segunda-feira, 5 de abril de 2010

Dedicácias: três poemas de Jorge de Sena


Três poemas de Jorge de Sena do livro "Dedicácias" que acaba de sair na Guerra e Paz:

A Canalha

Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo nem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.

7 de Dezembro de 1971

Publicado na revista Hífen, Porto, nº.6, Fevereiro 1991.



Dizem alguns directores literários
(e accionistas da própria propaganda)
que «o Sena não se vende». E é verdade:
Não vende. Só as putas se vendem.
E em Portugal são tantas que não há
bolsas bastantes para comprá-las,
nem caralhos bastantes
para fodê-las como mereciam.

Glasgow-Londres, 23 de Fevereiro de 1973



Sabe de Hegel, de Sartre, de fenomenologia
mas andou na Rua da Sofia.

É inteligente, arguto, viajado
mas vive sempre com a aldeia ao lado.

Que há nestes portugueses que é como um sarro azedo,
um cheiro de vinagre ou carrascão de medo,
a que se agarram quais lapas ao Penedo

da Saudade? Não há filosofia
que salve quem andou na Rua da Sofia.


SINOPSE EDITORIAL DO LIVRO:

Reedição, em novo formato, dos polémicos escritos satíricos de Jorge de Sena. Dedicácias é mais que um livro de poemas satíricos. Nestas páginas, o leitor ouvirá o poeta falar dos que não estiveram «à altura da medida que deviam» - palavras de Mécia de Sena -, verá Sena fustigar com violência o provincianismo português, seja ele literário ou social. Esta nova edição inclui ainda o Discurso da Guarda, proferido por Jorge de Sena a 10 de Junho de 1977, nas comemorações do Dia de Camões. Um discurso que deu corpo a outra visão de Portugal, num retrato de crença e de esperança.

10 comentários:

Anónimo disse...

Jorge de Sena nunca se vendeu... porque nunca ninguém o quis comprar! JCN

Anónimo disse...

Interessante, não o conhecia - parece algo meio debochado, não de fato satírico, mas muito mais um deboche de boca cheia.

Anónimo disse...

A linguagem da sátira não tem que ser necessariamente porca! JCN

Anónimo disse...

Abaixo a linguagem de latrina! JCN

santos disse...

Jorge de Sena apresenta uma crítica mordaz e irónica da realidade, de forma provocadora ou dolorosa. A sua visão irónica de certos mitos da tradição cultural portuguesa destaca-se satirizando aspectos provincianos ou saudosistas do entendimento do país e do povo ( por ex., a peça O Indesejado, sobre D. António, prior do Crato, na sua ligação com o sebastianismo nacional). O autor continua uma linha satírica que se encontra em escritores portugueses de épocas anteriores.

Anónimo disse...

Pois é, senhor Santos, mas uma coisa não justifica a outra: sátira é sátira e merda é merda! JCN

santos disse...

Caro JNC
Será o seu ponto de vista. A obra de Jorge de Sena fala por si. Compreende mais de vinte colectâneas de poesia, uma tragédia em verso, uma dezena de peças em um acto, mais de trinta contos, uma novela e um romance, e cerca de quarenta volumes dedicados à crítica e ao ensaio (com destaque para os estudos sobre Camões e Pessoa, poetas com os quais a sua poesia estabelece um importante diálogo), à história e à teoria literária e cultural, ao teatro, ao cinema e às artes plásticas, de Portugal, do Brasil, da Espanha, da Itália, da França, da Alemanha, da Inglaterra ou dos Estados Unidos, sem esquecer as traduções de poesia (duas antologias gerais, da Antiguidade Clássica aos Modernismos do século XX, num total de 225 poetas e 985 poemas, e antologias de Kavafis e Emily Dickinson, dois poetas que deu a conhecer em Portugal), as traduções de ficção (Faulkner, Hemingway, Graham Greene, entre 18 autores), de teatro (com destaque para Eugene O’Neill) e ensaio (Chestov).

Anónimo disse...

Muito me conta, senhor Santos, mas ninguém me tira da minha: não é preciso ser porco... para ter algum mérito! Já se lembrou, senhor Santos, que nem o PREC o quis em Portugal após o 25 de Abril?!... JCN

Anónimo disse...

Quem do seu país renega,
seja a razão por que for,
durante a vida carrega
todo o peso de um traidor!

JCN

Anónimo disse...

Vossemecê, senhor Santos,
parece que embatocou
apesar de serem tantos
os trabalhos que apontou!

JCN

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