quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sindicalismo Docente e Desemprego dos Professores


Trancrevo o meu artigo de opinião, saído hoje "Público":

“Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações” (Fernando Pessoa, 1888-19359).

Por se tratar de um mal endémico que atinge cada vez maior percentagem da população cursada superiormente, o desemprego dos professores atinge, como tal, proporções inusitadas. Todavia, esta situação é demasiado profunda para nos atermos, apenas, aos sintomas actuais sem procurar a sua etiologia.

Façamos, portanto, um flash-back recuando à época imediatamente a seguir a 25 de Abril. A exemplo do Estado Novo, o Partido Comunista sabia que a Educação era a porta de entrada para a politização das camadas estudantis juvenis porque, como nos ensina a sabedoria popular: “De pequenino é que se torce o pepino”. Desta forma, de uma maneira geral, os lugares provisórios da carreira docente foram distribuídos por pessoas filiadas nesse partido político ou simplesmente politizadas por ventos soprados de Moscovo sem ter em conta as respectivas habilitações literárias chegando a ponto de haver “professores” a darem aulas a alunos com idênticos ou, até, mais estudos. Conta-se até o caso de um desse “professores” que, no primeiro dia da apresentação das aulas, esclareceu os seus alunos: “Perguntem-me tudo o que quiserem, só não me façam perguntas sobre a matéria que supostamente vos devia ensinar mas que desconheço”.

Por não pecarem pela ingratidão e para, por outro lado, em sentimento menos nobre, terem as costas quentes, logo esses “milicianos” do ensino procuraram a sombra protectora da Fenprof que, assim (e nem sempre pelos melhores motivos), se tornou o sindicato docente com maior representatividade em número de associados. Eram estes “professores” recrutados, devido ao boom a que se assistiu na escolaridade, de entre estudantes universitários dos cursos mais diversos ou até de menor habilitação académica.

Na altura, este facto levou-me a escrever: ”O estudante de Direito, quando está ainda a aprender – dá aulas e intitula-se professor! Quando já sabe, defende em juízo e é titulado como advogado” (Jornal de Notícias, 25/06/1992). Exemplos idênticos eram o pão nosso de cada dia no caso de outros estudantes universitários de outros cursos. Alguns destes estudantes, menos acomodados a esta situação terminaram as suas licenciaturas seguindo as carreiras profissionais para que se tinham habilitado. Outros, os mais cábulas e/ou habituados a um vencimento no fim do mês, não as terminaram, deixando-se ficar no ensino até aí se conseguirem encaixar definitivamente, fazendo passar a imagem de uma espécie de serviço prestado à comunidade educativa, como se de uma obra de caridade se tratasse sem proventos remuneratórios.

Veja-se o caso dos estudantes que se tornaram militares. Aos estudantes universitários incorporados no serviço militar obrigatório, como oficiais milicianos, e, como tal, arriscando a vida em vários teatros de guerra em terras de África, por carência de oficiais do quadro permanente (recorde-se que, antes desta situação, a Academia Militar tinha um número de excessivo de candidatos para um escasso número de vagas) , não tendo os seus cursos sido interrompidos por vontade própria, só nos derradeiros anos de guerra lhes foi permitido o ingresso na Academia Militar, podendo vir, com isso, a preencher promoções para a patente de capitão. Segundo muitos analistas políticos, foi este facto que gerou, por parte dos chamados oficiais de carreira, o clima de descontentamento que esteve na génese do 25 de Abril.

Estes factos, somados à incontroversa diminuição da natalidade da população portuguesa e ao aparecimento desregrado de escolas superiores de educação com privilégios concursais para a docência dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico dos seus diplomados relativamente aos licenciados universitários, não podiam deixar de gerar o desemprego nos docentes que só agora começam a sentir verdadeiramente, e, sem uma solução à vista, os efeitos nefastos de uma política educativa que tem andado a reboque de um sindicalismo que pretende vestir o camuflado de mercenário a uma profissão em luta por questões meramente laborais, como sejam vencimentos e horários de trabalho. Como se se esgotasse o exercício docente na recusa sindical permanente de uma organização profissional de interesse público em que o Estado delegue poderes na assunção de responsabilidade de actos próprios de uma profissão havida como uma das mais nobres por Fernando Savater, filósofo e catedrático de Ética nosso contemporâneo: “Considero os professores e professoras como a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantas trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”.

Por demais evidentes, com raras e honrosas excepções, as tentativas de sacudir a água do capote não dão aos sindicatos o direito de alijar responsabilidades, por si próprias criadas, pelo desemprego dos professores devidamente habilitados. Deverá ser a própria sociedade civil a exigir que os responsáveis por esta situação expiem a sua culpa em acto de contrição pública, não as imputando a terceiros. É o mínimo que se lhes pode e deve exigir para que a culpa não morra solteira!

Helena Cidade Moura: um testemunho pessoal


Do académico Eugénio Lisboa, temos o prazer de transcrever este seu ensaio publicado no Jornal de Letras (08/08/2012):

“Com 88 anos, faleceu, no passado dia 20, Helena Cidade Moura, que deixou uma marca inconfundível, como campeadora melhorista, antes e depois do 25 de Abril. Co-fundadora do MDP-CDE,deputada por este mesmo partido, activista da CIVITAS, lutadora pela liberdade, pela alfabetização, pelo desenvolvimento e pelo emprego, Helena Cidade Moura caracterizou-se sempre por uma grande obstinação, na luta por aquilo que visava. Conheci-a, há cerca de dez anos, na sua casa, no Monte Estoril, quando me convidou para o cargo de Presidente da Direcção da CIVITAS de Cascais. Quando fui vê-la, sabendo, antecipadamente, do que se tratava, ia determinado a não aceitar o seu convite. Tinha as mãos cheias de trabalho e era um trabalho que me convinha: fazer aquilo de que gostava, no tempo que tinha disponível e numa idade em que já ganhara o direito de ser eu a definir a minha própria agenda. Ia, pois, bem preparado: para tudo, excepto para lidar com a teimosia da Helena, como todos, carinhosamente, lhe chamávamos.

A Helena era o tipo de pessoa à qual só havia uma maneira de se resistir: cedendo. E foi o que acabei por fazer. Exerci o cargo, durante três anos, tão bem quanto pude, com uma excelente equipa de colaboradores, concentrando-nos, sobretudo, em cursos de cidadania. Durante anos, fui vendo, regularmente, a Helena, que nadava em ideias e projectos. Telefonava-me, com frequência, anunciando planos magnos e magníficos para a alfabetização do país inteiro (eu sugeria-lhe, ironicamente, que devíamos começar pelos ministros...).

Mas, após os três anos na CIVITAS, comecei a resistir à Helena: expliquei-lhe, repetidamente, com amizade e firmeza, que a minha agenda não coincidia com a dela, que respeitava, enormemente, o seu trabalho, a sua determinação e a sua entrega, mas pedia-lheque aceitasse, também, a valia do meu. Que me permitisse fazer o que eu queria fazer e não o que ela queria que eu fizesse. A Helena, suavemente, parecia ceder, mas voltava sempre à carga, com determinação e doçura redobradas. Que desse, apenas, o nome, que o trabalho ficava para ela. Eu cedia, desconfiado... Depois, pedia-me que lesse certos papéis e lhe desse a minha opinião. Que fizesse sugestões. Não quereria eu, por acaso...? O trabalho de sapa ia fazendo o seu caminho. Às tantas, encontrava-me quase envolvido. Resistia, escabujava, resmungava. Mas a Helena não desarmava. Depois, as coisas, tristemente, começaram a tornar-se mais complicadas. Combinávamos encontros, mas a Helena, com a memória já muito afectada, esquecia-se, perdia os papéis, não aparecia. Eu não tinha coragem de lhe perguntar por que faltara... Com tristeza, fomo-nos distanciando.

