terça-feira, 18 de agosto de 2015

"Precisamos aprender a admirar a excelência, a desejá-la"


"Na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde tantos brasileiros que lá estudaram e fizeram sua formação ajudando a criar uma ideia, uma noção de Brasil, que não existia, segundo o grande historiador brasileiro José Murilo de Carvalho, a nota máxima, ainda hoje, é 20. Murilo de Carvalho diz que a sensação de brasilidade era inexistente até que os brasileiros estudantes em Coimbra passaram a pensar em uma ideia de unidade política para o Brasil. Na Universidade de Coimbra está antes de tudo o amor ao conhecimento. Precisamos aprender a admirar a excelência, a desejá-la."
Adriana Calcanhotto 
in jornal O Globo de 28 de Junho de 2015

Adriana Calcanhotto esteve neste ano na Universidade de Coimbra, na abertura da XVII Semana Cultural. Terá levado daqui a imagem que acima dá daquilo que se faz e se ensina nesta Escola e a que recorreu num artigo de opinião onde toma posição sobre certas opções que, no seu país, considera erradas em matéria de cultura.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Pode a educação superar o problema do Mal?

Richard Kearney (aqui)
Conscientes de que a premissa iluminista traduzida na relação directa, de causa e efeito, entre a Educação e o Bem (exemplarmente ilustrada na máxima "Quem abre uma escola e fecha uma prisão", de Victor Hugo) se revelou, no século XX, um enorme engano, devemos recusar-nos a aceitar que a Educação não concorre, de alguma maneira, ainda que modestíssima, para o Bem.

Sei bem que do rescaldo da Segunda Grande Guerra sai destacada, sobretudo na Filosofia, uma enorme decepção acerca do poder da educação para nos desviar da maldade. Hannah Arendt e George Steiner mostraram que os mais elevados graus de educação escolar não impedem as maiores barbaridades, podendo até concorrer para elas.

Não devemos, por isso, afastar a apreensão sobre os reais efeitos do ensino no carácter daqueles que aprendem, mesmo quando ele é conduzido pelos mais elevados padrões que somos capazes de conceber. Na verdade, é impossível controlar, até a curto prazo, a direcção exacta ou, mesmo, aproximada, desses efeitos.

Mas devemos também saber que quem educa tem de ter como horizonte a perfectibilidade, ainda que consciente de que esse horizonte, mais do que longínquo, é inatingível. Porém, é para lá que se impõe caminhar, aceitando-se, em cada etapa, a perfeição possível.

Esta reflexão encontra-se patente numa entrevista a Richard Kearney, professor de Filosofia da Sorbonne e do Boston College que se tem dedicado a estudar o "Mal humano" (distinto do "Mal natural"): origem ou origens, explicações que pode ter, e o que se pode fazer para o evitar (aqui: Sociedade da Nações)

Segue-se uma síntese da respostas que deu a estas questões.
Em relação à origem do Mal, recordou Santo Agostinho, que nas Confissões, declarou que não é nos deuses e nos demónios que a devemos procurar, é, sim, ser humano.
E existirá uma noção universal de Mal? Não, disse Kearney, mas é preciso explicar este "não". Para São Tomás de Aquino pode dar-se o caso de as pessoas que cometem o Mal pensarem que estão a fazer Bem. Com base em Espinosa, precisou que isso não decorre da opinião, decorre sim da interpretação: o Mal humano é o que está sujeito a um conflito de interpretação. 
Vejamos: se, mais, recentemente, Nietzsche defendeu que os valores variam de sociedade para sociedade (por exemplo o valor mais importante para os Gregos era a coragem) e na mesma sociedade, Dostoievski (devemos ter isso presente dada a importância de debate dos valores) notou que, em todos os tempos e lugares, foi considerado sempre mal torturar uma criança inocente. 
Esta tensão, representada por Nietzsche e Dostoievski, é importantíssima para o debate dos valores, que tem de ser feito continua e empenhadamente. De facto, os valores não surgem do nada, foram inventados e evoluem. Além disso, não podemos descuidar a sua hierarquização, que nos permite reconhecer os de topo, os quais, nessa medida, constituem a moralidade.
É desses valores que a escola se deve ocupar, em primeiro lugar. 
Para isso a escola pública ocidental terá de rever o princípio de laicidade que adoptou (nada de religião no currículo), pois não se poderá compreender a origem e a evolução dos valores sem o ensino das religiões. Trata-se, sublinhou, de ensino das principais religiões, não de doutrinamento numa religião. 
O Mal solicita a compreensão é outra ideia de fundo. Compreender será perdoar? Respondeu Kearney: não necessariamente, porquanto o perdão implica que a pessoa que procedeu mal reconheça isso mesmo. É neste quadro que se compreende a intenção de Mandela: "verdade e reconciliação". E no qual devemos usar uma diferença feita por Luria entre "o homem sem memória" e "o homem que não pode esquecer". 
Talvez o Mal possa ser superado por esta pequena porta, porque é preciso que o seja. É preciso passar da "hostilidade" para a "hospitalidade". Mesmo que isso possa parecer impossível há que tentar, no pressuposto de que as pessoas não são todas iguais, mas também não são todas diferentes. Se conseguirmos que as pessoas que se julgam diferentes e que sentem hostilidade umas pelas outras partilhem as suas histórias, as marquem e avancem, estaremos a mudar a imaginação e, em sequência, a realidade. 
Este pensamento levou Kearney a organizar um projecto que se designa por Guestbook Project que, recorrendo às redes sociais, põe em contacto jovens de comunidades divididas (isrealistas e palestinianos). Em díades "hostis" partilham as suas histórias e um terceiro elemento, com tecnologias básicas um pequeno vídeo..

O direito de dispor do seu próprio corpo

Quem prestar atenção às (montanhas de) orientações curriculares europeias e nacionais para aquilo que se designa "Educação para a cidadania" poderá, penso eu, ficar com uma de duas impressões:

Poderá ficar com a impressão de que a próxima geração (seja lá isso o que for) vai ser a-geração-mais-que-perfeita porque nos doze ou quinze anos (se contarmos a educação pré-escolar) em que esteve na escola desenvolveu a literacia rodoviária, financeira, sexual, afectiva, emocional, social, tecnológica, digital, para os media, para a saúde, para a igualdade de género e todas as outras deste sector, para a integração e inclusão, para o risco e para o perigo, para o crescimento sustentável, para o ambiente, para o empreendedorismo, para a segurança, defesa e paz, para o sono, para o stress, para a felicidade, para o envelhecimento... para mais umas dúzias de coisas... e, até, para a morte.

Essa geração, evitará as mais diversas doenças associadas a "estilos de vida" duvidosos, não comerá nem beberá a mais ou a menos, terá sempre em mente a "roda dos alimentos", não fumará e afastar-se-á dos estupefacientes, terá uma vida sexual repleta de afectos, conhecerá os mais diversos meios anticonceptivos e evitará ter filhos que não sejam rigorosamente planeados, exercerá uma parentalidade consciente, pugnará por uma higiene escrupulosa, saberá como funcionam os bancos e fará poupanças que aplicará da forma mais rentável possível, terá um espírito inventivo, combativo, entusiasta e competitivo, divertir-se-á na conta certa e descansará da mesma maneira, exercitará o corpo como é devido e terá o peso da tabela, não discriminará ninguém, será tolerante perante tudo e todos, aceitar-se-á como é e aceitará os outros, separará todo o lixo e ajudará a reflorestar o parque mais próximo da sua casa, controlará a ira e outros sentimentos bastardos, fará ioga e mindfulness, encarará os incidentes e acidentes com racionalidade, assumirá, de forma activa, com energia, os anos que passam, e quando a morte chegar assumirá a ida com um sorriso ou um riso, porque até para isso, para rir, foi treinada.

