro de 1912 Bohr foi para o laboratório de Ernest Rutherford na Universidade de Manchester. Rutherford tinha descoberto que quando bombardeava uma fina folha de ouro com partículas alfa (radioactividade) algumas dessas partículas voltavam para trás, enquanto a maioria passava através da folha de ouro sem sofrer qualquer desvio. Rutherford concluiu dessas experiências que toda a carga positiva das esferas do modelo Thomson tinha de estar concentrada numa pequeníssima espécie de caroço, no centro do átomo.

O que despertou mais atenção nos físicos da altura foi a primeira parte do artigo em que Bohr dava uma explicação plausível do espectro do átomo de hidrogénio. 

No início de 1913, um colega perguntara-lhe o que pensava sobre a série de riscas espectrais emitidas pelo hidrogénio, para as quais Johann Jakob Balmer tinha deduzido uma fórmula empírica em 1885. Bohr respondeu que iria pensar sobre o assunto. Quando se debruçou sobre o problema, rapidamente compreendeu o que se passava, pois  por volta do Ano Novo, tinha trabalhado no seu modelo com base numa série de artigos de John William Nicholson, um físico-matemático que tinha conhecido em Cambridge. Nicholson tinha investigado o espectro solar e os espectros de nebulosas, e nos seus cálculos tinha concluído que o momento angular de cada electrão que rodava na sua órbita era sempre um múltiplo da constante de Planck a dividir por 2 vezes pi. Foi essa ideia a chave que Bohr introduziu no cálculo dos valores da energia do electrão. 

Hoje percebe-se o alcance desta descoberta: significa que o electrão se move à volta do núcleo como se fosse uma onda com um comprimento de onda que é necessariamente um sub-múltiplo do dobro do perímetro da órbita, como aconteceria com um anel que vibrasse — as vibrações, ou oscilações do anel só podem ter comprimentos de onda que sejam fracções simples do dobro seu perímetro, como acontece numa corda esticada entre dois pontos fixos. Mas só em 1923, dez anos depois, Louis De Broglie deduziu que os electrões e todas as outras partículas se movem como se fossem ondas. Com esse conhecimento é fácil agora chegar às conclusões a que Nicholson e Bohr chegaram em 1913.

O que é importante recordar é que Bohr imaginou o átomo como sendo formado por um pequeno núcleo com carga eléctrica positiva rodeado por um ou mais electrões que se moviam em órbitas ditas estacionárias, como numa espécie de sistema planetário com os planetas em órbita à volta do sol. Para fugir à ideia de que um electrão em movimento emite energia electromagnética e cairia rapidamente sobre o núcleo, imposta pela teoria clássica, Bohr postulou que os electrões em órbitas estacionárias não obedecem às leis da electrodinâmica clássica. Admitiu ainda que os electrões em estados excitados de energia mais elevada, "saltariam" espontaneamente dos estados estacionários de energia mais alta para estados de menor energia, emitindo luz sob a forma de quanta cuja energia era proporcional à constante introduzida por Planck em 1900.  

Curiosamente, a fórmula de Balmer para as riscas do espectro do átomo de hidrogénio contém uma das constantes físicas hoje conhecidas com maior precisão e que é a constante de Ridberg com o valor
            R = 10 973 731,568539 por metro.
 

Espectro do hidrogénio. Os electrões saltam entre níveis de energia, ou órbitas, emitindo luz com frequências que correspondem às diferenças de energia entre esses níveis. A série de riscas espectrais de Balmer, corresponde a transições entre o segundo nível e os níveis superiores. Em cima vêem-se as riscas do espectro do hidrogénio com as cores que correspondem aos vários comprimentos de onda e, em baixo, um esquema do átomo de Bohr, em que se indicam algumas das transições.  

Luís Alcácer

“GEOPOEMA”

Distribuição dos epicentros dos sismos históricos e instrumentais na envolvente
da Península Ibérica (in J. Cabral 1993)
Num artigo publicado online pela revista Geology, em Junho de 2013, dá-se conta da recente descoberta, ao largo da costa de Portugal, de uma possível zona de subducção nas suas primeiríssimas fases de formação.