Agora, como bom soldado, afastou-se, desvanecendo-se suavemente, mas deixando connosco aquela boa imagem de uma grande senhora, que toda a vida se entregou aos outros, às boas causas – e morreu quase pobre, isto é, com uma pequeníssima reforma, que aflitamente se encolhia, humilde, ao lado das pensões obscenas, que por aí se passeiam, nas mãos de gente sem estilo e sem coração.

Como aconteceu ao velho pescador, que Hemingway congeminou, em Cuba, a Helena foi destruída, mas não foi vencida. Ninguém conseguia vergá-la: atacava sempre de novo. Sempre. Morreu, como se diz, de pé.”

Eugénio Lisboa

Um malandro é um malandro!

Por estes dias de Agosto, ligando a televisão no canal Odisseia, apanhei, por duas vezes, já a meio, um programa com marca da BBC que tem por título Mulheres na Tribo. Tanto quanto pude perceber, a ideia é a seguinte: diversas mulheres ocidentais, talvez inglesas, foram, com uma equipa técnica, passar uma temporada a sociedades mais ou menos isoladas da dita civilização.

Percebe-se que a abordagem tende a ser o que vulgarmente se designa por "cultural", distanciando-se de um certo tipo de reality show, que já conta com versão portuguesa. Mas sendo "cultural" tem algo de muito comum, tornado senso-comum: cada uma das mulheres começa por estranhar os costumes do povo que a acolhe e fazer comparações com os "nossos" costumes, mas acaba por tudo compreender e acolher com base no princípio de que nada há que possa ser classificado indubitavelmente como "certo ou errado", "bom ou mau", porquanto "tudo depende..."

A mulher ocidental do primeiro episódio que vi (na fotografia ao lado) mostrava-se muitíssimo constrangida com a cena dum casamento de duas crianças africanas (na nossa classificação de idades) que havia sido determinado pelo ancião. À medida que a miúda era literalmente arrastada pelas mulheres da tribo para cumprir o compromisso, o choro e a contestação da mulher ocidental aumentavam e, num certo momento, não aguentando mais, refugiou-se algures. As mulheres da tribo explicaram-lhe que o mesmo tinha acontecido com elas; ao fim de uns dias a miúda recuperou o sorriso; o chefe teve algumas amabilidades que lhe fizeram relativizar o facto de "os homens mandarem e as mulheres trabalharem".

A mulher ocidental do segundo episódio que vi ia em busca de si própria, procurava a essência da vida, que só poderia estar na proximidade da natureza. A tribo da América do Sul que a acolheu mostrou-lhe isso mesmo, apesar da sua maior aproximação à cultura ocidental.

Ambas saíram das "suas" tribos com muita pena porque, diziam, deixavam o paraíso para trás.

Não vou entrar na discussão etnográfica clássica, esgrimindo argumentos sobre o tipo de sociedade - "natural" ou "tecnológica" - que mais contribui para a bondade e para a felicidade, apenas gostaria de destacar que, já entrados na segunda década do século XXI, ainda recorremos à estafadíssima grelha de leitura rousseauneana, recuperada e para tudo usada a partir de finais do século XIX. Tal grelha, embora nada original, marcou, nomeadamente, os trabalhos de Margaret Mead.

A este propósito, recupero a leitura que fiz da obra Dez livros que estragaram o mundo, de Benjamin Wiker (Aletheia, 2011), que dedica um capítulo a esses trabalhos, mais ideológicos do que científicos mas inequivocamente icónicos, dados à estampa em 1928 sob o título de Corning of Age in Samoa (Crescer em Samoa). A passagem que se segue (páginas 225-226) é muito representativa do espírito da série a que me referi.
"Quando Hobbes, Rousseau e Freud imaginaram o estado pré-civilizado do homem, não o fizeram com base em dados históricos, mas apoiados em pressuposto; subjacentes a esses pressupostos está a convicção de que aquilo que é natural e original é melhor. Esta análise também se aplica a Thomas Hobbes, cujo estado de natureza era um estado de guerra, porque embora a sociedade civil constitua uma fuga a esta terrível situação, nem por isso os homens deixam de desejar fazer tudo o que querem e alcançar tudo o que procuram. Margaret Mead tentou efectivamente encontrar exemplos vivos dos primitivos seres humanos mas o famoso retrato que fez dos libidinosos samoanos não passa, na realidade, de uma ficção moderna – e não deixaria de ser uma ficção mesmo que os samoanos fossem exactamente como ela os descreve em Crescer em Samoa. A investigação de Mead estava condenado à partida, porque mesmo que encontremos um “povo primitivo” libidinoso, não podemos deduzir que, pelo simples facto de nos parecer mais primitivo, esse povo se encontra mais próximo daquilo que é natural e bom, sendo por isso, um bom correctivo para o nosso modo de vida. O referido povo pode muito bem, se mais primitivo também mais perverso; a sociedade deste povo pode muito bem ter declinado, em vez de ter progredido. O ponto essencial é que o desenvolvimento tecnológico é moralmente neutro. Um malandro é um malandro ande ele armado com um pau ou com uma AK 47; há bárbaros primitivos e bárbaros sofisticados. A falácia que consiste em supor que os homens primitivos são superiores a nós porque são, alegadamente, mais naturais é especialmente perniciosa quando é usada como foi por Margaret Mead, a saber como forma de propor uma teoria sofisticada e altamente questionável sobre a natureza humana."

Um pro­blema clás­sico

A acção profissional, independentemente da área em que a consideremos, não pode deixar de ser influenciada pelos modos de pensar sociais, para os quais ela própria também contribui.

Isto a propósito de texto antes publicado, onde questiono a atitude de alguns profissionais de alguns meios de comunicação jornalística (sublinho alguns para evitar a tentação incorrecta de generalização).

Efectivamente, numa sociedade bastante desorientada em relação ao valor da privacidade e da intimidade, que conduta devem ter os profissionais? Assumir esse valor e pautar a sua conduta por ele, arriscando não cumprir o que lhe é exigido em termos institucionais ou de empresa ou relativizá-lo e alienar as barreiras que impõe, cumprindo índices de produtividade ou outra coisa qualquer que pareça brilhar?

Trata-se de um dilema que nem sempre se afigura com contornos bem definidos e muito menos remete para vias de solução inequívocas.

José Quei­rós, provedor do leitor do jornal Público, num artigo intitulado Fronteiras éticas na busca da verdade, no passado dia 12 de Agosto, analisa em detalhe este dilema a propósito de um certo trabalho jornalístico em que se dão a conhecer dados pessoais dispensando-se a autorização de quem se falava.
"A deon­to­lo­gia jor­na­lís­tica não é uma ciên­cia exacta. Por trás de uma deci­são edi­to­rial con­tro­versa esconde-se fre­quen­te­mente um con­flito entre valo­res con­tra­di­tó­rios, para o qual as nor­mas da ética pro­fis­si­o­nal não são uma bús­sola à prova de erro. Pon­de­rar os valo­res em con­fronto numa situ­a­ção desse tipo e deci­dir quais devem pre­va­le­cer é a prova mais difí­cil a que estão sujei­tos os res­pon­sá­veis de um órgão de comu­ni­ca­ção. É na his­tó­ria des­sas esco­lhas que prin­ci­pal­mente se funda a repu­ta­ção de um jor­nal de qua­li­dade e referência (...).
A imprensa de qua­li­dade é fre­quen­te­mente con­fron­tada com um pro­blema clás­sico no que res­peita à divul­ga­ção de infor­ma­ções que repre­sen­ta uma inva­são inde­vida da vida pri­vada (...). Se recusa fazê-lo, mas vê esses dados (ver­da­dei­ros ou fal­sos, não importa) serem lan­ça­dos com estrondo no espaço público pelos media de voca­ção tablóide, passa a ter de esco­lher entre man­ter o silên­cio ini­cial ou quebrá-lo face a uma medi­a­ti­za­ção que pode ela mesma, por vezes, con­fe­rir inte­resse público a um tema que à par­tida não o tinha.
Este é um terreno escorregadio, onde convirá evitar cedências fáceis, mas em que deverão prevalecer as noções de serviço público e de esclarecimento dos factos (...).
Neste caso, julgo que o Público fez bem em noticiar a diligência judicial que permitiu repor a verdade face a suspeitas de crime lançadas por outros órgãos de comunicação, que fez bem em querer. aprofundar o tema (...). Resta saber se, para o con­se­guir, tinha o direito de reve­lar, sem auto­ri­za­ção espe­cí­fica do pró­prio, dados da vida pri­vada e da his­tó­ria clí­nica de um cida­dão cujo nome e local de habi­ta­ção são reve­la­dos.
Não é por acaso que se lê no esta­tuto edi­to­rial do Público que este jor­nal “reco­nhece como seu único limite o espaço pri­vado dos cida­dãos” e que as suas nor­mas con­si­de­ram “vio­la­ção da pri­va­ci­dade” a “divul­ga­ção de fac­tos da vida pes­soal” e a “explo­ra­ção de (…) dra­mas de natu­reza pes­soal ou fami­liar”, e esta­be­le­cem como regra que “o direito à pri­va­ci­dade sobre­leva o direito e o dever de infor­mar” (...).
Estes são, de facto, valo­res fun­da­men­tais."

