quinta-feira, 18 de abril de 2013

DAR VALOR ÀS PALAVRAS OU CHAMAR PÁ A UMA PÁ

Com abraço de gratidão pelo envio e o prazer de sempre colhido na sua leitura, de Eugénio Lisboa reproduzo este belo e oportuníssimo texto publicado no “Jornal de Letras” de ontem:

 Vivemos enterrados numa sopa de mentiras. Num notável artigo publicado no Público de 23 de Fevereiro, José Pacheco Pereira, em clave de assumido panfleto, desabafava nestes termos: “Pode ser porque eu dou valor às palavras – uma sinistra manifestação da condição suspeita de intelectual – que me repugna, enoja, irrita, indigna, encanita, faz-me passar do sério, a sua sistemática violaçãopelo governo. Violação, exactamente como as outras violações. Devia haver uma lei não escrita para punir a violação feita com as palavras e pelas palavras, como há com a violação contra os mais fracos, o abuso do poder. Devia haver uma lei não escrita para punir o envenenamento das palavras pela desfaçatez lampeira, a esperteza saloia.” Não peço desculpa pelo alongado da citação, porque ela vale a pena: vem certeira, na hora certa.

Esta preocupação com o estupro das palavras, com o uso calculado e mentiroso que se faz delas, dizendo uma coisa, para querer dizer outra, tem afligido uma classe especial de gente: os escritores. De Gaulle, que foi, por necessidade, e numa fase adiantada da sua vida, um político, mas que foi sempre, e sobretudo, uma grande vocação de escritor, notava: “Uma vez que um político nunca acredita naquilo que diz, fica sempre muito surpreendido, quando os outros acreditam nele.”

Há outra maneira, particularmente irritante, de se praticar este “estupro”: é falar na coisa, precisamente quando ela está ausente (o político que fala de rigor, no meio da bagunça; ou de honestidade, no centro do esbulho; ou de coragem, quando arreia nos fracos e se encosta aos fortes e aos ricos).

 Montherlant, com o fulgor assassino do seu grande estilo, punha já na boca de um personagem da sua bela peça, La Reine Morte, isto: “É quando a própria coisa falta, que se deve propiciar a palavra.” Quando Hitler falava de “paz”, queria, invariavelmente, dizer “guerra”. A coisa, tornada sistemática – e, com frequência, torna-se – leva à descredibilização dos políticos e da política e ao sarcasmo incomplacente e perigosamente generalizador dos humoristas de serviço (Will Rogers: “Se injectarmos verdade na política, acabamos com a política”).

Outra forma de enganar com as palavras é fazer, com elas, o que faz o nosso Ministro das Finanças: construir um discurso circunvoluto, retorcido e infinitamente nebuloso, que tem, para ele, a vantagem de calar, sem apelo, o adversário ou interpelador: é que este nem sequer sabe se o que o ministro disse está certo ou errado – na realidade, está além ou aquém da categoria de “certo” ou “errado”. Com efeito, as suas explicações embrulham muito mais a dificuldade do que ajudam a esclarecê-la (“I wishhecouldexplainhisexplanation”, dizia Byron, que era lord, mas era também bruto). Neste caso, não se cala o adversário, com a força dos argumentos; tira-se-lhe o pio, com a perplexidade em que o mergulha o arrazoado fúnebre. Em Portugal, tem-se sempre muito medo de não achar “inteligente”  o charabia pomposo e o seu tanto sinistro dos tecnocratas de serviço. O estilo “profundote” intimida e, hélas!, faz que deslumbra... O poeta inglês Wordsworth, de quem Fernando Pessoa traduziu um poema, acusava os sonetos de Shakespeare (tu quoque!) de chafurdarem numa “elaborateobscurity” , que pode muito bem ter-se tornado (sabe-se lá!) uma influência dominante no discurso de não poucos literatos lusíadas e, seguramente, nas ejaculações do nosso singular Ministro das Finanças. Aos que não pensam, raramente faltam as palavras, dizia alguém não muito conhecido.

