segunda-feira, 20 de maio de 2013

PREFÁCIO A “DOIS DEDOS DE CONVERSA SOBRE O DENTRO DAS COISAS”


Meu prefácio ao livro de Bruno Nobre e Pedro Lind, da nova editora Frente e Verso, que vai ser lançado amanhã, pelas 18h30m, na Livraria Férin, em Lisboa:

Bruno Nobre e Pedro Lind têm em comum o facto de pertencerem à mesma geração – a geração que tem hoje trinta e poucos anos – e de terem feiro um doutoramento em Física. E têm em comum o gosto pela troca de ideias e posições. Os dois apresentam-se, nas páginas deste livro, com atitudes opostas perante o divino: o primeiro, padre jesuíta, é evidentemente crente, ao passo que o segundo se declara convictamente ateu. A conversa entre eles anda à volta das relações entre ciência e religião, da realidade dos milagres e do lugar de Deus no mundo, da origem e destino do ser humano, dos valores e do sentido da vida, da fé e do seu proselitismo, do racionalismo e do relativismo. A forma é a epistolar. Os argumentos são esgrimidos pelos dois em prosa sábia, fluida e elegante. Ao contrário do que é costume nos debates entre nós, cada um escuta o outro com atenção e responde-lhe com honestidade. É um prazer, depois da agradável leitura, escrever um prefácio, na companhia inspiradora do Doutor João Lobo Antunes.

Nas suas primeiras cartas o Bruno e o Pedro interrogam-se sobre a compatibilidade entre ciência e religião. A respeito desta questão, o físico e teólogo Ian Barbour (com obras clássicas sobre o tema, que de resto o presente livro não se esquece de citar [1]) ensaiou uma tipologia que sistematiza as diversas posições. A primeira é a visão de incompatibilidade e conflito, defendida entre outros pelo físico Francis Crick, o descobridor da estrutura do ADN, e, mais modernamente, pelo biólogo Richard Dawkins, o polemista que apoiou a ideia dos autocarros britânicos com anúncios ateus. A segunda é a da compatibilidade entre ciência e religião por estas serem “magistérios distintos”. Esta é a tese defendida, entre outros, pelo teólogo protestante Karl Barth, e pelo biólogo Stephen Jay Gould: ciência e religião perseguem objectivos diferentes, usando meios diferentes, pelo que pouco terão a dizer uma à outra. A terceira é uma visão que, afirmando ainda a compatibilidade, vai mais longe, vendo na ciência e na religião uma certa margem de sobreposição: as duas podem, por isso, ganhar ao falar uma com a outra. Defendem uma posição desse tipo John Polkinghorne, que de professor de Física passou a padre anglicano vendo conexões entre a teoria do caos e a teologia natural, ou o físico Fritjof Capra, que descortina conexões entre a física moderna e religiões orientais. Por última, a quarta, e mais temerária, procura a integração ou conciliação completa das duas actividades humanas: neste caso a compatibilidade seria  total, assegurada pela convergência. Esta é a posição do naturalista  Edward O. Wilson, fundador da sociobiologia e defensor da ideia de “consiliência”, para quem a ciência acabará de certo modo por explicar a religião, ou, num plano bastante diverso, do paleontólogo e teólogo jesuíta Teilhard de Chardin, para quem o mundo é melhor descrito por um olhar sincrético. Onde se situam, neste quadro, os nossos interlocutores?

A virtude está no meio. Estão entre a segunda e a terceira, entre a independência e o diálogo. Os dois concordam que ciência e religião são independentes, não se podendo por isso confrontar como num jogo em que só um pode ganhar.. De facto, não surge neste livro um embate frontal entre ciência e religião. Tendo os dois autores formação e experiência científica, seria aliás difícil que algum deles permitisse que a ciência saísse ferida. A compatibilidade entre ciência e religião é aliás demonstrada pela existência de sacerdotes que fazem ciência. O Bruno não vê, na fé que professa e transmite, qualquer dificuldade em cultivar a física das partículas elementares, tal como o padre católico belga Georges Lemaître, um dos proponentes do modelo do Big Bang da origem do Universo, não considerava o seu exame do céu primordial uma procura de Deus. Foi ele que afirmou:

“O investigador cristão tem de dominar e aplicar com sagacidade a técnica apropriada para o seu problema. Os seus meios de investigação são os mesmos que os do seu colega não-crente... Num certo sentido, o investigador abstrai da sua fé na sua investigação. Ele faz isso não porque a sua fé lhe poderia causar dificuldades, mas sim porque ela não tem diretamente nada a ver com a sua actividade científica. Afinal, um cristão não age de forma diferente do que qualquer não-crente, quando se trata de  caminhar ou de correr." [2]

Está aqui bem expressa a ideia do “duplo magistério”. Esta separação de águas, possível dentro da mesma pessoa, pode ser remontada a Galileu, um homem de fé que não perdeu a fé diante do Tribunal da Inquisição, quando se viu no lugar de actor principal num drama que marcou a história das relações entre igreja e ciência, hoje já resolvido após o papa João Paulo II ter admitido um erro de juízo. Para Galileu, e como ele próprio escreveu numa carta à grã-duquesa Cristina de Lorena citando o cardeal Baronius, bibliotecário do Vaticano, “a intenção do Espírito Santo é  ensinar-nos como ir para o céu e não como o céu se move” [4]. Um outro cardeal italiano, este moderno, Gianfranco Ravasi, que preside à Congregação da Cultura, considera que esta frase, mais do que digna de um cientista, é digna de um teólogo. No seu livro Breve História da Alma, numa secção significativamente intitulada “Tinha razão Galileu, o teólogo”, escreve: “Tinha razão Galileu – que, neste caso, se revelava melhor teólogo do que os seus opositores teólogos”. [4]

Por outro lado, os dois autores deste livro abordam, na sua discussão, algumas questões sensíveis na zona de contacto entre ciência e religião, às quais respondem com a sua mundividência  individual.. Percebe-se que há, ou pode haver, algum interacção entre ciência e religião. Ravasi, depois de apontar a independência entre ciência e religião, observa que há elementos que a ciência e a religião partilham: “Como aconteceu também no debate sobre a evolução, a tentação do derrube das fronteiras é sempre forte, até porque é idêntico o objecto examinado pela ciência e pela teologia ou filosofia, quer dizer, o homem.”  Tem razão, Ravasi, o teólogo. Tanto a ciência como a religião são pertença do humano, constituindo-se como dimensões diferentes do mesmo ser. É tão humano querer conhecer o mundo como aspirar ao outro mundo. E só se pode compreender o homem quando se olha para tudo aquilo que ele faz. É o facto de ciência e religião terem por origem e destinatário o ser humano que permite que as duas coloquem por vezes questões semelhantes ou mesmo idênticas, embora lhes respondam de modos diferentes, dadas as diferenças não só dos seus objectivos mas também da sua metodologia.

