quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

CIÊNCIA À DERIVA


Meu artigo no Público de hoje:

 Já ninguém se lembra do programa do governo, mas ele está à distância de um clique. Na área da ciência começava por tecer rasgados elogios aos governos precedentes: “Graças às políticas de investimento de sucessivos governos anteriores, a ciência em Portugal representa uma das raras áreas de progresso sustentado no nosso país, tendo vindo a dar provas inequívocas de competitividade internacional.” Comprometia-se a manter a rota: “O programa deste Governo inclui, portanto, o compromisso de manter e reforçar o rumo de sucesso da ciência em Portugal.”  No topo das prioridades estava a qualificação de jovens: “Investir preferencialmente no capital humano e na qualidade dos indivíduos, particularmente os mais jovens.” Pretendia, assim, “assegurar a permanência dos melhores investigadores actualmente em Portugal.”

Até o governo se esqueceu do seu próprio programa num dos raros sectores em que havia um amplo consenso. Não foi apenas o ministro da Economia mas também o primeiro ministro que recentemente criticou a política de ciência dos governos anteriores, incluindo os do seu próprio partido. E a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), com a complacência do ministro da Educação e Ciência, decidiu que o investimento no capital humano não era afinal uma boa ideia, tendo cortado de uma forma abrupta e radical as bolsas a jovens investigadores. Se, logo no seu início, o governo tinha manifestado satisfação com a saída de jovens qualificados (Miguel Relvas declarou-se mesmo orgulhoso da “nova emigração de jovens bem preparados”), actualmente a FCT vai mais longe ao deixar sem escolha muitos licenciados ou doutorados com altas classificações: só lhes resta comprar bilhetes de ida sem volta. O Financial Times de 16 de Fevereiro fala de “despedidas com lágrimas” no aeroporto de Lisboa, onde por dia “200 licenciados e outros emigrantes abandonam o país”.

De facto, o contraste entre o programa do governo para a ciência e a sua prática é brutal, surpreendendo quem acreditou nas intenções programáticas. Terá mesmo surpreendido o Presidente da República, que veio declarar publicamente que “há que evitar o enfraquecimento das políticas de investigação e desenvolvimento”. Com o crescimento do sistema nacional de ciência e tecnologia, pretendia-se aproximar Portugal dos países mais desenvolvidos da União Europeia. Desde que em 1995 surgiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, esse esforço de convergência deu resultados muito bons, por exemplo, no número de pessoas formadas e no número de publicações científicas (se o primeiro ministro não os conhece, é favor informar-se melhor). Agora, porém, o governo passou a ver a ciência com outros olhos. Pedro Passos Coelho, insciente dos objectivos e processos da ciência, acha que a investigação nacional não se revelou produtiva e quer enviar os investigadores para as empresas rapidamente e em força. Os matemáticos deverão ir, de calculadora na mão, verificar as contas dos bancos e os químicos, de pipeta em riste, fazer análises nas fábricas. O ministro da Educação e Ciência não parece, contudo, acompanhá-lo: põe a ênfase não na ciência utilitária, dirigida ao comércio e à indústria, mas sim na ciência de “grande qualidade”, ciência de ponta que demora a chegar à economia. O governo bem poderia chegar a um acordo interno sobre a orientação a dar à ciência. Não é um governo, mas sim um albergue espanhol.

 O executivo, honra lhe seja feita, emendou há dias o tenebroso discurso de Relvas quanto à emigração de jovens qualificados. Mas de nada vale ao secretário de Estado Pedro Lomba querer atrair jovens talentos com vistos especiais quando as bolsas que os permitem aproveitar foram cortadas pelo Presidente da FCT, Miguel Seabra. A FCT, com uma insensibilidade à ciência que arrepia ainda mais do que as palavras de Relvas, está a promover o êxodo de investigadores extraordinariamente competentes: uma média de 19 no curso de Física no Técnico já não chega para obter uma bolsa! Quando se chumbam os melhores falar de qualidade não passa de pura retórica.

 Voltando ao programa do governo, nele se pretendia “instituir mecanismos que dêem voz a toda a comunidade científica nacional.” Contrariando a promessa, hoje essa comunidade não é tida nem achada. Houve até uma tentativa de amordaçamento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, órgão consultivo que reúne alguns dos nossos melhores cientistas, quando este apontou o desnorte da ciência portuguesa. Que não há uma política clara foi reconhecido pelo dito Conselho ao solicitar que o governo “torne público o seu plano estratégico de fundo, comunicando, clara e atempadamente, as suas políticas à comunidade”. E que a FCT anda ao deus dará foi outra conclusão do mesmo órgão ao pedir uma “avaliação externa à FCT.” Vamos ver quando e como surgem quer o plano quer a avaliação.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Ah, grande Natália!

Anda a circular na net um texto intitulado “As premonições de Natália”. Estou muito longe de ter lido a obra de Natália Correia, extraordinária e saudosa portuguesa, mas o pouco que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o privilégio de conviver nos últimos tempos da sua vida, era eu um profissional, a tempo inteiro, de uma ciência demasiado terra-a-terra, em busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos como ela, por modelo.

Prenderam-me a ela a intransigência com que defendia a liberdade, a solidariedade e a justiça, o desassombro que usou na palavra falada e escrita, a força e a energia, características que sempre igualei às do igualmente saudoso Ary dos Santos.

Natália leu os meus primeiros escritos, que arrumou num estilo que designou por etnologia ficcional, expressão que eu nunca imaginara e que me surpreendeu pela exactidão da análise. Com efeito, ao fim de três décadas a observar e descrever, no rigor exigido no discurso científico, rochas, minerais, fósseis, e um sem número de acontecimentos e de ambientes do passado, eu procurava, nessa nova fase da minha vida, descrever pessoas, ofícios, ambientes e modos de vida que vivi ou presenciei e que guardei quase intactos em recantos da memória. Queria, sobretudo, fazê-lo ao sabor de uma certa intencionalidade poética. Para tal, eu tinha que dar um primeiro passo e Natália deu-me o empurrão necessário.

Feita esta apresentação da minha relação com esta açoriana, apraz-me transcrever, pelo que têm de realismo, algumas premonições que acredito, mas não posso confirmar, serem dela:

"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista". "Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente". "Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão". "Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?" "As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir"."

Ah, grande Natália!
A. Galopim de Carvalho

V. S. Naipaul e os Jacintos-de-água


Recentemente, o povo da Praia de Mira uniu-se para limpar os jacintos-de-água da barrinha e das lagoas vizinhas.

V.S.Naipaul, escritor de Trinidad e Tobago, no seu romance A Curva Do Rio descreve o dia-a-dia de Salim numa ex-colónia da África Central. Este último vive numa aldeia, situada na curva do rio que atravessa o país, e os jacintos-de-água, amiúde, invadem-lhe os olhos:

Vindos do sul, de paragens que ficavam muito longe da curva do rio, passavam a todo o momento os jacintos-de-água, negras ilhas flutuantes no escuro rio, dançando ao sabor das águas. Era como se a chuva e o rio tivessem arrancado aquele mato ao coração do continente e o levassem até ao oceano, que ficava a tantas milhas dali. Mas o jacinto-de-água era fruto do rio, e não da Terra. A enorme flor lilás tinha aparecido no rio havia apenas alguns anos, e na linguagem local não existia qualquer palavra para a designar. As pessoas chamavam-lhe ainda «aquela coisa nova» ou «aquela coisa nova do rio», e para eles o jacinto-de-água era muito simplesmente mais um inimigo. Os seus ramos e folhas, muito elásticos, formavam espessos emaranhados de vegetação que se colavam às margens do rio e atrancavam os canais. O jacinto crescia depressa, mais depressa do que os homens o podiam destruir com os meios que dispunham. Os canais que conduziam às aldeias tinham de ser constantemente limpos. Mas o jacinto-de-água voltava, vindo do sul, voltava sempre, espalhando sementes e alargando os seus tentáculos ao sabor das águas do rio.

Esta planta invasora, símbolo das sociedades modernas, atravessa o romance desde a nascente até ao estuário.