Seja como for, o que eu aqui hoje gostaria de trazer, para iluminar um pouco melhor a irritação de Pacheco Pereira, era um testemunho esclarecedor e pungente. Trata-se de uma carta escrita, em 1937, no dia de Ano Novo, em Zurique, pelo escritor Thomas Mann, e dirigida ao deão da Faculdade de Filosofia da Universidade de Bonn, que acabara de retirar ao autor de A Morte em Veneza o título de Doutor Honoris Causa, anteriormente atribuído. Thomas Mann, como se sabe, abandonara a Alemanha logo a seguir à ascenção de Hitler ao poder, para salvar a sua liberdade e a sua vida. A Universidade, cobardemente, alinhara com os cães do poder.

Nessa carta, que é um monumento admirável e imperecível, o autor de Tonio Kröger diz, com clareza e veemência, que ainda pensou em permanecer na Alemanha, calando-se: “Quando a Alemanha caíu nas mãos deles [Hitler e apaniguados], eu queria calar-me: pelos grandes sacrifícios que tinha consentido, julgava ter adquirido um direito ao silêncio, um direito que me permitisse conservar o que tinha por mais caro: o contacto com os meus leitores da Alemanha.” Apesar destas razões, que o puxavam para ficar, Thomas Mann decidiu sair. Porquê? A razão dá-a, nessa mesma carta e é digna de estudo e divulgação: “Eu não teria podido [aí] viver e trabalhar. Teria sido, para mim, um verdadeiro envenenamento, se não tivesse podido, de tempos a tempos, «lavar o meu coração», como dizem os antigos, se não tivesse podido exprimir, sem reticências, o meu nojo por esses discursos miseráveis, que ribombam pelo meu país, e pelos actos ainda mais miseráveis que nele se cometem. Com ou sem razão, o meu nome está ligado, para o mundo, à noção de uma Alemanha que ama e que honra. Vi-me, pois, na obrigação de denunciar abertamente as mutilações selvagens que infligiram a essa Alemanha. E essa obrigação perturbava todos os meus sonhos de artista, aos quais eu me teria tão voluntariamente abandonado. Mas a essa obrigação, eu não podia subtrair-me, porque me foi sempre permitido exprimir-me, libertar-me pela linguagem. A vida não se acha, para mim, realizada, a não ser nessa constante criação da linguagem que purifica a emoção e a conserva.” (O sublinhado é meu)

Eis o sentido profundo desta carta: todo o escritor se exprime, isto é, se liberta, pela linguagem. É ela que lhe dá as maiores razões de felicidade, nesta terra. Assim sendo, o escritor contrai, pelo seu lado, uma obrigação: retribuir esse dom imenso que lhe dá o uso da linguagem – a libertação, a expressão - , com a garantia solene de que nunca dará um mau uso – um uso perverso, mentiroso –ao instrumento que lhe abriu as portas da felicidade. “A linguagem”, diz ainda Mann, nessa carta, “está carregada de um grande mistério. Somos responsáveis pela sua pureza. E essa responsabilidade é simbólica; não é somente do domínio da arte, é propriamente moral. É a responsabilidade humana na sua essência mesma; compromete-nos com o nosso próprio povo, obrigando-nos a conservar pura a sua imagem aos olhos da humanidade.”  É assim que pensa e sente um escritor digno desse nome. A linguagem não é, para ele, algo que se manipule com leviandade. Não é este, porém, quase nunca, o caso dos políticos. Julgo que o fino Goethe estaria também a pensar neles, quando observou: “Quando uma ideia não comparece, pode sempre achar-se uma palavra que a substitua.” Pior ainda : quando uma ideia é, de momento, inconveniente, pode, em vez dela, dizer-se o contrário, com palavras suficientemente fluidas para, num futuro mais ou menos próximo, se poder desvelar, por actos, o sentido originalmente visado... Em quem estaria a pensar Maurice Barrès, também escritor, como Thomas Mann, quando escreveu: “O político é um acrobata: mantém o seu equilíbrio, dizendo o oposto daquilo que faz”? Não sei em quem estaria a pensar, mas sei a quem pode aplicar-se o que disse, neste “reino cadaveroso” em que me coube vir acabar os meus dias.

