segunda-feira, 5 de julho de 2010

DIÁLOGO SOBRE O EDUQUÊS


Guilherme Valente enviou-nos esta resposta, mais longa do que é normal num comentário, a um comentário de Carlos Albuquerque ao seu artigo anterior sobre o eduquês. Porque o De Rerum Natura gosta de polémica civilizada, destacamos aqui a resposta:

Prezado Amigo:

Suponho que terá escrito o comentário a que me refiro antes de ler os dois pequenos textos que coloquei no De Rerum Natura, que me parecem esclarecer as suas questões. Outro comentário entretanto publicado é também esclarecedor. De qualquer modo sinto dever-lhe a cortesia de uma resposta.

Permita-me a imodéstia de supor que, se o meu Amigo, com a inteligência que visivelmente tem, tivesse lido os inúmeros artigos que escrevi (se não, não se preocupe...), saberia identificar o corpo de ideias, a praxis, os objectivos e os efeitos terríveis do que decidimos designar com a expressão eduquês. Podíamos ter escolhido outra expressão, por exemplo: pedofascismo, logofobia, PITC (pedagogia irracionalista totalitária em curso), LPEC (loucura pseudoeducativa em curso). O eduquês gosta muito de siglas, o que é uma maneira possível, embora não rigorosa, de o identificar: veja como as siglas inundam e tornam ainda mais ilegíveis os documentos escritos em eduquês emitidos pelo Ministério da Educação, ME – só com glossário…).

Como sabe o termo eduquês foi criado, num momento de génio, por Marçal Grilo para designar a linguagem incompreensível (geralmente vazia mas pretensiosa, pouco letrada, na realidade frequentemente tonta, digo eu) dos autodenominados especialistas em «ciências» da educação (ponho aspas nas ciências por considerar que o que produzem, em geral, de ciência não tem nada). E nós adoptámos (e fixámos) o termo para designar não apenas a forma, mas também o conteúdo.

Como não é praticável (nem lhe recomendaria que o fizesse…) pô-lo a ler os meus artigos, sugiro-lhe que consulte o livro de Nuno Crato O Eduquês em Discurso Directo. Como o título indica, nele encontrará o eduquês expressivamente explicado pelos próprios representantes. E, como receio que algum dos nossos leitores pense que estou a querer vender-lhe um livro que editei, terei muito gosto em oferecer-lhe um exemplar.

De qualquer modo, sem grandes preocupações de estilo, que não tenho agora tempo, digo-lhe que o eduquês é uma mistura sincrética (perdoe-me o jargão filosófico) de duas componentes: uma ideologia ou mundovisão totalitária e as chamadas novas teorias pedagógicas, que, na verdade, são velhíssimas, geralmente mal compreendidas e veiculadas sobretudo por correntes até há pouco dominantes na sociologia da educação. Com pais fundadores e fontes recentes de inspiração bem referenciados, de Rousseau a Bourdieu. O meu Amigo conhecerá certamente os nomes mais representativos.

Quanto à ideologia, se a quisermos dessincretizar da pedagogia para melhor a podermos identificar, encontramo-la nos vários extremismos igualitários, das utopias milenaristas às seitas apocalípticas, passando, numa versão ainda mais trágica, pelos totalitarismos mais recentes, tudo afinal reacções irracionalistas à modernidade.

Como saberá, o eduquês foi importado - tarde, como acontece sempre em Portugal, quando lá fora já eram conhecidas as suas consequências e começava a ser fortemente contestado. Entre nós soube usar, numa mistura explosiva, o pior da mais velha cultura portuguesa: num país estatizado, centralizado e súbdito como o nosso, com um baixíssimo nível de instrução, sedento de emprego, de estatuto e de poder, conquistado o ME, usando o nepotismo e o medo, infestou tudo, teve o efeito de uma bomba atómica, destruidor da inteligência e da vontade das nossas crianças, condenando uma parte enorme delas à ignorância, ao analfabetismo (ou, se preferir um termo eduquês, à "iliteracia"), ao abandono escolar intolerável, à exclusão e à delinquência, tragédia que hoje só a cegueira fanática, o medo, ou a cega avidez de manter o tacho e o estatuto não deixam ver.