O diálogo entre crentes e ateus vai, claro, muito além das relações entre ciência e religião. Tal acontece quando está em causa o modo diferente de olhar a vida por pessoas que receberam o dom, ou graça, de acreditar no transcendente, quer dizer, a fé, e por outras que não o receberam. O que é a fé? Santo Agostinho disse que “fé é acreditar naquilo que não se vê; a recompensa é ver aquilo em que se acredita”.  Há decerto um hiato, um salto, entre a crença e a não crença. Pode-se tê-la ou não tê-la. Pode-se ganhá-la ou perdê-la. Mas será que só esse dom ou graça pode dar sentido à vida? Será que os valores individuais e sociais, a ética, têm de radicar apenas na religião? É óbvio, e fica mais óbvio após ler uma carta do Pedro, que não. É possível uma ética que não entronque na ideia de Deus. Ninguém poderá dizer que, por exemplo, o físico Albert Einstein, que não acreditava em Deus (pelo menos no Deus pessoal do Antigo Testamento, acreditando antes numa religiosidade cósmica à moda de Espinosa), não tivesse um sentido da existência humana extremamente impregnado de ética. Mas foi ele que afirmou, numa linha seguida aqui pelo Pedro, que a ética era um assunto puramente humano:

“Eu não acredito na imortalidade do indivíduo, e considero a ética como uma questão exclusivamente humana sem qualquer autoridade sobrehumana por trás." [5]

Foi Einstein que o disse, mas o mesmo poderia ter sido dito por alguém sem formação científica. Tal posição nada tem a ver com a ciência de Einstein.

O diálogo entre crentes e não crentes tem sido cultivado nos últimos tempos pela Igreja Católica. O papa emérito Bento XVI ainda só era cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, quando, num diálogo público no ano 2000, em Roma, com o filósofo ateu Paolo Flores d’Arcais sobre se Existe Deus?, declarou que a “fé não deve impor-se com o poder – isso é um grande pecado e um grande erro – mas propor-se à evidência da razão e do coração”, ao que o seu interlocutor respondeu que ”é possível viver sem fé: a fé não é necessária para dar sentido à própria existência, pode conferir-se sentido à existência de muitas formas” [6].  Mais modernamente, o cardeal Ravasi tem organizado o chamado Pátio dos Gentios, um lugar de discussão com toda a gente fora do templo, numa alusão ao famoso sítio no exterior do templo de Salomão, em Jerusalém, destinado aos não judeus (num episódio dos Actos dos Apóstolos, S. Paulo é acusado de ter feito entrar um grego no templo). Esses encontros disseminaram-se, a partir de Itália, no mundo, tendo chegado a Portugal. Os livros que retratam esses debates [7] e a presente obra mostram como podem ser enriquecedores os diálogos desse tipo. Revelam-se afinidades que não eram à partida evidentes. Tanto um crente como um não crente podem acreditar (uma palavra a que nenhum deles nem quer nem pode renunciar!) que o mundo de amanhã pode ser melhor, pelo menos um bocadinho melhor. Esta é uma crença que conduz à acção, que preside à acção. Podemos, de facto, tornar o mundo de manhã melhor. Se esse esforço se chama redenção, a redenção é uma vontade comum de pessoas que pareciam estar em campos diametralmente opostos. E a acção pode ser comum.

NOTAS:

[1] Ian Barbour, Religion and Science: Historical and Contemporary Issues, New York HarperCollins, 1997, e  When Science Meets Religion, Enemies, strangers, or partners, ibid., 2000. Ver também Peter Harrison (ed.), The Cambridge Companion to Science and Religion, Cambridge: Cambridge University Press, Cambridge, 2010
[2] Odon Godart and Michał Heller, Cosmology of Lemaitre, Tucson: Pachart Publishing House, 1985.
[3] Carlos  Fiolhais, “Em busca de sentido: ciência e religião”, in Secretariado Diocesano de Evagelização e Catequese, Em Busca de um sentido: Ateísmo e crença na construção da pessoa que ama, Coimbra:  Gráfica de Coimbra 2, 2012
[4] Gianfranco Ravasi, Breve História da Alma, Lisboa: D. Quixote, 2011.
[5] Alice Calaprice (ed.), The Ultimate quotable Einstein, Princeton: Princeton University Press, 2011, with a Foreword by Freeman Dyson.
[6] Joseph Ratzinger e Paolo Flores d’Arcais: Existe Deuis? Um confronto sobre verdade, fé e ateísmo, Lisboa: Pedra Angular, 2009.
[7] Gianfranco Ravasi et al., O Átrio dos Gentios. Crentes e não-crentes perante o mundo e hoje, Lisboa: Edições Paulinas. 2012., e Lorenzo Fazzini, Diálogos no Pátio dos Gentios. Onde os Laicos e os Católicos se encontram, Braga: Diário do Minho, 2012.

I Colóquio Luso-brasileiro de História da Alimentação

Informação chegada ao De Rerum Natura.

Nos próximos dias 31 de Maio e 1 de Junho, decorrerá na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Montemor-o-Velho e Tentúgal o I Colóquio Luso-brasileiro de História da Alimentação. 

Trata-se de um primeiro grande passo no sentido de aproximar as pessoas que dos dois lados do Atlântico têm dado visibilidade, em português, a esta temática de reflexão.

Apresentação:

Os estudos sobre o que vulgarmente se tem chamado de “História e Culturas da Alimentação” vêm assistindo, nas últimas décadas, a um crescente impulso, tanto em Portugal como no Brasil. O interesse do meio académico e do público em geral sobre a percepção do fenómeno alimentar (nas suas vertentes social, cultural, histórica e artística, sem descurar a dimensão nutricional/dietética) revela-se um tema de discussão cada vez mais atractivo e capaz de criar novas formas de diálogo entre os universos da investigação e do ensino académicos e as esferas civis dos profissionais do sector do turismo cultural e gastronómico, bem como da busca da certificação de produtos regionais, que se distingam pela pertença a um património histórico identitário digno de preservação, visibilidade e divulgação nacional e internacional. Entendemos, pois, ser o momento de iniciarmos um diálogo, a partir dos investigadores e docentes do ensino universitário português, com os investigadores e profissionais ligados à temática da gastronomia no Brasil. Este evento permitirá uma troca fecunda de conhecimentos, mas também uma aproximação, que naturalmente brota de uma história (também alimentar!) comum, que se desejam ilustrativas dos avanços a que, dos dois lados do Atlântico, unidos por um idioma e um património, se tem assistido no domínio de uma “História da Alimentação” dialogante com o mundo actual.

