O que se passa no sistema educativo português faz-me lembrar, com mais frequência do que eu gostaria, certas novelas, em versão “foto” e, depois, em versão “tele”, produzidas segundo a fórmula “puxar ao sentimento”, que há umas três para quatro décadas se tornaram o tema principal de conversa da nação.
Essas telenovelas de tão longas e por nelas se introduzirem tantas reviravoltas, a fim de agradar a todos, facilmente passavam para o domínio do incompreensível. Ainda assim, as pessoas continuavam alegremente a vê-las e a falar delas apaixonadamente, apesar de, às tantas, já não saberem explicar como é que a história havia começado, nem a mudança do enredo, nem quem era quem, ao que tinha entrado e que destino teria. Isto, aliás, não importava muito porque o que interessava às pessoas o entretenimento.
Numa paródia a essas novelas, o actor Nicolau Breyner, como um sotaque abrasileirado, repetia no final de cada episódio: “o que mais lhe irá acontecer?”. Fala que hoje já não teria grande sentido porque, entretanto, quer gostemos do género ou não, temos de reconhecer que as histórias, os desempenhos, as técnicas melhoraram muitíssimo. Eu arricaria dizer: ao contrário do sistema educativo, onde a impressão de tudo se repetir, não se conseguindo sair do mesmo estado, é uma contante...
Este pensamento foi o que me ocorreu ao ler uma notícia sobre a (mais uma) revisão do Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário. Um pensamento nada edificante de quem, como eu, trabalha na área da Pedagogia, mas que outro pensamento se pode ter perante tanta instabilidade, tanta confusão, tanta opinião?
Lembram-se os leitores, sobretudo aqueles que fazem um esforço (é esta a palavra certa) para estarem a par das medidas para a educação, quantas versões desse Estatuto surgiram num passado próximo? Qual era o texto de cada uma? Que alterações sofreram, com que argumentos e defendidos por quem?
Eu que as li todas, e com intenção de estudo, dou a mão à palmatória: não me lembro. Até porque o Estatuto da Carreira Docente também sofreu alterações várias, o mesmo aconteceu com a Avaliação do Desempenho Docente, etc, etc, etc.
Pode até ser que as alterações agora introduzidas no Estatuto do Aluno estejam correctas, mas, entretanto, perdeu-se o sentido do todo: nem professores e outros educadores, nem pais/encarregados de educação, nem alunos, nem sociedade em geral, conhecem, neste momento, o seu conteúdo em pormenor sem terem dúvidas acerca do mesmo. E estamos a falar de uns milhões.
NOTA: Sobre as novas alterações introduzidas nesse Estatuto e algum debate que tem surgido nos jornais pode ler-se:
- aqui e aqui artigos de Pedro Sousa Tavares, publicados no Diário de Notícias;
- aqui a notícia da Lusa, publicada no Público;
- aqui artigo de Graça Barbosa Ribeiro, publicado no Público.
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3 comentários:
A escola será assim a metáfora do quartel, e a lei
a solução preguiçosa que dispensa trabalhos de investigação sobre as causas de um menino mal comportado que atirou uma pedra ao vidro, pedra que provavelmente pretenderia agredir alguém que o tem atormentado, mas, porque não pode nem deve fazê-lo, o vidro será o estrago menor.
Assim, fazemos como o Pôncio Pilatos: "Lavamos daí as nossas mãos."
A proliferação de normativos jurídicos com que se empilham resmas de papel, destina-se a descansar a nossa responsabilidade de andar a indagar as razões comportamentais fora da norma do João ou do José.
Assim é mais fácil, aponta-se o dedo ao menino-soldado, suspende-se o menino, e dormimos sossegados e tranquilos, e no "Dia da Criança" comemoramos a geração futura, e, por este andar é provável que num futuro próximo também, no "Dia da Criança", porque é um dia comemorativo, possamos levantar alguns castigos, tal como o Presidente da República, no dia de Natal, põe uns tantos presos na rua.
A partir daqui, se tivermos vergonha na cara, devemos eliminar do calendário o "Dia da Criança", para não passarmos por cínicos e fingidos.
Li, não me lembro se num livro se na Internet, que segundo Platão as leis devem ser antigas e pouco alteradas, para se apresentarem às pessoas como mais respeitáveis.
A ideia de Platão está errada, pois se fosse assim as mulheres ainda não teriam direito de voto e o trabalho infantil não teria sido criminalizado.
No entanto, em Portugal, sobretudo na educação, estamos no outro extremo. Pelo que se tem assistido, a mudança constante e improvisada (sem se basear em estudos sérios e efectuada sem planeamento nem avaliação do impacto) talvez seja pior que a ausência de mudança.
Com efeito, no período correspondente ao dos governos de Sócrates quase todas as mudanças na educação foram para pior.
Mesmo assim, esta última mudança é bem-vinda. O estatuto do aluno em vigor é tão mau que se impunham, por nomeadamente por razões de funcionamento das escolas, algumas alterações. AS medidas correctivas e as provas de recuperação, além de não terem qualquer impacto pedagógico nem dissuadirem o absentismo, sobrecarregavam os professores e os directores de turma de trabalho burocrático e inútil. E acima de tudo: o facto de o absentismo só após muitas peripécias poder ser penalizado com a exclusão desresponsabilizava os alunos. Se bem percebi as notícias, com a actual revisão essa responsabilização regressa.
É como diz Professora Helena.
E dentro das escolas como fora delas já ninguém, professores, alunos e encarregados de educação liga peva às leis.
Vai-se zonzo, pela toada, com as cautelas possíveis. E dá vontade de gritar:
O Ministério tem sempre razão!
E se a nâo tem
É como se a tivesse.
Se isto impressiona alguém
Que o não confesse.
E lá diz o ditado:
Na terra do bom viver,
faz-se como se vê fazer.
- Este adágio é um achado.
Assim não vamos, estamos.
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