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O ÓDIO DE PERDIÇÃO

Em desejada achega ao desencanto do derradeiro comentário da leitora Nan (ao meu post “Resposta a um comentário ao post ‘Principais factores do Desemprego dos Professores’”, publicado no passado dia 20 do corrente), se transcreve este meu post aqui publicado o ano passado (09/08/2011). Mais se pretende que faça prova dos tratos de polé que os nossos grandes escritores têm sofrido por omissão ou em sinopses (de duvidosa qualidade e escassa páginas) das suas obras nos programas do ensino secundário. Assim:

Calar-se equivale a deixar crer que não se julga e que nada se deseja; e, em certos casos, isso equivale, com efeito, a não desejar coisa alguma” (Sophia de Mello Breyner, 1919-2004).

Depois de ter visto um urso (não o “urso” havido como o melhor aluno da turma) a andar de bicicleta no circo, pensava eu que nada me poderia mais surpreender. Puro engano!

Assim, na secção de Cultura do Público (05/08/2011), com o título à largura de toda a página, Os franceses estão a redescobrir Camilo, deparei-me com esta notícia: “O filme 'Mistérios de Lisboa já fez mais de 100 mil espectadores em França”. Facto este que, mesmo que mantidas as devidas proporções populacionais entre o país das Luzes e a pátria de Camões, não me faria estranhar muito que a preguiça dos espectadores portugueses preferisse (re)ver a adaptação cinematográfica de O Amor de Perdição, de António Lopes Ribeiro (1943), a perder tempo e pachorra a ler a respectiva obra literária que foi apreciada pela juventude do meu tempo em herança ancestral.

Por estarmos em presença de um interculturalismo que o galo-gaulês representa com panache, bem se compreende que a obra Mistérios de Lisboa (traduzida para Mystéres de Lisbonne) esteja no “top”, ainda segundo o Público, “dos livros mais vendidos na Fnac Forum de Paris, a maior das lojas Fnac do país”.

Esse interesse pelo escritor de São Miguel de Seide passa, outrossim, ainda segundo este jornal, pela edição francesa do livro Amor de Perdição (Amour de perdition), editado em França há uma dezena de anos e difícil de encontrar nas livrarias”. Uma vez mais se cumpre o aforismo de que “santos ao pé da porta não fazem milagres”. Mas daí a cometer o pecado de expurgar a prosa camiliana, para Maria Amélia Vaz de Carvalho “personificação do génio português”, do altar da bibliografia dos programas escolares do ensino secundário torna-se em verdadeiro roubo à cultura nacional!

Escreveu Eça, o imortal romancista português: “Portugal é um país traduzido do francês em calão”. Em sua imitação grotesca dos hábitos parisienses e seus costumes sociais, mas não da leitura da sua cultura literária imortalizada por nomes, que me ocorrem à memória, como Honoré Balzac, Victor Hugo e Marcel Proust. E dá ele um exemplo dessa tradução”: “Mas é sobretudo na minha especialidade, na literatura, que esta cópia do francês é desoladora. Como aqueles patos que Zola tão comicamente descreve na ‘Terre’, aí vamos todos, em fila, lentos e vagos, através do caminho da poesia e da prosa, atrás do ganso francês”.

Camilo, parafraseando Camões, “erros meus, má fortuna, amor ardente”, sofreu do pecado, entre outros, de se deixar enredar pelas teias da paixão escandalosa por Ana Plácido e da biliosa polémica – de que é exemplo este ataque dirigido por si a Mariano Pina: “Cada vez mais charro. É perfeitamente um sapateiro de máscara a dizer pilhérias que tresandam ao cerol” –, sendo que a sua valiosa bibliografia de romancista talvez disso tenha sido vítima. Tomando de empréstimo Antero, eu adaptaria a esta monstruosidade cultural, perpetrada contra um dos melhores mestres da Língua Portuguesa, o seguinte excerto: “Isso assim pode ser que seja útil, fácil, vantajoso: pode ser que assim se conquiste a opinião das maiorias boçais, que dão a fama, ou o favor das minorias inteligentes, que dão alguma coisa melhor do que a fama, que dão a importância, o interesse e o poder... Pode ser que seja hábil isto e até profundo – mas não é nem digno nem verdadeiro.”

Aliás, sempre que falamos de Camilo não podemos divorciá-lo do seu papel de um dos melhores mestres da Língua Pátria e, muito menos ainda, de “o ódio de perdição” que os responsáveis da 5 de Outubro lhe dispensaram por omissão, ou lhe deram simples cobertura, nos programas de Português do ensino secundário. A Língua materna é a argamassa da nossa forma de bem nos expressarmos e que tanto é útil aos cientistas, como aos apresentadores de televisão e ao próprio homem comum.Um cientista que diga “supônhamos”, um professor que num papel escreva Senhor Presidente do “Concelho” Directivo, um aluno que [na ausência da muleta do corrector ortográfico dos computadores] em cada três palavras dê um erro ortográfico, o homem comum que dê pontapés na gramática com a habilidade de um Cristiano Ronaldo a chutar à baliza, tornam-se mais notados no seu dia-a-dia do que um ilustre médico que não saiba extrair uma simples raiz quadrada, um professor de Português que não saiba somar fracções ou um aluno que “não entre” na Matemática. Ou seja, o ignorante das Ciências defende-se melhor do que o ignorante das Letras. Mas cuidado! Não se pense com isto que estou a fazer o elogio (ou apenas a descriminar, com “e” ) qualquer destas formas de ignorância. Ambas são reprováveis.

Mas é bom que se retenha que esta irresponsabilidade do Ministério da Educação do governo socialista se podia ter tornado numa, ainda que pálida, centelha do enredo do romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, em que os livros eram incendiados por bombeiros de um regime totalitário para não distraírem as pessoas tornando-as pouco produtivas. Não estou, de forma alguma, a querer ver na proscrição das obras de Camilo um sistema educativo tutelado por um regime totalitário. Apenas a pretender dizer que a ignorância oficial e oficializada é, também ela, uma ditadura férrea e horrenda por ter roubado ao aluno português o prazer cultural da leitura dos livros de Camilo e podendo, como tal e a título de mero exemplo epidémico, dificultar ao aluno espanhol a leitura de Cervantes, sonegar ao aluno francês o deleite da visitação ao Museu de Louvre e ao aluno alemão subtrair a audição da Orquestra Sinfónica de Berlim.

Criando-se, assim, uma espécie de cultura virada de costas para as belas letras, para a arte pictórica e para a música de câmara. Isto é, uma cultura em que as coisas do espírito cedem lugar aos bens materiais. E que, em degradação de costumes, se vai impondo cada vez mais neste mundo de Cristo.