Mais informações aqui.

Estudos sobre a filosofia na Europa e em Portugal: De Antero de Quental a Leonardo Coimbra

Informação chegada ao De Rerum Natura. 


Apresentação do livro de Henrique Jales Ribeiro, Estudos sobre a filosofia na Europa e em Portugal: De Antero de Quental a Leonardo Coimbra, Coimbra: MinervaCoimbra, 2013

Pelo Prof. Doutor Mário Santiago de Carvalho, na sala Victor de Matos (6.º piso da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), no dia 30 de Maio de 2013, às 18:00 horas,

Seguida de conferência pelo autor com o título: Filosofia e Ciência na segunda metade do século XIX.

Sobre o livro:

Praticamente pela primeira vez na historiografia sobre a filosofia em Portugal das últimas décadas, e tendo em vista o estudo do pensamento e das obras de Antero de Quental e Leonardo Coimbra, bem como das respetivas conexões, mostra-se exaustivamente neste livro como e porque é que o contexto fundamental das ideias filosóficas no nosso país – da segunda metade do século XIX ao primeiro quartel do XX – é geralmente o mesmo dos outros grandes países europeus, como a Alemanha, a França, a Inglaterra e a Itália. Uma caraterização e cuidadosa análise deste contexto é apresentada ao longo de quatro capítulos, e, com ela, é oferecida uma reconstrução das filosofias desses e de outros autores portugueses do mesmo período, que não só ilumina a sua leitura de uma perspetiva inteiramente nova e original, como mostra a sua eventual atualidade para nós hoje em dia. Este livro – contra uma historiografia nacionalista e patrioteira – é uma ferramenta indispensável para todos aqueles que se interessam pelo estudo da filosofia em Portugal, e que acreditam que o verdadeiro terreno desse estudo não é outro senão o da filosofia na Europa e no Ocidente no seu conjunto.

XV Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico

Informação chegada ao De Rerum Natura.


Está aí o XV Festival Internacional de Teatro de Tema Clássico.
Começou em Abril e prolongar-se-á até 18 de Julho.
São 18 iniciativas desenvolvidas em múltiplos espaços.

Será um prazer podermos contar com a vossa presença.
A entrada é livre.

domingo, 19 de maio de 2013

LANÇAMENTO DO LIVRO "DOIS DEDOS DE CONVERSA SOBRE O DENTRO DAS COISAS"

No dia 21 de Maio de 2013, às 18h30, na Livraria Ferin, no Chiado – Lisboa, tem lugar a apresentação do livro Dois Dedos De Conversa Sobre o Dentro das Coisas – Um Crente, Um Ateu e a Verdade Como Provocação.

O evento conta com a presença dos autores, Bruno Nobre e Pedro Lind e a intervenção do professor Carlos Fiolhais.

João Lobo Antunes e Carlos Fiolhais são os autores dos prefácios que introduzem esta obra, que reporta a correspondência entre os dois físicos, um crente, jesuíta, e um ateu, num diálogo intenso e sugestivo sobre o modo de entender a relação entre a ciência e a religião.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

O que é um filme de ciência? (A)Mostra tenta encontrar resposta

(Informação recebida da Associação Viver a Ciência)



Resposta à pergunta "O que é um filme de ciência?" procura-se na (A)MOSTRA | Filmes e Ciência, a realizar no domingo, dia 26 de Maio, no Pavilhão do Conhecimento em Lisboa.

A busca faz-se através da projecção de sete filmes portugueses com características bem distintas, desde longas-metragens documentais a vídeos educativos e episódios de séries televisivas.A (A)Mostra é comissariada pela Associação Viver a Ciência (VAC) e promovida pela organização do Congresso de Comunicação de Ciência Sci Com PT 2013 (que acontece a 27 e 28 de Maio).

Programa:

26 de Maio*, Auditório do Pavilhão do Conhecimento (PACO)
*Evento aberto ao público e de entrada livre

14h: Orlando Ribeiro, Itinerâncias de um geógrafo (2010; António João Saraiva e Manuel Carvalho Gomes)

15h: ANGST (2010; Graça Castanheira)

16h15: Curtas-metragens
:: A flor, a formiga e a borboleta ameaçada (2008; Bruno Cabral, Ivânia West e Patrícia Garcia-Pereira)
:: EX VIVO, aquilo que tem lugar fora do organismo (2012; Júlio Borlido, André Macedo e Augusto Gomez)
:: Nós, os fantásticos seres vivos: uma breve história sobre Evolução (2012; Osvaldo Medina)
:: LPDJLQH D VHFUHW (2010; Armindo Albuquerque Moreira)
:: A tabela é mesmo periódica (Antestreia: 2013; Rui Brás)

17.20h: DEBATE: O que é um filme de ciência?
Com:
Graça Castanheira (ANGST),
Bruno Cabral (A flor, a formiga e a borboleta ameaçada),
André Macedo (EX VIVO, aquilo que tem lugar fora do organismo)
Osvaldo Medina (Nós, os fantásticos seres vivos)
Rui Brás (A tabela é mesmo periódica)
Manuel Carvalho Gomes (Orlando Ribeiro, Itinerâncias de um geógrafo)
Armindo Albuquerque Moreira (LPDJLQH D VHFUHW)

Moderação:
Martin Pawley (produtor, programador, crítico de cinema e divulgador de ciência. Responsável  pela Mostra de Ciencia e Cinema da Coruña).


A próxima sessão de milplanaltos é já na próxima terça, 21 de Maio.
Carlota Simões apresenta 'O número de ouro. De Camões a Almada Negreiros'.

Contamos com a vossa presença no Museu da Ciência, às 16 horas.