Sempre telegraficamente, sem preocupação de estilo e com o sacrifício de algum rigor (estou a escrever, à pressa, para um blogue) dou-lhe mais as seguintes pistas (a listagem não é exaustiva) para identificar o eduquês, pistas que acrescento às que foram claramente enunciadas por outro comentador:

- Espírito de seita (com as suas dissensões, que com o declínio se multiplicarão), irracionalismo, ódio ao mérito e ao «saber letrado», à liberdade, à autonomia individual, à pluralidade, à sociedade aberta, horror à avaliação, desprezo pelo conhecimento que distingue e eleva, menosprezo pelo papel do professor, rejeição da hierarquia – para o eduquês o aluno é igual ao professor - e da autoridade assente na responsabilidade, no conhecimento e no mérito (excepto a sua própria autoridade, dos que impõem o eduquês, dos intérpretes iluminados na tal «vontade geral» rousseauniana que, finalmente, harmonizaria a sociedade e a humanidade - desculpe o recurso especializado à «vontade geral»; publicámos um bom livro em que a ideia é claramente explicada, Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade).

- Rejeição e aniquilamento da escola como «ascensor social» (dizem, como sabe, que reproduz as desigualdades da sociedade burguesa… na verdade, é a solução mais eficaz e universalmente acessível para as ultrapassar e realizar a mobilidade social); do conhecimento que conta; da educação para a urbanidade, que geraria uma convivência «interclassista», no dizer do eduquês, que este não tolera.

- Subestimação, na verdade rejeição, dos valores e da cultura que diz «burgueses», valores e cultura que permitem o progresso e a distinção pessoais, com que o eduquês não se preocupa (excepto quando está em causa a formação dos próprios filhos, como é fácil provar…).

- A ideia de que todos os saberes se equivalem, humana, social e epistemologicamente, com o mesmo estatuto e natureza, por exemplo a ciência igual à magia.

- A ideia sempre insidiosamente glosada de que se pode aprender sem esforço. O cultivo da atrofia da memória, ignorando que só é possível pensar com informação (como escreveu Carl Sagan: «Saber não equivale a ser-se muito esperto, a inteligência é mais que informação; é, simultaneamente, discernimento e capacidade de utilizar e coordenar a informação. E, todavia, a informação a que temos acesso é o índice da nossa inteligência.» [sublinhado meu]).

- O encorajamento irresponsável da indisciplina, que é vista como manifestação saudável de ressentimentos, ligados à desigualdade social, e de libertação (esquecendo que as crianças não são insectos e que, por isso, sabem distinguir o bem do mal). A ideia, ERRADA, intelectual e culturalmente indigente, de que a escola igualitarista produz a igualdade na sociedade.

Direi ainda, recorrendo de novo a uma distinção tão expressivamente descrita por Sagan, que o eduquês valoriza, em suma, o que é da parte reptiliana do cérebro humano, e estigmatiza o que é do córtice cerebral, que controla a nossa vida consciente, que produziu o nossa civilização. É esta parte distintamente humana do nosso cérebro (sentimentos os animais também têm), em que lidamos com a música e com a matemática, fonte da consciência e da moral, que impele o homem para o conhecimento e para a solidariedade, distinção da nossa humanidade, destino inapelável do homem que nenhum obscurantismo poderá alterar.

A enumeração não pararia. Mas, sobretudo, uma repugnante ultrareaccionária visão do ser humano: vêem-no inapelável e definitivamente determinado pela situação social. Esquecem ou ignoram a inteligência, a liberdade e a vontade humanas, fontes de imprevisível novidade. Em todas as circunstâncias, mesmo nas mais desfavoráveis. Por isso odeiam a inteligência e a liberdade, que nenhum totalitarismo ou fanatismo conseguiu até hoje exterminar, seja com escolas ou campos de morte. Inteligência e liberdade que os impedem de nos meterem a todos, e à realidade toda, na ideologia.

Poderá identificar o eduquês também pela tragédia das suas consequências. A nossa escola e o nosso país são um laboratório perfeito para essa observação. Mas há uma observação mais simples: quando o colocarem perante uma expressão bem sonante, mas que ao meu Amigo pareça não querer dizer nada, ou querer dizer tudo, ou dizer o que já se sabe há milhares de anos, ou que a Filosofia há muito tenha pensado, então anda aí o dedo do eduquês, isto é, do «saber» produzido pela generalidade dos «cientistas» da educação. Especialmente dos que usam totalitariamente as escolas de formação de professores para idiotisar os candidatos à docência e, através da escola, o país. Expressões, afinal, como as que julgo ter desmontado no meu artigo (não fui capaz de ser mais claro).