Para o próximo ano, o povo da Praia de Mira tem de voltar a pôr as mãos nos jacintos-de-água.

SEM CONTEMPORIZAR COM A DESTRUIÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA

“Haja ou não frutos, pelo sonho é que nós vamos. Basta a fé que nós temos. Basta a esperança naquilo que talvez nós teremos” (Sebastião da Gama, 1924-1952).

A republicação do meu post, Suspeitas sobre os colégios do grupo GPS (11/02/2014), no blogue Geopedrados, do Colega Fernando Oliveira Martins, leva a interrogar-me, de quando em vez, se valerá a pena defender questões que já não dizem directamente respeito à minha situação de aposentado, mas que me dão, por outro lado, o direito de continuar a defender, sem benefício pessoal, causas de que me ocupei durante 12 anos como presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados. Ou seja, lavrar o meu veemente protesto contra a destruição sistemática, pedra por pedra, do multissecular edifício da Escola Pública ao serviço valioso de gerações escolares passadas, actuais e futuras.

Mas talvez seja sina minha, ou destino cruel, de que me não consigo (nem quero) libertar. Remonta ele a idos de 1972, altura em que um grande amigo e biólogo, Augusto Cabral, na apresentação de um dos meus livros, "Sem Contemporizar" (1972), escreveu:

“Mas, para além de tudo, existe a pessoa, o indivíduo, como elemento de uma classe e de uma sociedade e o que realmente conta são os aspectos positivos e válidos e o que também poderei afirmar, sem desmentido seja a de quem for, é que Rui Baptista é um homem que tirou um curso, não para ter um canudo e à sombra deste se instar acomodaticiamente numa secretária à espera do fim do mês, mas sim para, tão-somente, exercer uma profissão que desempenha com honestidade e incontroverso êxito. Não é de admirar, pois, que tenha defendido, desde que o conheço (e já lã vão um ror de anos), a sua posição em particular e da sua classe em geral. Defesa essa em que tem sido intransigente, mesmo quando fica sozinho e luta até ao último alento: até quando lhe falta o apoio daqueles que sobre estes assuntos se deveriam pronunciar, e o não fazem., limitando-se a colher os benefícios, quando os há, da luta que ele tem travado”. 

Por isso, sempre com muito apreço li os comentários publicados (o do colega Oliveira Martins e outros) ao meu post supracitado por constituírem um arrimo precioso numa altura em que a docência não constitui um corpus devidamente organizado, ao contrário de outras profissões de igual ou menor exigência académica, organizados numa Ordem Profissional. Contenta-se ela com um aglomerado de docentes proletarizados e pulverizado em mais de uma dezena de sindicatos docentes de diversas tendências políticas), como se a sublime função docente se pudesse circunscrever a meras questões de natureza laboral: vencimentos e horários de trabalho, por exemplo.

O prezado colega Oliveira Martins, com os seus comentários, a anteriores textos meus, tem dado, de há muitos anos para cá. um auxílio precioso e constante a um combate sem tréguas a uma situação em que, como diria Pessoa, o exercício docente é uma arrabalde de uma profissão que exigia ser devidamente dignificada com o título profissional de Professor, devidamente tipificado em deveres e direitos. Em conselho de Santo Agostinho: “Nunca estejas satisfeito com o que és, se queres conseguir aquilo que não és”!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cortes ameaçam futuro da I&D em Portugal

Carta publicada na Nature de 13/2/2014:

Cuts threaten future of R& D in Portugal

Drastic cuts in public funding for science and technology in Portugal are being applied as part of the government’s sweeping austerity measures, without thought for a national long-term science strategy. The effects are particularly hard on young scientists.
The number of PhD and postdoctoral fellowships awarded by the country’s principal funder, the Science and Technology Foundation (FCT), fell by 40% from 2012 to 2013, and the 2014 budget for fellowships fell by 16.5% compared with last year.
Coupled with reductions in funding for research centres and research and development (R&D) projects, these cuts have serious long-term implications for the country’s chance of developing a knowledge-based economy.

André Levy ISPA, Lisbon, Portugal.

13 FEBRUARY 2014 | VOL 506 | NATURE

TERRA, A ESTRELA DA TARDE MARCIANA

Crónica publicada primeiramente no Diário de Coimbra.


«Observe o ponto uma vez mais. É aqui. É a nossa casa. Somos nós. Nele vivem ou viveram todas as pessoas que ama, todas as pessoas que conhece, todas as pessoas de quem ouviu falar, todos os seres humanos que alguma vez existiram.» Estas são palavras do famoso astrónomo e divulgador de ciência Carl Sagan e descrevem o que sentiu quando viu a imagem do nosso planeta fotografado pela sonda Voyager 1, a uma distância de 6,4 mil milhões de quilómetros, no dia 14 de fevereiro de 1990.


O “ponto azul-claro” mal se destacava da imensidão do Universo. Um ponto luminoso, debruado fragilmente pela luz solar, uma centelha reflectida para o cosmos. É nesse ponto minúsculo que existimos. Você e eu e todos aqueles que conhecemos e que revivem na nossa memória. Nele, as vitórias beligerantes são pálidas e insignificantes, as arrogâncias autoritárias não acrescentam brilho ao nosso planeta.

O fascínio pela imagem da Terra vista a partir do espaço começou com as primeiras fotos tiradas a 7 de Março de 1948, através de câmaras fotográficas instaladas em foguetes V-2 alemães, no lugar ocupado anteriormente por ogivas bélicas. Tiradas a uma altura de 160 quilómetros da superfície terrestre, as primeiras imagens do nosso planeta trouxeram uma mensagem de paz contemplativa: não há fronteiras nacionais vistas do espaço!


Mas estas imagens mostravam apenas partes da Terra. Uma imagem mais ampla do nosso planeta só foi possível com o início da exploração lunar através de satélites. A 23 de agosto de 1966, a sonda lunar Orbiter 1, da NASA, olhou para trás e captou, a cerca de 350 mil quilómetros, a primeira imagem da Terra a partir do espaço profundo. Só então foi possível uma perspectiva do nosso mundo como um pequeno astro celeste no panorama cósmico.


Mas estas eram fotos da Terra em crescente e em tons de cinzento sobre o negro espaço sideral! Teríamos de esperar pela missão Apolo 17 (NASA) que, a 7 de Dezembro de 1972, pouco depois do seu lançamento, e aproveitando um bom alinhamento com o nosso planeta, tirou aquela que continua a ser uma das mais famosas imagens iconicamente azuis da Terra. A partir dela passamos a designar o nosso mundo como o planeta azul!


Com a expansão das missões de exploração do sistema solar, muitas outras imagens do planeta foram sendo registadas na paleta do nosso álbum cósmico (veja, por exemplo, este site). Cada vez mais distantes, os nossos fotógrafos espaciais foram enviando imagens de como a Terra se avista dos outros planetas que connosco orbitam o Sol.

Assim que a humanidade colocou robôs no solo de Marte, também estes tiraram e enviaram para nós imagens de como a Terra se vê a partir do solo vermelho. E como é? É como nós aqui vemos os outros planetas a olho nu: estrelas errantes, as primeiras estrelas da manhã e da tarde. Somos uma estrela errante no céu marciano!


A primeira imagem da Terra como estrela da manhã em Marte, foi tirada pelo robô Spirit (NASA) a 8 de Março de 2004, uma hora antes do Sol nascer no horizonte marciano.

Volvidos dez anos, recebemos outra imagem da Terra a partir da superfície de Marte: a Terra como estrela da tarde! A imagem vespertina foi captada pelo robô Curiosity, da NASA, no dia 31 de Janeiro deste ano, a uma distância de 160 milhões de quilómetros da Terra, no fim de tarde marciano.


Nesta imagem, a Terra surge como o ponto mais brilhante do céu crepuscular marciano. Um simples e frágil astro errante no mar do Universo.