“A proporção áurea ou razão de ouro aparece regularmente na Arte desde pelo menos o Séc. V a.C., quando o arquitecto Phideas a utilizou na concepção do Parténon. Desde então, este número tem surgido pela mão de artistas de diversas épocas e formas de arte, seja na pintura de Giotto, na música de Bartok, na poesia de Camões, na arquitectura do Iluminismo, nas construções de Le Corbusier ou nas obras de Almada Negreiros.
Data de 1509 a obra De Divina Proportioni de Luca Paciolli. Pedro Nunes refere-a nos seus livros, e pode tê-la feito chegar a Camões, que, alegadamente, terá utilizado a razão de ouro na sua obra. Finalmente, e celebrando os 120 anos do nascimento de Almada Negreiros, iremos conhecer a sua obsessão com as proporções – entre as quais o número de ouro – culminando na última obra da sua vida, Ode à Geometria.”
Nota biográfica
Carlota Simões é Professora Auxiliar do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, é membro do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra e actualmente é Vice-Directora do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. 
Um dos seus principais interesses é a divulgação da Matemática, que concretiza através de artigos, palestras ou actividades interdisciplinares.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A CIÊNCIA LUSA


MEU ARTIGO NO ÚLTIMO JL (JORNAL DE LETRAS):

A exposição 360º Ciência Descoberta, que está na  Fundação Gulbenkian, comissariada por Henrique Leitão, é imperdível. Pela primeira vez o público pode ver uma grande mostra, bem planeada e apresentada, sobre o período de ouro da ciência portuguesa, a época dos Descobrimentos, que teve lugar nos séculos XV e XVI. Não se trata de uma exposição sobre os Descobrimentos – outras houve como Encompassing the World, que esteve há anos em Washington antes de vir para o Museu da Arte Antiga – mas sim sobre a ciência dos Descobrimentos, que inclui tanto a ciência náutica que permitiu as navegações em mar aberto, como as descobertas que, nos domínios da geografia, da meteorologia e da história natural, acrescentaram saber ao saber anterior sobre o mundo.

Num volume sobre a história do mundo, Portugal aparece numa página, ou pelo menos nuns parágrafos, precisamente por causa do seu papel na expansão marítima do Ocidente. Os portugueses estavam no sítio certo na hora certa. E os navegadores lusos aventuraram-se sem vacilar, nos vastos oceanos, primeiro o Atlântico e depois o Ìndico e o Pacífico.  Alguns autores chamam justamente  a esse período o da primeira globalização. Foram os primeiros ocidentais a ver novos céus, novas terras, novas espécies e novas gentes. Isso não se conseguiu fazer sem ciência e tecnologia e não se fez sem se acrescentar ciência e tecnologia à que já se tinha. Ora, se o papel das descobertas explorações portuguesas consta dos livros de história mundial, já o mesmo não se pode dizer em relação à história da ciência do papel que os portugueses desempenharam nesse período. Se se abrir um livro estrangeiro de história da ciência, a ciência portuguesa não aparece ou quase não aparece. Uma das razões foi o facto de a história da ciência se ter centrado talvez excessivamente na Revolução Científica, que eclodiu convencionalmente em 1543, o ano em que saíram os livros de Copérnico (A Revolução dos orbes celestes) e de Vesálio (A Fábrica do corpo humano), quando a epopeia portuguesa já começava a esmorecer. A tal ponto que algumas histórias da ciência começam só nessa altura o seu relato. Depois desses grandes nomes seguem-se outros como Galileu, Kepler, Newton e Harvey, numa narrativa  pontuada pelas obras desses heróis da ciência.

Ora, como bem ilustra a exposição, a Revolução Científica não só foi precedida pela expansão portuguesa como.não teria sido possível sem esta. Os portugueses – e também os espanhóis – protagonizaram uma Pré-Revolução Científica, sem nomes tão sonantes mas numa acção decisiva para se adquirir uma nova visão do mundo, caracterizada pelo empirismo. “Vi, claramante visto”, escreveu Camões, ecoando Garcia da Orta, o seu amigo na Índia. O livro recente de história da ciência mundial que começa muito antes da Revolução Científica Science: a four thousand years history, da autoria da historiadora de ciência inglesa Patrick Fara,  é um dos poucos que refere os portugueses dos séculos XV e XVI. Fala da qualidade dos mapas lusitanos (dos “portulanos” do Mediterrâneo passou-se para as cartas da costa de África e a seguir para a cartografia da costa asiática), fala do rinoceronte que Duerer desenhou com base num esboço do exótico animal que o rei D. Manuel I tentou oferecer ao Papa, e fala ainda das plantas da América do Sul, que portugueses e espanhóis trouxeram para a Europa, modificando o regime alimentar da cristandade. A exposição da Gulbenkian exibe em destaque alguns livros raros, alguns únicos porque manuscritos, como o Ars nautica e o Liuro da fabrica das naus de Fernando Oliveira, ou o Esmeraldo de situ orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Mas, em consonância com Fara, mostra os mapas mais sofisticados de há quinhentos anos, um rinoceronte embalsamado e várias das espécies vegetais que cruzaram os oceanos em direcção à Europa. E mostra também as tecnologias da construção naval (a caravela) e da navegação astronómica (o astrolábio). Embora não elabore muito sobre a medicina e farmácia da época (há sobre isso um livro recente: Germano de Sousa, História da Medicina Portuguesa durante a Expansão, Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2013), tem patentes algumas obras médicas e vasos de botica..

A exposição invoca os grandes cientistas portugueses: Pedro Nunes, Garcia da Orta e D. João de Castro. O primeiro, sem nunca ter entrado num barco, criou com base na matemática a ciência da navegação astronómica, o segundo escreveu em português sobre as plantas da Índia, e o terceiro, na carreira da Índia, realizou  as primeiras medidas de geomagnetismo global. De Nunes pode o visitante ver o “manuscrito de Florença”, o único que chegou aos nossos dias, de Orta os Colóquio dos simples da Biblioteca a Nacional, e de D. João de Castro um manuscrito conservado na Biblioteca de Évora. Para perceber melhor a exposição, o leitor não pode deixar de levar para casa o excelente catálogo, com um excelente preço, onde sencontram reproduções destas e doutras peças expostas.

- Henrique Leitão (coordenador), 360º Ciência Descoberta, Lisboa: Fundação Gulbenkian, 2013.

HISTÓRIA DA CIÊNCIA NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Meu texto que acaba de sair na revista RESISTANCE dos alunos de Física da Universidade de Coimbra:

Tem aumentado muito o interesse entre nós pela história da ciência, em particular a história da ciência em Portugal e, dentro desta, pelo papel essencial desempenhado pela Universidade de Coimbra. Em Coimbra esse interesse é ampliado pela candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial, cujo resultado vai ser conhecido em Junho.

O Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra submeteu com êxito um projecto sobre este tema que tem produzido abundantes frutos. Com efeito, meia centena de investigadores das Universidades de Aveiro, Coimbra e Évora têm trabalhado desde 2000 no projecto História da Ciência na Universidade de Coimbra (1547-1933), que beneficia do apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. No âmbito desse projecto, procedeu-se à recolha de fontes documentais sobre o tema em causa. Foi efectuada nos ricos acervos das bibliotecas e arquivos de Coimbra uma selecção de fontes históricas a digitalizar, tendo sido contratada uma bolseira que ficou a trabalhar na Biblioteca Geral. Os documentos digitalizados foram colocados no sítio http://almamater.uc.pt (Repositório de Fundo Antigo da Universidade de Coimbra), onde estão acessíveis a todos. Por outro lado fez-se uma selecção de peças das colecções do Museu da Ciência para inventariar e fotografar, tendo sido contratada uma segunda bolseira que ficou a trabalhar no Museu de Ciência.  As imagens foram colocadas no sítio Museu Digital.

