sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

SOPHIA

 Sabedoria! 

Como defini-la? Como alcançá-la?  

"Só sei que nada sei", dizia o filósofo grego, e essa será a grande Sabedoria, porque "Sábio é aquele que não sabe que é Sábio"... 

E como é importante, e cada vez mais urgente, aquela máxima gravada no templo de Apolo, em Delfos, "conhece-te a ti mesmo"! O conhecimento mais difícil de alcançar, mas essencial para a nossa relação com os outros, com o mundo.


 





  Personificação da Sabedoria na Biblioteca de Celso (século III), em   Éfeso, (na actual Turquia) 

 

  imagem retirada de

   https://pt.wikipedia.org/wiki/Sofia_(sabedoria)

 

 

 

 

E é de Sabedoria, da Sophia grega, que nos fala Pascale Seys no seu último apontamento filosófico.



Un P'tit Shoot de Philo avec Pascale Seys, que pode ser ouvido, com acompanhamento de imagens em:

https://www.facebook.com/10784328482/videos/405413710763299

 

 

Segue o texto em tradução:

 

 

Sabiam?

Nos nomes próprios Sofia, Sania e Sofyen está escondida metade da filosofia. E a questão que a filosofia coloca é  de que se trata, ou mais precisamente: qual é a questão?

 

Os Gregos da Antiguidade chamaram “Sophia” a uma faculdade um pouco particular, uma aptidão tão rara quanto ambicionada que ninguém nunca possui verdadeiramente, que nos escapa quase sempre e que se pode definir como uma comportamento reflectido e comedido face aos vexames, às frustrações e aos obstáculos da vida.

Entender e enfrentar podem definir a sabedoria. Mas como identificar um sábio? O filósofo Aristóteles propôs uma fórmula admirável. Diz ele : “o ignorante afirma, o estudioso duvida, o sábio reflecte.” De facto, o sábio na medida em que pensa, tenta ler o mundo e os seres e a história, colocando perguntas pertinentes e, se possível, como Demócrito, rindo. Porque o sábio é aquele que não sabe que é sábio, e, por isso mesmo, ri-se. Do mesmo modo, a sabedoria excede em muito todas as riquezas das quais nos poderíamos valer, o que levava Bob Marley a dizer, num remate socrático,  que a sabedoria vale mais que o ouro ou a prata. Vemos bem isso, se a sabedoria é difícil de qualificar é porque ela é um exercício, uma ginástica da alma,  um itinerário exigente e é difícil descrever um tal actividade a não ser por analogias ou metáforas. Os historiadores avançaram a hipótese  de “Sophia” ser  a mulher que Deus agarra com um braço enquanto estende o outro para tocar a mão de Adão no fresco de Miguel Ângelo, que ornamenta o tecto da Capela Sistina.

Divindade grega, deusa dos amigos da razão, o santuário da sabedoria está implantado à entrada do estreito do Bósforo e do Corno de Ouro, na cidade de Istambul. Uma basílica construída no século IV, que foi  o mais importante lugar de coroação dos imperadores bizantinos. Segue-se toda uma história de conflitos próprios das convicções humanas: a basílica de Santa Sofia, cristã do Oriente, foi convertida em mesquita, depois da tomada de Constantinopla pelos Otomanos, em 1453, depois foi transformada em museu sob o regime laico de Mustafa Kemal Atatürk nos anos 30 do século XX. Em Março de 2019, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan  declarou que a história tinha cometido “erros” e que era tempo de a Basílica de Santa-Sofia de Istambul, Ayosofya, voltar a ser uma mesquita. O chefe de estado traz, assim, de novo a eterna querela entre a fé e a razão.

De acordo com os mitos gnósticos, Sofia amava de tal modo os humanos que, ao contrário de Deus, decidiu viver entre os homens. Mas, para sua grande surpresa, os humanos ignoraram-na, apesar dos seus conselhos e das suas imprecações. E, desiludida, a sabedoria decide então abandonar os humanos às suas dúvidas, reservando a sua benevolência e a sua ajuda apenas àqueles e àquelas que a procuravam verdadeiramente.

Sábios são aqueles que questionam e que duvidam. E, por vezes, alguns respondem com sabedoria. Mas são os outros que o dizem: porque o sábio se reconhece como aquele que não sabe que é sábio.


 

 

 

 

 

 

Imagem tirada de

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ae/The_Creation_of_Adam_%281%29.png


9 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

A Sabedoria é o âmago da filosofia.
Diria que é a dimensão mais conseguida e mais completa da(s) Inteligência(s). É integradora dos saberes, dos conhecimentos, das culturas e dos discursos acerca deles, não apenas na óptica ou perspectiva do sábio, mas também nas de outros sábios, presentes ou futuros e manifesta-se na personalidade e no carácter. Por ex., uma decisão sábia pode ser a realização ou concretização, mais do que a conclusão, de um processo de conhecimento e de compreensão e de visão, no entanto, não exclui que só ao fim de muitos anos ou séculos se possa avaliar a sabedoria que lhe esteve subjacente.