Tal significa que daqui a uns 200 milhões de anos, o Oceano Atlântico poderá vir a desaparecer e que as massas continentais da Eurásia e da Laurência se voltarão a juntar num novo supercontinente. Neste trabalho, assinado por João Duarte, geólogo português a trabalhar na Universidade de Monash, na Austrália, e a sua equipa, juntamente com António Ribeiro e Filipe Rosas, da Universidade de Lisboa, Pedro Terrinha, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, e, ainda, Marc-André Gutcher, da Universidade de Brest (França), são revelados os primeiros indícios de transformação da margem sudoeste ibérica (uma margem passiva, do tipo atlântico) numa margem activa, do tipo pacífico.

Há mais de três décadas, em 1979, no 1.º Encontro de Geociências, reunido em Lisboa, António Ribeiro, surpreendeu os presentes, ao apresentar a comunicação a que deu o nome de ”Geopoema”. Numa antevisão notável, este geólogo que, já então, se distinguia entre os seus pares pela excelência do trabalho que produzia, anunciava que o Atlântico iria começar a fechar, que, daqui a uns milhões de anos, engoliríamos os Açores e, que, passados mais um ror deles, a Eurásia cavalgaria a América do Norte, imaginando, em jeito de brincadeira, “a estátua do Marquês do Pombal sobre a estátua da Liberdade”.

A M Galopim de Carvalho
Lisboa, 10. 07.2013

CONSCIÊNCIA E PODER


Minha crónica no Público de hoje:

Não se sabe que raio de sol, num destes dias de canícula, bateu na moleirinha do ministro Paulo Portas para que ele, invocando a consciência, se tenha demitido de forma “irrevogável”. O certo é que algum arrefecimento nocturno levou a que, no dia seguinte, já não estivesse demissionário, mostrando que as palavras tanto saem como entram da boca de certos políticos portugueses. Ao dar o dito por não dito Portas descredibilizou-se completamente, arrastando com ele a depauperada política portuguesa. A sua consciência actual não é a mesma que antes? O que pensou depois que não pudesse ter pensado antes? Se já pouca gente acreditava em Portas, hoje menos acreditam. Se poucas pessoas achavam credíveis os políticos portugueses contemporâneos, esse conjunto é hoje quase vazio.

Graças ao capricho de Portas hoje a astrologia substituiu a politologia. Tal como os horóscopos, as decisões dos políticos nacionais podem ser ou podem não ser. Avisado foi o ministro da Presidência e porta-voz do governo à espera de remodelação, Luís Marques Guedes, que, inquirido no final do último Conselho de Ministros sobre se era a última vez que aquele Conselho reunia, respondeu: “Essa é uma pergunta que deve fazer aos astros. Eu não tenho nenhuma indicação para que possa responder a uma coisa dessas.” E, perante a insistência dos jornalistas que queriam saber se na próxima semana iria haver uma reunião normal do Conselho, ele manteve-se firme: “Não faço ideia.”

De facto, o método recomendado por Marques Guedes teria dado bom resultado se o seu colega de gabinete a ele tivesse recorrido. Se Portas tivesse consultado as cartas de Maya para a semana de 30 de Junho a 6 de Julho teria sabido que o seu signo, Virgem, estava sob a égide da temperança: “Não cometa excessos esta semana. (...) não decida apenas com o coração.” Mas fez tudo ao contrário, seguindo quiçá algum tarólogo estrangeiro. Em breve Portas vai ser vice primeiro-ministro (adivinha-se o telefonema: “Mãe, sou vice primeiro-ministro!”) e só talvez uma incrível conjugação do zodíaco desconhecida de Maya e só conhecida dos maiores magos mundiais consiga explicar a sua extraordinária ascensão no poder às custas da própria consciência.