Dois encontros internacionais foram realizados no quadro do projecto. Teve lugar em 2010, na Biblioteca Joanina um Colóquio e uma Exposição sob o tema Membros Portugueses da Royal Society organizado em colaboração com a Royal Society, que deu origem a um livro bilingue com esse mesmo título. E, em 2011, ocorreu em Coimbra o Congresso Internacional de História da Ciência. Participaram cerca de 200 investigadores de Portugal e do Brasil, tendo sido publicadas actas em formato electrónico.

O congresso foi um êxito pela oportunidade que constituiu de divulgar estudos recentes assim como pelo encontro de historiadores da ciência dos dois lados do Atlântico. Um livro contendo as comunicações principais vai aparecer em breve do prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra: História da Ciência Luso-Brasileira: Coimbra entre Portugal e o Brasil. Ainda no domínio da edição, foram publicados em 2010 o livro Breve História da Ciência em Portugal, a primeira síntese em livro da história da ciência nacional, e o catálogo Ver a República referente a uma exposição realizada na Biblioteca Geral, no Museu da Ciência e no Museu Nacional Machado de Castro sobre o centenário da República, e foram concluídas várias teses doutorais. Para além disso, foram publicados numerosos trabalhos de investigação em revistas internacionais e nacionais. A página Web do projecto encontra-se aqui, podendo lá ler-se algumas sínteses históricos sobre vários aspectos da história da Universidade de Coimbra, algumas das quais vão também sair em breve num volume intitulado História da Ciência na Universidade de Coimbra. 

Relacionado com o trabalho realizado neste projecto, foi aprovado um novo programa doutoral em História das Ciências e Educação Científica, organizado em conjunto pelas Universidades de Aveiro e Coimbra. Agora todos os interessados em aprofundar estudos sobre história da ciência têm mais uma possibilidade para o fazer.

"Do meu lavrar na areia..."

(Em continuação: aqui)

S. Bababoião, Anacoreta e Mártir, romance de Aquilino Ribeiro, dado à estampa em 1937, foi dedicado ao amigo advogado, que declara muito estimar, José Gomes Mota. É a ele que se dirige para explicar que, nesta obra, decorrente de "imaginária pura", quis dar, muito modestamente, sem intelectualismos filosóficos, metafísicos ou outros, voz a uma preocupação que, por ser tão simples deve ser tratada de modo simples. "A minha preocupação foi dar o conflito do espiritual e do humano de modo concreto, qual deles por baixo, qual deles por cima". E assim, no seu "lavrar na areia", o fez...

"Leva que leva por atalhos e caminhos esgarrados, daqueles em que os santos soltavam palavrões e as cabras rompiam o casco, veio-lhes vontade de comer. Beltrasanas, instruído nas produções da pródiga natureza, pôs-se à busca de pútegas, que se estava na sazão. esta planta é a parasita dos sargaços , consistindo a sua frutescência em gomos leitosos, ordenados em pinha, dum vermelho, de ananás maduro, emergindo da terra o que basta para se dar a perceber a sua coroa radiosa. Os pastores espremem-nos entre as polpas dos dedos e com regalo lhe chupam a massa tenra, levemente acidulada. Com o fruto desta planta e de panaqueijas que, em despeito da haste fina, delicada como alfinetes, deitam tubérculos brancos, maiores que ovos de tanjasno, restauraram as forças e puseram-se novamente a caminho, mais além."

Andar nas nuvens para sempre...

Li hoje que uma escola (privada) do nosso país despediu dois dos seus professores. A razão é uma fotografia que terão publicado no Facebook. A revista Visão online informa que é "o primeiro caso de conflito laboral que chega a julgamento em Portugal".

A propósito, em boa hora, os jornalistas Mário David Campos e Luís Ribeiro perguntam: Qual a fronteira entre a vida pessoal e a vida profissional? 

E especificam: Num mundo cada vez mais online (...) que ética deve seguir um funcionário, mesmo fora do horário de trabalho? Como se defende um dos valores fundamentais de uma sociedade democrática (...) a liberdade de expressão? Como ter um perfil (mesmo) privado?

A terminar, lembram aquilo que todos os utilizadores da internet deveriam saber:
Depois de cair na rede é quase impossível sair de lá. E mesmo que feche o perfil, os seus dados vão andar na "nuvem" para sempre. Por isso tome algumas precauções:
- Tenha atenção às definições de privacidade. Isso não o protege daquilo que comenta nas páginas de outros mas dá-lhe mais garantias na sua página;
- Um dos truques para evitar problemas com colegas de trabalho (ou com os chefes) é organizá-los em listas, colocando-os como conhecidos e não como amigos. Assim, se lhe sair um desabafo menos agradável sobre o chefe, ele não o lê;
- Adicione apenas pessoas que conheça e não amigos de amigos;
- Tenha cuidado com o que escreve e com as fotografias que coloca, inclusive a de perfil. Mesmo que retire o que lá colocou, a informação pode já ter sido partilhada;
- Reveja as definições periodicamente. Quando surgem novas funcionalidades, por vezes sofrem alterações.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

FameLab 2013


Quem será o representante português na final internacional do Famelab 2013?

Dez candidatos disputam a final do Famelab Portugal no próximo domingo, *19 de Maio*, às *15.30*, no Pavilhão do Conhecimento. *A* *entrada é gratuita*.

Venha conhecer os novos talentos da comunicação de ciência em Portugal e ajude-nos a escolher o nosso representante na final internacional, no /Cheltenham Science Festival/, Reino Unido.

Cada concorrente dispõe de apenas três minutos para demonstrar a sua capacidade de comunicar os mais diversos temas científicos, do sexo dos cangurus ao vinho do Porto, das nanotecnologias na saúde ao efeito da Lua no nosso dia-a-dia. Assista às apresentações e vote no seu favorito.

O Famelab é um concurso de comunicação científica para o grande público. Em Portugal, o Famelab é organizado pela Ciência Viva e pelo British Council.

Conheça os dez finalistas da 4.ª edição do Famelab Portugal aqui e aqui.

Confirme a sua presença aqui.

Conversas ao fim da tarde


No próximo dia 16 de Maio de 2013, pelas 18h00, no RÓMULO – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, no piso térreo do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, terá lugar uma “Conversa ao fim da tarde”, com Nuno Camarneiro que, a propósito do seu livro mais recente "Debaixo de algum céu", falará sobre Copérnico, Dante e o Purgatório.