António Piedade

PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA – 3. A primeira metade do século XIX

Texto que continua este e este.
Mary Anning (1799-1847). 
Pintura de autor desconhecido.
Figura grande da paleontologia, a inglesa Mary Anning (1799-1847), coleccionadora e comerciante de fósseis, ficou bem conhecida entre a comunidade de geólogos e paleontólogos, pelas suas importantes descobertas no Jurássico inferior marinho no litoral de Lyme Regis, no condado de Dorset. O seu trabalho como amadora foi reconhecido como de grande importância no desenvolvimento da paleontologia dos vertebrados marinhos.

Em finais do século XVIII e começos do XIX, a recolha fósseis, como curiosidades da natureza, estava em voga como um passatempo, entre uma burguesia erudita, atitude que acabou por caminhar no sentido da investigação científica nos domínios da paleontologia, da geologia e da biologia. Autodidacta de muito saber, contactando professores universitários e outros especialistas e consultando os seus trabalhos escritos, Mary tornou-se uma referência, como paleontóloga, a par dos melhores do seu tempo.

Entre os seus achados de maior relevo, hoje expostos no Museu de História Natural de Londres, contam-se o primeiro esqueleto fóssil conhecido de um ictiossáurio, o primeiro de pterossáurio (localizado fora da Alemanha) e os dois primeiros de plesiossáurio.
Plesiossáurio (réptil marinho) desenhado e descrito pela mão de Mary Anning, em 1824
Esqueleto de Plesiossáurio (Rhomaleosaurus cramptoni
no Museu de História Natural de Londres, junto do retrato da sua descobridora.
Mary Anning foi sensível à ocorrência de gastrólitos e de outros achados (então conhecidos por “pedras de bezoar”) que continham, no seu interior ossos de peixes e escamas. Estudados por Buckland, este concluiu que tais achados eram excrementos fossilizados, a que deu o nome de coprólitos. No seu tempo, em Inglaterra, era interdito às mulheres votar, ocupar cargos públicos ou frequentar a universidade e, neste contexto social, os membros da Sociedade Geológica de Londres, todos eles homens e cidadãos influentes, não permitiam a entrada de mulheres no seu seio nem, sequer, para assistir às suas reuniões. Assim, a sua condição feminina e o facto de não possuir habilitações académicas não lhe permitiram participar plenamente na comunidade científica britânica, toda ela masculina e anglicana.

Embora internacionalmente bem conhecida e respeitada, não foi aceite como membro da referida Sociedade, o mesmo sucedendo às suas contribuições científicas que, assim, não puderam ser publicadasfora. Não obstante esta segregação, foram muitos os que com ela contactaram, com propósitos científicos, com destaque para uma panóplia de grandes nomes da paleontologia e da geologia, como De la Beche, William Buckland, William Conybeare, Richard Owen, Louis Agassiz, Roderick Murchison, Charles Lyell, Adam Sedgwick, Charles Darwin e Gideon Mantell.

Gideon Mantell
Uma outra personalidade com história no domínio da paleontologia, como amador, foi o inglês Gideon Algernon Mantell (1790-1852).

Enquanto adolescente e animado por grande interesse pela geologia e pela paleontologia, Mantell explorou o terreno na área da sua residência, no condado de Sussex, recolhendo e coleccionando os fósseis que encontrava. Já como médico, grande parte do seu tempo de descanso foi ocupado na prcura, colheita e estudo dos fósseis diversos, nas camadas de cré do Cretácico superior desta mesma região, numa actividade cujos resultados publicou em livro e lhe abriu as portas com membro da Sociedade Lineana de Londres. Mas a sua actividade como paleontólogo não parou. E foi assim que, em 1820, ele e a sua mulher encontraram, numa pedreira perto Cuckfield, no Cretácico inferior do mesmo condado, os primeiros restos ósseos de dinossáurios (posteriormente descritos como Iguanodon e Hylaeosaurus) que o colocaram na história da paleontologia. Em comemoração destaa descobertas e da contribuição deste achado para a paleontologia, foi erguido, em 2000, um monumento em memória de Mantell no relvado de Green Whiteman, em Cuckfield.

Reconstituição do esqueleto de Iguanodon, imaginado como um lagarto gigante, desenhada por Gideon Mantell.
Configuração de Iguanodon imaginada por Hammatt Billings, em 1842, numa ilustração exposta no Museu Robert Merry, de Boston
Esqueleto de Iguanodon, no Museu de Bruxelas, numa gravura de finais do século XIX
Um outro vulto da paleontologia inglesa, Henry Thomas De la Beche (1796-1855), conviveu de muito perto com Mary Anning, tendo-se tornado o seu grande defensor. Foi um incansável coleccionador e notável ilustrador de fósseis, tendo colaborado com William Conybeare e Mary Anning, num trabalho inovador sobre os achados de ictiossáurios, plesiossáurios, pterossáurios e outros fósseis do Jurássico inferior de Dorset. Pioneiro na ilustração geológica e paleontológica, De la Beche publicou, em 1830, “Sections and views, illustrative of geological phaenomena”, uma série de desenhos e pinturas representativas da vida e das paisagens do passado geológico. “Duria Antiquior” é uma reconstituição da vida desse tempo (baseada, como se disse atrás, nos trabalhos de Mary Anning), numa aguarela sua que ficou na história por ser a primeira entre as várias que concebeu.

Duria Antiquior, de Henry De la Beche, 1830
Um seu conterrâneo, o reverendo William Buckland (1784-1856), decano de Westminster e, ao mesmo tempo geólogo e paleontólogo de grande prestígio, estudou os ossos fósseis de vertebrados retirados da gruta de Kirkdale, no Yorkshire, tendo concluído que esta tinha sido habitada por hienas em “tempos antediluvianos”, e que conservava ainda os restos fossilizados das suas presas. 
Cartoon desenhado por William Conybeare, em 1882, representando Buckland a entrar na gruta de Kirkdale
Não obstante a sua condição de obediência à Fé, a conclusão a que chegou ia contra a crença religiosa, segundo a qual esses animais teriam sido trazidos das regiões tropicais pelas águas do Dilúvio. Esta sua conclusão era reforçada pela presença de excrementos fossilizados (coprólitos) próprios de um animal que ingeria ossos. Com este trabalho ele foi pioneiro na utilização deste tipo de icnofósseis. Apesar da severa crítica de alguns dos seus pares, este estudo de Buckland foi reconhecido como um modelo de grande rigor científico, passível de reconstituir um episódio da pré-história da Terra, o que lhe valeu a Medalha Copley, da Royal Society, em 1822. Casado com Mary Morland, coleccionadora e ilustradora de fósseis, Buckland viajou pela Europa, onde visitou importantes sítios geológicos e conheceu geólogos famosos, entre os quais, o francês Georges Cuvier. Com a colaboração deste conceituado naturalista, Buckland escreveu, em 1824, o primeiro relato completo de um fóssil de dinossáurio carnívoro, que encontrou em formações do Jurássico, na pedreira de Stonesfield, a que deu o nome de Megalosaurus.

Ilustração da mandíbula inferior direita de Megalosaurus, apresentada por Buckland em 1824.
Megalosurus, tal como era imaginado em 1859
As suas palestras sobre geologia e paleontologia tornaram-se populares. Entretanto, como colaborador do Museu Ashmolean, organizou importantes colecções com materiais que colhera nos muitos lugares por onde andou. Ainda em Inglaterra, o atrás referido William Daniel Conybeare (1787-1857) foi um dos mais distintos geólogos e paleontólogos do seu tempo. Tendo tomado ordens sacras em 1814, tornou-se pároco de Wardington, perto de Banbury, no condado de Oxfordshire, e leitor em Brislington, nos arredores de Bristol, sendo um dos fundadores, em 1822, do Instituto Filosófico Bristol. Foi vigário de Axminster e, depois, deão de Llandaff, no País de Gales. Atraído para a geologia, ao seguir as palestras de John Kidd (1755-1851), Conybeare ficou na história da paleontologia pelos inovadores estudos que realizou, na década de 1820, sobre os fósseis de répteis marinhos, nomeadamente ictiossáurios e plesiossáurios, publicados pela Sociedade Geológica de Londres, de que foi um dos primeiros e mais activos membros.