A certa altura do seu comentário o meu amigo escreve: «Um aluno pode fazer facilmente uma licenciatura em Matemática sem nunca fazer um trabalho de grupo nem uma apresentação oral». E daí? Pode mas não deveria. E acha que para perceber isso é necessário uma especialização em «ciências» da educação? Todos os professores que tive desde a escola primária sabiam isso e praticaram-no. Nem sei o que responder, francamente. Aonde quer o meu Amigo chegar com essa observação? Perdoe-me, mas parece mesmo uma das grandes «descobertas» do eduquês. Descoberta da pólvora... Então é essa a novidade? É mesmo anterior a Sócrates, e sabe-se como os sofistas prometiam mesmo ensinar a ganhar qualquer discussão fosse qual fosse a matéria ou o tema em causa.

Claro que se pode e deve aprender tudo o que se queira. Mas na escola, sobretudo na pública, tem de se ensinar e aprender o que – em cada tempo e circunstância - é considerado essencial e estruturante para a sociedade. Pode encontrar isto bem explicado nos grandes autores clássicos. Desde logo os instrumentos para tudo aprender: ler, escrever e contar. Instrumentos de que o eduquês tem vindo assustadoramente a privar crescentemente as nossas crianças.

O problema não está na preocupação dos responsáveis do ME com as estatísticas. Nem é o facilitismo. Isso é do domínio do político, sendo facilmente resolúvel. São epifenómenos. O problema é a ideologia e a pedagogia ao seu serviço. Enfrentada e vencida a besta, tudo o resto se resolverá por acréscimo.

Para terminar, depois de tudo o que, ao sabor da tecla, sugeri, deixo a pergunta que é fundamental fazer, como escrevi num artigo recente do Público: em que sociedade quer o eduquês obrigar os Portugueses a viver?

Enfim, se eu quisesse terminar com uma picardia inocente - mas não quero, porque o meu Amigo, não deixando de ter sido o que é e de ter pretendido o que pretendeu, foi amável comigo, impecável no trato, e eu sou muito sensível a isso, porque nunca confundo as ideias com o carácter de quem as defende - poderia dizer-lhe: se quiser identificar um texto dum eduquês suave, leia o próprio comentário que me dirigiu. Mas espero muito da inteligência e do desejo de liberdade.

Por favor, note bem: esta é uma resposta para um blogue, sem preocupação formal, sem tempo para elaborar, sintetizar. Por isso, termino como o Padre António Vieira disse numa entrevista com o rei: "Peço desculpa por não ter tido tempo… para ser breve."

Com amizade, e ao dispor,

Guilherme Valente

21 comentários:

joão boaventura disse...

Caro Guilherme Valente

Quando no final escreve: "...esta é uma resposta para blogue, que nem revi, sem preocupação formal, sem tempo." E de seguida se apoia em Vieira, lembrei-me imediatamente desta história do mesmo Vieira:

"Uma freira da Baía ouvindo gabar muito um sermão, que o padre Vieira fizera na Catedral daquela Província, pediu ao Padre que lhe mandasse o Manuscrito para ver se a obre era igual à fama. O Padre Vieira enviou-lhe o Manuscrito dizendo:
aí vai metade do sermão porque a outra metade sou eu quando o repito, e não posso ir aos seus pés. O certo é que que o tom da voz, a ênfase, o gesto e certas quedas e pausas da Oratória alteram muito o que se lê, e não parece o mesmo que se ouve. e mais um Orador velho nunca repete um Sermão como o escreve; porque no púlpito lhe ocorrem ideias, e certas graças que não se podem exprimir no papel. Papéis de Sermões são como papéis de Música, que só se conhecem como se cantam.
Esta Oração foi traçada com muita rapidez, quando ma encomendaram; mas como me restava o tempo para ruminar afectei-me tanto com o assunto, que aparecendo no púlpito mal me lembrava do que escrevi, e devariei tanto, arrebatado da força do sentimento, que no dia seguinte não podia recordar, nem escrever o que representei no púlpito. Contudo eu disse tudo que aqui vai impresso; porém com maior amplitude, e certo ar, que só sei fazer no púlpito, e que mesmo não posso arremedar estando de sangue frio."