A sessão é aberta a quem pretender conversar com Nuno Camarneiro. O convidado será apresentado por Carlos Fiolhais, Director do Rómulo CCVUC.

Sobre o convidado: Vencedor do prémio Leya 2012, com “Debaixo de Algum Céu”, Nuno Camarneiro nasceu em 1977. Natural da Figueira da Foz, licenciou-se em Engenharia Física pela Universidade de Coimbra, onde se dedicou à investigação durante alguns anos. Foi membro do GEFAC (Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra) e do grupo musical Diabo a Sete, tendo ainda integrado a companhia teatral Bonifrates. Trabalhou no CERN (Organização Europeia para a Investigação Nuclear) em Genebra e concluiu o doutoramento em Ciência Aplicada ao Património Cultural em Florença. Em 2010 regressou a Portugal, sendo actualmente investigador na Universidade de Aveiro e professor do curso de Restauro na Universidade Portucalense do Porto. Na literatura, começou por se dedicar à micronarrativa, tendo alguns dos seus contos sido publicados em colectâneas e revistas. “No Meu Peito não Cabem Pássaros” foi a sua estreia no romance.

O GOVERNO QUÂNTICO


Minha crónica no "Público" de hoje:

Em 1935 o físico austríaco Erwin Schroedinger exibiu as dificuldades conceptuais da teoria quântica, então recente, criando um paradoxo que ficou conhecido por “gato de Schroedinger”. De que dificuldades se trata? Nessa teoria, que governa o comportamento do mundo microscópico, um estado de um sistema pode ser uma sobreposição ou mistura de dois estados possíveis, mas opostos. Contudo, quando se efectua uma observação, encontra-se, não o estado de mistura, mas sim um ou outro dos estados opostos. Só podemos a priori conhecer probabilidades de obter um estado ou outro. No exemplo de Schroedinger, o gato está fechado dentro de uma caixa e um dispositivo quântico pode matá-lo. Antes de abrirmos a caixa, o gato está numa sobreposição de vivo e morto. Mas, quando a abrimos, verificamos que o gato está vivo ou morto e não as duas coisas ao mesmo tempo. Schroedinger interrogou-se sobre esse mistério quântico: como pode um gato estar vivo e morto ao mesmo tempo?

O actual governo de Portugal é quântico, quer dizer, parece-se com o gato de Schroedinger. Se não observarmos está entre o vivo e o morto. Assim uma espécie de zombie. Quando o observamos está, por vezes, vivo e, noutras vezes, morto. Numas ocasiões está a seguir fielmente o que diz a troika - o governo está vivo – e noutras ocasiões protesta contra os “senhores da troika” – e está morto. Olhamos para Vítor Gaspar, ministro de Estado e das Finanças – e o governo está vivo; mas olhamos para Paulo Portas, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros – e o governo está morto. Portas esclareceu que uma coligação não é uma fusão. Pois não: é uma confusão.

Esta característica quântica do governo levanta uma questão semelhante à de Schroedinger em relação ao seu gato: como pode um governo estar vivo e morto ao mesmo tempo? Se aceitarmos a ideia de sobreposição de contrários, estará mais vivo do que morto ou mais morto do que vivo? Nos últimos tempos, está, sem dúvida, mais morto do que vivo. Luís Marques Guedes, ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, referiu-se por um lapso que é revelador, ao seu colega Paulo Portas como “líder do principal partido da oposição”. O governo tem a oposição dentro de si, enquanto a oposição cá fora, apesar de ruidosa, é inofensiva.

Lili Caneças afirmou um dia, numa frase que ficou célebre, que “estar vivo é o contrário de estar morto”. Ora isto é sabedoria clássica, ultrapassada pela sabedoria quântica. Não foram os portugueses que descobriram a teoria quântica, mas existem, na nossa língua, expressões quânticas como estar “mais morto do que vivo”, o que, de facto, significa, estar mais vivo do que morto, embora por pouco, isto é, às portas da morte. Também dizemos “mais para lá do que para cá” para descrever o mesmo tipo de situação. Temos, portanto, um lado quântico em nós que vai além do nosso lado Lili Caneças. Mesmo o fado cantado por Amália Rodrigues, “É ou não é”, que, a avaliar pelo título parece clássico, pois não há justaposição de opostos, é afinal quântico a avaliar pelo final do refrão, que contém uma reviravolta surpreendente: “Digam lá se é assim ou não é?/ Ai, não, não é! / Digam lá se é assim ou não é?/ Ai, não, não é! Pois é!”

Pois é. A lógica quântica não é fácil de perceber. Como é que um governo pode diminuir as pensões aos reformados da função pública e, ao mesmo tempo, garantir o pagamento integral das mesmas pensões? O porta-voz do “maior partido da oposição”, João Almeida, tentou explicar a confusão. Mas tudo ficou ainda mais confuso: ele tem a "profunda convicção de que a medida nunca será aplicada", pois "o cenário de ela ser aplicada seria contrariar uma decisão do Conselho de Ministros". Acontece que a extraordinária medida de aumentar a austeridade dos depauperados pensionistas foi mesmo aprovada em Conselho de Ministros (extraordinário) e enviada à troika para garantir o pagamento da próxima tranche do empréstimo. Mas mais: sabemos, por  Vítor Gaspar, que o referido corte será aplicado em caso de “absoluta necessidade”, coisa que  não nos tem faltado. Por um lado, há a “absoluta convicção” do porta-voz e, por outro, a ”absoluta necessidade” do ministro. Vamos ver se ganha a convicção ou a necessidade. Aceitam-se apostas.

O que falta hoje ao governo? Obviamente um rumo claro. Mais austeridade ou crescimento económico? Mais miséria ou sensibilidade social? O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que tem estado do lado de Vítor Gaspar, não pôs na ordem Paulo Portas quando este, com evidente quebra do dever de lealdade, se demarcou publicamente de um documento aprovado em Conselho de Ministros. Passos Coelho perdeu uma boa oportunidade de afirmar a sua autoridade face à oposição interna. E um governo sem liderança só pode andar ao acaso, não podendo nós adivinhar para onde vai.