Bom... mas também poderá ficar com a impressão de que a próxima geração vai ser igual a esta, e à anterior, e à anterior... pois, bem vistas as coisas, a "Educação para a cidadania" que temos, acética e de um moralismo sem referente concreto - elaborado numa coligação, aparentemente, entre Estados e, certamente, entre estes e empresas e grupos de pressão, com a difusa sociedade a apoiar e a escola a executar - nem sequer chega a afectá-los ou terá, mesmo, o efeito contrário ao que se diz pretender-se.

É evidente que os adultos têm o dever de cuidar das crianças e dos jovens, tudo fazendo para que cresçam em segurança e estruturem a sua personalidade. E, evidentemente, possam tornar-se cada vez mais autónomos e livres, no respeito pelos direitos humanos.


Em contexto escolar, esse cuidado assenta substancialmente no conhecimento. Não em todo o conhecimento, mas no conhecimento de relevo, que vale a pena ensinar e aprender de modo formal (pois de outro modo dificilmente será adquirido)m, o conhecimento que permite estimular certas faculdades que possibilitam o exercício do livre arbítrio (que não sendo totalmente livre, dizem os filósofos, ainda assim, não poderá deixar ser perspectivado a partir dessa intenção).


Mas esse exercício de escolha terá de ser feito por aqueles que adquiriram algum conhecimento e o organizaram na sua estrutura pessoal, e que, quando for altura de decidirem, no quadro da sua "plena capacidade jurídica", recorrerão a ele... ou não. Ser professor é sobretudo dar (é, na verdade, uma dádiva), com base em conhecimento, a possibilidade... não é conduzir ou obrigar à concordância "política, economica ou socialmente correcta".


Esta (já) extensa dissertação deve-se à leitura de um texto intitulado O direito ao próprio corpo, da autoria de um jurista chamado Tulio Vianna, que pode ser encontrado aqui. Reproduzo abaixo algumas passagens com interesse para analisar os caminhos e descaminhos que trilhamos na "Educação para a cidadania":
Uma sociedade não pode ser considerada livre se seus membros não tiverem o direito de dispor de seus próprios corpos. O núcleo do direito à liberdade é a autonomia sobre o próprio corpo e justamente por isso o Direito, a moral e a religião se ocuparam durante tanto tempo em impor regras para regular a livre disposição dos corpos.
O direito ao próprio corpo ainda está longe de ser conquistado e reconhecido como um direito fundamental da pessoa humana. As normas limitando a autonomia dos corpos estão por todas as partes: limitações à sexualidade, ao uso de drogas psicotrópicas, à liberdade de expressão e até mesmo à vida e à morte.
Tudo em nome de um suposto bem maior: a coletividade. A maioria destas normas de regulação dos corpos, porém, não evita que haja lesão a direito alheio, mas tão somente impõe um modelo de conduta que a maioria julga adequado.
Estado democrático de direito – é sempre bom frisar – não se confunde com ditadura da maioria. As liberdades individuais só podem ser limitadas se – e somente se – o exercício de uma determinada autonomia provocar dano a outrem. Assim, pessoas, maiores e capazes deveriam ser livres para dispor sobre seus próprios corpos desde que com suas ações não prejudicassem a ninguém (...).
O reconhecimento do direito a dispor do próprio corpo tem como corolário à liberdade de consciência e também a liberdade de alteração de consciência por meio de drogas psicotrópicas, desde que evidentemente o uso de tais drogas não provoque danos a terceiros.
Não cabe a um Estado no qual a liberdade é direito fundamental uma atuação paternalista por parte do governo no sentido de proibir que pessoas maiores e capazes provoquem danos a seus corpos.
Deve o Estado, sim, proteger a saúde de crianças e adolescentes, mas no momento em que se reconhece sua plena capacidade jurídica é preciso que se reconheça também seu direito a usar drogas que alteram sua consciência, ainda que estas lhe venham a causar um eventual dano à saúde.
O direito ao próprio corpo manifesta-se ainda na liberdade de expressão e na de não expressão, que chamamos de privacidade. É preciso que se reconheça a cada indivíduo o direito de se expressar quando e como queira, mas também o direito de se manter em silêncio e em sossego, longe dos olhares e das câmeras alheias. Por óbvio não se pode admitir que sua expressão ou sua privacidade possa causar dano a direito alheio.
Por certo justifica-se seu cerceamento, se a expressão de um pensamento for lesiva à honra ou o exercício da privacidade for lesivo ao direito à informação de interesse público. A regra, porém, deve ser que um indivíduo possa se expressar ou se recolher à sua privacidade conforme sua conveniência o que, lamentavelmente, tem se tornado exceção.
A grande batalha jurídica do século XXI será pela libertação dos corpos das normas impostas pelo arbítrio da maioria.
Somos herdeiros de uma cultura religiosa que nos impôs ao longo da história uma infinidade de restrições morais e, posteriormente jurídicas, ao uso de nossos próprios corpos. Não há nada de democrático na imposição pela maioria de normas de conteúdo exclusivamente moral a uma minoria.
Se uma conduta não lesa ou ao menos gera riscos de lesão a direitos alheios, não há por que ser proibida.
A liberdade de um povo não está simplesmente em escolher seus governantes. Não se pode considerar livre um povo que decide os rumos de seu governo, mas que nega a cada um de seus indivíduos a autonomia de decidir sobre os rumos de seu próprio corpo. Liberdade é, antes de tudo, poder decidir sobre o próprio corpo.

domingo, 16 de agosto de 2015

Os direitos das crianças e jovens na escola


Em férias escolares, directores, professores, encarregados de educação, outros educadores, e responsáveis pela educação terão mais alguns minutos para pensar nos direitos das crianças e jovens que devem ser acautelados em todas as circunstâncias, incluíndo na escola. Ou, melhor, especialmente na escola, porque esta constitui uma circunstância particular de educação, necessarimente esclarecida e profissional.

A minha sugestão é que visitem o portal da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (aqui). De modo muito didáctico...

(1) ... lá encontrarão a explicação de a criança ser reconhecida como "sujeito de direito", ou seja,
"– titular de direitos humanos, fundados na sua inalienável e inviolável dignidade. Os direitos humanos da criança são os gerais, reconhecidos a qualquer pessoa, e os específicos, resultantes da sua condição de criança – ser em desenvolvimento, com fases muito próprias que exigem particulares cuidados de respeito, afecto, educação e promoção, para que possa atingir a sua autonomia positiva, do ponto de vista pessoal, familiar e comunitário, no seu caminho de vida para o êxito de uma «candidatura» a uma humanidade plenamente realizada que toda a infância significa.
A criança é assim titular de uma cidadania plena, não contrariada pela sua incapacidade de exercício pessoal de certos direitos, a exigir suprimento pelos pais ou pelo tutor ou outro representante legal. A estes competem poderes/deveres que visam promover o superior interesse da criança, também titular ela própria do direito à palavra e à participação, de acordo com a sua idade e grau de maturidade. A identidade diferente em relação ao adulto, que resulta das características específicas do seu desenvolvimento, pode exprimir-se tão só na forma específica, mais privilegiada e mais intensa, como se lhe reconhecem os direitos e se deve procurar a sua efectivação."
(2) ... encontrarão também a referência aos documentos internacionais e nacionais que firmam essa condição de "sujeito de direito", nomeadamente
"a Declaração dos Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia - Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1959, e a importantíssima BLDConvenção dos Direitos da Criança, aprovada pela O.N.U. em 1989 e ratificada por Portugal em 12/09/90, directamente aplicável na ordem jurídica portuguesa naqueles aspetos da Convenção que não exigem intervenções do legislador português para a sua concretização."
(3) ... encontrarão, ainda, os "Princípios orientadores da intervenção", subordinados sempre ao interesse superior da criança e do jovem, que é também o orientador de toda a acção educativa. Entre esses princípio está, à cabeça, o direito de
"privacidade - a promoção dos direitos da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada."
Frizo este aspecto porque sei que, no sistema educativo português, a "privacidade" está longe de ser vista como um direito absolutamente fundamental das crianças e jovens. Disso tenho apresentado bastantes exemplos neste blogue.