P. S. – Como gosto, às vezes, de recordar os macedónios, essa gente “rude e apalhaçada”, que, segundo Plutarco, teimava em chamar pá a uma pá!

Eugénio Lisboa

Na hora da vossa morte

Recorrendo a um slogan de um velho anúncio a uma pasta dentífrica... "palavras para quê"?
Planeje a sua pós-vida digital com o Gerenciador de Contas Inativas
Ninguém gosta de pensar muito sobre a morte, ainda mais sobre a própria. Mas planejar o que acontecerá depois que você se for é muito importante para as pessoas que ficam para trás. Então, lançamos um novo recurso que facilita informar ao Google a sua vontade quanto aos seus bens digitais, quando você morrer ou não puder mais usar a sua conta. Trata-se do Gerenciador de Contas Inativas: não é lá um nome fantástico, mas acredite, as outras opções eram ainda piores. O recurso pode ser encontrado na página de configurações da conta do Google. Você pode nos orientar com relação ao que fazer com as suas mensagens do Gmail e dados de vários outros serviços do Google se a sua conta se tornar inativa por qualquer motivo. Por exemplo, você pode escolher que seus dados sejam excluídos depois de três, seis, nove ou doze meses de inatividade. Ou ainda pode selecionar contatos em quem você confia para receber os dados de alguns ou todos os seguintes serviços: Blogger; Contatos e Círculos; Drive; Gmail; Perfis do Google+, Páginas e Salas; Álbuns do Picasa; Google Voice e YouTube. Antes que os nossos sistemas façam qualquer coisa, enviaremos uma mensagem de texto para o seu celular e e-mail para o endereço secundário que consta nos seus settings da conta. Esperamos que este novo recurso ajude no planejamento da sua pós-vida digital e proteja a sua privacidade e segurança, além de facilitar a vida dos seus entes queridos depois da sua morte.
Postado por: Andreas Tuerk, gerente de produtos
Pode encontrar o texto aqui.

AS SOMBRAS DE GRAY




Minha crónica no "Público" de hoje:

Não, não venho falar da senhora E. L. James (seria Grey e não Gray) nem do autor de Os Homens são de Marte, as Mulheres de Vénus (um escritor de auto-ajuda que é Gray), mas sim de John Gray, escritor e professor de Pensamento Europeu na London School of Economics que tem expresso em vários livros a sua visão muito sombria da natureza humana.

Lembrei-me dele agora que, no ecrã de televisão à minha frente, desfilam imagens repetidas à exaustão dos atentados bombistas na maratona de Boston. Foi Gray que, no seu livro Sobre Humanos e Outros Animais (Lua de Papel, 2007), enfatizou que somos animais como quaisquer outros. E que a moderna crença no humanismo não passa de uma auto-ilusão. Estou em total desacordo com ele, enfileirando naqueles que acreditam no ideal iluminista do progresso fundado nos valores da razão, da democracia, da liberdade e da tolerância, que nos trouxe qualidade de vida, mas a violência absurda de actos como o que acaba de causar em Boston três mortos e centenas de feridos, não pode deixar de nos perturbar e de nos fazer pensar se a natureza humana tem conhecido progressos desde os tempos do Gulag, ou do Holocausto, ou dos anarquistas do século XIX, ou dos cadafalsos setecentistas, ou ainda das carnificinas medievais. Há onze anos aviões civis foram desviados para chocar inopinadamente contra edifícios repletos de pessoas inocentes, hoje são colocadas bombas para explodir com surpresa num evento desportivo muito popular. Porque é o animal humano tão desumano como outros animais?