OS CEM ANOS DO “AHA” DE BOHR

Crónica que está a sair na "Gazeta de Física", órgão da Sociedade Portuguesa de Física (na foto Niels Bohr):


Estão a passar cem anos desde que Niels Bohr publicou a primeira parte do seu artigo seminal  “Sobre a Constituição de Átomos e Moléculas”, na Philosophical Magazine, com a benção de Ernest Rutherford, em cujo laboratório o autor tinha trabalhado em 1912. Bohr quando teve o “aha” extraordinário da quantização das orbitais atómicas só tinha 28 anos. Tinha completado o doutoramento com uma tese sobre teoria de metais em 1911, quando Rutherford anunciou ao mundo o núcleo atómico que obrigava ao modelo dos electrões planetários. A física mais revolucionária costuma surgir de mentes jovens. Já Einstein tinha proposto a teoria da relatividade e a explicação quântica do efeito fotoléctrico com apenas 26 anos. E o mesmo haveria de acontecer no ano “mágico” de 1926, com Heisenberg e Dirac, que, com 25 e 24 anos respectivamente, substituíram a mecânica quântica antiga de Bohr pela mecânica quântica que sobreviveu até hoje.

Em 1913 Rutherford, com 42 anos, estava em Manchester no auge da sua glória. Em contraste, um dos pais da física moderna J. J. Thomson, com 56 anos, estava anquilosado. Pelo menos deve ter sido essa a impressão de Bohr que, doutorado de fresco, foi ao seu encontro em Cambridge e quase não conseguiu comunicar com ele. Por um lado, o inglês de Bohr era muito deficiente e, por outro e principalmente, Thomson não quis saber dos erros nos seus escritos que o jovem doutor lhe apontava. A mudança para o laboratório de Rutherford foi a solução apesar de Bohr ter sido obrigado a reprimir a sua vocação teórica para fazer trabalho experimental, na companhia entre outros de Charles Darwin, não obviamente o famoso naturalista mas um seu neto.

Rutherford gostava de pôr as mãos na massa, não sendo dado a devaneios teóricos. Mas percebeu e encorajou o “aha” de Bohr, que com duas hipóteses revolucionárias (estacionaridade de certas órbitas electrónicas e “saltos quânticos” entre elas, com emissão ou absorção luz) fixou as bases do modelo atómico actual. Em Março de 2013 Bohr informava Rutherford do bom acordo com a experiência do seu modelo: “Tentei demonstrar que... parece possível dar uma interpretação simples da lei do espectro do hidrogénio e que do cálculo resulta um acordo quantitativo íntimo com a experiência.“ E mais adiante: “Espero que concorde em que adoptei um ponto de vista razoável em relação à delicada questão da utilização simultânea da antiga mecânica e dos novos pressupostos introduzidos pela teoria da radiação de Planck. Estou ansioso por saber o que pensa disto tudo.”

Como o acordo era inequívoco, Rutherford pensava bem, descontado o facto de o “artigo era bastante denso e longo para uma só publicação”, pelo que que ele acabou por sair em três partes, tendo a primeira  e mais importante aparecido em Julho (estão publicadas entre nós em “Sobre a Contituição de Átomos e Moléculas”, Fundação Gulbenkian, 1969). Einstein, então a caminho da fama, também pensou bem, impressionado como Rutherford pela descrição dos espectros. Estavam ainda longe os tempos da sua famosa querela com Bohr. Thomson não pensou nada, mas a sua opinião pouco interessava.

O modelo de Bohr, aliando Rutherford e Planck, ainda hoje não só um bom exemplo de como se faz física nova: intuição poderosa escorada em dados experimentais. Mas Rutherford colocou logo uma notável questão: como saberia um electrão numa órbita mais alta para que órbita cair? O indeterminismo estava escondido na nova mecânica.

Universidade da expansão cultural e científica



Texto que elaborei no quadro da divulgação da candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial da UNESCO (na imagem Pedro Nunes):

Portugal protagonizou a primeira globalização, isto é, o contacto entre povos e culturas de diferentes continentes que teve lugar nos séculos XV e XVI. Esse processo, enraizado na observação e na experiência, precedeu a Revolução Científica ocorrida no século XVII.

Antes de 1537, a Universidade portuguesa estava em Lisboa. E, quando mudou para Coimbra, veio com ela aquele que é talvez o maior sábio português de todos os tempos: Pedro Nunes, o cosmógrafo-mor de D. João III. Esse matemático é o criador na navegação astronómica, que resolve alguns problemas que se colocavam aos marinheiros da época. Duas das obras de Nunes saíram de prelos conimbricenses para conhecerem o mundo. O maior responsável pela divulgação dessa obra foi o jesuíta alemão Christophoro Clavius, que estudou em Coimbra no Colégio das Artes, antes de se ter tornado astrónomo papal, tendo presidido à comissão que instituiu o calendário gregoriano que Portugal foi um dos primeiros países a seguir e que hoje vigora.

Os jesuítas, estabelecidos em Coimbra nos Colégios das Artes e de Jesus, tiveram uma acção essencial na Revolução Científica, graças à intermediação que fizeram de ideias e instrumentos para as terras orientais, em particular a China e o Japão. O telescópio de Galileu chegou ao Oriente passando por Lisboa e Coimbra. Exemplo de contacto cultural e científico fecundo com o Império do Meio foi, no fim do século XVI e início do século XVII, a acção do jesuíta italiano Matteo Ricci, que estudou em Coimbra antes de deixar a Europa.

Não se pode dizer, porém, que a ciência em Coimbra tenha estado em crescendo após a morte de Nunes. A Contra-Reforma, que se opôs à expansão da ciência moderna, instalou-se em Coimbra com a escola chamada dos Conimbricenses, em referência aos livros com esse título em que os jesuítas comentavam Aristóteles. Tendo sido uma referência na Europa, esse movimento filosófico, chegou ao jovem René Descartes, a estudar num colégio jesuíta, cujo pensamento conduziu a uma visão diferente da Natureza e do homem.

A Universidade de Coimbra foi, durante muitos anos, a única do vasto Império. Neste, o Brasil foi privilegiado na expansão cultural, como prova a moderna presença da língua. No século XVIII muitos foram os jovens brasileiros que estudaram em Coimbra. Um caso notável é de Bartolomeu de Gusmão, o inventor da Passarola e autor de um dos primeiros pedidos de patente. Mas um outro nome foi José Bonifácio, o químico descobridor do minério de lítio, que depois de ter ensinado em Coimbra se tornou o patriarca da independência da nação brasileira. Bonifácio trabalhou no Laboratorio Chimico, num tempo marcado pela reforma pombalina. Destaque no iluminismo português tiveram também as viagens philosophicas ao Brasil e a África, revelando novas espécies e novos povos.

Nos tempos seguintes e até aos dias de hoje, com as dificuldades e sobressaltos da história nacional, a Universidade de Coimbra continou a espalhar no mundo, em particular no mundo lusófono, cultura e ciência. 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dívida Nacional

A dívida do meu país foi uma pêra que cresceu do pedúnculo até à terra.