(4) Assim sendo, e porque toda a sociedade tem o especial dever de cuidar das crianças e jovens, independentemente de quem sejam e de onde estiverem (na rua, em casa, na escola...), recomenda esta Comissão o seguinte:
"Qualquer pessoa que conheça situações de perigo pode comunicá-las às entidades competentes em matéria de infância e juventude, às entidades policiais, às CPCJ ou às autoridades judiciárias."

COSMICOMIX: A HISTÓRIA DO UNIVERSO EM BANDA DESENHADA


Notícia da Lusa sobre o livro Cosmicomix, patrocinado pela Sociedade Portuguesa de Física e pelo Ano Internacional da Luz (extraída do site da RTP):

"Cosmicomix" ou as origens do universo contadas em banda desenhada Lusa 13 Ago, 2015, 11:00 | Cultura Em 1978, os radioastrónomos Arno Penzias e Robert Wilson receberam o Nobel da Física por terem descoberto o sinal fóssil que prova que o universo começou numa explosão. A história da descoberta é recordada agora numa banda desenhada. "Cosmicomix", publicada este mês em Portugal pela Gradiva, é uma obra de banda desenhada assinada pelo astrofísico Amedeo Balbi e pelo desenhador Rossano Piccioni, ambos italianos, e descreve as teorias e investigações científicas ao longo do século XX que levaram a uma explicação comprovada sobre o "Big Bang", as origens do universo.

 O livro, no qual surge o físico Albert Einstein, o matemático Alexander Friedman ou o astrónomo Edwin Hubble, foi publicado originalmente em 2013 e a edição portuguesa tem revisão científica do físico Carlos Fiolhais. "Todo o imenso universo que conhecemos esteve comprimido em algo do tamanho... de quê? De um átomo?", pergunta Albert Einstein numa conversa com o sacerdote Georges Lemaître, em Bruxelas em 1927, recriada no livro. Ao longo da obra, o autor da banda desenhada vai explicando, "com a maior fidelidade e rigor possíveis", as teorias que foram sendo desenvolvidas - complementares e opostas - sobre o universo. "A ciência que encontramos neste livro é correcta e reflecte os nossos conhecimentos actuais de cosmologia", escreve Amedeo Balbi no posfácio. Todas as personagens que surgem na banda desenhada são figuras de destaque da investigação científica e algumas estão ainda vivas. Os autores recorreram a artigos, livros, entrevistas, depoimentos, para reconstituirem os passos de todos, nas cenas retratadas. Ao longo de 150 páginas, explicam, por exemplo, a teoria defendida nos anos 1940 por Fred Hoyle, Hermann Bondi e Thomas Gold, da criação contínua de matéria no universo - que não prevê nenhum momento inicial - e a teoria de Alexander Friedmann, Georges Lemâitre e George Gamow, que pressupõe que houve uma explosão que levou ao aparecimento de matéria. Sem provas, estes três cientistas previram que essa explosão, o "Big Bang", teria de ter deixado um resíduo "sob a forma de radição térmica". A demonstração desta teoria só aconteceu na década de 1960, com Arno Penzias e Robert Wilson, que conseguiram medir, através de uma gigante antena rotativa, esse "sinal fóssil" transmitido pela universo, quando da explosão inicial. "Uma fracção minúscula do zumbido que ouvimos quando sintonizamos uma rádio entre duas estações provém de há quase 14 mil milhões de anos. Tínhamos encontrado a prova decisiva da existência de um big bang", afirma Arno Penzias, o narrador desta obra.

 No epílogo, o autor Amedeo Balbi recorda que "a descoberta da radiação cósmica de fundo por Penzias e Wilson marcou uma linha divisória na nossa compreensão do Universo: há um antes e um depois", embora "Cosmicomix" se tenha concentrado no primeiro.

AS CAUSAS DA MINHA CAUSA


A minha resposta ao comentário do engenheiro José Geraldes, insito no meu post intitulado “Universitar os politécnicos: eis a questão” (13/08/2015), transcrito da minha crónica do “Público”, desse mesmo dia e com esse mesmo título:


“Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra”. Não pode ser um hospital de alienados” (Aníbal Pinto de Castro, professor jubilado universitário de Coimbra, “Diário de Coimbra”, 27.Nov.2005).


O prometido é devido! Cá estou eu, portanto, a tentar rebuscar em minha consciência, que penso não  necessitar de vir à presença da opinião pública de baraço ao pescoço, as causas da minha causa em contrariar que o ensino superior seja pasto de golpismo de toda a ordem ao serviço de ambições pessoais ou institucionais e em que, segundo João Lobo Antunes, a “mediocridade seja a lei”.

Um exemplo? Um ensino em que a respectiva qualidade está na razão inversa da formação dos respectivos professores como o acontecido  na docência do 2.º ciclo do ensino básico, anteriormente chamado ensino preparatório. Esta docência -  até então a cargo exclusivo de professores licenciados por universidades para ministrar unicamente a disciplina de matemática -  passou a ser repartida com licenciados politécnicos preparados em 3 anos para serem professores do 1º. ciclo do básico (antigo ensino primário)  tendo ficado com a frequência de, apenas, mais um ano (o 4º ano), mestres   habilitados para ministrar, simultaneamente, matemática e ciências da natureza. Foi esta uma das causas motivadoras dos meus artigos e posts na berlinda por combaterem “a liberdade, a fraternidade e a igualdade do insignificante e do medíocre” (Eça).

Por isso, de forma alguma, me incomodo com labéu de um possível elitismo da minha parte (elitismo que o dicionário Houaiss tem como a “política que visa antes de tudo à formação e selecção de uma elite intelectual”). Nesse aspecto encontro caboucos sólidos resístiveis aos que possam, porventura, advogar, ou simplesmente desculpar, um ensino com licenciaturas à  Relvas, saltos à Vara e quejandas.

Ademais, encontro-me bem amparado pelo sociólogo Alberoni Francesco  quando escreve
“A pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças tem como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas e não privilegiar aqueles que podiam ir para a universidade e para escolas de excelência com professores respeitados e programas rigorosos; é por essa razão que há cada vez mais pessoas a quererem uma escola mais séria, mais rigorosa, com professores preparados e mais respeitados”.
 Quanto ao possível corporativismo que possa subjazer neste meu post, lanço o seguinte repto a quem me leia: Qual o  grupo profissional em que o corporativismo, com raízes que se perdem em séculos, não sofre desta “patologia”, ainda que mesmo sem sintomas de doentia doxomania: o dos médicos, o dos advogados, o dos engenheiros ou até mesmo o dos esforçados e necessários ao desenvolvimento do país trabalhadores manuais?

