terça-feira, 28 de abril de 2009

A FÍSICA E AS PESSOAS: UM MUNDO MELHOR


Em breve se vaio iniciar a campanha do "Pirilampo Mágico", uma grande iniciativa de solidariedade social para a promoção e criação de condições de defesa dos interesses e direitos das pessoas, em especial crianças, com deficiência mental ou multideficiência. A Fenarceci (Federação Nacional das Cooperativas de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas) pediu-me um texto para a revista que vai lançar agora no início da campanha e eu, porque a causa é boa, não me fiz rogado e escrevi o seguinte:

Em 2009 celebra-se, sob o lema “Imaginar-Criar-Inovar”, o Ano Europeu da Criatividade e da Inovação. Um dos desafios que a União Europeia propôs consiste em “assegurar que as competências em matemática, ciência e estudos de tecnologia promovem e estimulam a inovação”. De facto, a ciência e a tecnologia, que usam a linguagem da matemática, estão na base do mundo moderno e o mundo só será mais moderno se conseguirmos que a ciência e tecnologia, incluindo não só os seus produtos mas também a sua compreensão, cheguem a mais pessoas.

Vou falar da Física, a ciência que desde novo abracei e que é um bom exemplo das disciplinas científicas que estão na base da tecnologia e, portanto, das nossas vivas. A Física, tal como a conhecemos hoje, começou quando o italiano Galileu Galilei, há cerca de 400 anos, começou a usar o método experimental para descobrir o mundo à sua volta, isto é, o mundo à volta de todos nós. Na Terra ele observou movimentos de vários objectos, em particular a queda dos corpos, e nos céus ele observou os movimentos dos astros (foi há exactamente 400 anos que ele dirigiu pela primeira vez um telescópio para o céu) . Serviu-se da linguagem matemática pois, segundo ele, o “Livro da Natureza” está escrito em caracteres matemáticos.

Os avanços da Física nestes quatro séculos foram impressioantes. E foi com base nesses avanços que conseguimos uma vida melhor, por exemplo, assegurando melhores transportes na Terra e enviando sofisticadas naves para o espaço. O bom funcionamento dos transportes na Terra, sejam por automóvel, comboio, barco ou avião, só são possíveis porque compreendemos bem a mecânica que Galileu fundou. E os satélites artificiais, que permitem previsões meteorológicas, telecomunicações (telefones, rádio e televisão), localização geográfica, etc., também só são possíveis graças a essa mesma compreensão, já que os movimentos no céu obedecem as mesmas leis que os movimentos na terra. Para chegar à situação do mundo de hoje desde o tempo de Galileu foram precisos muitos processos de “imaginação-criatividade-inovação”. E mais vão ser precisos ainda, muitos mais, porque nenhum dos componentes desses processos tem limite...

A Física é feita por pessoas, como Galileu e tantos outros depois dele, e é feito para as pessoas. As pessoas, todas as pessoas, de uma maneira ou de outra beneficiam dos progressos da Física e irão beneficiar mais no futuro à medida que esses progressos se forem alargando. Mas, para que tais progressos se concretizem é preciso que haja físicos e engenheiros que saibam inovar, sendo a escola indispensável para a sua formação. Por outro lado, como os cientistas são apenas uma pequena porção da humanidade, interessa que os cidadãos em geral compreendam o que é a ciência em geral e a Física em particular. Além de um óbvio conforto material, o conhecimento da Física e dos seus processos, proporciona um conforto intelectual. Viveremos todos melhor no mundo – e o mundo será melhor – se compreendermos esse mundo e se também compreendermos o modo como ele é compreendido.

Quando digo todas as pessoas, quero mesmo dizer todas. Estou a pensar também nas pessoas portadoras de deficiência (seja qual for o tipo de deficiência, física ou mental), a quem devem ser proporcionadas, tanto quanto possível, as mesmas oportunidades que às outras pessoas.

Alguns cientistas têm deficiências que não os impedem de produzir ciência. Galileu ficou deficiente no final da sua vida, pois a sua visão se deteriorou de forma irreversível, mas isso não o impediu de ver com os olhos da mente aquilo que os olhos físicos não lhe permitiam ver. O seu último livro “Discursos e Demonstrações Matemáticas Acerca de Duas Novas Ciências”, que criou de facto duas novas ciências, foi escrito em condições de grande deficiência. Um dos grandes descendentes de Galileu, o astrofísico britânico Stephen Hawking, é um deficiente físico profundo, por ser portador de uma grave doença do foro neurológico (a doença de Lou Gehrig ou esclerose lateral amiotrófica). Preso a uma cadeira de rodas, não consegue sequer falar, servindo-se para comunicar de um sistema de voz computadorizada. Mas isso não o impede de ser um dos físicos mais conceituados a nível mundial, por ter imaginado, criado e inovado mais que muitos dos seus colegas de profissão. E não o impede de ter escrito livros científicos notáveis pela sua criatividade e inovação e livros de divulgação científica de grande circulação como “Uma Breve História do Tempo”.

Por sua vez, numerosas pessoas com deficiência, jovens ou não, aprendem hoje ciência na escola (ensino formal) ou fora dela (ensino informal), ultrapassando dificuldades, por vezes poderosas, que outros não conhecem. Para eles deve ir toda a ajuda que lhes pudermos dar, toda a integração que lhes conseguirmos proporcionar. O mundo só será melhor se formos solidários uns com os outros...