Com a árvore à vista, apanhámos uma grande pêra!

PÊRA PENDENTE

A
P
Ê
R
A
ESTÁ
SUSPENSA
E CRESCE ATÉ À
TERRA A PÊRA ESTÁ
SUSPENSA E CRESCE ATÉ À
TERRA A PÊRA ESTÁ SUSPENSA
E CRESCE ATÉ À TERRA A PÊRA
ESTÁ SUSPENSA E CRESCE ATÉ À
                TERRA A PÊRA ESTÁ SUSPENSA E
CRESCE ATÉ À TERRA A PÊRA ESTÁ
SUSPENSA E CRESCE ATÉ À TERRA
A PÊRA ESTÁ SUSPENSA E CRESCE
ATÉ À TERRA A PÊRA ESTÁ
SUSPENSA E CRESCE ATÉ
À TERRA A PÊRA ESTÁ
SUSPENSA E CRESCE
ATÉ À TERRA
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O CÉU NAS PONTA DOS DEDOS

Recensão publicada na imprensa regional

Que estrela é aquela que brilha mais do que as outras? Porque é que algumas estrelas só se veem numa dada estação e a partir de uma dada hora? As estrelas também “nascem” e também se “põem” aparentemente como o nosso Sol? E aquele astro errante? É um planeta ou um satélite? Como é que sei orientar-me pelas estrelas para poder sonhar com viagens de descoberta?

A resposta a estas e muitas outras perguntas encontram-se, numa linguagem simples mas rigorosa e metodológica, no livro “O Céu nas Pontas dos Dedos” do prestigiado astrónomo amador Guilherme de Almeida, publicado em Fevereiro de 2013 pela Plátano Editora.

Este é o oitavo livro do autor do “Roteiro do Céu”, obra publicada em 1996, também pela Plátano Editora (actualmente na 5.ª edição e com uma edição em 2004 em língua inglesa pela Springer Verlag-London), título incontornável e pioneiro no panorama da divulgação científica específica à astronomia em Portugal.

Este último livro de Guilherme de Almeida é muito oportuno e, curiosamente, uma excelente introdução às suas obras anteriores, mais densas e específicas.

É um livro muito bem construído e conseguido nos seus objectivos. Possui os elementos e conteúdos fundamentais para uma iniciação segura à observação e contemplação do céu nocturno por qualquer pessoa. Mas também é útil ao astrónomo experiente uma vez que o leitor é brindado com a inclusão no livro de um mui útil planisfério celeste multifuncional, optimizado para observações a partir de Portugal continental e Regiões Autónomas. Destacável e utilizável livremente com as mãos, com ele é possível identificar estrelas e constelações em qualquer data do ano e hora do dia.

Guilherme de Almeida

Ao longo de três capítulos, curtos quanto baste, Guilherme de Almeida acompanha e guia o leitor aprendiz, passo a passo, com a virtuosa e eloquente paciência dos mestres. No primeiro capítulo são introduzidos os elementos fundamentais que constroem a linguagem e referenciais da observação astronómica. O planisfério celeste é explicado no segundo capítulo. No terceiro, o autor exemplifica casos concretos e práticos para o uso do planisfério, as suas funções básicas, e aconselha, como se estivesse ao nosso lado a observar o céu, alguns procedimentos úteis para uma melhor observação astronómica a olho nu. Por fim, descreve as funções especiais ou avançadas do planisfério celeste, o que encoraja a evolução do principiante amador para o astrónomo desfrutante.

Este livro ganha em rigor e qualidade pela existência de um quarto capítulo que inclui informações complementares e mais avançadas, respostas a perguntas que só surgem de depois da utilização efectiva do planisfério celeste, e um imprescindível glossário com a necessária terminologia astronómica.

Refira-se que o texto está muito bem compaginado com fotos, ilustrações e esquemas que reforçam e complementam a clareza da mensagem textual. Acrescente-se a existência aqui e acolá de caixas laterais que permitem uma aprendizagem complementar e mais aprofundada ao longo do livro, consoante o interesse e disponibilidade de cada leitor. É um livro que pode ser lido a vários tempos permitindo uma mesma observação celeste.

Destaquem-se as cinco magníficas fotografias astronómicas da autoria do fantástico foto-astrónomo português Miguel Claro, que acrescentam beleza e informação visual adicional ao livro.

Para saber mais, o livro acaba com indicações sobre outras obras e sítios na Internet onde o leitor poderá saciar o espanto resultante das observações que resultarão, acto contínuo, da leitura deste livro e do uso do planisfério celeste incluso.

Para ver mais, basta ter “O Céu nas Pontas dos Dedos”, com olhos contemplando o cosmos pela janela do nosso horizonte celeste.

António Piedade 

"Obreiro das letras"

Mais para finais de Maio faz cinquenta anos que morreu Aquilino Ribeiro, o escritor das Beiras, o escritor da prosa ardilosa, o escritor que dá palavra à alma do povo, o escrito não alinhado, o escritor rebelde, o escritor comprometido com o ideal... ou, tão simplesmente, e como ele dizia se si próprio, um "obreiro das letras".
Aqui, no De Rerum Natura, sem obedecermos a um critério cronológico ou outro que não seja a oportunidade, lembaremos, até ao final do mês, algumas das suas obras e alguns aspectos da sua vida.

E começamos pelo livro O servo de Deus e a casa roubada, duas novelas publicadas em 1940. No preâmbulo escreveu Aquilino.
(...) A hora corre nada propícia para a arte que não se subordina. Os interesses materiais sobrepõem-se aos interesses do espírito com uma tirania nunca vista. Esperemos que o género humano se salve ainda desta feita do cataclismo por mastodontização. Esperemos, por outra, que o logos, que é a racionalidade, volte a pairar sobre o caos.
Eis as linhas iniciais da primeira novela - O servo de Deus:
Na noite em que cheio de confusão e pranto perfez a idade de Cristo, o servo de Deus teve um sonho. Uma voz branca e alada, de todo celeste, chamava-o ao juízo. Já que se tratava de prestar contas da sua alma, com ditosa agilidade, o estouvamento febril de quem não teme porque não deve - não lhe permitia Deus fazer milagres por um peneira velha, semear às rebatinhas nas dez léguas ao redor dos dons da graça, ser em vida adorado como santo? - desatou a pleitar inocência plenária, para se lhe abrirem de par em par as portas do Céu e adiantarem-se anjos, bem aventurados, ordens a recebê-lo solenemente debaixo do pátio. (...)


NOVO LIVRO DE GUILHERME DE ALMEIDA


Contém um planisfério celeste que mostra o céu em qualquer data e hora.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...