Tal como expressa o autor do post: "...Para terminar, depois de tudo o que apressadamente, e ao sabor da tecla, sugeri..."

Desculpe a similitude, mas ela só o honra.
Cordialmente

Anónimo disse...

Acaba por ser penoso ler comentário tão longo. Isto não se poderia reduzir a um texto simples e eloquente?
Há tantos blogues que preciso consultar!
Horácio

joão boaventura disse...

Por lapso ou esquecimento não referi a fonte do pedido da freira da Baía ao Padre António Vieira, o que ora remendo:

O Velho Liberal, n.º 22, Lisboa, 1833, p.201

Com as devidas desculpas

Anónimo disse...

A velha cana usada qb era a melhor solução.
Tenho dito.

_____

Mas será que ninguém consegue deixar de querer ter sempre razão e passar a ter mais acção? Nem oito, nem oitenta.

Anónimo disse...

tldnr (sinal do eduquês certamente).

Anónimo disse...

Um gato ideológicamente escondido com um argumentário (bom) "rabo de fora", assim seria na sua educação tão natural, tão natural. Mas na minha opinião de «eduquês» prefiro a seguinte análise: a «real» argumentação escondida com clichés-cauda (giríssima) de fora.

Paulo Costa

Carlos Albuquerque disse...

Caro Guilherme

Agradeço a sua amabilidade. Vou dividir esta resposta em três partes: esta introdução e duas partes temáticas. Para já propunha-me discutir dois aspectos: a caracterização do eduquês e os termos que apresenta no seu recente artigo do Expresso, reproduzido neste blog. Fica ainda por discutir qual a causa mais séria da falta de qualidade do ensino actual em Portugal.

Agradeço a disponibilidade quanto ao livro do Nuno Crato, mas na verdade já o tenho e já o li. Tenho presente o que lá está, mas vejo aquele texto sobretudo como um panfleto: um texto que pretende mover as pessoas para uma causa que se considera justa, mas em que a argumentação e a metodologia não são muito cuidadas. Daí que eu não me sinta mais esclarecido sobre o que é o eduquês depois de ter lido o livro.

Carlos Albuquerque disse...

O Guilherme caracteriza o eduquês de múltiplas maneiras, mas a primeira questão que se me levanta nesta caracterização é saber se, para que um texto seja considerado eduquês, é necessário acumular muitas das características que lhe atribui ou bastam apenas algumas.

Convém não esquecer que a tese fundamental em discussão é que o eduquês é a maior fonte dos males do ensino actual. Assim, classificar um texto de eduquês já comporta uma carga negativa grave e por isso penso que deveremos analisar esta questão com cuidado.

Vou enumerar algumas das características que lhe atribuiu:
- "gosta muito de siglas"
- "reacções irracionalistas à modernidade"
- "espírito de seita"
- "ódio ao mérito e ao «saber letrado», à liberdade, à autonomia individual, à pluralidade, à sociedade aberta, horror à avaliação, desprezo pelo conhecimento que distingue e eleva, menosprezo pelo papel do professor"
- "Rejeição e aniquilamento da escola como «ascensor social»"
- "A ideia de que todos os saberes se equivalem"
- "A ideia sempre insidiosamente glosada de que se pode aprender sem esforço. O cultivo da atrofia da memória, ignorando que só é possível pensar com informação"
- "O encorajamento irresponsável da indisciplina"
- "odeiam a inteligência e o espírito de liberdade"

Perante uma lista destas, parece-me que haverá muito poucas pessoas que se revejam num conjunto alargado de características destas. Se bastarem umas poucas destas características para caracterizar o eduquês então eu diria que quase tudo pode ser eduquês. A começar pelo criacionismo, por exemplo. Ora um termo que quase não se aplica ou que se aplica a tudo dificilmente pode ser útil para compreender o estado do ensino.

Há uma outra caracterização que me parece que inverte o ónus da prova:
- "Poderá identificar o eduquês também pela tragédia das suas consequências."
Se estamos a tentar caracterizar o eduquês para depois podermos discutir se é o responsável por determinadas consequências, não podemos começar por caracterizá-lo precisamente a partir das consequências.