Para além da Saúde e da Educação  (como defendeu Ramalho, “o homem sem educação , por mais alto que o coloquem, fica sempre um subalterno”) haverá pilar social que deva merecer melhor  atenção dos órgãos de comunicação social? Será o desporto-espectáculo, em que se atingiu a decadência do circo romano sem se ter conhecido, sequer, o apogeu de uma educação integral helénica? Serão os escândalos da banca? Ou será, porventura, a baixa política em que em épocas pré-eleitorais “os políticos em qualquer parte são os mesmos: prometem construir pontes, mesmo quando não há rios” (Nikita Kruschev)?

Sem o valioso agrément de Joaquim Mourato, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, esta  tentativa (desesperada) de pretender “universitar os politécnicos” tem ao leme dois presidentes de Institutos Politécnicos, Porto e Coimbra, respectivamente, Rosário Gambôa e Rui Antunes, sintomaticamente docentes das respectivas escolas superiores de educação. Repare o leitor que esta discordância institucional fez com que eles se desvinculassem da tutela daquele Conselho.


Sobre esta febre de diplomas, António José Saraiva, nome incontornável da Cultura portuguesa, taxada por ele de “diplomocracia”, escreveu: 
“Há meses uma cidade do Norte de Portugal reclamava um ‘instituto’ universitário. Por amor da ciência e da instrução? Não, porque já possuía um instituto ‘técnico’. O que realmente se reclamava era uma mudança de palavra: que o ‘técnico’ passasse a chamar-se ‘universitário’”. (…) Portugal vive há séculos a superstição da palavra ‘doutor’. Já desde os fins da Idade Média o título de licenciado dava direito a carta de nobreza que  a decadência dos títulos nobiliárquicos valorizou” (“Diário de Notícias”, 31/08/1979).
Assumindo a paternidade e originalidade  da expressão entre aspas, a juntar-se aos prestigiados doutoramentos honoris causa, assistimos, em nosso tempo, a licenciaturas e mestrados "ignominia causa". Por vezes, talvez, por isso, me pergunto se a minha cruzada, em prol de um ensino politécnico sério, honesto e valioso valerá a pena. Mas logo sinto o apelo de continuar merecedor da apresentação de um livro meu, ”Sem contemporizar” (1972), escrita por um grande amigo, professor universitário moçambicano já falecido, de seu nome Augusto Cabral. Escreveu ele generosas  palavras que só uma grande e sólida  amizade justificam ou simplesmente consentem: 
“Não é de admirar, pois, que tenha defendido, desde que o conheço (e já lá vão um ror de anos, embora ambos ‘sejamos jovens’)  a sua posição em particular e da sua classe em geral. Defesa essa em que em que tem sido intransigente e luta até ao último alento: até quando lhe falta o apoio daqueles que sobre estes assuntos se deveriam pronunciar, e o não fazem, limitando-se a colher os benefícios, quando os há da luta que tem travado”. Não sei porquê, ou talvez  saiba, ocorre-me o início da letra do fado cantado pela Amália: “Bem pensado todos temos nosso fado e quem nasce malfadado melhor fado não terá…!”
 Chegado ao final deste meu post, pequena contribuição, relativamente ao muito que muito tenho escrito em desabono da “universitação dos politécnicos”, ao tema voltarei sempre que necessário porque, como escrevi em dedicatória do meu livro “O Leito de Procusto” (2005): “In memorian de meus Pais que me prepararam para uma vida de antes quebrar que torcer, até que o peso dos anos – que em mim já  bem pesam! – me não obriguem a torcer para não quebrar”.

E nessa vida de “antes quebrar que torcer”, a minha luta contra determinados próceres dos politécnicos que muito o desvalorizam com a  sua campanha   em que  pretendem misturar a água límpida politécnica com um vinho universitário de nobre cepa transformando-a numa zurrapa intragável  porque, evocando Ortega y Gasset, “pouco se pode esperar de alguém que só se esforça quando tem a certeza de vir a ser recompensado”. Nem que para isso se tenha de vender por um  desonroso prato de lentilhas!

P.S.: 
1.  Brevemente publicarei um novo post incidindo sobre as antigas escolas e institutos industrias, aquelas, da minha saudosa e respeitosa lembrança por serem do meu melhor conhecimento e vivência docente de 18 anos.
2. O meu agradecimento ao engenheiro José Geraldes porque sem contradizer, por contradizer,  o meu post me obrigou a reflectir sobre ele em vez de simplesmente me tentar justificar sobre o que nele escrevi 

sábado, 15 de agosto de 2015

Escolas - 3

(Na sequência de dois textos anteriores Escolas 1 e Escolas 2)

Mostrava-se, num destes dias, no jornal Público online (aqui), um conjunto de fotografias que o americano Steve McCurry tem tirado em escolas de diversos países (encontrei, mais aqui). 

O foco recorrente são os alunos e os professores. Percebo perfeitamente essa opção pois são eles que, em conjunto, fazem a escola.

Seleccionei quatro, do Afeganistão e do Paquistão, que considero particularmente belas e comoventes.

Cabul, Afeganistão
Peshawar, Paquistão
Cabul, Afeganistão
Cabul, Afeganistão

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

TUDO COMEÇOU HÁ MAIS DE SETE DÉCADAS

Publicamos mais um maravilhoso texto do Professor A. Galopim de Carvalho.

Tudo começou como adolescente curioso de saber, mais amante dos campos e das suas gentes do que da instituição escolar de então, que eu achava desinteressante, castrante e rígida. Foi no meio rural que despertei o interesse pelas rochas, pelos minerais e pelos fósseis. Nasceu também aí o gosto pela divulgação científica, uma prática que me ficou e desenvolvi mais tarde a par de uma vivência, igualmente gratificante, de ensino e de investigação científica na Universidade.

Sendo um fruto da cidade, sempre me senti melhor no mundo rural. Esta inclinação foi, simultaneamente, causa e consequência de um campismo meio selvagem que pratiquei nessa fase da minha vida, na companhia do meu irmão Mário e de alguns amigos, um campismo ao encontro das herdades, dos montes e das aldeias do concelho de Évora e, também, das suas gentes.

Ao gosto pelo campo, em geral, e pela geologia, em particular, juntava-se o do convívio com os camponeses. Com alguns deles troquei os ensinamentos dos meus manuais de estudo com os seus saberes fruto da experiência vivida na natureza e com eles iniciei uma vivência social e política, impensável no meio citadino, a todos os níveis vigiado e censurado, que marcou a minha maneira de estar e ver o mundo.

Ao memorizar essa fase da minha vida sou levado a concluir que foi também com os camponeses que cultivei e amadureci este gosto pelo campo essencial à profissão de geólogo. Com eles e por eles tomei o gosto de divulgar, uma actividade que marcou toda a minha existência, e que, sem me ter dado conta, acabou por me tornar figura pública, com as vantagens e os inconvenientes que tal acarreta.

