
A toxicologia endocrinológica é uma área emergente que se debruça sobre o efeito de compostos designados xenobióticos (substâncias químicas de origem exógena ao homem, quer «naturais», por exemplo originárias de plantas, quer produtos sintéticos ). Entre os xenobióticos incluem-se substâncias químicas que mimetizam estrogénios e anti-androgénios e ainda moléculas que interagem com o sistema endócrino.
A maioria dos estudos nesta área, de certa forma despoletada por problemas como os originados pelo DDT (o,p'-1,1,1-tricloro-2,2-bis-p-clorofeniletano, incide sobre os xenoestrogénios ou compostos não fisiológicos com estrutura similar à dos estrogénios endógenos,
fitoestrogénios (alguns
ubíquos na nossa dieta) e de origem sintética. Uma substância é considerada um xenoestrogénio quando apresenta afinidade pelos
receptores de estrogénio (ER) (ou por receptores designados
estrogen-related receptor gamma (ERR gamma), demonstrada tanto
in vitro como
in vivo, ou se encontram efeitos tróficos no trato reprodutivo feminino.
Em
Agosto do ano passado referi as preocupações levantadas por um grupo de cientistas em relação em bifenol A (BPA), um aditivo presente numa série de plásticos, nomeadamente policarbonatos muito utilizados para produzir biberões e garrafas de água. Na altura referi que a controvérsia, que não se sente muito deste lado do Atlântico, continuava acesa e teve recentemente
alguns desenvolvimentos.
Estes foram despoletados
por um relatório preliminar do National Toxicology Program (Programa Nacional de Toxicologia), que refere que testes com animais realizados em laboratórios revelaram uma possível ligação entre o bifenol A e tumores pré-cancerosos, puberdade feminina precoce e mudanças comportamentais. O NTP divulgou o relatório preliminar para receber comentários públicos e irá publicar a versão final do estudo durante o verão. Como refere Mike Shelby, director do Centro para a Avaliação de Riscos à Reprodução Humana, que supervisionou o estudo.
«O que nós temos é um alerta, um sinal. Nós não podemos descartar a possibilidade de que efeitos semelhantes ou relacionados podem ocorrer em humanos».
Já
Anila Jacob, da organização não-governamental Environmental Working Group afirmou que «Nós esperamos que esse estudo leve o FDA (Food and Drug Administration) a reconhecer o quanto essa substância é tóxica e a forçar os fabricantes a estabelecer novos padrões de segurança».
Contribuiram ainda para a polémica os resultados de um painel de discussão organizado pelas National Institutes of Health (NIEHS, NIDCR) e United States Environmental Protection Agency. Estes resultados foram resumidos num artigo de revisão publicado em finais do ano passado, «
An evaluation of evidence for the carcinogenic activity of bisphenol A». O artigo sugere que há um consenso alargado na comunidade científica no que concerne a um possível papel carcinogénico do BPA . Como é indicado nas conclusões do artigo:
«Based on existing evidence, we believe the following to be
likely but requiring more evidence:
1. BPA may be associated with increased cancers of the hematopoietic system and significant increases in interstitial-cell tumors of the testes.
2. BPA alters microtubule function and can induce aneuploidy in some cells and tissues.
3. Early life exposure to BPA may induce or predispose to pre-neoplastic lesions of the mammary gland and prostate gland in adult life.
4. Pre-natal exposure to diverse and environmentally relevant doses of BPA alters mammary gland development in mice, increasing endpoints that are considered markers of breast cancer risk in humans.»
Embora o American Chemistry Council, que representa os fabricantes de produtos de plástico, tenha relembrado que o primeiro estudo «afirma que não há preocupações sérias em relação aos efeitos do bifenol A», sucedem-se
as pressões sobre a FDA para que seja revisto o «estatuto» do BPA, nomeadamente por parte de alguns membros do congresso norte-americano,
os democratas John Dingell e Bart Stupak mais concretamente.Estados como a Califórnia, Maryland, Minnesota e Michigan, estão a considerar restringir ou mesmo banir a presença de BPA em produtos destinados a crianças. Entretanto no vizinho Canadá, o BPA foi
oficialmente declarado uma
substância tóxica. O ministro da Saúde, Tony Clement, anunciou ainda um período de
consulta pública de 60 dias para decidir se serão banidos neste país os biberões de policarbonato. Mesmo antes do anúncio oficial, muitos revendores neste país já tinham anunciado que iriam retirar não só biberões como garrafas de água contendo bifenol.
Enquanto a polémica continua acesa do outro lado do Atântico, não encontro indícios que se tenha cruzado o Atlântico nem mesmo depois de a UE ter aumentado, há cerca de um ano, os limites de Ingestão Diária Tolerável (TDI) deste xenobiótico.
Os dados existentes sugerem que seria prudente limitar a nossa ingestão de BPA até se determinar com um maior grau de certeza se o BPA é relativamente seguro para humanos. Mas diria que os dados disponíveis indicam claramente que é necessário limitar o máximo possível a libertação de BPA para o ambiente já que animais de menores dimensões parecem ser afectados por quantidades muito diminutas deste composto.
Claro que em relação ao seu efeito em humanos qualquer estudo realizado apresenta o óbice de nós estarmos expostos a uma enorme quantidade de xenoestrogénios, nomeadamente na alimentação (quer em produtos animais quer vegetais) . Sem termos ideia da nossa dose diária destes compostos não podemos afimar com certeza se nos devemos preocupar com os riscos postos por ele ou se faremos melhor em nos preocuparmos com outras fontes de xenobióticos.Os possíveis efeitos sinérgicos de misturas sortidas destas substâncias não são desprezáveis e, como refere Scott Belcher, da Universidade de Cincinnati «A assumpção de que os estrogénios naturais são bons para nós e que os químicos são maus não é muito provavelmente uma boa assumpção a fazer».
O princípio de precaução e as evidências existentes são suficientes para ter decidido já há uns tempos evitar a utilização de policarbonatos. Quem tiver dúvidas sobre se um determinado plástico é ou não policarbonato pode procurar o triângulo no fundo de biberões e garrafas de plástico pouco flexível e verificar se nele está inscrito o número 7 (e por vezes as letras PC).
Página com estruturas interactivas de estrogénios, xenoestrogénios e receptores de estrogénios.