A leitura da entrevista realizada por Isabel Leiria à ministra da Educação e publicada no jornal Expresso de hoje incide em três aspectos de fundamental importância no nosso sistema educativo: reorganização da rede escolar, metas de aprendizagem e avaliação das aprendizagens académicas.
No que diz respeito a este último aspecto, apesar de algumas frases dessa entrevista serem pouco explícitas e outras equívocas, do seu conjunto ressalta a ideia, nada inovadora, de que os alunos devem transitar sempre de ano de escolaridade, visto que daí resultam mais benefícios para eles próprios do que a retenção. Este foi, aliás, o entendimento dos jornalistas que se debruçaram sobre a dita entrevista e dos políticos, da esquerda à direita, que em declarações, a jornais e canais de televisão, se mostraram frontalmente contra a possibilidade de concretização dessa ideia.
Entendo que se trata duma ideia com um forte pendor político e económico, mas não é por essas vertentes que pretendo comentá-la, mas sim pela vertente pedagógica.
Um primeiro comentário que teço incide na comparação que a ministra fez entre a avaliação que tem lugar nos sistemas educativos do sul e do norte da Europa. Ora, apesar de se aplaudir a contextualização das decisões educativas, neste assunto tal exercício falha redondamente. E falha porque a importância que se atribui à escola e ao conhecimento que ela veicula é muito diferente nestes dois contextos, em desfavor dos países do sul, com destaque para o nosso. Quando a sociedade, as famílias, os professores valorizam a escola e o conhecimento que ela veicula, é “natural” que transmitam essa atitude às suas crianças e jovens e que os incentivem a aprender, sendo que este incentivo faz toda a diferença.
Por outro lado, não é verdade que nos países nórdicos não exista retenção. A taxa de retenção é muito baixa mas, como a ministra referiu, ela existe. E ainda bem que o referiu, porque a verdade é só uma: ainda que tenhamos como objectivo - um objectivo louvável, aliás - de ter as crianças e jovens na escola, não sabemos, ou não sabemos ainda, como “ensinar tudo a todos”. Esta expressão de Coménio (1592-1670) tem sido, efectivamente, a grande ambição dos pedagogos, ambição que, apesar do conhecimento de que hoje dispomos, ainda não conseguimos concretizar.
Um segundo comentário prende-se com as extrapolações que se fazem dos dados de estudos científicos. Vejamos: no caso, estamos a falar daquilo que se se designa por "avaliação sumativa", a qual serve para classificar as prestações académicas dos alunos e, assim, diferenciá-las numa escala, o que permite, em certas circunstâncias, decidir a sua passagem ou reprovação e/ou atribuir-lhe um certificado.
Ora, é esta avaliação que está em causa, ou melhor, as decisões que dela decorrem. Nesse sentido, invocam-se estudos que indicam que a retenção dos alunos não melhora o seu rendimento escolar. Dados que, numa leitura apressada, nos levariam a pensar que é preferível não os reter, deixá-los progredir, para que o seu rendimento escolar melhore. Porém, não é isso o que acontece, pois, se deixarmos avançar os alunos que segundo critérios de ciclo ou de ano ficariam retidos, verificaremos que eles não progridem nas aprendizagens escolares como os seus pares que transitariam sem problemas, acentuando-se as diferenças à medida que avançam, uns e outros, na escolaridade.
Além disso, há estudos que indicam que os exames mais do que importantes, são fundamentais para as próprias aprendizagens: quando se fazem exames que são vistos como sérios, os alunos aprendem mais e as suas aprendizagens revelam-se mais consolidadas. Isto acontece porque, nesta circunstância, muitos, ainda que não todos, percebem que têm de estudar, de fazer um esforço que depende em grande medida deles para se apropriarem dos conhecimentos, para os integrarem na sua estrutura cognitiva.
Um terceiro comentário prende-se com o facto de a ministra ter referido que se devem assegurar apoios vários aos alunos que não aprendem como é desejável. Concordando, evidentemente, com esta estratégia, que se afigura incontornável na escola do presente, na medida em que todos têm o direito de aprender, considero, no entanto, que aqui há um duplo problema que é o seguinte: em geral, o apoio, no caso de acontecer, acontece muito tempo após os primeiros sinais preocupantes revelandos pelo(s) aluno(s) ou pela turma, e dispensa profissionais especializados no apoio a alunos e a professores.
