sábado, 14 de maio de 2016

Designação, precisa-se

“Não temos de estar sentados a olhar para uma pessoa a falar durante 45 minutos. 
Estamos à procura das coisas e aprendemos por nós.” 
Aluno português do 8.º ano de escolaridade. 

O "eduquês" que, durante duas ou três décadas, acendeu as discussões em matéria de "pedagogia", de repente, como que por artes mágicas, desapareceu! Ninguém se lhe refere.

Porém, entendo eu, na devastação da missão da escola e da função dos professores, com prejuízo para os alunos (que não podem, em circunstância alguma ser prejudicados), o "eduquês" era uma brincadeira de crianças quando comparada com a cartilha que temos instalada pelo mundo fora. Portugal não é excepção.

Se antes eram os académicos, os pretensamente académicos e os anti académicos a fazer umas confusas e antiquíssimas dissertações, que apresentavam (e acredito que muitos o faziam com boa vontade e convicção) como "descobertas do século", o que temos agora é o pior dessas dissertações, devidamente operacionalizadas e melhor publicitadas.

Há, neste momento, um "pronto-a-usar", que se traduz numa harmoniosa conjugação de slogans e de recursos tecnológicos, nas mãos de empresas e de consórcios poderosíssimos, que se têm infiltrado nos sistemas educativos, chegando ao ponto de decidirem os seus desígnios.

Desígnios que, obviamente, estão longe de concorrer para os fins - discutíveis, eu sei - que a escola deve perseguir, sempre de modo altruísta, sem outro fito que não seja o bem dos alunos, da sociedade e da humanidade.

Neste ponto, reafirmo o que já escrevi no De Rerum Natura, o problema não está do lado destes poderes (pseudo-educativos) instituídos, pois visam fins diferentes dos da escola: são, claramente, o marketing, o lucro. A sua natureza e estratégia, por muito que nos desagrade, é essa. E só quem não quer é que não percebe uma coisa tão simples.

Volto ao tal "pronto-a-usar" para explicar que ele se alicerça em expressões como "a escola do século XXI", a "sala de aula do século XXI" e, em inglês (que, com mais propriedade, legitima qualquer coisa) as "learning street", as "invertid classroom", as "flipped classroom", as "future classroom", os "future classroom lab", etc, etc, etc.

Tudo isto tem uma arquitectura, um mobiliário e uma decoração a condizer e, claro, as novas tecnologias da informação e da comunicação que chegaram ao centro do sistema, da escola, da sala de aula ou, no caso de ela ser desmantelada, como insistentemente se advoga, do espaço onde os alunos estiverem.

Agora é que não pode mesmo haver lugar para o ensino-ensino (sendo que o ensino não se pode reduzir ao que nessa "cartilha" se diz que é: o professor fala, os alunos, calados, escrevem), nem para o professor-professor (cuja função é estruturar e conduzir a aprendizagem a partir de um saber profissional que tem e das circunstâncias que encontra), nem para o estudo ou trabalho por parte dos alunos. Isso era dantes!

Afirma-se que no cenário que acima descrevi (e que já está, efectivamente, a funcionar em algumas das nossas escolas), os alunos, sozinhos e uns com outros, descobrem (mesmo) o conhecimento que lhes interessa; o professor é (mesmo) um "mero" isto ou aquilo... um "recurso", como tenho lido, mas, atenção, um recurso secundário, porque o primário é a tecnologia - computador, tablets, telemóveis, impressoras 3 D, quadros interactivos...

Livres da pessoa-que-fala, num ambiente agradável e lúdico, tendo à sua disposição uma panóplia de jogos (perdão, "games") a motivação dos alunos dispara e os problemas de aprendizagem ficam resolvidos. Pergunta-se-lhes e é o que eles dizem. Veja-se, a título de exemplo, a citação acima de um miúdo do oitavo ano.

O que me preocupa é não haver no nosso país reacção a tudo isto: os especialistas em educação com discernimento não se querem envolver, vão fazendo os seus estudos para cumprir a exigência de publicação, bem os compreendo; os professores que dão depoimentos aos jornais, são os que estão envolvidos nas "experiências inovadoras" que o tal cenário requer e apresentam-no como idílico, os que discordam fazem como os mencionados especialistas, não estão para arranjar problemas; os jornalistas, que deviam perguntar, não perguntam, reproduzem; os pais estão deslumbrados porque lhes é prometido um paraíso soft para os filhos, afinal quem gosta de ver os filhos com angústias escolares?; os políticos fazem o seu papel, afirmam (como ouvi recentemente a um responsável máximo) prosseguir uma "política progressista" e quem dela discorda "apresenta uma visão conservadora" contra a qual é preciso "lutar".

Este cenário havia, ao menos, de ter uma designação!

1 comentário:

Anónimo disse...

É pura engenharia social, os hipócritas que aguentaram a lavagem ao cérebro são os idiotas de serviço, tão idiotas que acreditam reealmente nas besteiras que falam, afinal, ganha-se bem a destruir o que de melhor tínhamos. Como diz o Olavo de Carvalho trata-se de "fé metastática" < http://sofos.wikidot.com/fe-metastatica >

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