Alcide d'Orbigny
Anos mais tarde, em França, o naturalista Alcide Charles Victor Marie Dessalines d'Orbigny (1802-1857), de projecção mundial na área da paleontologia e da estratigrafia, foi ainda zoólogo com obra reconhecida no domínio dos invertebrados. Estudou no Museu de História Natural de Paris com Georges Cuvier e viajou durante sete anos pelo continente sul-americano em missão deste Museu, reunindo uma colecção de mais de uma dezena de milhares de exemplares zoológicos e paleontológicos, cujo estudo foi publicado em La Relation du Voyage dans l'Amérique Méridionale pendant les annés 1826 à 1833, em sete volumes e dois atlas.

O naturalista inglês Charles Darwin, seu contemporâneo, classificou esta obra como um dos grandes monumentos da ciência. Regressado a Paris, d'Orbigny estudou pormenorizadamente a fauna fóssil do Jurássico e do Cretácico de França e a sua distribuição estratigráfica pelos andares Toarciano, Caloviano, Oxfordiano, Kimeridgiano, Aptiano, Albiano e Cenomaniano. Este volumoso trabalho, no qual descreveu cerca de 3000 espécies e figurou 1000 estampas, foi publicado entre 1840 e 1858, em oito volumes, sob o título La Paléontologie Française. No seu Prodrome de Paléontologie Stratigraphique, em três volumes, editado em 1849, descreveu milhares de espécies, com anotações sobre as respectivas posições estratigráficas.

Ao estudar a fauna marinha, d´Orbigny interessou-se especialmente por um grupo de organismos minúsculos a que deu o nome de foraminíferos. Seguidor de Cuvier, seu mestre, não aderiu às ideias evolucionistas de Lamarck. Permanecendo fiel ao catastrofismo, defendeu a ocorrência de múltiplas criações ao longo do tempo geológico, terminadas por cataclismos. A “Colecção d’Orbigny”, com cerca de 100.000 exemplares, é um dos mais valiosos patrimónios do Museu de História Natural de Paris. Entre esta colecção merece destaque a representação dos briozoários actuais e fósseis, com milhares de exemplares, fruto de uma muito especial atenção que deu a este grupo de invertebrados.

Em 1853, o Museu onde sempre trabalhou, criou a primeira cadeira de Paleontologia, cuja regência lhe entregou, em reconhecimento da sua volumosa e valiosa obra. Quando D. Pedro V de Portugal visitou Paris, d’Orbigny ofereceu-lhe, entre outros materiais, uma magnífica colecção de fósseis que, depois, o monarca mandou entregar no Museu de Mineralogia e Geologia da Escola Politécnica de Lisboa. Médico inglês, destacado na Índia, Hugh Falconer (1808-1865) é lembrado por ter descoberto o primeiro fóssil de um símio.

Os seus conhecimentos de geologia e paleontologia levaram-no a interessar-se pelos Montes Siwalik, no Nepal, e a descobrir aí importantes jazidas fossilíferas de mamíferos do Neogénico. Regressado a Inglaterra, continuou a fazer as suas investigações geológicas e paleontológicas e a preparar réplicas destinadas aos principais museus da Europa. Falconer defendeu que, ao longo do tempo geológico, se verificou a existência de longos períodos de invariabilidade da evolução das espécies, alternando com curtos períodos de rápida mudança evolutiva.

Esta visão antecipou de um século a Teoria do Equilíbrio Pontuado, proposta em 1972 pelos paleontólogos Niles Eldredge (1943-) e Stephen Jay Gould (1941-2002), que, no pensamento destes norte-americanos, se afirma que a maior parte das populações de organismos de reprodução sexuada experimentam pouca mudança ao longo do tempo geológico e que, quando ocorrem mudanças evolutivas, no fenótipo, elas se dão de forma rara e localizada, em eventos rápidos de especiação.

A. Galopim de Carvalho

sábado, 15 de fevereiro de 2014

ROCHAS ÁCIDAS, NEUTRAS E BÁSICAS. O porquê destas adjectivações

Novo texto de Galopim de Carvalho: 

Enquanto aluno na universidade aprendi que as rochas magmáticas ou ígneas se podem arrumar sistematicamente em ácidas, intermédias ou neutras e básicas, mas ninguém me explicou o porquê dessa adjectivação. Aprendi-o ao estudar para poder ensinar e escrevi-o no livro que publiquei em 2002, Introdução ao Estudo do Magmatismo e das Rochas Magmáticas (Âncora Editora). A explicação é simples e podemos encontrá-la na história da química. Na impossibilidade de a facultar à grande maioria dos professores que ensinam geologia nas nossas escolas, seria interessante que (beneficiando da capacidade de divulgação por via electrónica de que hoje dispomos) os que tiverem oportunidade de ler estas curtas e despretensiosas linhas, as reencaminhassem aos seus colegas.

 A descoberta do oxigénio e o seu reconhecimento como o elemento mais abundante da crosta terrestre, anunciados em 1774, pelo clérigo inglês Joseph Priestley (1733-1804), associada à evolução da química analítica, na sequência dos trabalhos do francês Antoine Lavoisier (1743-1794) e dos suecos Carl Wilhelm Scheele (1741-1786) e Torbern Bergman (1749-1817) e outros notáveis químicos da época, conduziram a que a composição química das rochas (com destaque para as magmáticas ou ígneas) passasse a ser expressa em óxidos. Tais análises forneciam as percentagens ponderais de ”terra siliciosa” (sílica, SiO_2), “terra argilosa” (alumina, Al_2O_3), “ocres” (óxidos de ferro, FeO e Fe_2O_3), “cal” (CaO), “soda” ou “alcali fixo mineral” (Na2O), “potassa” ou “alcali fixo vegetal” (K2O), “magnésia” (MgO), “titânia” (TiO_2), óxido de manganês (MnO), “anidrido fosfórico” (P2O5), água (H2O), “ar ácido” ou “ácido aéreo” (CO_2). Este modo de caracterizar a composição química das rochas, a par da microscopia, foi decisivo, no avanço da petrologia e, consequentemente, da geologia. Desde logo se constatou que o teor em sílica era um bom parâmetro na organização sistemática das rochas ígneas.

 Com base nesta valiosa contribuição da química, o francês Jean-Baptiste Élie de Beaumont (1798-1874), professor de Geologia na École des Mines de Paris, cuja obra teve larga difusão e aceitação entre ingleses e alemães, foi sensível à variação do teor de sílica nas rochas magmáticas, critério que utilizou na classificação que então propôs:

- “rochas ácidas” com mais de 65% de sílica;
- “rochas neutras” ou “intermédias”, com 65 a 52% de sílica;
- e “rochas básicas”, com 52 a 49% de sílica.

A qualificação de uma rocha como ácida resultou de convicção, ao tempo, de que a sílica (SiO2) era um “óxido acídico”, à semelhança do dióxido de carbono (CO2) que, juntamente com a água, formaria uma série de ácidos e em que os silicatos (feldspatos, anfíbolas, piroxenas, olivinas, entre outros) eram aceites como os sais. Nestes imaginados sais, o sódio, o potássio, o cálcio, o magnésio e outros formavam as bases e, daí, a expressão rocha básica. O excesso de sílica evidenciado pela presença de quartzo, significava excesso do “princípio acídico”, conceito que vinha do século XVIII, na sequência do trabalho de Torbern Bergman e de outros químicos do seu tempo, em que se falava de “ácido quartzoso” imaginado com base na sílica. Não obstante a incorrecção desta ideia, as adjectivações ácida, básica e neutra ou intermédia mantiveram-se até os dias de hoje.

