terça-feira, 20 de julho de 2010

1500 palavras

Destaco o último programa Um certo olhar, da Antena 2 da rádio, onde se discutia a queda de venda de jornais impressos no nosso país. A intervenção de Miguel Real, um dos comentadores, infelizmente não surpreende, mas esclarece: sem afirmar que a única causa dessa queda é a qualidade do nosso ensino, não deixou de a invocar como muito importante. O essencial da sua intervenção pode ler-se de seguida:
Estudos recentes de linguistas indicam que os jovens entre os 12 e 18 anos usam a Língua Portuguesa de forma pragmática e recorrem apenas a cerca de 1500 palavras para se expressarem. Um aluno no final do Ensino Secundário, a entrar para a Universidade trabalha no seu dia-a-dia com este vocabulário reduzido. Ora, para ler os livros de Eça de Queiroz, é necessário dominar 20.000 a 30.000 palavras e, para ler José Saramago e Lobo Antunes, é necessário dominar mais. Estamos perante um enorme desfasamento de vocabulário, que traduz um problema não apenas de ordem quantitativa mas também de estrutura mental (…). Isto significa que quem se torna leitor de jornais aos 20 anos não consegue entender a maior parte dos textos.
A leitura de obras obrigatórias na escola, apesar do carácter aparentemente sacrificador, têm um efeito altamente disciplinador da memória, do conhecimento, da história, da estrutura das narrativas...
O descuido deste exercício prejudica a compreensão, fundamental em todas as áreas, nomeadamente na Matemática. O facto de a educação se ter, desde há 15 ou 20 anos, aligeirado, infantilizado, tornando-se cada vez mais simples, tem implicações no nível lexical, semântico e conceptual dos portugueses.

10 comentários:

Carlos disse...

Já ouvi imensos alunos confessarem que não lêem as obras obrigatórias mas apenas resumos. Já falei com muitos professores de Português que assumem a impotência para contrariar essa situação e a permitem, no sentido em que nos testes não fazem perguntas que só pudessem ser respondidas por quem tivesse lido as obras.

A distância entre os discursos sobre a educação e a realidade é maior do que se julga.

DIFERENTES SOMOS TODOS NÓS disse...

Relativamente a ler a obra ou o resumo, eu digo mais: atendendo ao modo como são postas as questões nos testes/exames, mais vale ler o resumo, porque a obra dispersa mais (na lógica do aluno, claro).
O culpa vai para as equipas que fazem exames/avaliações. Os alunos vão pelo caminho mais fácil,claro!

Anónimo disse...

Carlos disse:
"Já ouvi imensos alunos confessarem que não lêem as obras obrigatórias mas apenas resumos."

O pior é quando são os professores de Língua Portuguesa a confessarem que nunca leram a obra original e que só leram o seu resumo, aconselhando os seus alunos a fazerem o mesmo. Isto sucedeu há alguns anos atrás, numa escola secundária pública da cidade do Porto. A professora em causa tinha vindo substituir uma docente que entretanto adoecera. Será um caso extremo, seguramente. Todavia, por vezes os "outliers" revelam tendências que podem vir a revelar-se proféticas.

PJ

Anónimo disse...

Caros, não haverá problema: alunos com um vocabulário de 1500 palavras conseguem licenciar-se e fazer, mais tarde, carreira política. Interessa talvez que, nessas 1500 palavras, estejam alguns palavrões, digo, palavras que soam e ficam sempre bem em qualquer texto ou discurso... Logo, é provável que, também os jornalistas, mais cedo ou mais tarde, usem também eles, apenas esse vocabulário composto por 1500 palavras. Problema solucionado: os meninos e os adultos podem usar todos o mesmo vocabulário, ler os jornais, entendê-los nessa robustez linguística e, os próprios escritores do futuro (do presente?) escreverão lindas epopeias também com 1500 palavras diferentes. E é provável que ainda façamos história. A história breve de Portugal, assim uma espécie de país resumido, cujas meninas dos olhos serão belos e bem vestidos políticos que viverão sozinhos e isolados a fazer que governam um país a sério.
Grito?!

Anónimo disse...