A Sabedoria não é um determinismo da natureza, cujas leis as ciências da natureza pudessem estabelecer.
Ninguém está “condenado” a ser sábio. Ninguém pode ser “condenado” a ser sábio. Mas certas pessoas, pela personalidade, por temperamento e pelo carácter, estão em piores condições do que outras para serem sábias. Algumas pessoas, pelas funções que exercem, não podem deixar de revelar um elevado nível de sabedoria relacionada com o seu múnus.

Carlos Ricardo Soares disse...

O sábio não possui a Sabedoria, nem a filosofia possui a Sabedoria, embora a vida do sábio seja uma prova de sabedoria e não apenas pelo seu amor a esta. Não obstante, a prova de sabedoria está suspensa de muitas condições e, a de ser sábio também, entre elas, não falhar até ao fim da vida, uma falha deita tudo a perder e, por outro lado, tudo depende da avaliação futura.

Ao sábio não basta saber os códigos ou a matemática com os quais decifrasse e desenigmasse o universo e a vida. Não basta ter bondade, embora esta seja um atributo da sabedoria. Não lhe basta ter, ou dizer palavras de sabedoria, pois até do bico do papagaio e da boca do néscio podem sair palavras sábias. Nem basta proceder como um sábio, porque os ignorantes, até certo ponto, também podem agir em conformidade.

Nem basta ao sábio saber o que é a Sabedoria e o que é ser sábio.

Anónimo disse...

Errata:
Onde se lia "Cone de Ouro", devia ler-se "Corno de Ouro".

Isaltina Martins disse...

Obrigada pela correcção.

Carlos Ricardo Soares disse...

Do sábio espera-se que, tanto nas palavras sábias que diz, como na sábia conduta com que faz, ou deixa de fazer, revele ter a justa noção das coisas. E que ame, que esteja imerso, que inclua, que agasalhe, que estreite, que abrace, que pacifique, que construa, que cure, que salve e que não agrida, que não afaste, que não hostilize, que não adoeça, que não mate e que, se tiver de condenar, o faça pelo sentido último das virtudes de Sócrates, formulado pelo imperativo categórico, de Kant, e não por uma razão pura.

E que não tenha outro poder, nem outra riqueza, nem outros apegos, senão os da Sabedoria, que outros maiores não existem.

E dele não se espera e não se aceita que seja imprudente, tolo ou medroso.

A loucura do sábio tem mais a ver com a sua ousadia, valentia, despojamento e capacidade de abnegação.

Tanto ou mais do que ao nível discursivo, ao sábio não são toleradas paixões, senão a compreensão delas, fraquezas científicas, nem morais, nem de mundivisão e mesmo as fraquezas físicas, apenas são toleradas as que, de todo, não forem indesculpáveis.

Carlos Ricardo Soares disse...

Este ideal de sábio é tão irrealista, inalcançável, fantasioso, desenraizado da própria humanidade, que se torna contraditório ou absurdo por requerer e supor a própria humanidade do sábio, justamente o que dá razão de ser ao ideal de sábio. Este, sob pena de se contradizer e negar-se a si mesmo, não pode deixar de ser um ideal humano, que os homens queiram, possam e reconheçam valor em realizar.

As posições filosóficas idealistas, tal como as posições religiosas, quando se colocam num plano “não realista”, fora da realidade como ela é, abstractas e puramente racionalistas, perdem credibilidade como concepções filosóficas, porque se posicionam fora e contra a realidade, o que é um erro.

Ora, sendo a Sabedoria o objecto e o objectivo da filosofia, é da essência desta identificar e posicionar-se contra o erro.

Carlos Ricardo Soares disse...

A Sabedoria não é algo que exista e se encontre em algum lugar. Não está, nem pode estar, senão no pensamento e na acção do homem, no modo como este enfrenta e vive a vida, os problemas da vida e os pensa. O homem, ao dar-se conta, pela experiência e reflexão, de que tem margem para escolher e de que a sua acção ou inacção têm efeitos e consequências, exercita a sua aptidão para a sabedoria e o desejo de conceber e operacionalizar o melhor dos modos de enfrentar, pensar e viver a vida, não apenas para cada situação particular e concreta mas para todas as situações da vida, em geral e abstracto.

Se há modos diversos de o fazer, se há uns melhores do que outros, é irrecusável pensar qual será o melhor, como saber e como realizá-lo.