Decorrido todo este tempo sobre a minha vivência alentejana, transporto comigo marcas indeléveis desta que é a maior região do país. Os seus montados de azinho e sobro e as suas planuras de searas ondulantes, ainda verdes em começos de Maio e já a dourar sob o sol de Junho, simbolizam a paisagem que, como é natural, mais se identifica comigo. Esta paisagem, sempre que me é dado vê-la, faz-me regressar às raízes e nelas está, ainda, a casinha isolada, a que chamamos monte, no cimo de uma ondulação do terreno, branca de cal, com cunhais e ombreiras azul-cobalto e uma grande chaminé fumegante. Lá dentro, o lume de chão e os enchidos ao fumeiro. Nessas raízes estão ainda os cheiros e os sabores das ervas aromáticas, os saberes, os falares e os cantares locais. Tantas marcas do Alentejo reflectiram-se nos meus gostos pessoais e profissionais. Os livros de ficção que escrevi são disso testemunho, do mesmo modo que o são a maioria dos trabalhos de campo que realizei como geólogo.

Em complemento da minha formação como geólogo beneficiei, e muito, da convivência, frequente e próxima, do professor Orlando Ribeiro, grande geógrafo e insigne humanista, com quem aprendi a não separar a geologia e a geografia do chão que pisamos da componente social e humana que a complementa.

Nalgumas deslocações que fiz pelo mundo, mais do que as cidades, atraíram-me os espaços naturais, longe do betão e do asfalto. Foi assim que interiorizei a imensidade do tempo geológico no Grand Canyon do Colorado, “viajei” no espaço ao olhar a Cratera do Meteoro e apreendi o significado da erosão no Monument Valley, no Arizona. Foi assim que percorri as planuras entre montanhas do Oeste Americano, os seus desertos e lagos salgados. No Canadá deslumbrei-me com a miríade de lagos deixados no recuo do último grande glaciar, com o maravilhoso polícromo das suas florestas caducifólias, no Outono, e com as chamadas bad lands no Norte de Alberta, autênticos ninhos de fósseis de dinossáurios. No mar azul das Caraíbas, nos recifes e nas areias brancas dos seus fundos e das suas praias vi, no terreno, como se formam os calcários, os de hoje e os do passado com milhões de anos de idade. No Egipto pisei a areia escaldante do Sahara oriental, em franco contraste com o verdejante vale do Nilo. Da Amazónia ficaram-me os aromas quentes e húmidos da floresta sempre chuvosa, a luz coada pela densidade da vegetação e o som dos animais que a povoam. Sobrevoei os Himalaias, molhei os pés nas águas barrentas do mar da China e desci ao fundo de muitas minas e de uma da cratera de um vulcão nos Açores.

No percorrer de uma longa caminhada, para além da infância, da adolescência e do tempo que cumpri como miliciano ao serviço do Exército, dou particular atenção às experiências vividas e presenciadas e às reflexões que muitas delas me suscitaram como docente e investigador científico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como director do Museu Nacional de História Natural da mesma Universidade e, ao mesmo tempo, como cidadão interventor na árdua defesa e valorização da geologia e do nosso património geológico e paleontológico, numa sociedade cinzenta, onde o conhecimento geológico continua arredado dos nossos agentes de cultura e da grande maioria dos nossos decisores aos vários níveis da administração e dos serviços.

Nas lutas cívicas, que travei, tive oportunidade de me relacionar intensamente com a comunicação social escrita, falada e televisionada. Foi bom e, como se viu, foi útil esse relacionamento. Nele fiz tantos apoiantes e amigos quantos os com quem privei, em número de algumas dezenas, entre os mais prestigiados e influentes jornalistas e os mais simples e apagados estagiários que, com o passar dos anos, se fizeram respeitados profissionais. Aprendi a percorrer os corredores do Poder e, sem nunca me afastar das causas que abracei e pelas quais me bati e dei a cara, fiz amigos e estabeleci relações de muita simpatia com alguns ministros e presidentes da República. Outro tanto aconteceu no universo multipartidário da Assembleia da República onde, por diversas vezes, me desloquei em busca de apoio. Foi assim nas Câmaras Municipais, à margem das respectivas cores políticas, com as quais iniciei e tenho mantido estreita cooperação, sempre a título gracioso, nunca remunerado, condição essencial que garante a minha não dependência desse outro poder e me não inibiu ou inibe de exercer livremente o meu juízo crítico e de procurar levar a bom termo os projectos em que me tenho envolvido.

Gozar da simpatia e, por vezes, da amizade de tantas personalidades com influência e poder de decisão, com as quais tive de me relacionar, profissionalmente ou apenas como cidadão, agilizou grandemente todo o trabalho que desenvolvi nesta fase da minha vida em que estive ligado ao Museu Nacional de História Natural. Devo dizer, em abono da verdade, que sem o suporte institucional deste museu e sem o apoio de alguns dos seus funcionários eu não teria tido nem a voz nem a visibilidade que os media me deram. Nos anos em que tive responsabilidades na Universidade de Lisboa e, em particular, no referido Museu, beneficiei, no exercício das minhas funções, da consideração e da amizade dos respectivos reitores, nomeadamente os Profs. Rosado Fernandes, Virgílio Meira Soares, José Barata Moura e António Sampaio da Nóvoa.

Na Faculdade de Ciências, onde exerci a docência e investigação científica entre 1961 e 2001, ano em que me jubilei, vivi em paz comigo, com os colegas e com a instituição, num ambiente de grande afectividade, estima e simpatia. Foi prova deste viver, as cerca de oito centenas, entre ex-alunos, colegas e amigos que encheram, a transbordar, o grande auditório da Faculdade de Ciências, assistindo à minha última lição (“Geologia e Cidadania”) em 30 de Maio de 2001.


A meu pedido e devidamente autorizado pelo governo, ainda mantive a direcção do referido Museu, por mais três anos (sem qualquer remuneração, para além da pensão que me era devida), findos os quais essa autorização me foi negada.

Como portador de deficiência auditiva, agravada nos últimos anos, deparo-me, diariamente, com barreiras que me impedem de abarcar, parcial ou totalmente, o mundo à minha volta. Acabo sempre por ficar isolado no seio de uma convivência que me está, em grande parte, vedada. Esta condição ensinou-me a viver comigo próprio, potenciando-me as capacidades de interiorização, de observação, de reflexão e de apelo à memória. O computador, que aprendi a manejar rudimentarmente, quando a função pública me arrumou na degradante prateleira dos reformados, tornou-se o meu principal veículo de comunicação com o mundo.

Sendo a escrita um acto solitário, julgo ter encontrado nesta minha deficiência total disponibilidade para as exercitar. Quando me sento ao computador não tenho idade, não tenho coronárias entupidas e outras mazelas próprias de quem já viveu muitos anos, não sinto a falta da audição, nem penso nos graves problemas que o desgoverno de Portugal trouxe à grande maioria dos portugueses, problemas que também me bateram, e de que maneira, à porta.
A. Galopim de Carvalho

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

UNIVERSITAR OS POLITÉCNICOS: EIS A QUESTÃO!



Meu artigo de opinião, saído hoje no "Público", em resposta ao artigo "Porquê a insistência num sistema binário?", de Joaquim Sande Silva, saído neste mesmo jornal (06/08/2015), e transcrito neste blogue no dia 8.Agosto.2015:

“A pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais”.
Aristóteles

Defende Paul Ricoeur: “A história é uma mediação entre o passado e o presente num círculo hermenêutico”. Embora tanto não se exija neste contexto, não posso, todavia, deixar de relevar o longo historial que é feito no artigo, “Porquê a insistência num sistema binário?”, subscrito por Joaquim Sande Silva, docente do ensino superior politécnico ("Público", 06/08/2015).

Isto por se tratar de um texto, como diria Eça, escrito “de pena ao vento”, que ocupa quase metade do artigo supracitado, trazendo-me à memória uma lengalenga da minha meninice. Nela, um símio dedilhando uma guitarra trauteava: “Do meu rabo fiz navalha / Da navalha fiz camisa / Da camisa fiz farinha /Da farinha fiz menina / Da menina fiz viola”.