E para quê pôr as culpas todas nos professores quando os principais culpados são os pais? São os pais que devem incentivar os filhos a ler em casa, em vez de passarem a vida especados em frente à televisão a estupidificar. Os pais devem-se informar que livros são apelativos para as crianças de forma a promover-lhes o gosto pela leitura e limitar ou mesmo interditar a televisão que não lhes traz nenhum benefício.
A título de exemplo, posso dizer que, ao acabar a 4a classe, porque os meus pais "puxavam por mim", já tinha lido todas as colecções de "Uma Aventura" e "Viagens no Tempo", da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, "Os Cinco" e "Os sete" da Enid Blyton, a Enciclopédia Juvenil Verbo (que apesar de se chamar enciclopédia, era muito gira para crianças) entre muitos outros livros. Diria que até à 4a classe li não menos de uns 200 livros, sem contar com revistas dos patinhas e coisas do género.
Quando acabei o liceu, havia colegas meus, em Humanidades, que nunca tinham lido um livro! E sim, safam-se a Português com os resumos da Europa-América dos livros de leitura obrigatória.
Hoje, 20 anos depois da minha 4a classe, já li mais umas centenas de livros, não uso óculos, sou uma pessoa com vida social e desportiva intensa, pelo que todos os estereótipos de se "ler demais" na infância me parecem idiotas.

guna disse...

... e dessas 1500 palavras, 1/4 devem ser anglicanismos e brasileirismos.

oeiraslocal disse...

PJ;

"há alguns anos atrás"

E se fosse "à frente"? ;)

Num Prontuário Ortográfico poderá consultar o que lá vem sobre o verbo haver.


Respeitosamente cordial (como me é pedido).

L.O.L.

dorean paxorales disse...

quando leio jornais portugueses é essa a impressão com que fico: os jornalistas que os escrevem também não conhecem mais que 15000 vocábulos.

Anónimo disse...

Sim.
Com uma agravante: quantas palavras são precisas para ler o nosso AQUILINO? Disso não se fala.
Mas era evidente que quando a instrução tivesse de abranger toda a gente o nível desceria. As capacidades para as línguas são desiguais...e para todas as outras disciplinas.
Os pobres professores não podem chumbar os alunos como dantes, senão iam para a rua (ou coisa parecida).
Penso que a leitura se está a tornar elitista, cada vez mais. Conheço imensas pessoas que não lèem: compram os livros, metem-nos naquelas coisas a que agora se chamam estantes estante e lêem as badanas...
São os mesmos que têm livros impecáveis. Nada os macula. Têm um temor reverencial por eles e julgam que isso é prova de que são leitores dedicados.
Muito cómico.
Os livros são para se escrever neles, tal como se conversa com um amigo.
Paula Reis, tradutora literária

teresa disse...

Em matérias como a do post não se pode simplificar ou atirar culpas para estes (professores) ou aqueles (pais), parece ser a questão mais complexa do que isso o que - opinião pessoal e discutível - poderia dar origem a um blog exclusivamente dedicado ao empobrecimento vocabular de que nos vamos dando conta e possíveis contextos que o explicam.
Em tempos, uma docente universitária de didáctica do Português afirmava que os jovens lêem mais do que aquilo que pensamos pois, defendia a professora pertencente a uma geração a que com simplismo associamos os tempos de 'exigência e de rigor', existem diversas formas de leitura (mensagens, cartazes publicitários, etc.)... Permitindo-me discordar da teoria, não duvido de que a limitação de léxico se reflicta nas variadas áreas do saber, sendo pequeno exemplo a dificuldade de muitos alunos, ao darem início ao ensino secundário, a disciplinas como a Filosofia (para se saber pensar há que ter um vocabulário só adquirido pela leitura e pela convivência com quem sabe expor ideias). Os tempos são outros, a escola é para todos (no passado seria uma minoria privilegiada a frequentá-la, fomos dos primeiros na Europa e em tempos idos a decretar a escolaridade obrigatória e dos últimos a cumprir a letra de lei) e, como tal, verificamos maior número de ocorrências, embora tivesse conhecido no passado um 'erudito' professor de Filologia Clássica que frequentemente utilizava termos como 'interviu' e 'obteu'.Quando a percentagem de alunos é esmagadoramente maior (a escola já não é elitista) é lógico que em maior número de ocorrências verifiquemos os 'esfaqueamentos' ao nosso estimado idioma. Apesar da constatação, é indiscutível que algo deve ser feito, para tal há que fazer o ponto da situação, arregaçar as mangas e contribuir para que a tese do 'capital social' (quem nasce em meio pouco escolarizado terá dificuldades em progredir) deixe de fazer sentido, ou seja, há que trazer aos mais desfavorecidos estratégias que ponham fim à limitação vocabular e indissociáveis maus tratos gramaticais.

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