9 comentários:

carolus augustus lusitanus disse...

«Quando digo todas as pessoas, quero mesmo dizer todas.» Isso é que é certeza generalizadora!...

Não vejo onde é que os bosquímanos, por exemplo, obtêm esse «óbvio conforto material» e o pressuposto «conhecimento da Física e dos seus processos» lhes possa proporcinar «um conforto intelectual.»

Um mundo melhor e solidário: tudo muito bem, mas só se for mesmo no futuro, porque a atualidade (realidade) -- mormente do mundo ocidental --, «formatada entre Descartes e Newton e recentemente coadjuvada pelo relativismo», não tem vindo a mostrar essa solidariedade, sendo mesmo discutível que o mundo seja hoje melhor do que há um século atrás, por exemplo.

Oscar Maximo disse...

Gostava de fazer um reparo para que não haja uma noção errada da esclerose lateral amiotrófica (ELA): esta doença, é em geral progressiva e irreversível, começa numa idade média ou avançada, e desde o momento em que se manifesta até á morte decorre de 2 a 5 anos. Não é pois uma manifestação típica desta doença, o caso do físico Hawkins. Um caso típico será o do músico José Afonso.

Sobre os limites da ciência: não está de maneira nenhuma provado que não hajam limites asynptóticos ao desenvolvimento da ciência. É certo que se podem sempre inventar novas teorias e novos modelos, mas pode chegar um momento em que não representem nenhum avanço aos existentes, até porque a complexidade nem sempre é uma vantagem. Claro que há sempre uns (cientistas) cujo interesse é declarar que não há limites ao conhecimento humano, e outros (economistas) que não há limites ao desenvolvimento do planeta.

nuvens de fumo disse...

Não vejo onde é que os bosquímanos, por exemplo, obtêm esse «óbvio conforto material» e o pressuposto «conhecimento da Física e dos seus processos» lhes possa proporcinar «um conforto intelectual.»


Conforto intelectual talvez , dominar certos conceitos de construção , de matemática permite construir máquinas de extraxção de água , que permitem a irrigação que permitem as colheitas, que permite o comercio que permite o dinheiro que dá conforto intelectual e não só.

A ignorância é o maior mal do mundo, podemos viver a vida inteira sob um lençol de água, se não soubermos fazer furos morreremos de sede.

Podemos viver a vida toda ao pé de um rio , se não soubermos fazer barragens e distribuir a água nunca conseguiremos irrigar os campos.

A física, a matemática são fundamentais para garantirem melhor vida a todas as pessoas do planeta, houvesse mais conhecimentos disseminado haveria menos miséria.

Até porque saber que podemos ter as coisas é o primeiro passo para as exigir.

Anónimo disse...

O método experimental só começou mais tarde, mas não seria de considerar que a física nasceu antes, muito antes, pelo menos com coisas como as de Arquimedes?
luis

carolus augustus lusitanus disse...

Nuvens:
Sim, visto nessa perspetiva tem razão.

No entanto, o meu «reparo» foi (no contexto) sobre a «prudência» a ter sobre a generalização... (aí fala-se, não de modo geral -- leis físicas (naturais) --, mas sobre «Física» moderna), o que pode levar a várias interpretações.

O Nuvens diz que «houvesse mais conhecimentos disseminado haveria menos miséria», o que nos levaria a um debate metafísico (para além da física)... interessante, sem dúvida, mas talvez a ter noutro local...

Mas sim, nessa ótica, tem toda a razão.

nuvens de fumo disse...

augusto

uma das principais causas de miséria é a ignorância, não existiria miséria como a conhecemos num mundo em que todas as pessoas fossem letradas e tivessem elevados níveis de escolaridade. não digo que fossem ricas mas viveriam muito muito melhor.
a começar por saberem os seus direitos, saberem exigi-los, não terem vergonha de reclamar, e não se sentirem inferiores aos outros, mas sim em pé de igualdade.
Essa subserviência provocada pela noção de que se sabe menos, é um horror.
dá ao outro o poder de decidir por nós.

Não acho é que seja um tema metafísico, pelo contrário acho uma constatação muito prosaica.

carolus augustus lusitanus disse...

Nuvens:

E por ser uma constatação prosaica, talvez, como disse, não seja aqui o lugar «ideal» para o discutir, já que aí entram em discussão outras (possíveis) abordagens, que não a meramente «física» -- digo eu, não sei.

maria disse...

Tem razão , lá isso tem , mas penso que antes da fisica , está a biologia ( fico arrepiada com o desconhecimento do funcionamento do próprio corpo de muitas pessoas ) e depois talvez a filosofia , e uns toques de sociologia/psicologia. Convém conhecermo-nos de ginjeira , e aos outros , se queremos ser confortavelmente livres , tanto aqui como em áfrica.
( E se há disciplina que disciplina o pensamento é mesmo a matemática)

Anónimo disse...

se agisemos mais e colocasemos as ideias de forma não tão comestivel de palavras, que lhe enchem os olhos, quando o alimento da alma ainda é e sera a escencia do nascer.

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