Algo de semelhante se passou com o ensino politécnico. De um curso médio foi feito um curso de curta duração / De um curso de curta duração foi feito um bacharelato / De um bacharelato foi feita uma licenciatura / De uma licenciatura foi feito um mestrado / De um mestrado foi feito um doutoramento por, como escreve Joaquim Sande Silva (daqui por diante identificado com as iniciais do seu nome), existirem parcerias entre politécnicos portugueses e  universidades de Espanha”, encontrando possível  inspiração na vox populi: “Quem não tem cão caça com gato”.

Indo ao cerne da questão, JSS lança a pergunta: “Perante todos estes factos e  passados mais de quarenta anos sobre a concepção do actual sistema, porquê mantê-lo?” Lança a pergunta e numa conclusão que muito me honra, embora me dê um poder que não mereço, dá ele próprio a resposta: “Esta questão é respondida de uma forma muito clara no artigo publicado neste jornal sob o título ‘O sistema dual do ensino superior posto em causa’, no passado dia 29 de Julho”.

Para complementar e contextualizar, as transcrições de frases minhas feitas no artigo “Porquê a insistência num sistema binário?”, endosso o leitor interessado para a leitura completa do meu artigo “O sistema dual do ensino superior posto em causa”, publicado neste media, no passado dia 29 de Julho, onde aduzo razões para discordar dos que defendem um ensino superior politécnico em que a sacrossanta crisma para universidade possa resolver todos os seus  problemas. Ou seja, concedo em exemplo bastante exagerado, como se o facto  de chamar violino ao simples apito desse ao seu som agudo a sonoridade e a beleza das Czardas de Monti.

Seria injustiça da minha parte, não deixar de agradecer a JSS o engenho que me concede em levar a água ao meu moinho, quando escreve: “Apesar de não ter sido escrito por nenhum responsável político nem por nenhum dirigente de uma instituição de ensino superior, o artigo [isto é, o meu artigo] é bem esclarecedor quanto às razões que fazem com que o sistema não mexa e não mude”.

Ao ser feito por si o apelo à necessidade de uma opinião  por parte de  “um dirigente de uma instituição de ensino superior” , obrigo-me em evocar a opinião   do presidente de Reitores das Universidades Portuguesas, António Cunha, que passo a citar ipsis verbis: ”Temos sempre defendido um aprofundamento do sistema binário e uma maior diferenciação entre os sistemas” (Público, 08/07/2015). Quanto a uma contribuição de natureza  politíca, aqui deixo esta, em título a página inteira, do mesmo jornal desse mesmo dia : “MEC recusa acabar com distinção entre universidades e politécnicos”.

Enjeito o possível anátema de “corporativismo, puro e duro” por comungar da crítica de Adriano Moreira, à orientação em “universitar os politécnicos ou poléctinizar as universidades” (“Diário de Coimbra”, 01/12/2004).

A modos de quem está com as mão na massa, JSS não deixa escapar a ocasião de envolver nessa crítica, outrossim, “muitos responsáveis do subsistema politécnico que aplaudem de pé o discurso de ‘aprofundamento do sistema binário’, cada um tentando salvaguardar o seu quintal  da ‘ameaça universitária’”.

Aliás, como diziam os latinos, nihil novi sub sole (não há nada de novo debaixo do sol). Anos atrás, em situação, mais ou menos semelhante, deparei-me com a acusação que me foi feita, numa carta do leitor, subscrita por um professor do ensino superior politécnico, de  “xenofobia académica”.

Em resposta, escrevi, em transcrição dos últimos parágrafos do meu artigo de opinião titulado “Uma questão de honra” ("Público", 01/02/1997):

“Num dado momento, no texto em causa, são criticadas as minhas tomadas de posição da forma seguinte: ‘Utilizando uma linguagem belicista com o propósito de mobilizar os estudantes  universitários, o autor  acaba por tornar visível a xenofobia académica que tem vindo a alimentar algumas (algumas) das posições, através das quais se recusa, liminarmente, às ESE  a possibilidade de formarem professores para leccionarem no 3.º ciclo do ensino básico’.

Mas como  me sinto feliz e orgulhoso pelo reconhecimento público de que tenho sido um esforçado centurião (aliás, desde 87) da recusa em as ESE poderem formar professores para o 3.ºciclo do ensino básico. Nunca me perdoaria deixar que os estudantes universitários pudessem ser apanhados desprevenidos nas teias que à sorrelfa se urdiam nos gabinetes da 5 de Outubro para lhes usurpar um mercado de trabalho já saturado e da sua natural pertença.

E porque, como escrevi referindo-me, respectivamente, aos universitários e alunos do politécnico, ‘uns são os invadidos e outros os invasores’ (Público, 17/12/96), tenho que aceitar a acusação que me é feita de ‘xenofobia académica’, mas que colhe nobre exemplo nos franceses que, durante a II Guerra Mundial, lutaram contra os alemães nas forças da Resistência enquanto companheiros seus colaboravam com os invasores. Nesta perspectiva, portanto, a minha ‘xenofobia académica’, mais do que uma mera opção deve ser tida como uma questão de honra!” (Público, 01/ 02/ 1997).

Assim, como tenho como uma questão de honra responder aquilo que JSS tem, em forte e descabida adjectivação, como “um corporativismo pacóvio e bafiento que tudo bloqueia e entrava”.

Last but not least, porque como escreveu Jules Renard, ”o homem livre é aquele que não receia ir até ao fim da sua razão”, apelo à coligação ou partido saídos das próximas eleições legislativas, para que continuem esse “bloqueio e entrave” com a finalidade, como escrevi no meu artigo, generosamente aqui citado, “em  atribuir  à universidade o que é da universidade e ao politécnico o que é do politécnico, não permitindo, consequentemente, qualquer tipo de ceifa do politécnico em seara universitária”. Apelo que reforço em nome do “soberaníssimo bom senso” de que nos falava Antero!

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

José Alberto Oliveira, Como Se Nada Fosse












GESAMTKUNSTWERK

Há um pequeno
parafuso,
que sustenta
o aparelho.
Quando solto
é o caos,
onde, contra
toda a probabilidade,
vivemos.
 
Nota: GESAMTKUNSTWERK http://www.britannica.com/art/Gesamtkunstwerk


Divide-se o perímetro pelo diâmetro
 

Divide-se o perímetro pelo diâmetro
e obtém-se o infinito; mais doméstico
que a expansão acelerada do universo
ou a matéria negra. É de eficácia
que se trata, não existe um quark
indolente e, no final, conserva-se
a energia. O sexo dos anjos obedece
ao primado da incerteza e onde
encontrar o gato, vítima da constante
de Planck, que reconheça estar morto?

UM BOLO COM MUITAS VELAS

Texto do Professor Galopim de Carvalho, que o De Rerum Natura agradece de um modo muito especial.

Nasci em Évora, em 1931, nos dias grandes e quentes do Verão alentejano, aumentando para cinco o número de filhos do casal, a partir de então com três rapazes e duas raparigas. Uma outra irmã viria a nascer, tinha eu 8 anos.

Nas minhas raízes não houve doutores, engenheiros, almirantes ou generais, nem sequer, um sargento. houve um segundo grumete, ao serviço da fragata Dom Fernando II e Glória, em adolescente, e depois, como homem, empregado de escritório, um “manga-de-alpaca”, como alguns diziam, depreciativamente, uns por despeito, outros por desdém.