Falando a sério, que a situação é séria. Ao acumular a vice-presidência do Conselho de Ministros com a coordenação económico-financeira, a ligação à troika e a reforma do Estado, e ao conseguir para o CDS-PP a pasta da Economia, terá lugar uma perversão da democracia, pois dará a um partido que tem 11,7 por cento dos votos uma influência desmesurada no futuro do país. O fenómeno, apesar de exacerbado aqui e agora, não é inédito. Trata-se do problema que a ciência política designa por “poder desrazoável” do terceiro partido. Na Alemanha os liberais (FDP) foram sempre o terceiro partido entre 1949 e 1994, sem nunca terem alcançado uma votação superior a 12,8 por cento. Coligaram-se quer à direita, com o CDU-CSU, quer à esquerda, com o SPD. Na maior parte desse período, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão foi, por isso, sempre um liberal. No actual governo alemão, chefiado por Angela Merkel, o FDP, que teve uns anómalos 14,6 por cento nas eleições de 2009, detém as pastas de Vice Chanceler e Economia, Negócios Estrangeiros, Justiça, Saúde e Cooperação Económica. Contudo, envolto em profundas contradições, tem caído em desgraça, afundando-se em sucessivas eleições estaduais. As sondagens dão-lhe hoje menos de cinco por cento no país quando as eleições federais são já em 22 de Setembro. Abaixo dessa barreira nem sequer entram no Bundestag.

A vitória de Portas é de Pirro, um pouco como o balão dos liberais na Alemanha que encheu antes de esvaziar. Nas próximas legislativas, sejam estas quando forem, o CDS-PP descerá decerto, dada não só a falta de credibilidade do seu líder como a impossibilidade prática de ele cumprir as mudanças que promete. Será que vai fazer a reforma do Estado que não fez até agora? Será que ele vai conseguir o milagre da recuperação económica? Segundo a Eurosondagem o CDS-PP tem hoje 7,7 por cento dos votos, acompanhando a vertiginosa queda do PSD. Não passa do quinto partido. Na mesma sondagem, e como seria de esperar, o PS é, de longe, o partido mais votado. O semi-líder do Bloco de Esquerda até já se ofereceu ao PS para ministro de qualquer coisa. Na política à portuguesa, como bem mostra o caso Portas, a consciência é facilmente trocada pelo poder. Vamos ver onde estará a consciência de António José Seguro se e quando ele chegar ao poder. Tem escolhas a fazer para formar governo nas quais devia pensar já hoje. Face a um novo resgate, que a extrema esquerda não aceita, e perante as exigências dos credores, poderá ter de fazer uma grande coligação com o segundo partido, deixando de lado os pequenos partidos. Mas fá-la-á?

terça-feira, 9 de julho de 2013

Poesia Absorta




Dois poemas: o primeiro, do italiano Eugenio Montale, expondo todas as suas dúvidas e estranhezas sobre a origem do universo, não excluindo a mais inusitada, a humana; e o segundo, de Nuno Júdice, questionando o mistério dos ciclos perenes, em paralelo com o mutismo da mulher, que lhe enche o copo de acordo com a lei da gravidade.
Big Bang Ou Outra Coisa
Parece-me estranho que o universo
tenha nascido de uma explosão,
parece-me estranho que se trate afinal
do formigueiro de uma estagnação.
Ainda mais incrível que tenha saído
da varinha mágica
de um deus que tem caracteres
espantosamente antropomórficos.
Mas como se pode pensar que tal maquinação
esteja a cargo de quem seja vivente,
ladrão e assassino até que se queira mas
sempre inocente?
Em “Caderno De Quatro Anos”


POEMA 
Penso na repetição que
se verifica no movimento das marés
e das luas. Existem
ciclos, como círculos, que
são previsíveis e perfeitos. Mas,
apesar disso, têm
um mistério que nem os iniciados
resolvem. Por que terá tudo de ser
assim, desde a origem até ao
fim dos tempos? Não me respondes; nem
eu esperava que tivesses a resposta,
enquanto me enchias um copo,
de acordo com a lei da gravidade.
Em "Meditação sobre Ruínas"

segunda-feira, 8 de julho de 2013

DOCUMENTÁRIO: A HISTÓRIA DE UM ERRO


Estreou ontem no Teatro Municipal de Vila do Conde, no âmbito do 21.º Festival de Curtas, o documentário “A história de um erro”. Nas palavras da autora, Joana Barros, publicadas no sítio da Associação Viver a Ciência e aqui reproduzidas com a devida vénia:

"Este documentário revela alguns dos complexos aspectos individuais e sociais associados à Polineuropatia Amiloidótica Familiar Tipo I (PAF), também conhecida como "Doença dos Pezinhos", procurando aliar a transmissão de conhecimento científico à dimensão histórica e ao valor humano desse conhecimento.