John Gray cita Fernando Pessoa, ou melhor Bernardo Soares, o autor do Livro do Desassossego para nos dizer que o homem é simplesmente como é e não como nós desejávamos que ele fosse: “Se considero com atenção a vida que os homens vivem, nada encontro nela que a diferencie da vida que vivem os animais. Uns e outros são lançados inconscientemente através das coisas e do mundo; uns e outros se entretêm com intervalos; uns e outros percorrem diariamente o mesmo percurso orgânico; uns e outros não pensam para além do que pensam, nem vivem para além do que vivem. O gato espoja-se ao Sol e dorme ali. O homem espoja-se à vida, com todas as suas complexidades, e dorme ali. Nem um nem outro se liberta da lei fatal de ser como é.” Para Gray a modernidade, com todo o seu património de valores e meios, não nos deve enganar, já que o homem é um animal essencialmente destruidor, no qual não se pode depositar grandes esperanças. Se é capaz do melhor, também o é do pior. Será, por vezes, mais tigre do que gato. Na lógica do seu pensamento, não espanta que uma pessoa de posse de uma tecnologia caseira de explosivos a use hoje de um modo trágico e que, amanhã, um país detentor de tecnologia nuclear a venha a usar para espalhar o terror.

A tese de Gray acaba de ser abonada por um novo livro seu, ainda não traduzido entre nós, intitulado The Silence of Animals e subintitulado On progress and other modern myths (Allen Lane, 2013). Aí diz que tanto a ciência como a religião, que pensam que o animal humano pode ultrapassar os seus constrangimentos naturais, perseguem utopias inatingíveis. Creio que Gray não tem razão. De facto, os cientistas acreditam no progresso científico e numa vida mais confortável baseado nele, mas não há como negar que tanto um como outra tenham sido em geral alcançadas. Por sua vez, as pessoas religiosas (que podem também ser cientistas) acreditam na melhoria espiritual, mas não se pode dizer que muitas não tenham conseguido. Ambos acreditam, embora de formas diferentes, na singularidade humana. Para Darwin, o amor por todas as criaturas vivas era o atributo mais nobre que distinguia o homem, o que lembra S. Francisco de Assis. Para o filósofo suíço Max Picard, católico, a necessidade de recolhimento em silêncio, como acontece por estes dias em Boston e no mundo, era uma marca da superioridade do homem relativamente a outros animais: “O silêncio dos animais é diferente do silêncio dos homens.” Gray, embora concordando que existe a referida diferença, vê-a de um outro modo: “Os homens procuram silêncio porque buscam a redenção de si próprios, os outros animais vivem em silêncio porque não precisam de redenção”. Para ele, “pode haver um sentido em que os outros animais são pobres, mas essa pobreza é um ideal que os humanos nunca alcançarão.” E, no fim, escreve, num pessimismo radical: “Não há redenção de ser humano. Mas também não é preciso nenhuma redenção”.

Vivemos tempos sombrios. É útil ler um pensador destes tempos, um céptico da humanidade, porque temos de nos confrontar com a escuridão. Mas, recusando o niilismo de Gray, é sobretudo nas épocas mais escuras que o nosso impulso para a claridade deve ser maior. Pode não haver redenção, mas é humano procurá-la.

Mais edições da Classica Digitalia

Informação chegada ao De Rerum Natura.

A Classica Digitalia tem o gosto de anunciar duas novas publicações, de parceria com a Imprensa da Universidade de Coimbra, a Câmara Municipal do Porto e o Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro.

Série “Humanitas Supplementum” (Estudos) - Francisco de Oliveira, José Luís Brandão, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano (coords.), A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia, 2012). 252 p. PVP: 29 € / Estudantes: 23 € [capa dura]

Série “Varia” (Estudos) - António Andrade, João Torrão, Jorge Costa & Júlio Costa (coords.), Humanismo, diáspora e ciência (séculos XVI e XVII): estudos, catálogo, exposição (Porto e Aveiro, Câmara Municipal do Porto/Universidade de Aveiro, 2013) 483 p. PVP: 30 € / Estudantes: 24 € [a cores]

Todos os volumes dos Classica Digitalia são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital. O eBook correspondente encontra-se disponível em acesso livre. O preço indicado diz respeito ao volume impresso.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Dia Aberto ITQB 2013: O que é ser cientista?