Finalmente, vejamos a sua caracterização do meu comentário como "eduquês suave". Aceito perfeitamente que o faça mas pedia-lhe que o fizesse de modo fundamentado, decompondo as diversas afirmações que fiz.

Neste espírito, permita-me que, pegando na sua frase seguinte:
"quando o colocarem perante uma expressão bem sonante, mas que ao meu Amigo pareça não querer dizer nada, ou querer dizer tudo, ou dizer o que já se sabe há milhares de anos, ou que a Filosofia há muito tenha pensado, então, meu caro Amigo, anda aí o dedo do eduquês"
coloque a seguinte questão: dadas as dificuldades que referi acima, não será o termo "eduquês" um termo de eduquês?

Carlos Albuquerque disse...

Consideremos agora o "aprender a aprender" e as "competências". Trata-se de termos que podem ter múltiplos significados, alguns dos quais muito úteis ou mesmo imprescindíveis. Mesmo que esses significados tenham sido definidos por especialistas em educação e tenham depois sido usados em teorias perfeitamente desadequadas à realidade.

Nos tempos que correm a capacidade de aprender ao longo da vida é fundamental. Quando a Carris muda para autocarros a gás, a biodiesel ou a electricidade o motorista pode ter que aprender coisas novas. Então um tradutor precisa radicalmente de saber aprender. Como poderia de outro modo traduzir livros que reflectem múltiplas realidades novas?

Assim, é pertinente colocar a questão: dos diversos modos de ensinar, haverá uns que deixem as pessoas melhor preparadas para aprendizagens futuras do que outros? Não tenho respostas simples para estas questões mas não podemos simplesmente ignorar a problemática apenas porque associamos imediatamente ao eduquês quem levanta tal questão.

Algo de semelhante se passa quando falamos de competências. O termo pode ser bem definido e levanta problemas muito relevantes em educação, sem que isso nos obrigue a concordar com tudo o que os autores depois dizem sobre o assunto.

Aliás tenho dificuldade em entender esta abordagem pelos termos. Há um risco enorme de se assumir uma atitude totalitária ao não se discutir uma ideia porque se cataloga liminarmente um certo conjunto de palavras e o autor que as utiliza.

Parece-me que seria muito mais útil discutir as definições e ideias de cada autor, examinando-as e discutindo-as pelo seu valor, em vez de se criar esta espécie de cruzada anti-eduquês, que de tanto ser repetida ainda corre o risco de acabar como a inquisição numa caça às bruxas.

Fartinho da Silva disse...

Excelente texto.

Anónimo disse...

Srº Carlos Albuquerque,

mas a capacidade de aprender ao longo da vida, desde que nascemos, não é uma característica inata ao ser humano?

O motorista da carris deve com certeza aprender coisas novas constantemente, inclusive assim que obteve o emprego, talvez através de uma formação específica, dada a natureza do trabalho e ensinada por alguém de competência. E imagino que não lhe falte motivação naturalmente: conseguir e manter o emprego! Convém também que saiba ler, escrever e contar.

Apesar de me sentir algumas vezes perdida entre tantas opiniões, compreendo perfeitamente a posição de Guilherme Valente sobre o seu discurso.

Eu aceito que haja várias metodologias pedagógicas para ensinar, mas nada funciona sem disciplina, exigência e trabalho.

Cumprimentos,
Helena Rodrigues

Anónimo disse...

Caro Carlos Albuquerque:

Felicito-o pelo excelente texto de resposta à entrada de Guilherme Valente.
Penso que deveria pedir aos autores do blogue que permitissem colocar o seu texto numa entrada do De Rerum Natura tendo em conta que o texto que comenta ter nascido a partir de um comentário que fez. Seria de uma questão de cortesia e permitiria possibilitar aos leitores deste blogue acompanhar uma discussão que reputo de muito importante, em especial pela forma como os dois intervenientes a colocaram.

PJ

Fartinho da Silva disse...

Caros defensores do eduquês,

A aprendizagem ao longo da vida é um chavão típico do eduquês. Todos nós temos a capacidade, há milénios, de aprender ao longo da vida. Até o meu periquito tem aprendido quase todos os dias..., "julgo" que até os cães e os gatos aprendem ao longo da vida...