 Galopim de Carvalho

A FCT e os Programas Doutorais

A FCT em vez de procurar ligar a ciência ainda mais às universidades procurou manter as universidades afastadas dos programas doutorais financiados pela FCT. Elas apenas deviam, para a FCT, servir de "barrigas de aluguer" dos ditos programas. Naturalmente o CRUP (Conselho de Reitores) reagiu e aqui está a informação que já foi posta a circular na Universidade de Coimbra:

"No passado dia 11 de fevereiro, o CRUP, ao analisar a call para os Programas de Doutoramento FCT, decidiu por unanimidade:

1. Reafirmar a decisão, já tomada no ano anterior, de não subscrever declarações de compromisso relativamente a propostas que não tenham universidades como entidades proponentes;

2. Não subscrever declarações de compromisso nas situações em que o programa doutoral não esteja acreditado, não permitindo a candidatura de programas doutorais novos que, se aprovados para financiamento, seriam depois acreditados pela A3ES.

 O CRUP fundamenta a decisão enunciada no ponto 2 com base nas seguintes razões:

 a) No quadro deste processo de financiamento tende a privilegiar-se a criação de programas doutorais muito especializados, em detrimento de programas doutorais de banda larga, em áreas científicas fundamentais;

b) A disponibilização de bolsas para os programas doutorais especializados foi feita à custa de uma brutal redução do número de bolsas disponíveis para os outros programas doutorais, resultando não só na quase inviabilização de doutoramentos em áreas científicas fundamentais, como na incapacidade das universidades atrairem e manterem muitos alunos brilhantes, fora das áreas especializadas financiadas, por falta de bolsa;

c) A FCT não pode transformar de forma tão profunda a oferta de programas doutorais das universidades portuguesas. Esta não pode ser essencialmente constituída por programas doutorais muito focados, cuja vigência pode ser de apenas alguns anos, pois no concurso seguinte são provavelmente outros que são aprovados. As áreas de doutoramento fundamentais têm de se manter como espinha dorsal da oferta de 3º ciclo;

d) A própria A3ES veio a verificar que, na prática, não podia acreditar todos os programas doutorais aprovados no concurso de 2013, em virtude de muitos dos requisitos de um programa doutoral não serem tidos em conta no processo de seleção da FCT. Por exemplo, a FCT não se preocupou em garantir que, quando um aluno se inscreve num determinado programa doutoral, recebe no final um diploma com a mesma designação desse programa doutoral, e aprovou muitos casos em que esta condição não é preenchida;

e) A criação de um programa doutoral deve ser decidida com base numa análise de viabilidade que esteja para além da concessão ou não de um pacote de bolsas pela FCT, até porque em muitos casos o pacote é muito reduzido."

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Contra os cortes na ciência portuguesa

Numa longa entrevista que dei ao "Jornal de Negócios", publicada hoje no número de fim de semana, interrogado sobre os recentes cortes na ciência, afirmei o seguinte:

"Se queremos manter o nosso nível de vida ou até melhorá-lo, precisamos de mais e melhor ciência. E a ciência dá resultados. É por isso que eu vejo como importantes as preocupações em Portugal sobre o futuro da ciência. Nos últimos vinte anos, a ciência progrediu muito, formámos bastantes mais pessoas, temos uma geração científica que está ao nível dos melhores. Este esforço tem de continuar.

Se há uma mudança de paradigma, como dizem, é de um paradigma de crescimento para um paradigma de decréscimo. Há uma razia enorme, sem aviso. E não há nova política, porque, se houvesse, tinha sido anunciada e discutida na Assembleia da República. Há um engano perfeito. Os jovens tinham expectativas sobre a continuação dos seus estudos. O que me preocupa não são os cortes, é a falta de inteligência nos cortes.

Os governos têm de ouvir os cientistas e o nosso governo está surdo, mudo e cego. Estou a  chegar de França e li uma notícia sobre um comunicado do Conselho Superior de Ciência e Tecnologia que, aparentemente, foi censurado. É de bradar aos céus, como é que isto é possível num país democrático? A democracia não está em risco, mas estamos a ver sintomas de atentados a normas democráticas e não devemos tolerar isso. Parece que estamos todos atordoados, adormecidos, pouco críticos. Isto de estarmos encolhidos tem de acabar. Não devemos permitir que um órgão independente seja impedido de ser independente.

Já a FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) é uma repartição do Estado que terá recebido ordens para fazer uns cortes e fê-los sem qualquer espírito crítico, sem saber sequer o que é a ciência. A dimensão cultural da ciência é desconhecida da FCT. Acabaram com duas áreas fundamentais: história da ciência e promoção da ciência. É como se tivessem cortado a ligação da ciência à sociedade e à cultura. E a ciência, sozinha, estiola."

O Estado das Coisas/ As Coisas do Estado/Serralves/ 8ª Conferência/13.02.2014

Novo texto do nosso leitor Augusto Kuettner Magalhães sobre as Conferências de Serralves:

Neste Ciclo em Serralves, a 8.ª Conferência, intitulada Regresso às Regiões e às Cidades na Europa, teve a participação de António Costa e Miguel Poiares Maduro, sendo a moderação de Fátima Campos Ferreira. O Comissário do Ciclo tem sido Paulo Cunha e Silva.

Numa oportuna intervenção, Luís Braga da Cruz lembrou o referendo sobre regionalização, que terá sido menos conseguido, quer pelas perguntas que fazia, tanto na forma como no conteúdo, quer pelas não explicações, que não foram as suficientes. Paulo Cunha e Silva disse umas palavras de circunstância. A moderadora não esteve desde o início, tendo sido substituída, até chegar, pelo comissário.

António Costa começou por dizer que este século é o seculo das cidades. A União Europeia deu prioridade às cidades nomeadamente quanto à sustentabilidade do meio urbano. E muito tem sido feito neste domínio e terá que continuar a sê-lo,designadamente face ao crescimento do desafio das alterações climáicas. Em Portugal há,porém, sabe lá porquê, uma reacção adversa às cidades. O nosso crescimento urbano está bastante aquém do que é a média europeia. E o nosso crescimento urbano tem-se feito pela diminuição de população em Lisboa e no Porto e pela criação de novas vilas e cidades. Temos que ter um novo olhar sobre o nosso território, para o espaço em que estamos inseridos. Temos que criar sinergias regionais e as cidades são parceiros fundamentais nesta área. As cidades têm que ter visibilidade, produzindo conhecimento, disseminando cultura, interagindo com as Universidades locais, atraindo talentos do exterior. Somos, ainda, um País de muitos minifúndios.

Para Miguel Poiares Maduro torna-se necessário redefinir o espaço da política e a própria política na Europa. A política apareceu com a necessidade de relacionamento nos núcleos urbanos e há necessidade, na Europa, de um número crescente de políticas, de políticas novas. A mudança tem que ser a descentralização levada para os centros urbanos, baseada em decisões de proximidade. Há necessidade de acrescentar valor aos recursos que já temos, valorizando cada factor em cada território. Não temos necessariamente que ir buscar fora factores de competitividade, que não sendo nossos, se podem facilmente deslocalizar. A grande dificuldade hoje na Europa é precisamente inexistência de política.

A moderadora, chegada nesta altura, lançou algumas longas perguntas.

Nas respostas, António Costa afirmou que é necessário descentralizar do Estado para os Municípios e destes para as Freguesias. Lisboa está a fazer esse movimento, sem mais custos para o Estado do que já tinha com a Câmara, uma vez que está a fazer esta mudança para as Freguesias. E, estas, pela proximidade, sabem gerir bem diversos empreendimentos pequenos, bastante locais. Há uma série de competências de Estado que devem ser descentralizadas do Estado. Chama-se a isso racionalização.

Miguel Poiares Maduro, por sua vez, disse que não é fácil este processo de descentralização pela lógica, muito nossa, do "minifúndio" e pela, também muito nossa, resistência à mudança. Estão a ser desenvolvidos projectos de descentralização em várias áreas nomeadamente na Educação, por exemplo cruzando estabelecimentos de ensino entre vários municípios vizinhos, por escolha própria destes, que racionalizam a colocação de alunos

Uma interessante conferência, e para além, de outras situações, uma conclusão, que nos daria a todos que pensar: não são feitas muitas Reformas, dado que não se passa do debate ideológico.

