terça-feira, 21 de abril de 2009
SOBRE A IDENTIDADE NACIONAL
É hoje lançado no Palácio Galveias, Lisboa, pelas 19h30m, o livro "À Espera de Godinho" de Amadeu Lopes Sabino, Jorge de Oliveira Sousa, José Morais e Manuel Paiva (Bizâncio). Deixamos um novo excerto, este um diálogo entre o psicólogo José Morais (JM) e o físico Manuel Paiva (MP) sobre a identidade nacional:
"JM – Como escreveu Tzvetan Todorov no Le Monde (17 de Março de 2007), “só as nações mortas adquiriram uma identidade imutável”. Se tivesse de escolher, eu que não sou historiador, veria na história de Portugal dois grandes êxitos e duas grandes desgraças. Infelizmente, cada êxito teve o seu próprio efeito de sinal oposto; o mesmo é mais difícil de dizer a respeito das desgraças. Os grandes êxitos foram os descobrimentos e a literatura. Os descobrimentos fizeram avançar a humanidade para outro estádio civilizacional e de domínio do planeta e, pelo que nos toca, fizeram de um pequeno país isolado no extremo sudoeste da Europa um país mundial; mas as dificuldades das longas viagens marítimas e do comércio, a rapacidade dos colonizadores e a dissipação improdutiva das riquezas das suas colónias cavaram-lhe a ruína e reforçaram a oligarquia hereditária ou de fresca data, que encontrou na Inquisição um instrumento implacável de disciplina. A literatura, em particular a poesia, criou ao longo de séculos uma expressão ímpar do sentimento humano, de que Pessoa veio a ser o expoente máximo; porém, acabaram por ser mais fortes, no reflexo de que delas deu o cancioneiro popularucho, as disposições de alma que alimentam a auto-lamentação e a consequente renúncia nostálgica.
MP – E as grandes desgraças? A Inquisição, com certeza... e a outra?
JM – Eu diria o quase meio século de fascismo salazarista e pós-salazarista. A Inquisição – o Santo Malefício –, para além dos crimes hediondos que perpetrou, deixou o país muito mais pobre em meios humanos, instaurou a torpeza e o fanatismo. E se, de todo este mal algum bem emergiu, ele terá resultado da fuga à Inquisição portuguesa de tantos homens, mulheres, crianças e até embriões ou fetos – neste estado saiu Espinoza de Portugal –, que contribuiu para a formação, na Europa do norte, de ilhas de liberdade e em particular de liberdade de consciência. E o fascismo, esse, tornou Portugal pobrezinho – como Salazar sonhava que fosse – retrógrado, tacanho em mentalidade e cultura, e prolongou a sua agonia colonial ao ponto de fazer dele o último e grotesco Império da história contemporânea. Neste caso, procuro algum bem que esse mal tivesse gerado, e, se não tivermos em conta o bem que resultou da sua queda, não encontro. Até – para comparar com a imigração resultante da Inquisição, e talvez porque não fosse a liberdade que estivesse mais em causa – a gigantesca imigração do trabalho, com a sua metafórica “mala de cartão”, a partir de 1960, não produziu nada de relevo. Mais grave, a queda do fascismo, para além do mérito que tiveram os militares revoltosos, não foi seguida do processo e do julgamento que se impunham. Portugal e os seus políticos quiseram esquecer ou perdoar, quando esquecimento e perdão são a melhor maneira de fazer reaparecer os demónios ao primeiro desencanto. Depois da queda do fascismo, a cultura e os costumes americanizaram-se, as instituições politicas europeizaram-se, a língua abrasileirou-se. A identidade nacional faz-se e desfaz-se por todos os que vivem em Portugal, portugueses ou não, e até pelos portugueses que vivem no estrangeiro, incluindo os estrangeirados. Infelizmente, fazem parte da identidade portuguesa também aqueles portugueses que se sentem cosmopolitas e ao mesmo tempo desprezam o retornado das colónias ou da França e o imigrante africano, asiático, do leste da Europa, e até brasileiro.