As competências são mais um jargão do eduquês. As competências são adquiridas se dominarmos muito bem um determinado assunto e o aplicarmos na vida diária, seja no trabalho ou noutra qualquer actividade.

Portanto, quem considera que a aprendizagem ao longo da vida é algo actual e muito moderno não deve estar a raciocinar da melhor forma. Quem considera que se adquirem competências sem memorizar e compreender conceitos teóricos e aplicar os mesmos em exercícios práticos de forma repetida e depois aplicar os conhecimentos teóricos e práticos entretanto adquiridos no trabalho ou em outra actividade, não sabe, claramente, do que está a falar.

Quem trabalha em empresas reais onde se produzem bens e serviços reais em concorrência real com empresas reais de outros países reais, percebe bem aquilo que estou a dizer.

Os diversos empresários amigos que tenho fazem o relato seguinte: no início da década de 90 para contratarem trabalhadores para actividades simples como catalogar e embalar produtos para em seguida os colocar numa palete e esperar que chegasse o transportador para os carregar, bastava alguém com o 9º ano de escolaridade, porque sabia ler, escrever e fazer contas simples "de cabeça". No início desta década tinham que contratar pessoas com o 12º ano, porque os restantes até sabiam ler, mas não entendiam o que liam e não sabiam escrever uma ideia numa página A4 e contas nem pensar! Actualmente, necessitam de licenciados!!!!!

A culpa desta situação não deve ser de quem criou este sistema de "ensino", deve ser de quem é obrigado a executá-lo...

Carlos Albuquerque disse...

Cara Helena

Nascemos com uma capacidade geral de aprender mas por múltiplas razões vamos perdendo essa capacidade. Há mesmo capacidades que têm idades específicas para serem adquiridas da melhor forma.

A questão da aprendizagem autónoma dos adultos é importante pois quanto mais forem capazes de aprender maiores serão as possibilidades de se adaptarem a mudanças e reconversões. A questão que se coloca é saber se há maneiras diferentes de ensinar os jovens que produzam maior ou menor facilidade de aprender mais tarde.

Podemos chamar a isto o problema do "aprender a aprender" ou outro nome qualquer. Apenas acho que não se devem perseguir nomes.

Quanto ao meu discurso, confesso que continuo sem perceber o que incomoda o Guilherme.

Estou de acordo que nada funciona sem disciplina, exigência e trabalho.

Carlos Albuquerque disse...

Caro PJ

Obrigado pelas suas palavras.

Os responsáveis do blog já colocaram estes comentários e a resposta do Guilherme num post.

Carlos Albuquerque disse...

Caro Fartinho

"Todos nós temos a capacidade, há milénios, de aprender ao longo da vida."

Óptimo. Já que tudo é assim tão simples, sugiro então que sejam disponibilizados Magalhães a todos os desempregados para que eles se reconvertam em especialistas das diversas áreas em que há falta. Creio que há mesmo uma grande falta de engenheiros electrotécnicos.

"As competências são mais um jargão do eduquês. As competências são adquiridas se dominarmos muito bem um determinado assunto e o aplicarmos na vida diária, seja no trabalho ou noutra qualquer actividade. (...)
Quem considera que se adquirem competências sem memorizar e compreender conceitos teóricos e aplicar os mesmos em exercícios práticos de forma repetida e depois aplicar os conhecimentos teóricos e práticos entretanto adquiridos no trabalho ou em outra actividade, não sabe, claramente, do que está a falar."

Diz que as competências são um jargão do eduquês e a seguir explica como é que as competências são adquiridas. Logo, está a falar eduquês.

"A culpa desta situação não deve ser de quem criou este sistema de "ensino", deve ser de quem é obrigado a executá-lo... "

A culpa desta situação é de quem exige estatísticas de sucesso, custe o que custar.

Fartinho da Silva disse...

Caro Carlos Albuquerque,

Outra vez a brincar com as minhas palavras?

O seu exemplo do Magalhães é completa e absolutamente absurdo!

Eu explico como são realmente adquiridas as competências! Algo que os "cientistas" da educação não fazem, antes pelo contrário, como o senhor muito bem sabe.

Como até agora o seu discurso se limita a tirar conclusões sobre aquilo que não se diz ou sobre aquilo que imagina que foi dito, julgo que não vale a pena voltar a tentar explicar aquilo que obviamente o senhor não quer que lhe expliquem.

