Hoje o Público traz artigo de Samuel Silva e Teresa Firmino sobre o concurso de projectos da FCT, para o qual fiz declarações. Desenvolvo aqui opinião sobre o assunto, após consultar colegas:
Os projectos estão a ser um modo de dar emprego científico
obviamente temporário. Claro que sobra menos dinheiro para a
execução do projecto. Quando há colaborações que exigem missões e é necessário
desenvolver/adquirir equipamento fica, de facto, pouco
dinheiro, que pode não chegar. Além do equipamento, em grandes
colaborações, por exemplo na área da física, é preciso que várias pessoas vão ao Chile ou à
Argentina e isso é caro. Em projectos mais teóricos menos
dinheiro talvez possa chegar, embora grandes computadores sejam
caros e haja que pagar tempo de computação (um assunto em
Portugal não ou mal tratado). Além disso a política de
publicação em "open access" envolve custos que entre nós não são
assumidos de forma generalizada. No último concurso muitos projectos receberam tudo ou a maior
parte do que pediram e grande parte tinha pedido os 200 mil euros. Mas
nos projectos anteriores tal não acontecia e geralmente havia
cortes nos recursos humanos.
Daí a sensação actual de mal estar. A FCT deveria informar
que percentagem dos concursos obteve aprovação com 100 mil, o
novo tecto efectivo. E um estudo por áreas deveria indicar que
diferentes áreas custam diferente dinheiro.
Mais em geral, não é claro quanto dinheiro vai haver para a
ciência deste ano e nos próximos. Os últimos números indicam
investimento de 1,3% do PIB a Europa tem de média 2,1% e tem a
meta de 3% em 2020. Ora 2020 é já daqui a 2 anos. Alguém acredita que vamos duplicar o
investimento em ciência em 2 anos? O "roadmap" devia ser
indicado claramente pelo governo, uma vez que se trata de uma opção política. Vamos continuar a crescer até à média europeia
ou não? Estamos a falar de percentagem da riqueza existente e
não de valores absolutos, que é outra coisa.
Pior outro lado, a "regionalização" da ciência é um grande problema. Nem os
meus colegas nem eu conseguem ver como se vai incluir estrelas
de neutrões ou matéria escura tendo em contas a prioridades da
região centro? Teremos que distorcer o projecto salientando alguma coisa regional dos
grandes problemas do universo? Tanto quanto sabemos a região
centro não tem mais matéria escura do que as outras.... Poderemos ter a certeza que, verificando-se que um certo bom
projecto, que não se encaixa nas prioridades da região centro,
será financiado pelo orçamento do estado? Parece que a região
de Lisboa tem investigação científica como prioridade mas não
recebe dinheiro europeu. Então como vai ser financiado um
projecto dessa região? Terá orçamento do estado certo? E então
as outras regiões? Ficamos com a ideia que Lisboa fica com a
maior fatia do orçamento do Estado, agravando a excessiva centralização do
país. O país é muito desigual e a "regionalização" das ciências
nas comissões de coordenação regionais está longe de resolver o
problema . Não existe lá competência para avaliação, por
exemplo. E, por vezes, subordina-se a ciência à indústria ,
porque os encarregados da burocracia nem sequer percebem o que é
e como funciona a ciência e que o impacto dela na indústria
pode não ser imediato.
Os formulários do Portugal 2020 são um inferno. Dizem-me que o
"Balcão2020" é uma grande trapalhada e é preciso uma grande
coragem para entrar naquilo. Eu uso a minha coragem para outras
coisas e evito.
Toda esta trapalhada parece ser um problema herdado (o anterior
governo não soube negociar o acordo de parceria com a Europa)
mas o actual governo já teve mais do que tempo para resolver
a herança. E não a resolveu.
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