Passividade, consumismo e ingenuidade crítica

Parece que, recentemente, uma criança de dois anos e pouco estava ao pé da sua mãe que trabalhava num campo agrícola e, de repente, desapareceu. Foi chamada a polícia e certamente comunicado o acontecido a um canal de televisão: uma equipa apareceu muito afadigada, empolgada e pesarosa para dar notícia e “acompanhar o caso”. Vi num telejornal, em directo ou como se fosse em directo, o que se segue.

Passados dois dias após o desaparecimento, a mãe atendeu um telefonema, o microfone da estação foi-lhe posto junto à boca para que tudo o que dissesse ficasse gravado; deduzi que alguém lhe comunicou que o seu filho havia sido achado. Desligado o telefone, a mãe correu na direcção que lhe tinham indicado, jornalista e câmaras acompanham-na. Avistou-se alguém com a criança, que logo a passou à mãe, esta em pranto, primeiro baixinho e depois alto, pegou-lhe ao colo e abraçou-a profundamente… a câmara de filmar girava, girava em volta da mãe e do filho, apanhando todos os ângulos, todas as emoções; o menino, com ar atónito, curioso, seguia o girar da câmara… a jornalista não se calava, especulava sobre o que teria acontecido, inquiria uma vizinha para que ela dissesse se viu alguém estranho, se a criança tinha sido desviada, raptada, molestada mas a vizinha apenas disse saber de alguém que teria visto qualquer coisa. Ainda assim, excelente! Ficou a suspeita que justifica a continuação da "história de vida" em próximos telejornais. Mãe e filho dirigiram-se para um carro, a jornalista correu para eles e apanhou-os a sentarem-se no bando de trás, ficou a saber-se que iam para o hospital, que a mãe é solteira, que veio de África antes do filho nascer, que o pai não o conhece…

Lazar, num livro muito interessante intitulado Escola, comunicação, televisão (publicado entre nós em 1989 pela Rés Editora), interroga este tipo de desvario, no caso (pseudo) jornalístico: porque aceitamos que alguém exponha a nossa privacidade e intimidade? Acrescento: porque aceitamos que isso aconteça, de modo particular, em situações humanas extremas, como suponho que é a que acima contei?

Como diz Carlos de Sousa Reis, que em Portugal se tem dedicado a esta questão, trata-se de uma combinação de passividade, consumismo e ingenuidade crítica que afecta a nossa sociedade.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Resposta a um comentário ao post "Principais Factores do Desemprego dos Professores"

“Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e de prover os melhores, esses homens e mulheres de qualidade que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o 1.º de todos os ofícios” (Pierre Bordieu, 1930-2002).

Em resposta ao comentário da leitora” Nan” (19 de Agosto , 16:25) , a este meu post, em epígrafe, começo por dizer não poder estar mais de acordo e agradecer-lhe as perspectivas trazidas para uma polémica que está longe de terminada. Jubilosa e tristemente de acordo. O júbilo brota do facto de, só por mim me autorizo a falar, estarmos ambos de acordo em muita coisa. A tristeza nasce dos exemplos desastrosos para a qualidade de ensino que enumera. Sou do tempo em que no ensino liceal (antes do aparecimento das alíneas de acesso ao ensino superior) se dava Latim e Português, em separado, nos 4.º, 5.º e 6.º anos, com traduções de textos do "De Bello Galico", em que Júlio César relata as “Guerras Gálicas”. E que úteis me foram esses ensinamentos!

Mas tanto ou mais grave ainda do que a subalternidade do Latim nos dias de hoje parece-me ser o facto citado no livro "Reinventar Portugal" (Editorial Estampa, Ldª. e Autores, 2012, p.202), por Maria do Carmo Vieira, uma sua autora e uma distintíssima professora do ensino secundário, incansável lutadora na denúncia escrita e televisiva de verdadeiros atentados (ou mesmo crimes) que se têm cometido no ensino em Portugal, em anos de autêntico desvario em que a "pedagogia" subalternizou a exigência de formação científica dos professores. Transcreveu esta distinta Colega, a páginas tantas, com muita generosidade, o seguinte naco de prosa: “O próprio ex-ministro do Ensino Superior defendeu a “criação de cursos superiores de especialização tecnológica, através de formações curtas e de acesso fácil’ «para cujo acesso seria abolida a prova de Língua Portuguesa» tida por Mariano Gago como um funil social’” ( Rui Baptista, «A Literatura Portuguesa, um “funil social?”, in De Rerum Natura, 16 de Junho de 2011).

Para se ver até que ponto certos políticos estão preocupados com estas coisas (pelos vistos, para eles de lana caprina), transcrevo um exemplo apresentado num artigo por mim subscrito: “Contrariamente a um parlamentar que em resposta à crítica de Sophia de Mello Breyner sobre a má redacção de um texto legislativo, argumentou que ‘o povo não precisa de gramática’, o conceituado jurista Almeida Santos, conhecido pela elegância da sua escrita literária em vários domínios (de entre eles o legislativo) escreveu que as actuais leis portuguesas chumbavam na antiga 4.ª classe” ( “Pocesso de Bolonha, Universidades e Politécnicos”, “Diário de Coimbra”, 13/04/2006).

 Atentemos agora nesta passagem de prosa da supracitada autora do referido comentário: “O «Inglês no 1º ciclo» é uma brincadeira e sabe deus a quem está entregue - enquanto se lançam no desemprego milhares de professores de línguas, com formação superior, estágio pedagógico e experiência de leccionação, em alguns casos superior a dez anos”. Em útil recurso ao meu latim liceal, hoc opus hic labor est, as escolas superiores de educação foram criadas para outorgar o bacharelato aos docentes do 1.º ciclo do ensino básico (antiga instrução primária), mas logo criaram variantes, v.g.. em Português e Francês para darem aulas no 2.º ciclo do básico (e actualmente também, do 3.º ciclo) em paridade com os professores licenciados por universidades, como se acrescentar um simples ano ao 3.º ano do bacharelato para esse efeito fosse a mesma coisa. Não é a mesma coisa, de forma alguma. E aqui pergunto: O músico falhado que martela as teclas do piano, sem qualquer arte, e uma pianista como Maria João Pires fazem trabalho igual?

Aliás, essa diferença foi reconhecida e bem expressa por uma estudante universitária durante uma Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (3/10/1996): “Nós [universitários] suamos mais e trabalhamos mais do que os do Politécnico. ‘Setenta por cento marxista’, Cristina, originária de Bragança, estudante da Faculdade de Ciências e Tecnologia, subiu anteontem à noite ao palanque da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), dissertou sobre as túnicas de Cristo e, às tantas, a propósito da alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo, conseguiu arrancar a primeira chuva de aplausos da sessão” (“Público”, 01/11/1996). Nesse mesmo artigo, é feita, outrossim, a seguinte referência: “Inédita em assembleias magnas, foi a intervenção d um sindicalista Rui Baptista, presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados [a que acrescento a minha condição de docente de umas das faculdades da Universidade de Coimbra], solidarizou-se com as causas dos universitários e alertou para o facto de, hoje em dia, ‘toda a gente’ querer ir para o 3.º ciclo e o 1.º ciclo estar a ficar ‘sem professores’. O alerta coincidiu com uma das conclusões do parecer que a AAC vai enviar à Comissão Parlamentar de Educação no sentido de se elaborar um estudo que averigue as necessidades do país em matéria de professores nos próximos 10 a 15 anos”. Caiu esta alerta em saco roto, passados que são 16 anos assistimos a um excesso de professores não apenas previsível mas, agora, efectivo.

Não sou de chorar sobre o leite derramado. Atempadamente, escrevi:”A macromelia aí está, as super-escolas superiores de educação, dezasseis no seu total. E se os actuais licenciados pelas Faculdade de Letras e Ciências excedem em muito a procura do mercado de docentes, o que sucederá daqui a meia dúzia de anos com o espantoso acréscimo de outros desempregados, saídos das escolas superiores de educação, a concorrerem ao ensino básico que, dentro de nove anos, segundo a Lei de Bases, se estenderá até ao nono ano de escolaridade obrigatória? Subjacente: não reunirá a Universidade melhores infra-estruturas humanas e materiais e uma melhor rentabilidade de processos?” (“Diário de Coimbra”, 21/02/87).