Anónimo disse...

Sabem o que falta meus caros?

Muito, muito, muito trabalhinho...

Mas trabalho a sério, pragmático, separando o acessório do fundamental. Podem pensar o que quiserem. Podem pensar que estas discussões são essenciais e devem perpetuar-se. Mas não são, o que os senhores fazem a partir de agora é apenas perder tempo.

Toda a gente já conhece esta conversa. Toda a gente já fez o seu juízo e elaborou a sua opinião sobre a temática. Está na hora do trabalho ou então estamos perdidos (infelizmente acho que estamos perdidos...).

Carlos

Anónimo disse...

Caro Carlos Albuquerque,

Não sei se já é claro para si mas Portugal tem de competir internacionalmente com chineses, espanhóis, brasileiros, etc. Como vamos fazer isso se não ensinamos aos nossos alunos as melhores práticas atuais para que eles possam ao menos estar ao nível dos outros?

Ou vamos pensar que uma pessoa depois de 17 anos de aprendizagem do que lhe interessa vai aprender o que lhe faz falta para sobreviver? Parece-me tempo perdido...

Tem de perceber que esta "brutificação" dos portugueses vai ter consequências. A principal será a de não existir ninguém para pagar a sua reforma quando chegar aos 65 anos. Para além de serviços de saúde, subsídios de desemprego, etc.

Num país sem grandes recursos naturais a capacidade produtiva tem uma importância enorme. E se não há engenheiros (chatice... estes até têm de saber de matemática...) ou outros profissionais que sejam capazes dessa tarefa o resultado final é a pobreza.

Por isso mesmo que seja "ortodoxo" do eduquês pense na sua reforma. E sobretudo pense que alguém a terá que pagar e se esse alguém não o conseguir então você (e todos nós estaremos em maus lençóis). Se não quer passar fome (ou pelo menos dificuldades) quando for velho mude de opinião e ajude a que os alunos portugueses possam aprender coisas de que precisam para que não passem dificuldades no futuro. É um apelo que lhe deixo!


Cumprimentos


PS: Lamento o anonimato mas neste país há consequências por ter opiniões diferentes das papagueadas pelo Governo

Carlos Albuquerque disse...

Caro anónimo

Parece-me que está a laborar com base numa ideia errada sobre mim.

"Não sei se já é claro para si mas Portugal tem de competir internacionalmente com chineses, espanhóis, brasileiros, etc."

É perfeitamente claro.

"Ou vamos pensar que uma pessoa depois de 17 anos de aprendizagem do que lhe interessa vai aprender o que lhe faz falta para sobreviver? Parece-me tempo perdido..."

Nunca vi que houvesse qualquer dificuldade nesse aspecto. Especialmente porque a maioria das pessoas tem muito interesse em sobreviver.

"Tem de perceber que esta "brutificação" dos portugueses vai ter consequências."

Já está a ter há muito tempo e continua a ter.

"A principal será a de não existir ninguém para pagar a sua reforma quando chegar aos 65 anos. Para além de serviços de saúde, subsídios de desemprego, etc."

Dado o estado actual das contas públicas eu diria que talvez não seja preciso esperar pela minha reforma.

"Por isso mesmo que seja "ortodoxo" do eduquês pense na sua reforma."

Saber se sou do eduquês ou não é algo que parece não depender de mim mas sim dos grandes sacerdotes da religião anti-eduquesa. Quando eles lançam um fatwa sobre um opinador, nada do que ele diga é ouvido, quanto mais analisado. Apenas é convidado a arrepender-se e a converter-se à verdade.

"Se não quer passar fome (ou pelo menos dificuldades) quando for velho mude de opinião"

Não nota a semelhança entre este tipo de discurso e o discurso do fundamentalismo religioso? Se eu não me converter à sua religião então atrairei todas as maldições?

"e ajude a que os alunos portugueses possam aprender coisas de que precisam para que não passem dificuldades no futuro. É um apelo que lhe deixo!"

Não precisa de apelar porque isso já eu faço há muito tempo e tenciono continuar a fazer.