Houve uma mãe que, de costureira em solteira, se transformou em mulher da casa, inteligente, extremosa e incansável, e gente do povo de muitas artes: dois corticeiros, um sapateiro, um curtidor de peles, dois caiadores, um capador, um açougueiro, sem esquecer a minha tia Rosalina, irmã da minha avó materna, que, com as filhas, fazia queijos de ovelha e tinha uma venda de hortaliças, e o meu tio Zézinho, seu marido, conhecido por Zé dos Cabanejos, pelo facto de fazer cestos e canastras ou cabanejos.

De toda esta família, só o meu pai estudou, tendo concluído o 5.º ano do liceu, o que lhe valeu um emprego mais estimado, permitindo-lhe, em conjunto com a minha mãe, dar aos seis filhos as habilitações a que cada um aspirou. A Sociedade Harmonia Eborense, na Praça do Geraldo, preencheu a grande maioria dos tempos livres e de lazer do meu pai, que para ali se dirigia, invariavelmente, depois do jantar e de nos ler, ainda à mesa, um capítulo de um livro que sabia escolher na nossa pequena biblioteca ou na da dita Sociedade.

Esta meia hora de leitura foi, durante anos, o nosso folhetim ou a nossa telenovela. Ouvimos, assim, diariamente e, com a maior atenção, essas leituras que o pai fazia na perfeição, valorizando o texto com inflexões de voz e gestos a condizer. Foi deste modo, que “lemos”, através dos seus olhos, entre outras volumosas obras, “A Toutinegra do Moinho”, de Émile Richebourg, “A Execução dos Távoras”, de César da Silva, e a “Revolução Francesa”, em três grandes volumes, cujo autor não fixei, e a “Guerra e Paz”, de Leon Tolstoi.

Igualmente sócio do Lusitano de Évora, o meu pai torcia pelos rapazes da camisola verde e branca, as cores preferidas pelas classes média e alta. O povo alinhava, mais com os azuis do Juventude Sport Clube, muitas vezes alcunhado de “Rasga-a-Roupa”, ou pelos encarnados do Sport Lisboa e Évora, uma espécie de sucursal alentejana do grande Benfica. Ao serviço desta classe distinguia-se a Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar, assim chamada em homenagem ao grande pensador e político liberal do século XIX.

Da alta sociedade faziam parte, sobretudo, as famílias ricas, como eram as dos comerciantes mais abastados, dos grandes senhores da terra (os terratenentes, como se dizia), da banca e dos seguros e as de alguns profissionais liberais de mais avultados proventos. Era deste grupo social que saíam, normalmente, os Governadores Civis e os Presidentes da Câmara. Com esta classe conviviam os comandantes da Polícia e da GNR e outras destacadas figuras do topo das hierarquias militar, religiosa e civil.

Os representantes desta franja do tecido urbano preferiam o “Clube” e o “Grémio da Lavoura”, dois centros de convívio essencialmente masculino, onde nunca entrei. Tirando uma ou outra excepção, as mães não saíam, ficavam em casa, a tratar da lida doméstica, e, concluída esta, punham-se à janela a ver quem passasse ou a falar com a vizinha da frente, tendo à sua guarda os filhos mais pequenos e as filhas, fossem elas crianças ou raparigas crescidas. Entrei tarde e mal preparado para a escola oficial.

A aprendizagem das 1.ª e 2.ª classes tive-a em casa, com a minha mãe, nas muitas horas que ela dedicava à costura, recitando a tabuada e juntando as letras na Cartilha Maternal, de João de Deus. Na Rua do Segeiro, onde morávamos, a carpintaria do mestre Roberto abriu-se-me aos olhos e ao coração. Sempre que podia escapar à mãe e às obrigações escolares, esta oficina era o meu mundo mais apetecido. Ali aprendi a conhecer as ferramentas, os seus nomes, os seus usos e os lugares onde ajudei a guardá-las ao fim do dia.

A essa oficina associo o cheiro exalado pela madeira de pinho, ao ser serrada, o odor a barro molhado do rebolo de amolar, o do azeite rançoso, viscoso e enegrecido, sobre a ardósia de dar fio aos formões e badames, e o do grude derretido em banho-Maria num caldeiro de cobre. Os sons cantantes das serras e serrotes, das plainas e garlopas a desbastarem e alisarem pranchas e barrotes, são parte da memória desse meu pequeno grande mundo.

O mestre Roberto foi nesse tempo e ainda o é, como evocação, uma figura central no meu imaginário. Com um percurso escolar atribulado, nem sempre exemplar, e um serviço militar cumprido por obrigação e com algum desalinho não ao gosto da instituição, cheguei tarde à meta que me permitiu trabalhar em domínios próprios da ciência que abracei e, ao mesmo tempo, ensiná-los a muitos milhares de alunos e divulgá-los a um número ainda maior de concidadãos. Poucas pessoas terão tido, como eu, o privilégio de exercer profissionalmente a actividade que preencheria os seus tempos livres e de sentir o local de trabalho como a sua própria casa.

Esta condição sempre me diluiu a diferença entre dias ou tempo de trabalho e dias de descanso ou tempo de férias. Por vezes, dou comigo a dizer que estive sempre em férias, o que é uma maneira divertida de dizer que nunca deixei de trabalhar nesses tempos de lazer que a sociedade organizada concede a quem trabalha.

Quarenta anos de investigação e ensino na Universidade permitiram-me conhecer, por dentro, não só as salas e salões, os corredores, as escadarias e as torres de marfim, mas também, os subterrâneos do mundo académico, um mundo demasiado elitista a que resisti, vacinado por uma saudável ruralidade bebida nos campos do Alentejo e na convivência com as suas gentes.

A. Galopim de Carvalho

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Mercado livre: Sigilo e rapidez

Durante algum tempo dei atenção particular no tipo de fraude académica que se traduz na "encomenda" de trabalhos da mais diversa natureza, incluindo teses de mestrado e de doutoramento e escrevi no De Rerum Natura vários textos sobre o assunto (por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui).

Nesses textos não denoto qualquer compreensão nem em relação a quem faz "encomenda" nem em relação a quem a concretiza. Entendo que se trata de uma fraude inaceitável e que, por isso, é preciso tomar medidas para a fazer parar. Não mudando de opinião, tenho pensado em algumas pessoas que aceitam fazer tais trabalhos. Conscientes da ilicitude mas sem horizontes profissionais, percebem que não lhes resta muitas alternativas além deste "mercado livre", onde o "sigilo" é a alma do negócio.

Pode ser o caso patente nestes dois anúncios do OLX (sim esse sítio na internet onde se vende e se compra qualquer coisa):
Latim e Grego Antigo - Traduções, retroversões, análise morfossintática.Professor, Doutorado, efetua traduções de textos em Latim ou Grego Antigo, retroversões, análise morfossintática (resolução de exercícios, decomposição frásica, reflexão linguística, etc.), análise poética (métrica), realização de materiais pedagógico-didáticos (para mestrandos em Ensino), entre outros. 
Prestação de serviços diversos por professora licenciada e tradutora freelancer com longa experiência:
- Ajuda na pesquisa bibliográfica (para aprender a reconhecer o que é científico);
- Revisão de textos científicos, trabalhos académicos, monografias, teses, entre outros;
- Elaboração de trabalhos académicos em diversas áreas;
- Relatórios, resumos, etc.
- Análise de poemas de Língua Portuguesa – Ensino Secundário (...);
- Edição e correção de textos e livros;
- Elaboração de power-point;
- Transferência de dados/folhas de papel para o computador (word)
Trabalho para todo o país. Sigilo e rapidez.

domingo, 9 de agosto de 2015

A SOCIEDADE E A UNIVERSIDADE

“A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta.”
Vital Moreira

No post, publicado neste blogue no passado dia 8 deste mês, da autoria da Professora Helena Damião, intitulado “Convicções  que deram origem e identidade à Universidade”, teve esta ilustre professora universitária a gentileza de se referir à minha modesta contribuição para a polémica instalada sobre  os dois subsistemas de ensino superior: universitário e politécnico.