A propósito, ou melhor, bem a propósito, dei de caras ontem (dia 19 de Agosto) com um artigo de opinião de uma professora jubilada do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa de que transcrevo o parágrafo inicial: “Num recente artigo, o professor de Biologia E.J. Burris afirmou que o baixo desempenho dos alunos dos EUA em testes internacionais de ciência (TIMSS e PISA) se deve aos professores. Explicando que o sistema educativo dos EUA possui métodos para melhorar a educação em ciências afirma que nenhuma abordagem pode ser sustentada com sucesso sem professores brilhantes, bem preparados e apoiados. E continua, dizendo que as lições a retirar do sucesso dos alunos finlandeses naqueles testes são simples: recrutar de entre os melhores candidatos a professores ( a Finlândia aceita apenas cerca de um em cada dez candidatos) e prepará-los muito bem” (“ Público”, Ana Maria Morais).

Em Portugal, e há que repisá-lo tantas vezes quantas as necessárias, se para um lugar docente se candidatarem um professor com formação universitária e um outro saído do politécnico, por exemplo, para a disciplina de Matemática do 2.º ciclo do básico,e se este tiver um simples valor a mais da nota de diploma politécnico passará à frente daquele de formação universitária. Ou seja, por pós de perlimpimpim, o milagre da evolução do ensino em Portugal está na involução da formação dos professores como quem lança moeda falsa num mercado cambial  em colapso.

Terão aspirado, porventura, os responsáveis por este deplorável estado de coisas, serem mais lúcidos do que o filósofo e sociólogo Pierre Bordieu? Há gente com ego para isso e muito mais!

domingo, 19 de agosto de 2012

Jean-Baptiste Louis Romé de l'Isle (1736 - 1790)

Texto do Professor Galopim de Carvalho na continuação de outro publicado aqui.
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Antigo oficial de marinha francês, celebrizou-se como mineralogista e fundador da cristalografia, disciplina que, ao tempo, era exclusivamente morfológica ou geométrica, baseada, sobretudo, em medidas de ângulos diedros entre as faces dos cristais.

Durante um período de cerca de três anos em que, juntamente com Georges Balthazar Sage (fundador da École Royale des Mines de Paris), ficou prisioneiro dos ingleses nas Índias Orientais, desenvolveu com este seu companheiro o gosto pela mineralogia, disciplina que lhe abriu o caminho da cristalografia [*].

Influenciado pelas ideias de Lineu, procurou estabelecer uma sistemática dos minerais em função das respectivas formas externas, em especial, dos seus cristais, tendo enunciado o conceito de “forma primitiva”.

Foi o autor da conhecida “Lei da constância dos ângulos”, que formulou com carácter genérico, na sequência dos estudos anteriores de Nicolau Stenon (1638-1696), Domenico Guglielmini (1655-1710) e Mikhail Lomonosov (1711-1765). Esta lei fundamental, que ele demonstrou através de medições instrumentais precisas, diz que “os ângulos diedros formados por faces homólogas são constantes para os cristais da mesma espécie mineral”. Ela marca, com efeito, o início de uma nova disciplina que, durante mais de dois séculos, constituiu um precioso complemento na diagnose mineralógica.

Autodidacta de génio, de l’Isle rodeou-se de colaboradores de grande craveira, como Arnould Carangeot que, com o seu goniómetro de aplicação, mediu os ângulos diedros dos cristais que lhe permitiram formular a dita lei, e Swebach Desfontaines, escultor que, com base nos elementos que lhe forneceu, produziu a primeira colecção de modelos cristalográficos em barro, num total de 448 “cristais” de referência.

O seu “Essai de Cristallographie” editado em 1772, teve uma segunda edição, em 1783, em 3 volumes, acompanhada de um atlas, tendo sido esta edição que o tornou conhecido e lembrado como o “Pai da Cristalografia”.

Em 1775, Romé de l'Isle foi eleito membro estrangeiro da Academia Real das Ciências da Suécia.

[*] Disciplina nascida da mineralogia e que actualmente estuda a estrutura e organização espacial dos elementos integradores da matéria sólida (cristalina) que constitui a quase totalidade dos minerais. Inicialmente de cariz geométrico e matemático - a Cristalografia Morfológica - deu apoio, como complemento tido por indispensável, à caracterização e diagnose dos minerais até às primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois, com o advento dos raios X e com o desenvolvimento da Cristaloquímica, para, a partir daí, se irmanar com a Física do Estado Sólido, com recurso às modernas tecnologias de análise. Constituiu-se, então, como um nova disciplina, a Cristalografia Estrutural, de âmbito alargado a todos os sólidos cristalinos, sejam eles inorgânicos ou orgânicos, naturais e artificiais ou sintéticos.

Galopim de Carvalho

No dia mundial da fotografia...

[Não toques nos objectos imediatos]

Não toques nos objectos imediatos.

A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chavena,
são loucos todos os objectos. 
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.

Herberto Helder [1]

As feiras de antiguidades e de velharias ou dos dois tipos estão na moda - isto digo eu, que não conheço nem a sua origem, nem a sua evolução, nem a sua expressão. Falo apenas do que me é dado ver, que não é muito: sei que tínhamos no país uma feira regular, grande e famosa na capital, duas ou três outras mais modestas e, penso ser por isso, que se ia a feiras pela Europa em busca de objectos em segunda, terceira, quarta mão. Agora temos por cá muitas feiras com cobres, roupas de enxoval, imagens e pias de pedra, candeeiros, azulejos, ouro e prata, lavatórios, mobílias inteiras ou em peças soltas, vidros e louças, armas e armaduras, instrumentos de lavoura, de sapateiro, máquinas de costura, de café e outras, brinquedos, livros, cartas, postais e... fotografias.

Detenho-me sobretudo nas fotografias: a sépia e a preto e branco quase todas. Um bebé pousado num cenário florido: os cuidados a mãe teria para o vestir daquela maneira, porque era assim que queria recordá-lo, consciente da devastação de que a memória é capaz. Uma família alinhada com o melhor dos fatos, uns sentados outros de pé, adivinham-se os ensaios necessários à pose sincronizada, as indicações milimétricas do fotógrafo. O mesmo para o casal que só passada a boda registou a solenidade junto a uma floreira: ambos saberiam que aquele não tinha sido o momento do enlace, mas passariam a fingir que tinha sido. E o mesmo para o jovem ligeiramente inclinado, de bengala numa mão e cotovelo apoiado numa parte de móvel com entalhes, ou para a rapariga enfeitada com uma gola de peles, sentada num maple, com os olhos ligeiramente desviados da objectiva e mãos com anéis no regaço.

Ainda se encontram as fotografias tipo-passe, as de guerra mas em ambiente sereno, também as de viagem, as de ruas e de casas, de turmas da escola primária e de liceu com meninos ou meninas e professores de bata...

As fotografias podem aparecer avulsas, em montinhos de diversa origem, em quadros e criteriosamente arrumadas em albúns. Os albúns completos e anotados não são fáceis de folhear: as imagens contam uma história pessoal e/ou duma família que provavelmente se extinguiu. Impossível não pensar que tanto aprumo redunda em Nada.

Conheço investigadores e coleccionadores que percorrem regularmente feiras à procura do que querem ou passam a querer, com sorte encontram o tal albúm que conta um percurso de vida ou uma viagem... negoceiam o preço, pagam e correm a deter-se no material, como se fosse um material como outro qualquer: reconstituem o passado, modos de vestir, espaços, edifícios... Tão pouco os tenho visto a perguntarem-se que pessoas eram aquelas ou, então, guardam essa pergunta tão delicada para si próprios...