Augusto Kuettner Magalhães

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A Física da Finança

http://www.amazon.co.uk/The-Physics-Finance-Predicting-Unpredictable-ebook/dp/B00B73VMB0

Enquanto não aparece a edição portuguesa (pessoal ligado às editoras...) um grande livro de histórias sobre como os físicos se foram metendo pelas finanças e muitos casos de como os instalados da academia são o primeiro dos entraves ao progresso. A ler!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Suspeitas sobre os colégios do grupo de ensino GPS


Artigo de Rui Baptista saído hoje no Público: 

“No meio de um povo geralmente corrupto, a liberdade não pode durar muito” (Edmund Burke). 

As notícias sobre o apoio dos ministérios da Educação, sob as tutelas do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, aos colégios do Grupo GPS, têm inundado os meios de comunicação social com justo destaque para a reportagem da TVI, da autoria jornalista Ana Leal, que deu início a todo este escabroso processo. 

No que concerne à imprensa escrita, do jornal PÚBLICO do dia 22 transcrevo

“A Polícia Judiciária (PJ) realizou esta terça-feira uma operação que envolveu mais de cem inspectores que visou o grupo de ensino GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, entre os quais 14 que recebem apoio do Ministério da Educação. Em investigação, apurou o PÚBLICO estão crimes de corrupção e branqueamentos de capitais.”
 
 Independentemente do maior ou menor nível de gravidade do que se venha a apurar, para além do incumprimento, também, em outros colégios convencionados, da legislação que obriga a que os colégios que recebem apoio estatal estejam implantados em localidades sem oferta de ensino oficial, é caso para dizer que a procissão ainda vai no adro. Assim, impõe essa legislação: “Em zonas carecidas de escolas públicas, o Estado celebra contratos de associação com escolas particulares, com a finalidade de possibilitar às populações locais a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.” E, por não haver almoços grátis, tudo isto à custa do dinheiro dos impostos pagos em sacrifício impiedoso de uma magra classe média asfixiada entre pobres esquálidos e ricos com a chamada curva da felicidade numa barriga que mal cabe dentro de calças do tamanho XXL. 

Mal me passava pela cabeça que o escândalo atingiria tamanhas proporções, na altura em que foi publicado um meu artigo de opinião sobre este assunto, de que transcrevo o seguinte parágrafo:

“A grande parte desta polémica, longe de ter chegado ao fim, reduz-se a uma coisa tão simples como dever o ensino privado com contrato de associação ser uma alternativa ao ensino público inexistente numa determinada área e não como mera satisfação megalómana de famílias pouco abonadas que gostam de blasonar a riqueza de terem os filhos a estudar em colégios à custa do erário público, o dinheiro dos impostos de todos nós” (“Ensinos oficial, convencionado e privado”, PÚBLICO, 13/11/2013). 

Seja-me permitido, agora, este acrescento (em evocação do ditado popular, de que “grão a grão enche a galinha o papo”): 

“E muito menos de bafejados pela fortuna que, desta forma, acrescentam, ainda que modestas, migalhas às respectivas contas bancárias.” 

A confirmar-se o grande número de suspeitas que impendem sobre este caso, estaremos na presença de situações graves que afectarão a reputação do nosso país, ferindo, por outro lado, o regime democrático nele vigente, porque, na opinião de Aldous Huxley,  “nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos: nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas; a experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos". 
 
Nestes últimos anos, tem-se assistido, apesar da torrente caudalosa dos fundos comunitários de que o país beneficiou e esbanjou em obras faraónicas, ao triste panorama da bolsa dos portugueses ser castigada com impostos mais elevados que os da grande maioria dos países europeus; e, last but not least, alguns países do Leste Europeu começam a aproximar-se – ou mesmo a superiorizarem-se – ao desenvolvimento destas paragens lusitanas. Não fossem os relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro, e são publicados nos media (bendita liberdade de imprensa!), quase poderíamos ser levados a pensar que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses residem, tão-só, em encontrar respostas para perguntas que lhe angustiam o seu dia-a-dia, como, por exemplo, saber antecipadamente qual o clube que virá a vencer o actual Campeonato da Primeira Liga de Futebol. Nestas circunstâncias, e numa nada “ditosa Pátria”, com umas tantas personagens com responsabilidades sociais, políticas e económicas que, em momentos de grave crise nacional, parecem preocupar-se com questões menores, foi sacudida a opinião pública, pelo menos aquela mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann que nos dá conta de que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking do controlo da corrupção” (Finance & Development, revista editada pelo Fundo Monetário Internacional, Setembro de 2005). Numa altura em que a salvação da nossa economia, mercê das asneiras que se fizeram com sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento e medidas quejandas, e as tentativas de cura se revelaram como simples mezinhas de curandeiros com o perigo de o doente não morrer da doença mas da cura, foi encarada como salvação, in extremis, a chegada e permanência no nosso torrão natal do FMI, que fez recair sobre os justos as asneiras dos pecadores responsáveis por um estado deplorável das finanças públicas que conduziu Portugal à penosa situação actual. Um estado deplorável das finanças públicas em que os governantes se regozijaram, dias atrás e publicamente, com o facto de  o défice de 2013 ter baixado, não tanto pela diminuição das gorduras do Estado, como seria desejável, mas mais pela pesada carga de impostos imposta aos cidadãos nacionais como se “o acto de tributar fosse idêntico a depenar de um ganso, procurando obter o maior número de penas com a menor gritaria” (Jean-Baptiste Colbert). Até quando?

A resposta encontro-a em Pessoa: "Em um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.” Percorram-se, portanto, novos trilhos que levem a que não seja uma quase moribunda classe média a pagar a factura dos erros cometidos por uma determinada e descarada linha de rumo ao serviço de interesses de políticos e suas amizades. Mas haverá coragem para tanto? 

Rui J. Baptista

Ciência... que ciência?

Luís Reis Torgal escreveu um artigo de grande interesse, divulgado no Público no passado dia 4 de Fevereiro, sobre a questão do financiamento da ciência em que tem ocupado grande parte das discussões nacionais.

Ninguém se espante que os governos, há algum tempo, e não só agora, tenham perdido a noção do valor crítico da ciência.

Todos os dias abro o jornal e vejo um artigo sobre a crise da ciência em Portugal, um dos últimos do PÚBLICO até sobre “aquilo que não tem sido dito no debate”. É como se a diminuição da concessão pela FCT das bolsas de estudo e a revolta que provocou entre os que não obtiveram bolsa – o que se compreende, dada a possível desaceleração no desenvolvimento da ciência e dada a lamentável situação de desemprego e de subemprego dos nossos mestres e doutores – fizessem vir ao de cimo todas as questões relativas à ciência.

E nesses discursos a ciência é por vezes apresentada de tal forma que é identificada como mais um “modo de produzir” do que como uma descoberta ou uma nova maneira de interpretar o mundo e a vida. Evidentemente que, neste contexto, ficam a perder, como, de resto, já há muito sucedia, algumas ciências sociais, mas também algumas ciências fundamentais ligadas à natureza e à matemática, mas até algumas tecnologias. O economicismo e o pragmatismo tomaram conta de tudo.