A PAF é uma doença hereditária particularmente prevalente no norte de Portugal e não tem cura. Cada portador tem 50% de probabilidade de transmitir a doença a cada um dos seus descendentes. Os sintomas manifestam-se geralmente na terceira década da vida e sem uma intervenção médica atempada, ela própria acarretando os seus riscos, os pacientes perdem progressiva e irreversivelmente a sua autonomia. Se deixada a seguir o seu curso natural, a PAF conduz à morte em dez anos depois de se manifestar.

Este era o destino inelutável de qualquer doente com PAF até há vinte anos atrás, mas importantes conquistas científicas e médicas vieram alterar radicalmente as suas perspectivas. Desde Corino de Andrade que descreveu a doença pela primeira vez, passando por Pedro Pinho Costa e Maria João Saraiva que destrinçaram as suas bases moleculares até Filipa Carvalho e Alberto Barros que desenvolveram um método de diagnóstico pré-implantação que permite aos portadores de PAF ter filhos sem o gene mutado."

LER +, LER MELHOR: PIPOCAS COM TELEMÓVEL

Edição do programa da RTP Ler+, Ler Melhor acerca do livro Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência, da autoria de David Marçal e Carlos Fiolhais.

Para ver aqui.

domingo, 7 de julho de 2013

Porquê ler os clássicos?

A realidade, onde a condição humana se manifesta, é de uma colossal monotonia: independentemente dos tempos e dos lugares, os golpes palacianos, as traições, as mistificações, as subserviências, as alianças de conveniência… – isto na sua face mais negra que, felizmente, não é a única – repetem-se da mesma forma, convocam os mesmos protagonistas, têm as mesmas consequências.

Por isso, ler os clássicos, aqueles-que-têm-lá-tudo, não nos ajuda por aí-além a mudar a realidade, mas ajuda-nos, ao menos, a percebe-la um pouco melhor. E, sobretudo, poupa-nos horas e horas de televisão, de jornais e de conversa que não conduz a lado algum… Quem quiser saber o que se passa no nosso país, leia, por exemplo, Shakespeare… é literatura de encher a alma!

Tiago Bartolomeu Costa, numa crónica admirável, saída no passado dia 3 no jornal Público, faz um paralelismo entre a nossa actual tragédia, como país, e a tragédia de Hamlet…

Não deixe de ler ou reler tanto a crónica como... a obra.

Matemática como embrulho de uma tragédia


O teorema de Bayes é uma peça importantíssima da matemática. Ele estabelece a forma como o conhecimento nos ajuda a eliminar as incertezas. Formalmente, define o conceito de probabilidade de um evento condicionada ao conhecimento da probabilidade de um outro evento. Por exemplo, se soubermos que um bebé vai nascer daqui a um minuto, temos um valor de probabilidade de ele nascer louro. Mas se ambos os pais forem louros, a probabilidade condicionada a esse conhecimento já nos dá um valor "mais certo".

O que é que isto tem a ver com o embrulhos e tragédia? Primeiro temos que entender a gestão de crédito. Para os bancos emprestarem dinheiro para pequenos créditos, como crédito à habitação, a conta que fazem é relativamente simples. Juntam os créditos numa carteira em que sejam mais ou menos iguais em montante e destino. Sabem que desses clientes vão existir alguns que não vão conseguir pagar o empréstimo até ao fim, faz parte do negócio. Importante é que o lucro obtido com os demais clientes que pagam seja suficiente para cobrir o empréstimo daqueles que não pagam e pagar o serviço (é daqui que se define a taxa de juro do empréstimo).

Assim, torna-se particularmente importante saber quanto é que se prevê perder em empréstimos cujos clientes não têm possibilidade de pagar. Matematicamente, fazem-se algumas simplificações. Primeiro, admite-se que a probabilidade de um cliente incumprir é uma distribuição normal com um dado desvio padrão(*).