Aliás a educação do espírito crítico e do raciocínio lógico é algo que é bastante relevante. Por isso não posso deixar de chamar a atenção para os absurdos que se têm dito em nome desta religião anti-eduquesa. Mesmo enfrentando as ameaças de fogo divino ou as censuras morais que querem que eu me sinta responsável por todas as tragédias do mundo, apenas porque ponho em causa as afirmações de alguns autores.

Já chega de cruzadas irracionais. Não se combate a ignorância com este tipo de métodos, que fazem apenas apelo às emoções mais imediatas e fogem da discussão racional.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Caro Carlos Albuquerque,

"Nunca vi que houvesse qualquer dificuldade nesse aspecto. Especialmente porque a maioria das pessoas tem muito interesse em sobreviver."

Sim as pessoas farão tudo para sobreviver. A não ser que não possam. Exemplo experimente atar as mão e os pés do recordista mundial de mariposa e atire-o para dentro de uma piscina...
Apesar de ser uma tarefa possível o nadador foi manietado de tal forma que não consegue sobreviver.
Apesar de no ensino tal não ser tão óbvio tem de certeza uma conotação semelhante (se não souber reduzir de metros para quilómetros não me parece que faça muito sentido candidatar-se a um curso de engenharia civil).

"Saber se sou do eduquês ou não é algo que parece não depender de mim mas sim dos grandes sacerdotes da religião anti-eduquesa. Quando eles lançam um fatwa sobre um opinador, nada do que ele diga é ouvido, quanto mais analisado. Apenas é convidado a arrepender-se e a converter-se à verdade."

Uma das características do fundamentalismo religioso é o de não aceitarem as evidências. A evidência no caso do ensino pode ser visto nos exames PISA da OCDE ou nos TIMMS dp governo americano.
Penso que o fundamentalismo está naqueles que mesmo perante as evidências insistem nos erros (vulgo: ministério da educação e eduqueses em geral)


"Não nota a semelhança entre este tipo de discurso e o discurso do fundamentalismo religioso? Se eu não me converter à sua religião então atrairei todas as maldições? "

Infelizmente penso que mesmo que se tornasse no mais acérrimo anti-eduquês não haveria mudanças substanciais.
Isto falando do seu caso em particular.
Não tenho dúvida alguma que se os estudantes portugueses não estiverem ao nível dos melhores seremos o que fomos até agora: um país pobre e sem oportunidades.


"Aliás a educação do espírito crítico e do raciocínio lógico é algo que é bastante relevante. Por isso não posso deixar de chamar a atenção para os absurdos que se têm dito em nome desta religião anti-eduquesa."

Ninguém disse que o espírito crítico (desde que não seja confundido com o espírito de indisciplina e má-educação que reina na escola pública) e o raciocino lógico não são relevantes (típica mudança de assunto sem nexo nenhum muito empregue pelos políticos). Desafio-o a encontrar uma menção a tal nos livros do Prof. Nuno Crato.
Mais uma vez não se considera a memorização como importante (que horror saber a tabuada!!!)...
Para mim o completo absurdo é o ignorar as instâncias internacionais (PISA e TIMMS) e prosseguir no mesmo erro como se nada fosse.


"Mesmo enfrentando as ameaças de fogo divino ou as censuras morais que querem que eu me sinta responsável por todas as tragédias do mundo, apenas porque ponho em causa as afirmações de alguns autores."

Ó meu amigo. Na parte que me toca poderá sem dúvida dormir descansado e sem temor do "fogo divino" o qual eu não domino nem desejo a ninguém.
Pode pôr sempre em causa as afirmações dos autores e escusa de se sentir responsável pelas tragédias do mundo. No entanto parece-me que não deverá estar isento de responsabilidades na tragédia do ensino português (que não deveria ser considerado um laboratório para implementação de ideais ridículos).


"Já chega de cruzadas irracionais. Não se combate a ignorância com este tipo de métodos, que fazem apenas apelo às emoções mais imediatas e fogem da discussão racional."

A ignorância existe em grande medida nos estudantes portugueses. Quanto mais não seja porque são obrigados (ok... até podem chumbar se o professor estiver para preencher as resmas de papel do ministério) a passar todos os anos mesmo que não saibam nada. E é disso que as pessoas têm de saber.

Não dei conta que tinha apresentado argumentos irracionais. Desafio a enumerá-los

Cumprimentos,

O anónimo da sua resposta

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...