Cumpro, portanto, com grato prazer, o agradecimento devido a essa referência que apenas se justifica pelo pertinácia (outros a apelidarão, porventura, de teimosia) com que me tenho debruçado sobre uma temática longa e antiga que, todavia, parece ainda ir no adro da igreja.

Mas, para além do cumprimento de um dever que a gratidão impunha, devo agradecer-lhe a referência que faz a um estudo, da autoria de uma outra professora universitária espanhola, de seu nome Maria Garcia Amiburu, com o sugestivo título (eu diria mesmo provocatório!): “Tiene futuro la universidade?”
Como é óbvio, sofregamente o li, e, como tal, receoso em  dar razão a Eça quando disse que “em Portugal não se lê, folheia-se”, ficando, contudo, a promessa de vir a dar-lhe a atenção de um atento médico legista que tudo disseca.

Entretanto, seja-me permitido umas tantas achegas que me levam a pensar que bem mais venturoso seria este país, se não afogado em vagas de textos de natureza jurídica que se instalaram  no ensino superior português sem  o tempo necessário  para comprovar a respectiva  eficácia  como quem ata e põe ao fumeiro, encarregando o tempo que tudo cura que se compadeça de um “corpus” universitário acossado por um ensino politécnico que espera encontrar a palavra “abre-te Sésamo" da respectiva valorização  como que a modos de quem pode "agarrar, da noite para o dia, a sociedade, torcer-lhe o pescoço e fazer uma nova", em crítica de Fernand  Brandel.Ou seja, começa a ser deveras preocupante que os politécnicos pretendam ser chamados de universidades por  dizerem fazer o mesmo que elas como se entre o dizer e o fazer não existisse uma diferença abissal. Na vox populi, ” presunção ou água benta cada um toma a que quer”!

Talvez porque, como escreveu Maria Filomena Mónica, “devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo do parlamentares, à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável” (Público, 08/12/2003), escrevi:
"Assiste-se a um certo desencanto pela sombra tutelar da universidade, a ponto de se ouvir que o Instituto Superior Técnico (IST) tem manifestado vontade de se tornar numa escola independente da Universidade Técnica de Lisboa. Pensamos que essa intenção se manifesta nos anúncios avisos que faz publicar na imprensa apresentando-se como IST, tout court. Em contrapartida, todos os outros institutos superiores ou faculdades desta universidade, antecedem à respectiva designação o nome da  instituição universitária a que pertencem” (“Diário de Coimbra”, 13/11/2004).
 Reforço! Bem mais venturoso seria o ensino superior deste extremo ocidental europeu se  os verdadeiros responsáveis governamentais e das bancadas de S. Bento  por este statu quo dedicassem o tempo e a atenção necessários  que se não compadecesse com interpretações de legislação  dúbia referente aos ensinos universitário e politécnico em que os seus autores parecem não terem pensado o que escreveram ou escreveram o que não pensaram. E desta forma, deixando ao livre arbítrio de uma das partes envolvidas neste lamentável estado de coisas serem senhores do seu destino, retirando à outra parte um destino alcançado com "sangue, suor e lágrimas", através da criação e funcionamento de cursos politécnicos a simples pedido dos respectivos interessados, por vezes, em proveito próprio de uma carreira docente, ou exigência das populações de grandes urbes, pequenas cidades  ou simples  burgos  com o poder reivindicativo  de serem berço de nascimentos de personagens ilustres que tudo querem e tudo podem. Até uma forma de fazer reviver "Novas Oportunidades", para uns tantos eleitos,  antecederem, enquanto o diabo esfrega um olho, o seu nome com o ouropel de "doutor" ou "engenheiro"!

E esta situação mais se agudiza, e torna em escândalo público, se for tomada em linha de conta o facto de o ensino politécnico ter sido criado para ser implantado em regiões ou cidades carenciadas de  um ensino superior capaz de outorgar simples bacharelatos, como se fosse esse o caso de Coimbra, Lisboa e Porto, cidades universitárias, onde assentaram arraiais, fincaram os pés no chão, e não cessam de novas exigências.

Et pour cause, vejo com apreensão que  o ensino superior se possa tornar numa zurrapa em que a água  cristalina de um dos subsistemas se misture com o vinho de boa colheita do outro subsistema, em vez de ambos  dignificarem  a cepa da sua colheita ou a limpidez cristalina da referida fonte. Podendo, com isso, serem abalados seriamente os caboucos multisseculares culturais, humanísticos e científicos  da Universidade Portuguesa  transformado  o ensino superior politécnico num ensino universitário de segunda classe(não entrando  aqui  em conta com a maioria das universidades privadas de mais do que duvidosa qualidade, como é óbvio) ou num caricato travesti fora dos festejos carnavalescos.

Embora, merecedora das inquietações ou mesmo críticas da Professora Maria Garcia Amiburu, comungo do seu final esperançoso: “”La institución universitaria tiene mucho futuro, porque la sociedad sigue necesitanto  de ella!”

sábado, 8 de agosto de 2015

Convicções que deram origem e identidade à Universidade

Os últimos textos do Professor Rui Baptista, os problemas que levanta no respeitante ao ensino superior, levaram-me a reler um artigo que apreciei, de modo muito particular, na altura da sua publicação. O título é "Tiene futuro la universidad? Análisis desde la filosofia de la educación" e a autora é María García Amilburu, da Faculdade de Educação da Universidade Nacional de Ensino a Distância - UNED - de Madrid.

Desse artigo, que pode ser encontrado no volume extra-série de 2011 da Revista Potuguesa de Pedagogia (aqui ), destaco a seguinte passagem;
"En la Grecia clásica, aunque existía la «idea» de Educación Superior, orientada especialmente a la formación del rey filósofo y de los guardianes, no había propiamente «instituciones» que se dedicaran a esta tarea. Aún así, se puede afirmar en cierto sentido que las Universidades son herederas del mismo impulso intelectual y moral que dio origen al Liceo de Platón, la Academia de Aristóteles o el Jardín de Epicuro, considerados como prototipos de Enseñanza Superior en la Grecia clásica. Estos grupos de amantes del saber constituían comunidades de maestros y discípulos que compartían algunas convicciones comunes tales como: 
• El conocimiento sensible, espontáneo e inmediato, puede conducir a errores y es preciso contrastarlo y someterlo a examen; 
• Para llegar al conocimiento de la verdad es necesario dialogar con otros seres humanos, porque así es como mejor se alcanza; 
• Mediante el diálogo, el discípulo puede examinar críticamente el conocimiento que se le propone; por lo tanto, el nuevo saber que el aprendiz adquiere es aceptado libremente; 
• El conocimiento es un bien en sí mismo y nos hace libres, porque nos libera de la ignorancia y el error; 
• No existen límites para la capacidad y libertad de conocer.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...