domingo, 25 de julho de 2010

O NEGÓCIO DAS PULSEIRAS QUÂNTICAS

Entrevista que dei ao "Correio da Manhã" sobre "pulseiras quânticas" e da qual foi publicado hoje um breve excerto:

CM- Várias pulseiras como a Power-Body, a Power-Balance ou a Infinite estão a ser comercializadas como uma forma simples e eficaz de restituir ao corpo humano equilíbrio, flexibilidade e resistência através de hologramas quânticos, cuja frequência terá influência no bem-estar pessoal. Todas estas marcas fazem referência a supostos estudos científicos que testam os seus benefícios, embora não citem nenhum. Pergunto-lhe se é possível que estas pulseiras tenham algum efeito no bem-estar, se são capazes de equilibrar a nossa energia e porquê?

CF- Não, não é possível que haja um efeito objectivo. A expressão "equilibrar a energia" não significa rigorosamente nada. É absurda. Quando muito funcionará como a astrologia: quem quiser acredita, mesmo que não haja qualquer base científica. Devo acrescentar que quem faz pretensões extraordinárias de um produto é que tem de fazer a prova dessas pretensões. Têm de provar os efeitos e não dizer qualquer coisa e ficar à espera que alguém prove o contrário. Ora até hoje não existe nenhuma prova de efeitos dessas pulseiras. É tudo treta. Não há nenhum fundamento científico. "Ionização negativa", "frequências naturais emitidas por hologramas", etc. tudo isso são fantasias. É banha da cobra!

CM- O que significa energia quântica?

CF- Aqui não significa nada. Não se devia usar sequer a expressão. Só há quatro formas de energia, ligadas às quatro forças fundamentais que se conhecem: gravítica, electromagnética. energia nuclear forte, e energia nuclear fraca. Na teoria quântica - teoria que nos permite entender os constituintes fundamentais da matéria - podem entrar os três últimos tipos de força (até agora não há uma teoria quântica da gravidade que seja consensual). Mas nada disto tem a ver com pulseiras...

CM- Existe algum estudo que corrobore esta suposta tecnologia presente nas pulseiras?

CF- Não, nenhum que eu conheça.

CM- Tenho conhecimento de um estudo realizado pela Universidade Politécnica de Madrid que, ao estudar a possível influência da pulseira Power Balance no equilíbrio das pessoas, concluiu que estas não tinham qualquer efeito. Existem mais estudos neste sentido?

CF- Não conheço esse estudo. A referência é muito vaga. Quais são os autores? Onde foi publicado? É possível que haja outros estudos, pois estuda-se qualquer assunto. Este assunto a mim não me interessa, a não ser do ponto de vista de cultura científica. Interessa-me o que ele mostra sobre a falta de cultura científica, algo mais do domínio da sociologia da ciência do que da ciência propriamente dita.

CM- Estas pulseiras têm algum efeito, positivo ou negativo?

CF- Não, nem positivo, nem negativo. Só fazem mal à carteira pois são caras. Um holograma é uma coisa inócua e uma tira de silicone também. Se se identificar algo que se possa medir de forma objectiva, o que me parece difícil (bem-estar é uma noção vaga) funciona o efeito placebo: sabe-se das ciências da saúde que algumas pessoas acreditam que vão ser curadas e curam, mesmo quando estão a tomar algo sem efeito nenhum.

CM- Que conselhos daria às pessoas que já têm estas pulseiras ou que estão a equacionar adquiri-las?

CF- Às que já têm nenhuns, já foram enganadas e só espero que não o voltem a ser. Às que não têm que pensem bem se querem contribuir para lucros de comerciantes sem escrúpulos. Mas cada um é livre, claro.

CM- O facto de, por exemplo, se atribuir a criação da pulseira a um cientistas da NASA é apenas um pretexto para captar a atenção e tentar vender uma imagem de credibilidade?

CF- Claro que é apenas um pretexto! Mas que cientistas da NASA? Há milhares de cientistas da NASA! E onde está, na NASA, a recomendação das pulseiras?

CM- Há várias pessoas que afirmam ter melhorado os seus rendimentos desportivos ou o seu bem-estar graças ao uso destas pulseiras. Esse facto poderá estar relacionado com o efeito placebo?

CF- Sim, pode. Esse efeito é bem conhecido. E as pessoas dizem muita coisa.

CM- Podemos comparar estas pulseiras com as famosas Tucson?

CF- As Tucson não serão assim tão famosas, porque eu não me lembro delas. Mas não sou especialista em pulseiras. Sou apenas um físico que leu uns disparates sobre pulseiras com "hologramas quânticos" que emitem "frequências naturais" que ajudam o "campo electromagnético do corpo". Isto é uma confusão de palavras que, embora isoladas possa, nalguns casos, fazer sentido, no seu conjunto não fazem sentido nenhum.

CM - A pulseira Infinite, através de um site (aqui) refere um suposto estudo que comprova os seus benefícios. Este estudo é fidedigno?

