domingo, 29 de maio de 2016

MATAR

Da “Revista Expresso “ (do dia 28 deste mês), transcrevo um artigo de Luís M. Faria, que me trouxe à memória a prosa corrosiva de Ramalho: “O riso é a mais antiga e ainda a mais terrível forma de crítica. Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição, e a instituição alui-se”. Escreveu o autor do supracitado artigo:

“O debate sobre educação aqueceu de repente. Manifestações acompanhadas de insultos seguem o primeiro-ministro. A JSD sobrepõe num cartaz a cara de Estaline à do sindicalista Mário Nogueira, explicando que ambos só querem  a escola pública (à superclaque jotinha não ocorre alusões a genocidas a propósito de contemporâneos devem ser feitas com parcimónia. Usar Staline para falar de escolas portuguesas…). E um antigo primeiro-ministro, também António e do PS, fez um comentário profundo, lembrando a necessidade de ‘definir a educação como uma prioridade absoluta’ mas esquivando-se a  ‘questões de uma política concreta’.

Presente no debate, mesmo antes de Estaline, esteva a metáfora assassina. É um tropo habitual quando a discussão envolve dinheiro público, ou assuntos beatos, ou as duas coisas. O governo quer ‘matar’ os colégios com contratos de associação, disse uma representante deles. Outra foi ainda mais concreta: ‘Não se trata apenas de não abrir novas turmas. Estamos a falar de matar à machadada os colégios com contratos de associação’. Vêm à cabeça as imagens do filme ‘Shining’, com o ministro da Educação a fazer de Jack Nicholson, arrombando portas e espalhando o terror no grande hotel gelado que é a educação privada, Esse exagero dramático não trivializa as dificuldades previsíveis dos colégios e de quem neles trabalha? Quão pertinente é a comparação?

Não parece que o Governo deseje secretamente o fim do ensino privado, com alguns sábios anónimos têm sugerido na internet. Onde colocariam tantos governantes e deputados os seus filhos? Igualmente sem fundamento é a suspeita de que se pretende acabar com determinados colégios. O cidadão comum mais facilmente conclui que o que se pretende é poupar dinheiro ou então (embora colégios afetados invoquem a igualdade’, a par da ‘excelência’ e da ‘liberdade’) não contribuir para reforçar a vantagem competitiva que as crianças de classes privilegiadas já têm ao estudarem no particular. A vantagem está na qualidade do ensino e do ambiente, bem como nas pessoas que fica a conhecer – fatores reconhecidos para um futuro próspero. Porque os deve subsidiar quem os não tem, existindo escola pública para todos? Poderá haver bons motivos, mas metáforas emocionais não ajudam a vê-los. E até são algo deseducativas.”

4 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Depois de aqui no De Rerum Natura, de uma forma generalizada e durante anos, se ter dado todo o gás possível à promoção de Nuno Crato a especialista instantâneo em Educação, finalmente reconhece-se o fisco que representou a passagem desse senhor pelo Ministério da Educação, que prometeu fazer implodir o referido ministério (falta saber se queria ficar lá dentro ou não, pois não nos esclareceu esse ponto).
Sound bite que fez entrar em delírio os deputados da maioria de então.
No final do mandato resfriaram muito o seu entusiasmo perante tamanho fisco que foi a passagem de tal personalidade pelo ME.
Agora já se vê com alguma clareza o resultado da política desse senhor.
Não fazer implodir o ME, isso era o sound bite necessário para iludir os tolos, mas fazer implodir o Sistema Nacional de Educação, que, apesar do fraco ponto de partida em 1974 (especialmente quanto à universalidade da escola para todos e além do 6.º ano) e de todas as dificuldades por que o país passou - a começar no PREC e a terminar no resgate de 2011 (com outros 2 pelo meio) -conseguiu fazer progressos assinaláveis, que os vários PISA têm registado.
Vejam só, já conseguimos ficar à frente da Suécia, após a prometedora experiência da livre escolha da escola (free school), iniciada nos anos de 1990.
Este truque de ter proibido a abertura de turmas em escolas de Coimbra, Caldas da Rainha, Santa Maria da Feira, etc., etc., etc., para que os colégios de contrato de associação o fizessem, mostra bem a política ruinosa de desaproveitamento dos recursos existente (a rede de escola pública universal para 97% do país que com tanto custo se construiu), direi mesmo: política criminosa.
E isto da parte da Direita, que não se cansa (e em muitos casos com inteira razão) de acusar a Esquerda de ser esbanjadora de recursos.
Ainda bem que este governo está a tentar pôr cobro a este verdadeiro crime, travando uma luta de titãs contra forças muito poderosas.
Oxalá tenha êxito.
P. S. Isto sem deixar de reconhecer os problemas de desperdício, disfuncionalidade e de falta de qualidade que há em muitas escolas públicas, que se devem melhorar: não fechar e construir uma nova rede sobreposta à que existe.
Parece que não temos problemas de falta de recursos no país.

Rui Baptista disse...

Estou a preparar uma resposta a este seu comentário, que agradeço, a publicar proximamente.

Ildefonso Dias disse...

Senhor Professor Rui Baptista, que país este! mas haverá algum português que se preocupe verdadeiramente com os milhões da Educação, gastos neste ou noutro sitio!!? haja paciência! repare nisto, então não estamos nós, contribuintes, a financiar com muitos milhões um sistema de misseis na fronteira com a Rússia, que nos pode trazer de oferta um simpático Bulava/Iskander que em poucos minutos nos transforma a Todos em pó das estrelas? quem está preocupado, quem quer discutir isso neste país?
Ninguem digo, eu, nem tão pouco o PCP que no seu acordo de Governo, exclui toda a temática, porquê? Pode dizer-me algo, isso não o preocupa a sí mais que tudo?
Na verdade não penso que os portugueses sejam suficientemente tolos para se preocuparem com mais milhão menos milhão gasto na Educação, se não se preocupam com coisas mais sérias e graves! só estranho é que o sistema é o mesmo, mas sempre há filhos e enteados, ou melhor são as conveniências momentâneas dos partidos políticos.

Cordialmente,

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Estou de acordo consigo no que tange aos milhões gastos em outras situações, embora tenha da maior importância chamar a atenção para o facto dos colégios com contrato de associação, que se assumem como o supersumo, serem parasitas dum ensino oficial que se vai degradando dia-a-dia com a hemorragia de dinheiro que lhe é destinado em prejuízo de escolas oficiais de longa e cimentada tradição.

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