Falemos com franqueza e procuremos, ao menos, sugerir a necessidade de descer ao fundo dos problemas: neste país não há lugar para cientistas, como não há lugar para jornalistas, ou para professores, ou para artistas, ou para arquitectos, ou para electricistas, ou para carpinteiros, ou para comerciantes, ou para empregadas domésticas… Por isso se aconselharam os portugueses a emigrar ou a conseguir qualquer subemprego mal pago e com poucas ou muitas horas de trabalho, que os levassem a sair da situação estatística de “desempregados”. E por isso se utilizam chavões, como “empreendedorismo”, para não falar do desenvolvimento que escasseia ou para mascarar a frustração de muitos que têm apenas o desejo de ter um trabalho honesto, desempenhado e pago honestamente, como cientistas, professo-res, operários de uma fábrica…

Numa dada altura da minha vida académica (e ainda hoje) fui (e sou) contra o “processo de Bolonha”, não contra as (boas) intenções da “declaração” assinada em 1999 na cidade italiana onde surgiu a primeira universidade europeia, mas pela virtualidade trágica que ela já continha e que se veio a desenvolver. No fundo, está nela a potencialidade de fazer com que os estudantes permaneçam no ensino superior o mais tempo possível. Se a licenciatura - pouco exigente - não serve para nada, caminha-se para o mestrado, naturalmente menos exigente do que no passado. E como o mestrado para nada serve segue-se para o terceiro ciclo, o doutoramento, onde quase todos os estudantes podem entrar, em muitos casos não para obter uma habilitação que lhes dê acesso a um emprego ou à investigação científica, para que se sentem vocacionados, mas porque, com ilusões ou já desiludidos, não conseguiram nenhum trabalho anteriormente. Assim, vão coleccionando graus, passando finalmente da situação de doutorados para pós-doutorados e daí, por vezes, para a “sensação de incompetência” (num processo algo parecido com o “princípio de Peter”), que os leva a ter de procurar um outro lugar fora da ciência ou da profissão que queriam escolher, em Portugal ou no estrangeiro, onde, todavia, em alguns países, há mais possibilidades de trabalho científico.

Este país não é para velhos nem para novos. Os primeiros, no caso dos cientistas, são velhos de mais para pensarem de acordo com o sistema, sendo substituídos pelos mais novos melhor integrados, mas também menos qualificados na escala universitária e menos experientes e que, em certos casos, vão até avaliar os seus mestres, quando estes se propõem ser orientadores de projectos. Quanto aos no-vos, não sei se esta é “a geração melhor preparada” (como por aí se diz) ou a que possui mais graus e mais cursos. E também não sei se as regras burocráticas para obter bolsas acabam por escolher os melhores (a “nata da nata”, os que fazem “investigação de qualidade”, como dizem os nossos responsáveis) ou aqueles que melhor se integraram no sistema: os que têm mais artigos online e em inglês e que por isso são mais citados, que estiveram em centros que se presume de melhor qualidade (sobretudo no estrangeiro), que souberam criar de forma real ou artificial projectos internacionais… Seja como for, o que é preciso - diz-se - é criar “massa crítica”, mesmo que, individualmente ou em grupo, haja pouca consciência crítica no domínio da ciência, como no domínio da observação do que se passa na sociedade. É por isso que nas acções cívicas quase não há jovens, que procuram de preferência as juventudes partidárias que lhes dão o emprego que a competência não consegue alcançar.

O certo é que nenhum cientista ou aprendiz que se preze deve deixar de reflectir sobre o que anda a fazer neste mundo comandado pela lógica do capital. Todos os grandes cientistas tiveram e têm essa consciência, a começar (se não quisermos recuar a um passado longínquo) em Einstein, que escreveu sobre a crise de 1929 e que, com Arnold Berliner ou com Freud, pensaram numa sociedade de homens de ciência que interrogassem constantemente o mundo do saber, o que hoje pode não suceder, verificando-se sim, em muitas situações, o mundo da ciência e da tecnologia acríticas e dos gestores da sociedade capitalista sem ética. Ao menos que a actual situação provoque entre os jovens cientistas um desejo de pensar para além dos limites do seu ainda incipiente saber. Temos um governo que deixou de pensar na democracia (política, cívica e social), que a meteu na gaveta em nome da recuperação económica, não em favor da sociedade, mas sim (dizem governantes e seus seguidores) da independência que se perdeu devido à culpa dos “outros”, esforçando-se por criar a ilusão que luta pelo país, que só vê representado no emblema que traz na sua lapela. Por isso ninguém se espante que os governos, há algum tempo, e não só agora, tenham perdido a noção do valor crítico da ciência. Os cientistas e os centros de investigação são para eles cada vez mais “excelentes”, ou não, à medida que se adaptam, ou não, ao seu sistema produtivo. A ciência é para eles também uma ideologia (o que, evidentemente, recusam), que acompanha o seu desejo de constituir uma sociedade à sua medida, à medida dos regulamentos que engendram, com os seus próprios “cientistas de eleição”.

Ciência… que ciência? Será preciso começar por aqui, em nome dos verdadeiros cientistas e daqueles aprendizes que humildemente procuram desenvolver o saber que foram colhendo ao longo da vida (já longa para uns e ainda curta para outros), não tanto através de graus obtidos, mas do trabalho duro no laboratório, no arquivo, na biblioteca, no seu labor (por vezes solitário e fora de horas) em casa à frente de livros e de folhas de papel ou do computador… A olhar sempre criticamente para a sociedade em que vivem.

Luís Reis Torgal
Professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Informação chegada ao De Rerum Natura.


O Reitor da Universidade de Coimbra, o Diretor da Imprensa da Universidade e o Diretor da Biblioteca Geral têm o gosto de convidar para a cerimónia de apresentação do primeiro volume das Obras de Maria Helena da Rocha Pereira.

O ato terá lugar no próximo dia 17, pelas 17h 30m, no Piso Nobre da Biblioteca Joanina e a apresentação estará a cargo dos Doutores Artur Santos Silva e Eduardo Lourenço.

Obs: Ao longo da cerimónia, haverá ainda três momentos musicais, a cargo de alunos do Colégio de São Teotónio: Martim Almeida, Margarida Lopes e Pedro Baptista.boavida 2

A POLÍTICA DE CIÊNCIA É BOA, OS CIENTISTAS É QUE NÃO PRESTAM

Num comunicado divulgado ontem, o Conselho dos Laboratórios Associados criticou duramente as políticas do governo para a ciência, rebatendo cabalmente as afirmações ignorantes de Passos Coelho acerca do percurso da ciência portuguesa nos últimos 20 anos. Ao contrário do que disse o primeiro-ministro, num português que está longe de ser um exemplo de excelência, o aumento de investimento na ciência em Portugal foi acompanhado de um correspondente aumento da produção científica. Não estamos ainda ao nível dos países mais avançados da UE, nem do investimento nem da produção científica, razão que justifica a continuação deste caminho e não a sua inversão. A ideia de que há doutorados a mais também é falsa, não há, há a menos, quando comparado com a média da UE, razão pela qual é inaceitável o corte brutal nas bolsas de doutoramento. A ideia de que podemos deitar para o lixo mais de 2000 investigadores pós-doutorados, como sucedeu no último concurso, é suicida.

Os vários actores da política do governo têm falado numa aposta na "qualidade" e na "excelência", para tentar mascarar como "poda" os cortes pela pela raiz que têm feito. A avaliar pelos dois comunicados do Conselho dos Laboratórios Associados (aqui e aqui) e pelo in(comunicado) do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, a qualidade e a excelência não querem essa doutrina de "qualidade" e "excelência" apregoada pela FCT.

O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia é um órgão de aconselhamento criado pelo actual governo, tem sua a sede no Palácio das Laranjeiras (ou seja em instalações do Ministério da Educação e Ciência), conta entre os seus membros com alguns dos mais reconhecidos e premiados cientistas portugueses, tanto a nível nacional como internacional, é coordenado pelo cientista António Coutinho (antigo director do Instituto Gulbenkian de Ciência e presidido pelo próprio primeiro-ministro! Este conselho é inquestionavelmente uma representação de excelência e qualidade, que pelos vistos não se revê na "excelência" e "qualidade" deste governo.

O Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) reúne 26 centros de investigação de todo o país com classificação de "excelente", entre os quais o laboratório associado do Instituto de Tecnologia Química e Biológica. Desse laboratório associado faz parte o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (CEDOC), que acolhe o grupo de investigação do Presidente da FCT (Não é excelente? Não é produtivo? "Falha na substância?").