CF- Não, não é. Nem é fidedigno nem é sequer estudo. É mais um dos muitos disparates de pseudociência, isto é, algo que se faz passar por ciência para ganhar credibilidade, mas está nos antípodas da ciência. O sítio que indicou contém aliás um chorrilho de asneiras. São tantas que é difícil dizer qual é a mais grave. É a ignorância científica ao mais alto grau. Porquê perder tempo com isso?

14 comentários:

Anónimo disse...

« Devo acrescentar que quem faz pretensões extraordinárias de um produto é que tem de fazer a prova dessas pretensões. Têm de provar os efeitos e não dizer qualquer coisa e ficar à espera que alguém prove o contrário. »

Tenho dúvidas. Se eu digo que uma coisa é, é porque estou convencido que é. Cabe a quem discorda provar que não é — aliás, é isso que a ciência faz todos os dias: provar que algumas teorias não são.

Anónimo disse...

A linguagem da ciência é mesmo assim: inequívoca e frontal: não faz jeitos a ninguém! JCN

Sien disse...

@espectativas

Nesse caso teria de admitir como válida uma afirmação do genero:

"os elefantes voam!"

e, teria de ser o senhor a provar o contrário, consegue?

já quando refere "isso que a ciência faz todos os dias" falta-lhe um peque no promenor, de uma importância termenda! As afirmações cintificas têm de ser passiveis de contra-prova, ie têm de fazer afirmações concretas sobre factos mensuraveis.

Anónimo disse...

Afirmações como as que vossemecê refere.. não se provam nem desaprovam: fazem-nos rir, como disparates que são. Tolices! JCN

Anónimo disse...

Há pessoas que gostam de falar... apenas por falar, nem que seja para dizerem que "os elefantes voam". Valha-os Deus! JCN

Anónimo disse...

@ Sien

Obrigado pelo seu comentário. Temos que nos habituar todos a lidar com os argumentos dos outros.

Vamos aos princípio da refutabilidade de Karl Popper: só é passível de ser categorizada como científica uma teoria que seja refutável. Por exemplo, se eu digo que “todos os cisnes são pretos”, e se se constatar que existe um só cisne branco, a categoria “cisnes” passa a ser passível de análise científica. Esta é uma das regras de ouro do positivismo.

Portanto, é a possibilidade de refutação de uma teoria que a transforma em ciência, ou melhor, que a inclui nos parâmetros da ciência positiva.

Se eu digo que as pulseiras fazem milagres, esta minha teoria só se transforma em ciência quando e se for refutável, ou seja, se existirem mecanismos que a submetam à contrastaria da verificação. É a própria possibilidade de refutação que valida a teoria científica, e não a sua afirmação.

Se eu disser que “existem sereias porque eu vi uma sereia”, em princípio não existe a possibilidade de refutar esta minha teoria, a não ser que a experiência deixe de ser subjectiva — a minha experiência — e passe a ser intersubjectiva — mais gente viu sereias. No primeiro caso, a categoria “sereias” não pode entrar no arquivo das coisas a que a ciência positiva se pode dedicar. Porém, a ciência positiva nunca pode provar ou verificar que uma coisa não é; apenas pode verificar que uma coisa é.

No caso concreto das pulseiras, existe uma teoria que diz que elas são XPTO. Se essa teoria for refutável, a teoria XPTO é válida; se não for refutável, ela não é válida e estamos no terreno da metafísica.

Em resumo: cabe à verificação, e não à afirmação, o ónus da validação científica.

Anónimo disse...

Meu caro amigo: se todos os cisnes são brancos, mas há um que é preto, é porque este... é anormal. "Mutatis mutandis", em terra de cegos, quem tem um olho... é deficiente (Vergílio Ferreira). JCN

Anónimo disse...

Depende do "olho". Hoje é mais gay.

Anónimo disse...

Vossemecê lá sabe... por experiência própria,suponho eu. JCN

Anónimo disse...

Eu já tenho uma certa idade; sou do tempo em que ainda lia nos livros que "fornicar" se escrevia com PH. Deixo essas novas experiências para gente mais nova... e fresca...

dorean paxorales disse...

está tudo doido. a farmacêutica Bial financia BICs em parapsicologia, aprovadas pela FCT!

http://www.bial.com/pt/fundacao_bial.11/b_investigacao.18/bolsas_2010_2011.81/bolsas_2010_2011.a142.html

Unknown disse...

Caro espectativas,

Se o sr está convencido de algo, cabe a quem discorda provar que não é! obviamente que sim ... para si, no seu pequeno universo! Mas para a sociedade em geral, cabe a si provar aquilo de que está convencido! Isto se quiser que a generalidade dos outros que não o sr lhe dêem credibilidade.
Todo o resto do que disse não passa de conversa da treta de quem se julga muito inteligente e se acha muito mas na realidade não o é! Escreveu muito sem dizer nada. Pelo menos nada que merecesse a pena ser retido. Afinal de contas, uma falácia tão usual!

Unknown disse...

Queria perguntar então ao "dono da verdade": Porque as pulseiras funcionam até em quem não acredita???

Anónimo disse...

As pulseiras não funcionam em ninguém. Esse é o facto. A explicação está escrito no texto. Favor reler.

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