Era tão bom que as respostas estivessem disponíveis em algum lado...

Mas não, nós é que vamos decidir se há respostas, se umas são melhores do que outras, qual é a melhor e tentar segui-la ou aplicá-la, ou, simplesmente, não fazer nada, se for possível.

Apesar do que algumas religiões dizem, não creio que algum deus tenha dado qualquer sinal do melhor modo de encarar a vida ou do que devia/deve ser feito. Se o fará, não sei e, se alguém souber, que faça o favor de informar.

A tentação de encontrar um deus, ou um sábio, que resolva os problemas é tão grande que o homem não foi capaz de lhe resistir.

Mas errou redondamente. As religiões cometeram a fraude de dar as respostas como se estas fossem a antecipação daquelas que o homem, por si só, segundo alegados ou supostos critérios de sabedoria, deveria encontrar e que, talvez, nunca alcançasse.

Carlos Ricardo Soares disse...

A resposta à questão da Sabedoria não é geral e abstracta, nem consensual, nem apenas concreta e é sempre a resposta possível. A resposta possível, não sendo a ideal, é boa, contanto que, como diz o ditado, o óptimo seja inimigo do bom.

As culturas vão corporizando e instituindo como valores aquilo que a experiência e o saber permitiram concluir que são boas soluções. Daí o dizer-se, correntemente, que as culturas são expressão de sabedoria.

Quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista das organizações e das instituições sociais, são constantes a indagação e a discussão e as decisões sobre o que, num determinado momento, para um determinado problema, é a melhor resposta. Por exemplo, a melhor resposta da religião pode não ser aceite pela filosofia e vice-versa, ou pelo positivismo, ou pela ciência. E a melhor resposta para mim, pode não coincidir com a da ordem instituída.

A Sabedoria está sempre a ser construída e reconstruída, num processo inevitável de renovação vital. Neste ponto, o que tem de ser tem muita força e não há como fugir ou impedir que se cumpra a Sabedoria. Ela é a condição humana.

Nem a Sabedoria nos abandona, porque não existe. Nem nós a abandonamos, porque não a temos.

De certa forma, Sabedoria equivale a conhecer a realidade, conhecer-se a si mesmo, identificar o erro e não agir contra a realidade, nem contra si mesmo, mas corrigir o erro.

Teremos a Sabedoria de que formos capazes, porque não há outra.

Carcomida a bengala de Deus e levados nas asas da inteligência artificial, sabedoria será a melhor resposta aos problemas da sobrevivência.

Carlos Ricardo Soares disse...

A Sabedoria não cai do céu.

A crença religiosa segundo a qual, no princípio, o homem não precisava de Sabedoria, mas que passou a precisar a partir do momento em que cometeu o erro/pecado de querer saber, tem muito significado. E, se corresponde a alguma realidade, não corresponde à narração, por exemplo, do Genesis, na Bíblia. A lógica de que só a partir da interrogação se pode precisar de saber responder e que, do reconhecimento do erro da resposta, se pode precisar de responder de novo, talvez melhor, ainda que não garantido, pode dar lugar a inúmeras narrativas diferentes, com ou sem deuses, mais ou menos fantasiosas, mais ou menos fascinantes e encantadoras. Não deixam, porém, de ser ficções construídas para tentar dar verosimilhança a uma ideia acerca de factos desconhecidos, por mais que se pretenda que sejam aceites como verdadeiros.

A crença religiosa, não se limitando ao facto de o homem ter de resolver os seus problemas, atribui significações religiosas e implicações morais à sua situação e à sua condição de dependência e de risco, onerando-o com toda a responsabilidade pelos males a que está sujeito e cobrando dele todo e qualquer benefício de estar vivo, por ser inteiramente devido à contemplação e misericórdia de Deus. Se algo corre mal, é culpa sua. Se algo corre bem, os méritos são de Deus. Para evitar os males e ter esperança, nunca a certeza, de que algo corra menos mal, ou bem, deverá empenhar-se de alma e coração e inteligência, com a única certeza de que as vantagens não foram conquistadas, mas sim providenciadas.

Então, a Sabedoria só podia significar viver na confiança e na fé da providência em observância dos mandamentos da religião. E esta Sabedoria tornava-se tanto mais concreta (e verdadeira), quanto mais era sancionada.

PARA UMA HISTÓRIA DA MINERALOGIA, NUMA CONVERSA FICCIONADA DO AUTOR COM D. JOÃO III

Por A. Galopim de Carvalho (Do meu livro Conversas com os Reis de Portugal - Histórias da Terra e da Vida , Ancora Editora, 2013) - Soube q...