MP – Volto a perguntar-te: não é a identidade nacional uma questão de valores mais do que de carácter ou até de história?
JM – Olha, acho que não. Para mim, os bons valores não têm nacionalidade, são universais, ou pelo menos deveriam sê-lo. Acabemos com o mito da identidade nacional como um valor! Valores são o princípio de liberdade, de igualdade de direitos (à saúde, à educação, ao trabalho justamente remunerado) independentemente do sexo e da origem social, de respeito pelo imigrante, de laicidade, que implica o respeito das religiões e do ateísmo... Sinto tantas vezes um cheiro de matéria em decomposição quando ouço falar de “identidade nacional”... Tenho vontade de exclamar: abram rápido as janelas, deixem entrar o ar fresco da universalidade; e que a identidade nacional seja apenas flor e poesia!"
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6 comentários:
Creio que esta é a quarta vez que este livro é publicitado neste Blog. Falha-me a razão, se a razão for séria, para tanta publicidade.
É mais interessante observar o modo como Richard Dawkins se prepara para explicar a crescente evidência de design a nível da biologia molecular.
Nas palavras de Dawkins:
“It could be that at some earlier time, somewhere in the universe, a civilization evolved by probably some kind of Darwinian means to a very, very high level of technology— and designed a form of life that they seeded onto perhaps this planet.
… And I suppose it’s possible that you might find evidence for that if you look at the details of biochemistry, molecular biology, you might find a signature of some sort of designer"
A avaliar pelas suas próprias palavras, o problema de Richard Dawkins não é admitir a possibilidade de design na natureza.
O que ele não quer é admitir que Deus seja o Designer.
Como se sabe, à medida que se torna inequívoco que a vida depende de quantidades inabarcáveis de informação codificada e que esta só pode ter origem inteligente, o problema de Richard Dawkins aumenta.
Daí que ele já esteja a pensar em maneiras de o resolver.
Como se vê, pelas suas palavras, essa resposta envolve muita ficção científica, muitos Aliens e certamente muitos OVNI's.
Só lhe falta dizer que foram os Klingons e os Vulcanos que semearam a vida na Terra.
Sinto tantas vezes um cheiro de matéria em decomposição quando ouço falar de “identidade nacional”...
Se não me desse trabalho, mudaria a sigla que me identifica como JMG para "matéria em decomposição", porque é assim que o ilustre entrevistado qualifica as pessoas como eu, que entendem que o sentimento de pertença a uma grei é natural e comum à maioria dos indivíduos; que no estádio actual de desenvolvimento civilizacional a instituição que melhor responde a esse sentimento é o Estado/Nação (ou Estado/Nações quando para isso há razões históricas atendíveis); e que as colectividades de pessoas pertencentes ao mesmo Estado desenvolveram e maturaram ao longo dos séculos hábitos de vida colectiva e crenças difíceis de definir mas que são geralmente bastantes para inconscientemente e sem dificuldades podermos dizer “nós” e os “outros”. Manuel Paiva acha isto mal. Não está sózinho: Em todas as gerações há quem ache isto mal.
Estes teóricos não percebem nada... muitos livros, muitas leituras, muitos nomes e referências, muitos PhD's, mas o «insight» é para quem o tem... e parece que por aqui não abunda!
E a conversa deles é, sim, «matéria em decomposição»... Passado? Para quê... para psicanalisar? Já (todos) conhecemos a história pretérita -- e se falássemos de futuro, antes?
«Tenho vontade de exclamar: abram rápido as janelas, deixem entrar o ar fresco da universalidade; e que a identidade nacional seja apenas flor e poesia!» -- é poético sim, senhor, mas vazio de significação, pois a nossa identidade já tem essa universalidade subjacente e muito mais... é uma questão de «insight» que se tem (ou não).
"É poético sim, senhor, mas vazio de significação" in Augusto Cardeal.
A minha pergunta é ????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????
... pois é PLENO DE SENTIDO, do princípio ao fim!
Helena, a pergunta aparece codificada (com ?); podeis descodificar isso, sff, para eu poder ficar com a ideia plena do que estais a falar? -- ou a perguntar, melhor.
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