É evidente que tudo o que acima disse acontece em certas casas comerciais como os alfarrabistas, mas aí parece que as imagens estão mais resguardas, há ainda paredes a protegerem o que resta dos seres que representam. Impressão minha, certamente. Mas usando as palavras de Herberto Helder não consigo afastar a ideia de que as fotografias guardam "um tremor oculto".

[1] In Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, de Eugénio de Andrade (Campos das Letras, página 521).

Metas matemáticas: uma nova esperança!


Texto originalmente publicado no Expresso, 18/8/2012.


O Ministério da Educação e Ciência (MEC) disponibilizou para discussão pública, no passado dia 28 de Junho, um conjunto de documentos destinados a regular o ensino de disciplinas nucleares no Ensino Básico, designados por Metas Curriculares. Focar-me-ei na área da Matemática.

As Metas Curriculares em Matemática (daqui em diante “Metas”) são um documento de extrema importância e urgência. Logo numa primeira leitura, impressionam o rigor e a objectividade da linguagem utilizada na sua elaboração. Muito longe estão estas Metas do discurso vago e vaporoso dos documentos sobre Matemática nas últimas décadas emanados do Ministério da Educação. 

As Metas estabelecem, sobre os actuais programas escolares, um cronograma de desenvolvimento do 1º ao 9º anos, o qual se apresenta inteligente e cientificamente inatacável. O encadeamento dos diferentes conceitos ao longo dos anos é realizado de forma cuidadosa, respeitando uma hierarquia científica natural e adequando-se à faixa etária dos alunos a que se destinam. Para além de estabelecer metas anuais objectivas e avaliáveis, o documento especifica em linguagem precisa, destinada aos professores, o desempenho que se pede aos alunos. As Metas foram elaboradas de forma articulada por um grupo de professores do Ensino Básico e Secundário com experiência no terreno e por matemáticos que se têm dedicado, nos últimos anos, à análise crítica destes níveis de ensino em Portugal. 

Porquê estabelecer Metas? Porque os actuais programas de Matemática definem “objectivos específicos” por ciclo de ensino, não por ano – inovação desviante da qual o nosso frágil sistema educativo foi vítima. Nunca os actuais programas especificam em que momento cada “objectivo específico” deve ser atingido. É fácil imaginar as assimetrias que assim se promovem nos milhares de escolas que leccionam o Ensino Básico em Portugal, que vão desde os Colégios privados mais exclusivos às mais humildes e remotas escolas onde os recursos educativos pouco vão para além do manual escolar. 

O sistema escolar deve uniformizar oportunidades e não promover assimetrias. Estas Metas são um contributo essencial para colocar alguma ordem no actual caos: longe de contradizerem os programas em vigor, estruturam a sua execução. Ao estabelecer um cronograma preciso para a aquisição de conhecimentos, ajudam a combater os elementos de ambiguidade e as tentações de facilitismo  que uma interpretação de programas ciclo a ciclo agrava. E não retiram liberdade pedagógica aos professores – bem pelo contrário: estabelecem objectivos concretos a atingir sem impôr métodos a seguir. 

Por último, as Metas Curriculares agora apresentadas representam, no seu conjunto (e não apenas na Matemática) uma “revolução tranquila” de um Ministro que enfrenta de forma sóbria e sem rodeios o grande problema da Educação: a transmissão de conhecimento. Oxalá assim prossiga. Há razões para uma nova esperança.

VOYAGER: 35 ANOS A EXPLORAR O SISTEMA SOLAR


Voyager 2, lançada a 20 de Agosto de 1977 (Image credit: NASA/JPL-Caltech)

Há 35 anos que foi lançada a Voyager 2, exactamente a 20 de Agosto de 1977. 


Trajectória percorrida pela sonda Voyager 2(Image credit: NASA/JPL-Caltech)

Esta sonda e a sua "irmã gémea", a Voyager 1 (lançada a 5 de Setembro de 1977), depois de terem explorado, pela primeira vez, os planetas gigantes (Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno) encontram-se hoje no limite do sistema solar, sendo os "objectos" mais longe da Terra alguma vez feitos pelo Homem. 

A Voyager 1, que avança para o espaço interestelar a uma velocidade de 17 km/s (61 200 km/h), encontra-se a cerca de 120 vezes a distância da Terra ao Sol. 

A Voyager 2, deslocando-se a 15,4 km/s (55 440 km/h), está a mais de 98 vezes a distância da Terra ao Sol.


Voyager 1 e 2 na região designada por heliopausa, para além da helioesfera, no limite da influência do Sol, na alvorada do espaço interestelar. (Image credit: NASA/JPL-Caltech). (http://voyager.jpl.nasa.gov/mission/index.html)

Marcos da exploração espacial, continuam a contribuir para o conhecimento do sistema solar. 

Nesta exploração, cujo 35º aniversário agora se comemora, as sondas levam consigo informação sobre a vida na Terra, dirigidas a outras vidas no espaço: o famoso "Disco Dourado" que contem saudações em 55 idiomas terrestres, 155 imagens do nosso planeta, assim com 90 minutos de "música humana" e sons da biosfera. 

O conteúdo do "Disco Dourado" foi seleccionado por uma comissão presidida por Carl Sagan (Image credit: NASA/JPL-Caltech).

As sondas comunicam semanalmente com o centro de controle no Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL), em Passadena, Califórnia, via sinais de rádio captados pelo "Deep Space Network" (http://deepspace.jpl.nasa.gov/dsn/). Os dados enviados, por exemplo pela Voyager 1, demoram, à distância actual, cerca 16 horas e 40 minutos a atingir a rede de grandes antenas instaladas em três locais do planeta Terra (Goldstone na Califórnia, próximo de Madrid em Espanha e perto de Camberra na Austrália).

E continuarão a explorar e a enviar mensagens sobre o espaço a caminho das estrelas, pelo menos até 2025, altura em que os três geradores termoeléctricos de radioisótopos (a electricidade é gerada a partir do decaimento de várias unidades de óxido de plutónio-238), deverão silenciar-se... Mas as suas missões e feitos permanecerão edificantes na memória da exploração espacial.

António Piedade

Niels Steensen (1638 - 1696)

Texto que nos foi gentilmente enviado pelo Professor Galopim de Carvalho.

Nicolaus Stenonius, de seu nome latino (Nicolau Steno, em português), anatomista dinamarquês, graduado pela Universidade de Copenhaga, é considerado um pioneiro em vários domínios das ciências da Terra. Viajou pela Europa; uma actividade constante ao longo da sua vida, o que lhe permitiu desenvolver esta sua vocação.

Teve papel importante nas áreas da paleontologia e da estratigrafia, bem como nas da mineralogia e cristalografia, muito antes destas matérias se terem afirmado como disciplinas científicas. No seu tempo eram muitos os que não aceitavam os objectos a que hoje chamamos fósseis [1] como sendo restos de amimais ou plantas do passado, uma vez que a maioria não tinha representação em seres do presente. Plínio, o Velho, e outros autores antigos, tinham sugerido que os ditos objectos caíam do céu ou da Lua. Outros defendiam que eles cresciam naturalmente nas rochas. Não estando ainda preparados para aceitar a vida anterior à criação do Homem e a evolução, os naturalistas do século XVII preferiam encarar estes achados como
lapides sui generis (pedras únicas no seu género), inexplicavelmente geradas no seio das rochas e nunca restos de animais ou plantas.

Ao contrário desta visão generalizada, que não contradizia os textos bíblicos, Steno já verificara que certos fósseis (“petrificados”, como então se dizia) eram semelhantes entre si, quaisquer que fossem as rochas em que estivessem embutidos, e que, por outro lado, tinham o mesmo aspecto das partes dos animais a que se assemelhavam. Ao observar os dentes de um tubarão actual, Steno verificou que estes eram muito semelhantes a certos objectos encontrados em rochas sedimentares na Ilha de Malta, então chamados
glossopetrae (línguas petrificadas), uma vez que faziam lembrar línguas de serpente transformadas em pedra. Steno mostrou que os glossopetrae eram mesmo dentes provenientes das bocas de antigos seláceos, do mesmo tipo dos que observara caídos no fundo do mar, aí conservados no seio dos sedimentos e depois trazidos à superfície incluídos na rocha em que esses sedimentos se haviam transformado [2].