Depois, admite-se que a distribuição do montante perdido em cada incumprimento é independente do evento do incumprimento em si. A perda no incumprimento é a razão entre aquilo que se consegue cobrar ao cliente ( hipotecas, outras garantias) e aquilo que o cliente deve. A média da distribuição do incumprimento, multiplicado pela perda no incumprimento, dá-nos a perda esperada e esta dá o spread que peço aos clientes que se segmentem nessa carteira(**).

Fácil, não é? Ora vamos pegar na segunda componente do risco, a perda no evento do incumprimento. Como os clientes entregam a casa como garantia do empréstimo, é só conhecer quanto vale a casa, isto é, a distribuição dos preços. Ora, vamos aplicar uma técnica chamada de inferência bayesiana, ou estatística bayesiana. Então partimos de uma distribuição uniforme, i.e., a probabilidade de perdermos tudo, parte ou nada é exactamente igual. E chamamos a essa distribuição de probabilidade "a priori" . Vem um novo evento de preço que nos traz mais conhecimento que tínhamos antes e vamos obter uma probabilidade de perda condicionada a esse novo conhecimento, a chamada probabilidade "a posteriori".

E assim sucessivamente, acumulando conhecimento e tento uma avaliação cada vez mais correcta. Certo? Errado! Quando assumimos que a a distribuição "a posteriori" é uma medida de probabilidade, isto é, com soma total igual a um, quando subimos a probabilidade de um evento, baixamos a probabilidade dos outros. Como nos Estados Unidos a evolução do preço das casas foi sempre a subir durante décadas, a probabilidade de descida era, na práctica, zero. Ora se a perda no incumprimento é zero, a probabilidade de incumprir pode ser tendencialmente um.

Ou seja, pode-se emprestar a quem se quiser que não há maneira de se perder dinheiro! Matematicamente, a crise do subprime nunca aconteceu. Então, saber nada era menos gravoso que saber alguma coisa? Na verdade, a validade da inferência bayesiana é tão apertada em pressupostos que a sua aplicabilidade fica reduzida a quase nada, mas é um papel de embrulho fantástico. E, como diz com propriedade o filosofo matemático trader NN Taleb, nós comemos tudo desde que venha embrulhado em sofisticação matemática. Hoje pensamos como é que é possível que se assuma tamanha estupidez, mas a verdade é que a matemática era "imbatível".

Todas as agências de rating(***) classificaram estas carteiras com AAA, não há risco mais baixo. Todos os reguladores do mundo as consideraram sem risco, incluindo o banco de Portugal e todos os auditores consideraram-nas excelentes investimentos. É possível então enganar toda a gente ao mesmo tempo, só precisamos de um embrulho fantástico e não há embrulho como a matemática. Com má matemática vende-se de tudo. A desonestidade, a causa que toda a gente gosta de apontar no caso do subprime, só serve para enganar alguns durante algum tempo e mesmo assim andam a enganar-se uns aos outros.

E não digo isto apenas por causa dos acontecimentos nacionais da semana.

(*) que deveria ter a ver com a correlação entre os vários devedores, mas isso é demais para o regulador/auditor típico, mas a normalidade já é um erro suficientemente grande
(**) decisões do tribunal contra os bancos vão cair inteirinhas nos spreads do novos clientes. Ou pensavam que saiam de borla?
(***) Aquelas de quem os professores de Coimbra fizeram queixa ao ministério público. Como andarão as investigações?

sábado, 6 de julho de 2013

CIÊNCIA E DEMOCRACIA


Artigo de Filipa Melo no "Sol" sobre o n.200 da colecção Ciência Aberta da Gradiva. Clicar para ler melhor.

CIÊNCIA ABERTA: 200 LIVROS A LUTAR PELA VERDADE

Artigo de Nicolau Ferreira saído no Público de ontem, para o qual prestei declarações:


É um marco na colecção da Gradiva: 200 obras publicadas e um passar de testemunho. Carlos Fiolhais é agora responsável pela edição substituindo Guilherme Valente, o fundador da editora.