Assim, os problemas de aprendizagem (alguns dos quais são de ensino) que as crianças e jovens revelam vão-se arrastando e, obviamente, agravando até se tornarem problemas sem solução, sendo certo que muitos deles se resolveriam se a intervenção fosse atempada e adequada.
Em suma, e tendo em conta as palavras da ministra, não posso deixar de perguntar: o que fazer com os alunos que não adquirem os conhecimentos nem desenvolveram as capacidades cognitivas, relacionais, motoras, consideradas como fundamentais para um determinado ano lectivo e ciclo? Transitam para o(s) próximo(s)? E se não fizerem as aquisições neste, transitam para o próximo? Até onde?
sábado, 31 de julho de 2010
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2 comentários:
Cara Helena Damião,
A sua questão é deveras interessante se o Ministério estivesse realmente interessado na aprendizagem dos alunos. O problema é que se está completamente nas tintas para isso.
Hoje, o Ministério da Educação, tem apenas uma preocupação:
- Garantir a sua sobrevivência.
Com a sua missão muito bem definida, o ministério tem reduzido custos apenas e só para garantir o apoio do Governo, tem facilitado a vida dos alunos e das famílias de forma a ter o apoio da CONFAP e tem facilitado a entrada no ensino superior para garantir o silêncio da grande maioria destas instituições.
Na redução de custos tem valido tudo, mas é uma forma inteligente de evitar a fusão dos ministérios da educação e do ensino superior.
Para garantir o apoio da CONFAP, transformou a escola num centro de guarda e entretenimento de crianças e jovens, chegando ao ponto de distribuir electrodomésticos "modernos" (Magalhães) a todas as criancinhas de Portugal e da Venezuela. Esta estratégia é deveras inteligente.
Finalmente, sabendo que em toda a Espanha existem 73 instituições de ensino superior e na Alemanha 70 percebe que em Portugal existem instituições em número claramente excessivo. Sabendo isto e sabendo que as Universidades e Politécnicos necessitam de alunos para terem receitas para sobreviverem, o Ministério da Educação de forma sábia reduziu de forma muito substancial o grau de dificuldade dos exames de acesso ao ensino superior desde 2005 e com isso garantiu o silêncio de reitores e presidentes de politécnicos sobre as condições em que lhes chegam os alunos. Decisão sábia esta.
Esta entrevista teve como finalidade apalpar terreno e contas espingardas para perceber o que deve continuar a fazer.
Infelizmente, o Ministério da Educação é apenas isto...! Tenho pena que quem lá trabalha não perceba que está a cavar a sua própria sepultura... e que quem por lá vai passando como ministro ou ministra não perceba que está lá apenas para assinar despachos!
Concordo com a argumentação da Helena Damião. Bem estruturada, desmonta as ideias da Ministra. Enquanto continuarmos a subsidiar uma ideia pedagógica com ideologias, as coisas não se resolvem. Mais do que medidas desta género, avulsas e demagógicas, é necessário incrementar um sistema de fácil resolução. Os professores estão na escola para ajudar quem realmente quer. É sobre aqueles alunos que revelem dificuldades de aprendizagem que a sua tarefa deve incidir. Para tal, é necessário que os dados dos alunos transitem de ciclo para ciclo e de ano para ano. Através de reuniões, essas sim essenciais, definem estratégias de ajuda. Para quem tenha problemas de comportamento (na minha vida de estudante sofri com isso) não podem nem devem prejudicar os colegas. Para tal, a Psicologia e a própria Psiquiatria devem possuir mecanismos de análise, sem, contudo, entrarem por dogmatismos como tem acontecido nos últimos anos.
Os jovens têm de possuir uma existência balizada. Com a predominância hormonal, a racionalidade está em construção, por esse motivo, é exigível que saibam por onde navegam. Creio que, e é obviamente um ponto de vista pessoal, que estamos a educar os jovens como se fossem adultos, o que tem efeitos perniciosos.
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