Assim, afirmou, sem sombra de dúvida, que “os corpos que se assemelham a plantas e animais encontrados na terra têm a mesma origem que as plantas e os animais a que se assemelham”. Esta afirmação, hoje evidente, representou, para a época, uma inovação e um romper com as ideias do passado. Trata-se do reconhecimento do conceito paleontológico de fóssil, no que foi apoiado pelo filósofo alemão Gottfried von Leibniz (1646-1716) e pelo inglês Robert Hook (1635-1703).

Steno dizia ainda: “as conchas e outros restos de antigos seres vivos, encontrados nas rochas de uma dada região, são despojos de animais marinhos” e afirmava que “as camadas que os contêm são necessariamente marinhas”, concluindo que “o mar ocupara essa região”. Com estas afirmações, e embora sendo respeitador do tempo bíblico e dos relatos das Sagradas Escrituras, Steno inovou o conceito de fácies [3]. Foi na explicação destes problemas que ele descobriu um dos fundamentos da paleontologia e da geologia sedimentar, em geral, incluindo a estratigrafia.

Para muitos dos contemporâneos de Steno, era intrigante o mistério de como um animal petrificado e, portanto, sólido, poderia estar presente dentro de uma rocha também ela sólida. O trabalho de Steno sobre os dentes de tubarão levou-o a questionar-se sobre este problema. Os corpos sólidos encontrados dentro de outros sólidos, que despertaram o interesse deste estudioso, incluíam não apenas os fósseis (como hoje os definimos), mas também os cristais, veios, filões, camadas e encraves igualmente embutidos no interior das diversas rochas. Tal interesse levou-o a publicar, em Florença, em 1669, “De solidus intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus” (Prodromo de uma dissertação sobre sólido contido no sólido).

Depois de observar as montanhas da Itália, Steno afirmou que “as camadas são formadas paralelamente à horizontal, em obediência à gravidade terrestre”, introduzindo o que ficou conhecido por Princípio da Horizontalidade Original, concepção que lhe permitiu explicar que, “quando estas camadas se encontram inclinadas, tal é devido a deformação posterior”, o que deixa ver que admitia a existência de forças susceptíveis de deformar porções da crosta terrestre.

Uma outra afirmação de sua autoria assenta na sobreposição das camadas sedimentares. Segundo ele, “qualquer camada é mais moderna do que a que lhe fica por baixo e mais antiga do que a que lhe está por cima”. Esta afirmação, demasiado evidente nos dias de hoje, representa um passo significativo no caminho da estratigrafia. Foi considerada o Princípio Fundamental da Estratigrafia, pois mostrou que as camadas sedimentares são cada vez mais modernas à medida que se sobe na série. Uma terceira afirmação de sua autoria, fala da “continuidade lateral no seio das camadas de rochas sedimentares”.

Estas afirmações constituem hoje verdades mais do que evidentes, mas foram, na época, grandes passos em frente. Com este autor, as sucessões de camadas sedimentares passaram a funcionar como “arquivos da natureza”, como lhes chamou, mais tarde, o naturalista e geólogo alemão Peter Simon Pallas (1741-1811), e o geólogo francês Faujas de Saint-Fond (1741-1819), ou como “anais do mundo físico”, no dizer do padre francês contemporâneo, Giraud Soulavie (1752-1813), fundador da moderna estratigrafia paleontológica.

Na área de mineralogia e cristalografia, Steno revelou, em 1669, que os “ângulos diedros, formados pelas faces homólogas dos cristais de quartzo, são constantes e independentes da forma e da dimensão das mesmas”. Esta sua revelação, que ainda tem um âmbito restrito, mas que alguns referem com Lei de Steno, está na base da conhecida Lei da Constância dos Ângulos, esta, sim, uma verdadeira lei, formulada um século mais tarde, pelo francês Romé de l'Isle.

[1] Fóssil - No sentido mais antigo do termo, fóssil era todo o material que se desenterrava ou extraía de dentro da terra (do latim fossile, desenterrado), o que abrangia os minerais, as rochas e os fósseis (no sentido que hoje lhe damos), os achados pré-históricos e arqueológicos. As expressões carvão-fóssil, combustível-fóssil, ainda em uso, são reminiscências deste conceito. Só no século XVIII o termo passou a ser usado no sentido que hoje tem em paleontologia.
[2] - Está aqui contida a ideia vinda de trás e assimilada por Steno de que um sedimento incoeso se transforma em rocha coesa, processo de litificação a que o alemão Karl von Gümbel, em 1888, deu o nome de diagénese. Mais de seiscentos anos antes de se falar em diagénese, Alberto, o Grande (1206-1280), alquimista francês, afirmava que “o lodo alagadiço e viscoso, trazido pelas águas, que cimenta a terra e a transforma em pedra dura...”. Quando, em finais do século XVIII, o escocês James Hutton, considerado o pai da geologia moderna, afirmava que “as camadas sedimentares foram antigos sedimentos que se transformaram em rocha”, está a repetir uma ideia vinda de tempos antigos.
[3] - Fácies – No contexto das rochas sedimentares, define-se como o conjunto de características paleontológicas, mineralógicas ou outras que permitam conhecer o ambiente em que a rocha se formou.

Galopim de Carvalho

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Principais Factores do Desemprego dos Professores

“Os políticos em qualquer parte são sempre os mesmos. Eles prometem construir pontes, mesmo quando não há rios” (Nikita Kruschev).

Começo por esclarecer que pela importância de que a verdadeira chaga social do desemprego se reveste, e por dados estatísticos por mim colhidos anteontem num jornal de referência, entendi dar a forma de post a esta minha resposta a um comentário de uma leitora, com o nickname Nam, relacionado com o meu post aqui publicado: “Rui Moreira e o Desemprego dos Professores” (10/08/2012). Assim,embora com ligeiro atraso, que a moleza cálida do verão tolera, cumpro a promessa de uma resposta a esse comentário feito com bom senso o que me leva a não navegar em águas de intolerância: “Só achamos que as pessoas tem bom senso quando são da nossa opinião” (François de La Rochefauld).

Aliás, nem não estava à espera de uma concordância com todo o meu post. E tanto assim foi que, logo de início, numa espécie de aviso à navegação, escrevi: “’Toda a verdade gera um escândalo’, disse-o Marguerite Yourcenar. Mas, apesar de um possível incómodo que me possa trazer, entendo ter o dever cívico de não silenciar uma discussão que tem reflexos sociais que merecem ser meditados e discutidos publicamente, que é a do desemprego dos actuais professores e futuros candidatos à carreira docente dos ensinos básico e secundário”.

Daí eu ter compreendido os “senões” por si colocados ao meu post. Mas pondo de lado as razões apresentadas nesse comentário (v.g., aumento de número de alunos por turma), outras bem mais ponderosas me foram dadas a conhecer neste excerto de artigo de opinião de um professor e investigador de História, de que acima fiz referência, e que transcrevo:

“No meio de todos os ‘slogans’ conhecidos, ninguém refere um dado essencial: há menos alunos nas nossas escolas. (…) Basta consultar os dados estatísticos. No ensino básico, por exemplo, em 1985 havia 1.487.600 alunos no ensino público; em 2011, já só eram 932.297. Nos cursos gerais do ensino secundário, o pico foi atingido em 1996, com um total de 272.951 alunos, mas em 2010 já só eram 175.658”. (…) Desde os anos 90, o número de alunos caiu mais de 30%. No entanto, o número de professores passou de 120.000 para 146.000, ou seja, aumentou 21%” (José Carvalho, Público, 14/08/2012).