Os livros ficam. Esse é um dos valores da edição, o da permanência, um lugar numa estante das bibliotecas. Lá, pode-se voltar a encontrar Cosmos de Carl Sagan, Um pouco mais de azul, de Hubert Reeves ou Breve história do tempo de Stephen Hawking. São três obras da colecção Ciência Aberta da editora Gradiva, clássicos de divulgação científica em português que podem ser lidos por todos. É isso que Carlos Fiolhais, físico e professor na Universidade de Coimbra, lê no nome criado há 31 anos por Guilherme Valente, fundador da Gradiva. A ciência aberta é a “que convida a entrar”, diz o novo responsável pela colecção que comemorou em Maio o número 200.

A primeira escolha de Carlos Fiolhais para a série — o número 201 — é um livro antigo para um tema actual. Como Mentir com a Estatística, de Darrell Huff , uma obra de 1954, mostra que “por de trás da palavra ‘média’ ou ‘desvio’ estão as coisas mais assombrosas”, diz Fiolhais, e explica como a estatística é usada para mascarar logros. “A ciência é um desejo imparável do Homem, há tanta ou mais necessidade de a compreender do que há 30 anos. Não penso que haja um esmorecimento pelo desejo do seu conhecimento”, defende Carlos Fiolhais.

Mas nem tudo vai bem no mundo da divulgação científica, basta ver a redução do número de cópias dos novos livros da colecção. Para Guilherme Valente isto mostra um problema que não é de hoje. “Somos uma sociedade muito pouco informada pelos valores da cultura científica. E nesse sentido, a colecção não realizou uma das principais motivações que determinou a sua criação”, explica ao PÚBLICO Guilherme Valente, que em 2012 foi distinguido, juntamente com a Gradiva, com o Grande Prémio Ciência Viva pelos 30 anos da colecção Ciência Aberta, um galardão atribuído pela organização Ciência Viva.

Que valores são esses que a ciência se rege? Rigor, a procura da verdade, o combate à ilusão, o reconhecimento do mérito, o não elitismo. “A ciência implica muito trabalho, leitura, muito rigor. Isso são qualidades que acho que não estão muito presentes no nosso quotidiano”, critica o editor, que quis depois do 25 de Abril inverter esta situação nacional.

É preciso voltar ao início da década de 1980, para relembrarmos o contexto em que nasceu a Gradiva, em 1981, e a colecção Ciência Aberta, em 1982. Sete anos depois da Revolução dos Cravos e de acordo com os Censos, 36,9% da população não tinha qualquer escolaridade e Nicolau Ferreira 38,8% só tinha a escola primária. Trinta anos depois ainda há 10,4% de pessoas em Portugal que nunca foram à escola e 27,2% que só têm a primária. Em 1981, apenas 2,1% fez a licenciatura, em 2011 o número sobe para 13,8%.

Não é de estranhar, por isso, que a ideia de Guilherme Valente de editar uma colecção de livros científicos num país tão pouco escolarizado tenha causado incredulidade. “Toda a gente achava que era um disparate começar a colecção. Não havia tradição neste domínio e as pessoas achavam que não havia leitores”, lembra o editor. Mas os leitores apareceram. Guilherme Valente “teve uma intuição incrível”, diz Carlos Fiolhais. “A colecção criou o seu próprio público. Havia uma quantidade de jovens, professores, cidadãos que não tinham acesso a estes livros e de repente descobrem os grandes autores da ciência numa só colecção”, acrescenta o físico.

Com o arranque, a série acabou por cumprir vários objectivos de Guilherme Valente: despertou muitas vocações em jovens daquela altura, teve produção portuguesa — o 11.º volume é assinado pelo físico e divulgador de ciência Jorge Dias de Deus com o título Ciência, curiosidade e maldição —, e alguns livros de autores portugueses chegaram a ser publicados no estrangeiro, o que mostrou o “prestígio da colecção e a credibilidade da Gradiva”, sublinha Guilherme Valente.

