
Trancrevo o meu artigo de opinião, saído hoje "Público":
“Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações” (Fernando Pessoa, 1888-19359).
Por se tratar de um mal endémico que atinge cada vez maior percentagem da população cursada superiormente, o desemprego dos professores atinge, como tal, proporções inusitadas. Todavia, esta situação é demasiado profunda para nos atermos, apenas, aos sintomas actuais sem procurar a sua etiologia.
Façamos, portanto, um flash-back recuando à época imediatamente a seguir a 25 de Abril. A exemplo do Estado Novo, o Partido Comunista sabia que a Educação era a porta de entrada para a politização das camadas estudantis juvenis porque, como nos ensina a sabedoria popular: “De pequenino é que se torce o pepino”. Desta forma, de uma maneira geral, os lugares provisórios da carreira docente foram distribuídos por pessoas filiadas nesse partido político ou simplesmente politizadas por ventos soprados de Moscovo sem ter em conta as respectivas habilitações literárias chegando a ponto de haver “professores” a darem aulas a alunos com idênticos ou, até, mais estudos. Conta-se até o caso de um desse “professores” que, no primeiro dia da apresentação das aulas, esclareceu os seus alunos: “Perguntem-me tudo o que quiserem, só não me façam perguntas sobre a matéria que supostamente vos devia ensinar mas que desconheço”.
Por não pecarem pela ingratidão e para, por outro lado, em sentimento menos nobre, terem as costas quentes, logo esses “milicianos” do ensino procuraram a sombra protectora da Fenprof que, assim (e nem sempre pelos melhores motivos), se tornou o sindicato docente com maior representatividade em número de associados. Eram estes “professores” recrutados, devido ao boom a que se assistiu na escolaridade, de entre estudantes universitários dos cursos mais diversos ou até de menor habilitação académica.
Na altura, este facto levou-me a escrever: ”O estudante de Direito, quando está ainda a aprender – dá aulas e intitula-se professor! Quando já sabe, defende em juízo e é titulado como advogado” (Jornal de Notícias, 25/06/1992). Exemplos idênticos eram o pão nosso de cada dia no caso de outros estudantes universitários de outros cursos. Alguns destes estudantes, menos acomodados a esta situação terminaram as suas licenciaturas seguindo as carreiras profissionais para que se tinham habilitado. Outros, os mais cábulas e/ou habituados a um vencimento no fim do mês, não as terminaram, deixando-se ficar no ensino até aí se conseguirem encaixar definitivamente, fazendo passar a imagem de uma espécie de serviço prestado à comunidade educativa, como se de uma obra de caridade se tratasse sem proventos remuneratórios.
Veja-se o caso dos estudantes que se tornaram militares. Aos estudantes universitários incorporados no serviço militar obrigatório, como oficiais milicianos, e, como tal, arriscando a vida em vários teatros de guerra em terras de África, por carência de oficiais do quadro permanente (recorde-se que, antes desta situação, a Academia Militar tinha um número de excessivo de candidatos para um escasso número de vagas) , não tendo os seus cursos sido interrompidos por vontade própria, só nos derradeiros anos de guerra lhes foi permitido o ingresso na Academia Militar, podendo vir, com isso, a preencher promoções para a patente de capitão. Segundo muitos analistas políticos, foi este facto que gerou, por parte dos chamados oficiais de carreira, o clima de descontentamento que esteve na génese do 25 de Abril.
Estes factos, somados à incontroversa diminuição da natalidade da população portuguesa e ao aparecimento desregrado de escolas superiores de educação com privilégios concursais para a docência dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico dos seus diplomados relativamente aos licenciados universitários, não podiam deixar de gerar o desemprego nos docentes que só agora começam a sentir verdadeiramente, e, sem uma solução à vista, os efeitos nefastos de uma política educativa que tem andado a reboque de um sindicalismo que pretende vestir o camuflado de mercenário a uma profissão em luta por questões meramente laborais, como sejam vencimentos e horários de trabalho. Como se se esgotasse o exercício docente na recusa sindical permanente de uma organização profissional de interesse público em que o Estado delegue poderes na assunção de responsabilidade de actos próprios de uma profissão havida como uma das mais nobres por Fernando Savater, filósofo e catedrático de Ética nosso contemporâneo: “Considero os professores e professoras como a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantas trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”.
Por demais evidentes, com raras e honrosas excepções, as tentativas de sacudir a água do capote não dão aos sindicatos o direito de alijar responsabilidades, por si próprias criadas, pelo desemprego dos professores devidamente habilitados. Deverá ser a própria sociedade civil a exigir que os responsáveis por esta situação expiem a sua culpa em acto de contrição pública, não as imputando a terceiros. É o mínimo que se lhes pode e deve exigir para que a culpa não morra solteira!