A qualidade e a excelência não querem a "qualidade" e a "excelência" da FCT. Nem sequer o Laboratório Associado do qual Miguel Seabra faz parte. Como está contra todos, tantos os investigadores jovens (que manda embora) como os menos jovens e mais reconhecidos (cuja opinião não leva em conta), talvez a ideia deste governo seja fazer ciência sem cientistas. Está visto que, para eles, a política de ciência é boa, os cientistas é que não prestam.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ainda as infelizes declarações de Pedro Passos Coelho

As declarações de Pedro Passos Coelho sobre a ciência não só foram infelizes na forma, mas foram-no também e sobretudo no conteúdo. Contrariando o programa do seu próprio governo (alguém se lembra se ele não se lembra?) decidiu, na pior altura, romper com uma política de fomento da ciência seguida pelo menos desde 1995. Criticou em tom inusitado os cientistas por não mostrarem resultados, quando os há e substantivos, sendo até reconhecidos e admirados internacionalmente. Por último reclamou uma investigação dirigida para as empresas, esquecendo-se que é o primeiro-ministro e que lhe compete, por isso, accionar os mecanismos para esse desiderato, designadamente ordenar à FCT que passe a financiar prioritariamente projectos empresariais. Aparentemente não é isso que a FCT quer fazer com a sua política nubelosa de "excelência", uma palavra assaz repetida mas nunca explicada.  Será que "excelência" significa "ao serviço da indústria"? Não podia o governo internamente discutir o assunto e chegar a uma conclusão que fosse sua?

O primeiro-ministro tem um problema: está sozinho nese assunto, ou terá apenas com ele o ministro da Economia. Não tem os cientistas, não tem a maioria dos cientistas. Preside ao Conselho Superior de Ciência e Tecnologia, mas não encontra aí eco, como mostra o recente comunicado desse Conselho (aparentemente abafado). O primeiro-ministro quererá eventualmente uma ciência sem cientistas. mas isso não existe. Vários cientistas já abandonaram os painéis de avaliação da FCT, não gostando de ter sido corrigidos sem aviso prévio. Os Laboratórios que a FCT designa de "excelentes" acabam de tornar público o que pensam de toda esta bambochata: aqui.

Do nosso governo esperava-se, nesta matéria, um pouco mais de reflexão e de sentido do futuro. É ou não a ciência (e já agora a cultura) um elemento estratégico da nossa vida colectiva, como país europeu que se quer desenvolvido?

O que nos vai valer é que os governos passam e a ciência fica.

...e ainda do outro lado.

Atendendo que boa parte das pessoas que estão a ler estas palavras parecem incapazes de entender que aquilo que é lido das opiniões do Ministro da Economia, ou do Primeiro-Ministro, relativas à ciência portuguesa são versões moderadas e, diria até educadas, daquilo que é a opinião da generalidade dos eleitores, deixem-me dar mais uma achega "deste lado". E desta vez sobre que argumentos que não me parecem correctos ouvidos de quem está à parte:

1. Emigração. Dizer que devemos tirar dinheiro aos filhos alunos regulares para dar aos filhos bons alunos não é argumento para defender bolsas. Se fossem os nossos filhos não estaríamos a tirar ao mais fraco para dar ao mais forte só para que o  mais forte não se vá embora. Todos os que emigram são um problema para nós e, por isso, devemos ter uma atitude mais igualitária e menos favorável aos mais fortes;

2. Valor da ciência. Ninguém questionou o valor da ciência. Aquilo que foi questionado foi o valor da VOSSA ciência. Argumentos a puxar Einstein ou Newton para a conversa seria interessante se algum deles estivesse entre vós. Não estando, sugiro que defendam a VOSSA ciência e não a ciência em geral que não foi afectada;

3. Empresários não ligam ao que fazemos.  Este é um péssimo argumento. Não só não é verdade, como é contraproducente. Se os empresários não querem aquilo que fazem, nem de borla, não me parece ser a melhor forma de convencer o eleitorado dos vossos méritos;

4.  Privados não contratam doutorados. Primeiro, não é verdade. Quem quiser visitar empresas com doutorados, inscreva-se nesta caixa de comentários. Segundo, o argumento para ter doutorados é dizer que ninguém lhes dá valor? A sério?

5. Investimento. Não usem o argumento do investimento quando o argumento contrário é que a vossa ciência não tem retorno. Dá-lhes razão;

6. Quantidade relativa. Usar as publicações é um péssimo argumento para quem produz 0.2 papers/FTE/ano como o estudo do Armando revelou aqui há uns tempos. Mesmo que venham dizer que isso converge com a UE é uma produtividade ridícula em qualquer enquadramento e não é de todo aceitável. Depois o Passos referiu "qualidade" e o Lima "realidade",  "quantidade" é um tiro ao lado;

7. Dizer que os outros estados que vão contratar os nossos. Estão a dizer que os nossos são nossos por uma questão de dinheiro. Não é grande elogio;

8. Estão a mercatilizar o conhecimento. Quem é que está a pedir dinheiro?

9. Superioridade intelectual. Chamar burro ao primeiro-ministro só porque tem um curso manhoso, e não um doutoramento, é mesmo o que vem nos compêndios. Primeiro, porque quem conheça ambas as "comunidades" sabe que é uma conversa de rôto e nú. Segundo, porque o primeiro-ministro tem dez doutorados melhores à distância de um estalar de dedos, a começar por vocês próprios. Terceiro, porque parece que estão com saudades do tempo em que o primeiro ministro era um doutor de Coimbra.  É horrível.

Já agora, se querem uma conversa a usar, que tal fazerem uma de duas coisas:

1. Terem a humildade de esclarecer porque carga de água a vossa investigação é importante, que esperam obter com ela, qual a importância que esperam que tenha no desenvolvimento de que arte e com que certeza dizem isso.

2. Perguntarem o que é os eleitos do povo querem dizer com "mudança". Dá jeito a quem quer cá estar no dia seguinte...

Mas são só sugestões. Podem perfeitamente continuar como estão e esperar que o povo seja solidário com a vossa causa...

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A ESCOLA DA GERAÇÃO DIGITAL

Anúncio recebido do CENFIPE | Ciclo de conferências 2014 
A ESCOLA DA GERAÇÃO DIGITAL. Desorientação, Criatividade e Inovação
(no qual irei participar)

A ESCOLA DA GERAÇÃO DIGITAL não pode ser ignorada. As crianças e jovens gastam cada vez mais tempo com tecnologia digital. O computador pessoal, os tablets e o telemóvel modificaram, rápida e radicalmente, os rituais de iniciação nos grupos de pares, a comunicação intra e intergrupal, os graus de socialização e de integração, já que criaram novos gestos, linguagens, códigos, símbolos, valores e um mundo infindável de engenhos periféricos.O que significa para o seu desenvolvimento? Qual o papel dos Professores e da Escola? Que perigos escondem ? Que escolas vamos ter no futuro?

 Sob a égide de uma acentuada crise económica e dos problemas inerentes a esta nova “Net generation , paralelamente, queremos discutir a Escola Pública que temos e que queremos, reflectir sobre os seus valores e competências, capacidade de mediação, adaptação aos novos tempos, as lideranças, a inovação em contexto escolar, os factores de motivação e de resiliência do corpo docente face a um futuro muitas vezes perspectivado com inquietação, medo e insegurança múltipla... Pretendemos ainda abordar o papel dos Pais e Encarregados de educação numa sociedade tecnológica globalizada e os desafios que se colocam à parentalidade. Em diferentes formatos (Conferências, Mesas Redondas, Workshops temáticos) pretendemos contribuir com sugestões criativas, inovadoras e partilha de experiências que enriqueçam a prática docente de forma inspiradora… Cientes de que os ambientes educativos devem ter como foco central a autonomia, a criatividade e o espírito investigativo, o CENFIPE, em parceria com as suas escolas associadas, a Coordenação Concelhia das Bibliotecas escolares e as Câmaras Municipais dos Concelhos de Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Paredes de Coura convoca Diretores de Escolas, Professores, Pais e Encarregados de Educação, Autarcas, investigadores e todos aqueles que tem responsabilidades na educação para um grande debate público, um Ciclo de Conferências a que demos o nome “ A ESCOLA DA GERAÇÃO DIGITAL : Desorientação, Criatividade e Inovação.”

 Inscrições e programa em http://ciclodeconferencias.blogspot.pt/?zx=694e7de984adf1b1

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...