Mesmo o objectivo principal de aumentar a cultura científica para promover o desenvolvimento do país e regar a sociedade dos valores da ciência teve um sucesso parcial no início. Os jovens descobriram estes livros e acabaram por fazer com que os pais também se interessassem pelos temas, refere o editor que é licenciado em filosofia. ´

Terrível regressão

“A minha entrada na colecção foi como leitor”, lembra Carlos Fiolhais. “Venho da Alemanha em 1982 [onde fez o doutoramento] e vejo aqueles livros e penso ‘tão interessante’ e até proponho títulos”, diz o físico que também faz divulgação de ciência e é autor de algumas das obras da série. A colecção chegou a ter vários títulos nas listas do Jornal de Notícias. Mas para o fundador da Gradiva esse impulso esmoreceu: “As tiragens de agora de qualquer livro de ciência baixaram dois terços.” O número de cópias impressas na primeira edição dos últimos cinco volumes da colecção situam-se entre os 1000 e os 1500 exemplares. Enquanto a primeira edição do Cosmos de Carl Sagan não teria uma tiragem menor do que 3000 exemplares, ao que se seguiram muitas outras edições.

 Porquê esta redução? “Houve uma regressão terrível”, responde Guilherme Valente. “Os grandes livros não são lidos porque de facto perdeu-se capacidade de ler, isso está tudo ligado à escola”, admite Guilherme Valente que também é o autor de Os anos devastadores do eduquês, editado pela Presença. “Não temos leitores porque a escola não produziu leitores. Ler é um exercício difícil. Quando aprendemos a ler vemos que isso é uma coisa que não podemos prescindir na nossa vida. Lemos um livro e apesar do que somo e do que vivemos, ficamos diferentes, ganhamos uma data de perspectivas, de interrogações”, considera o editor. “É preciso escola ensinar a ler e isso faz-se com exigência. O livro é o contrário da Internet, a Internet obriga a fazer zapping, enquanto no livro tem de se voltar a folha para trás para ler outra vez.” 

Carlos Fiolhais é mais optimista em relação à procura de livros sobre divulgação científica. “Há público, as pessoas querem saber, têm curiosidade”, refere. Mas concorda que hoje “os jovens perdem-se muito na Internet”. 

O facto é que esta mudança nos hábitos de leitura já está a pôr em causa a própria edição de novos livros. O número baixo de vendas acaba por não pagar as traduções de livros que o editor gostaria de publicar. “Estamos numa situação terrível de regressão. Porque é importantíssimo para uma sociedade ler os bons livros que se publicam em todo o mundo”, diz Guilherme Valente.

O livro que marca os 200 números e a transição de direcção da colecção, de Guilherme Valente para Carlos Fiolhais, é por tudo isto um grito de resistência. Ciência e Liberdade, Democracia, razão e as leis da natureza, de Timothy Ferris, defende que a ascensão da ciência está ligada ao iluminismo, à razão e à liberdade. E nas sociedades que não são livres, como no caso da Alemanha do Hitler, a ciência não vinga. “O livro resume de algum modo o espírito da colecção. É uma colecção de ciência ligada à sociedade e a liberdade é essencial”, explica Carlos Fiolhais, que defende que há mais liberdade e capacidade de discussão por parte da sociedade do que há 30 anos.

Apesar das difi culdades, há um acto de resistência nesta passagem de testemunho. “O Carlos esteve sempre muito ligado à colecção, é um apaixonado por este combate e achei que era altura de lhe pedir que assumisse esta tarefa que sei que é também um gosto para ele”, refere Guilherme Valente. “Sei que a colecção vai ser melhor porque o Carlos é uma pessoa fantástica.”

 De português para português

Depois da estatística, o próximo livro será sobre o mundo quântico escrito por Luís Alcácer, investigador do Instituto Superior Técnico. “Vou tentar seduzir para a escrita os jovens de 30 a 40 anos. Aqueles que foram para a ciência por causa dos livros da Gradiva”, diz Carlos Fiolhais. Um dos objectivos é a “criação de modelos”, refere o físico, para que os jovens de hoje que lerem os livros vejam que há portugueses a escreverem sobre todos os domínios de ciência, que é possível almejar qualquer profissão. “Isso cria um elo de proximidade com os leitores”, diz.

 Por outro lado, os temas quentes da ciência vão continuar a ser uma aposta. Questões como a biomedicina, a alimentação, a genética, as alterações climáticas ou o bosão de Higgs farão parte da colecção. “Gostaria de estar perto dessas questões na ciência que não podem ser misteriosas, não podem ser bruxaria”, diz Carlos Fiolhais, que defende que hoje a ciência lida muito com o invisível e as pessoas percebem que ideias “invisíveis”, como o raios-X e a medicina, o dióxido de carbono e as alterações climáticas, ou os transgénicos e a alimentação têm consequências na sua vida.