Para abreviar razões, na crueza dos números, os factores principais do desemprego, repito, factores principais do desemprego dos professores ou dos candidatos futuros à docência, evocados pelos sindicatos, são gotas de água, ou ainda que mesmo chuva copiosa, num mare magnum de outros factores que justificam o sentimento de frustração sentido, com razão e na própria pele, pelos que têm o espectro do desemprego à sua espera na primeira esquina do dia de hoje ou de amanhã.

Mas muito de mal ficaria com a minha consciência, ,como diria Torga, “malditos sejam aqueles que se negam aos seus nas horas apertadas”, se não me aliasse ao clamor de protestos sindicais, ou de outras origens, numa situação não tanto despicienda como isso. Refiro-me à existência no ensino oficial de menos alunos, escolas recentemente ampliadas e melhoradas, por vezes até numa espécie de novo-riquismo pouco compatível com as dificuldades económicas que o país atravessa, e professores no desemprego ou em vias de correrem esse risco, e simultaneamente continuarem a ser revalidados contratos de associação com escolas privadas em localidades com escolas oficiais com vagas e delas separadas por distâncias entre si que não cumprem o mínimo estipulado por lei.

Várias décadas atrás, os liceus eram um lugar de eleição em que as pessoas mesmo de posses e com elevado estatuto social e/ou profissional matriculavam os filhos. Estou-me a recordar, por exemplo, de alguns desses alunos do festejado Liceu Pedro Nunes de Lisboa, colhidos como exemplos de entre muitos outros: Nuno Crato, Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão. Será que são tomadas estas medidas com a intenção de cumprir os versos do soneto do nosso maior épico, tantas vezes evocado : Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades? Estão traçadas com números estatísticos acima referidos as razões para o desemprego que aflige os professores e, last but not least, uma percentagem preocupante da população portuguesa de outros estratos profissionais. Isto implica, em nome de uma justiça social que não tenha os cidadãos como filhos e enteados, que se procurem soluções que encarem este verdadeiro drama como um todo em que as soluções para uns não sejam melhores ou piores do que para outros. Um engenheiro, um operário, um advogado, um empregado de escritório no desemprego são seres humanos que merecem do Estado atitudes sérias que não lhes prometam construir pontes (ou soluções) , mesmo quando não há rios (ou dinheiro). Ou pior do que isso, em termos de injustiça social, construi pontes para uns (com dispêndio para um erário público deficitário) e obrigar outros a atravessar o rio a nado com o perigo de se afogarem antes de chegarem à outra margem. A sabedoria do povo bem adverte: Ou há moralidade, ou comem todos!

terça-feira, 14 de agosto de 2012

PERGUNTAS DE CIÊNCIA PARA O VERÃO


Quizz de ciência que me foi pedido e que saiu na última SÁBADO:


  1. Há quanto tempo aproximadamente ocorreu o Big Bang? 13 700 milhões de anos,13,7 milhões de anos, 13,7 biliões de anos, 13 700 biliões de anos.
  2. Quais são as partículas de matéria fundamentais?  Quarks, electrões e bosões; Neutrões, protões e electrões; Quarks, electrões e fotões; Quarks, electrões e neutrinos.
  3. Qual é o elemento químico estável mais pesado? Bismuto, Chumbo, Urânio, Plutónio.
  4. Qual foi a magnitude do sismo de 11 de Março de 2011 no Japão, que causou o desastre de Fukushima? 7, 8, 9, 10.
  5. Quantos pares de cromossomas tem a espécie humana?  22, 23, 46, 43.
  6. Qual é a proteína que contém ferro que está presente nos glóbulos vermelhos? Mioglobina, Lipoproteína, Hemoglobina, Leucócito.
  7. Que seres são atacados por antibióticos? Vírus, Bactérias e Vírus, Fago. 
  8. Qual foi o único Prémio Nobel português na área das ciências? José Saramago, Pedro Nunes, Egas Moniz, António Damásio.
  9. Em que ano entrou em vigor o Protocolo de Quioto sobre aquecimento global? 1997, 2011, 2004, 2005.
  10. Qual era a nacionalidade de Albert Einstein quando morreu? Alemão, Alemão e Norte-americano, Suíço e norte-americano, Judeu

"A riqueza vem da conquista e da posse de conhecimento"

  
Entrevista que dei ao "Diário Económico" e que saiu hoje naquele jornal (que também vende, mais económico, o meu ensaio "Ciência em Portugal" da Fundação Francisco Manuel dos Santos):

  O autor analisa o estado da Ciência em Portugal e conclui que muito há a fazer para garantir a competitividade da economia portuguesa.

Mafalda de Avelar

Que dúvidas não existam. "Com a ciência mais pobre ficaremos todos mais pobres já que a ciência é um factor de desenvolvimento". Quem o afirma, em entrevista, é Carlos Fiolhais, autor de "A Ciência em Portugal", ensaio onde é analisado estado da ciência.

- Como avalia o estado da ciência em Portugal?

- A ciência em Portugal cresceu muito nos últimos 30 anos. Há mais cientistas a trabalhar do que jamais houve. Assim como há mais projectos e mais artigos publicados. Tal se deve ao acréscimo de investimento em ciência e tecnologia, que ultrapassou 1,5% do PIB, saindo de uma miserável situação no fundo dos 'rankings' internacionais. O esforço foi particularmente visível na formação de jovens doutorados, muitos deles formados lá fora ou cujos pós-doutoramentos foram feitos lá fora. Do ponto de vista social, a ciência também cresceu e apareceu, sendo hoje visíveis várias manifestações de cultura científica. A ciência não está só nos laboratórios mas também na rua. Veja-se, por exemplo, a "Ciência Viva no Verão.

- E que outros pontos positivos destaca?

- Factor positivo indiscutível é que o País está muito mais preparado para os dias de hoje e para os dias que hão-de vir do que estava há 30 anos. Não se pode saber o futuro em pormenor, mas pode-se saber que, sem ciência, não teremos futuro. Pode não ser só a ciência que nos salve, mas sem ciência estaremos perdidos. E é também por isso que a Fundação Francisco Manuel dos Santos, para além de ter publicado "A Ciência em Portugal", está a organizar um programa de Ciência e Inovação, do qual sou responsável. Queremos tornar a ciência ainda mais visível entre nós.

- E os pontos negativos?

- Um factor negativo para o desenvolvimento da ciência hoje é a quebra do investimento. Seria um erro trágico se a ciência perdesse o forte apoio público que tem tido entre nós. Com a ciência mais pobre ficaremos todos mais pobres já que a ciência é factor de desenvolvimento. Os nossos jovens cérebros, que são a nossa maior riqueza, fugiriam para outras paragens como parece que já está a acontecer. Esta devia ser uma questão de consenso nacional, tal como a educação e a cultura. Outros factores negativos em Portugal são a debilidade da ligação da ciência ao ensino superior assim como a debilidade da sua ligação à economia - apesar de haver algumas empresas 'start-up' de base científico-tecnológica muito bem sucedidas, esse movimento não tem sido suficiente para mudar a economia. São andorinhas que ainda não fazem a Primavera.

- Ciência e Desenvolvimento Socioeconómico. Como estão relacionados?

A relação nem sempre é directa e imediata, mas basta ver os 'rankings' dos países desenvolvidos e ver que os mais ricos são aqueles em que há mais e melhor ciência. Pode-se pensar que, por serem mais ricos, fazem mais e melhor ciência, o que é verdade. Mas a verdade também é que sem a ciência e a tecnologia a ela associada eles não seriam ricos. Hoje a riqueza não vem da conquista e da posse de terras e bens, mas sim da conquista e da posse de conhecimento. Veja-se, por exemplo, a enorme aposta que a China está hoje a fazer na ciência, prevendo-se que em breve ultrapasse, em produção científica, esse colosso que são os EUA. Esses dois países não competem apenas em medalhas olímpicas, que dão glória, mas também em artigos e patentes, que dão o domínio económico do mundo. A história mostra que pequenos países como Portugal podem subir rapidamente nos 'rankings', desde que sejam ambiciosos e persistentes.
 

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...