 “É por isso que Ciência Aberta é importante. As grandes questões não estão no poder dos cientistas”, reflecte Fiolhais, que se sente “aos ombros de gigantes” por continuar a colecção.

Guilherme Valente recorda da sensação que teve quando viu a capa do segundo livro da edição, Um pouco mais de azul, de Hubert Reeves — um espaço cheio de estrelas azuis: “Eu quase lhe posso dizer que aquele livro foi determinante para a criação da Gradiva e fazer a colecção Ciência Aberta. Eu quis publicar aquele livro.” O editor vai ainda mais longe na sua memória, para quando era criança e se deitava deitava com os amigos no campo a olhar para o céu estrelado, foi lá que encontrou “o sentimento de perplexidade, inquietação e curiosidade inominável”, que diz estar na origem do fascínio pela ciência e que partilha com Fiolhais.

Por todas estas razões, a colecção continua tão válida e actual e aberta como quando nasceu e por isso, como diz Guilherme Valente “vai prosseguir”.

Nicolau Ferreira

A Ciência na Primeira Globalização


Minha crónica convidada na última newsletter da FCT:


“O que hoje não sabemos, amanhã saberemos” (Garcia de Orta)
A frase de Orta encontrava-se na exposição “360º Ciência Descoberta”, na Fundação Gulbenkian, que mostrou o papel desempenhado pelos portugueses na aquisição de saber nos séculos XV e XVI. A historiografia internacional está finalmente a  reconhecer o papel de Portugal no processo que é denominado de primeira globalização, um papel durante muito tempo menorizado nos compêndios de história da ciência mundial. Sem a tecnologia e a ciência (na época a primeira de certo modo precedia a segunda, ao contrário de hoje) dos portugueses, dificilmente a Revolução Científica teria tido lugar no século XVII.
Nomes quinhentistas como Pedro Nunes, o matemático que criou a navegação astronómica, Garcia de Orta, o médico que descreveu plantas orientais de uso terapêutico, D. João de Castro, o navegador pioneiro do magnetismo planetário, e Amato Lusitano, o médico cujas observações anatómicas contribuíram para a descoberta da circulação sanguínea, merecem figurar não apenas na história nacional mas também na história mundial da ciência. O astrónomo Kepler representou o nónio de Nunes. O médico e botânico l’Écluse verteu os Colóquios de Orta (que agora fazem 450 anos) para latim, a língua franca científica da altura, e publicou-os em Antuérpia. O físico e médico Gilbert, considerado o fundador do magnetismo, referiu Nunes e Orta. O grande anatomista Vesálio citou Amato.
O mundo estava a mudar. Em 1582 entrava em vigor no mundo cristão o Calendário Gregoriano, preparado de acordo com os mais avançados conhecimentos astronómicos da época por um jesuíta alemão que tinha estudado em Coimbra, Christophorus Clavius. Nesse mesmo ano, outro jesuíta, o italiano Matteo Ricci, que também estudou em Coimbra, chegava à China, onde haveria de difundir a ciência que então emergia na Europa. No início do século XVII, em plena Revolução Científica, embora entre nós a ciência já não brilhasse como antes, ensinava-se astronomia em Lisboa no Colégio de S. Antão, por onde passaram os jesuítas que, tendo aprendido com Galileu a usar o telescópio, haveriam de levar este instrumento à China, onde tínhamos chegado em 1513, e ao Japão, onde tínhamos chegado em 1543. Nos tempos actuais de nova globalização, quando o eixo da economia mundial se vira a Oriente, convém lembrar que a Revolução Científica chegou aí por mão portuguesa. E convém também lembrar que, em Portugal, uma comunidade crescente e dinâmica investiga hoje a história da ciência.

O RODOPIO DE PORTAS


Portas está dentro do governo. Portas está fora. Portas afinal está dentro. Portas afinal talvez venha a estar fora. Alguém, incluindo o próprio, saberá onde ele está? E alguém sabe se ele estava dentro ou fora quando proibiu o avião de Morales de aterrar em Portugal?

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...