Um dia em cada dois anos, os investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) recebem todos os visitantes que queiram saber mais sobre o que é ser cientista. O próximo Dia Aberto ITQB é no próximo sábado, dia 20, das 10h às 17h, com entrada livre.


“COM NOVAS ÍRIS TE UNIVERSO”

Crónica publicada na revista Papel


A íris é uma estrutura circular e fina que existe nos olhos, e que lhes dá a cor que nos maravilha. É responsável pelo controlo do diâmetro e tamanho da pupila, no seu centro, e logo pela quantidade de luz que se adentra no olho e atinge a retina. O seu nome deriva da divindade grega para o arco-íris, exactamente devido às suas inúmeras cores. Estas cores resultam da refracção da luz solar por miríades de gotas de água (ou de um prisma, entre outros exemplos), separando-a nas suas componentes, na região do espectro visível.

Esta gama de frequências, ou comprimentos de onda, a que os nossos olhos são sensíveis, é um pequeno intervalo no espectro de toda a radiação electromagnética de que temos conhecimento existir no Universo.

Irradiada por estrelas e, outros corpos e eventos cósmicos, de forma característica ao longo do tempo, a radiação electromagnética inunda o espaço, pelo menos desde 380 mil anos após o “Big Bang” que originou o nosso Universo.

Como é que sabemos disto? Entre outros dados, através da radiação cósmica de fundo captada através de outras íris, estas radioteslescópicas, que fomos tecnologicamente construindo e colocando em altas montanhas (onde o ar é mais rarefeito e seco, e longe da poluição luminosa dos grandes centros urbanos), ou em telescópios espaciais colocados em órbitas determinadas (onde não há ar, nem muitas poeiras).

Existem várias “íris telescópicas” a olhar o céu por nós, humildes míopes cósmicos. As ciências astronómicas e astrofísicas usufruem hoje de satélites que, com instrumentação precisa e apropriadamente muito sensível, perscrutam zonas específicas de quase todo o espectro electromagnético.

Recentemente, e como exemplo de actualidade, o telescópio Planck registou, por todo o espaço em seu redor e durante 15 meses, o registo fóssil dos primeiros fotões (partículas de luz) que surgiram no nosso Universo, depois de uma viagem de mais de 13 mil milhões de anos até chegarem até nós. Esses fotões chegam-nos em radiação electromagnética com a frequência das micro-ondas e correspondem ao que se designa por radiação cósmica de fundo. Através dos dados obtidos pelo telescópio satélite Planck conseguimos “ver” a primeira luz que irradiou despois do “Big Bang”.

Outros telescópios incorporados em satélites “veem” o Universo em outras frequências. Alguns exemplos são: o Herschel no infra-vermelho longínquo; o JWST no infra-vermelho; o Telescópio Espacial Hubble no vísivel; o Gaia no infra-vermelho próximo, visível e ultravioleta; o XMM-Newton no raios-x; o Integral nos raios gama; entre tantos outros da ESA, da NASA e de outras agências espaciais.

Cada uma destas “íris telescópicas” têm missões científicas precisas e têm contribuído decisivamente para a concepção que temos do Universo, desde as galáxias mais distantes aos buracos negros no centro da nossa galáxia, desde as espantosas nebulosas remanescentes de explosões de supernovas, aos pulsares das estrelas de neutrões, autênticos faróis na noite cósmica.

Outras íris avançam em direcção às estrelas: as sondas Voyager e Pioneer que são os objectos humanos actualmente mais longe da Terra (a Voyager 1 encontra-se na fronteira mais distante conhecida do nosso Sistema Solar, a mais de 120 vezes a distância da Terra ao Sol).

Há mais de 400 anos, mais precisamente no mês de março do ano de 1610, Galileu Galilei deu início à observação instrumental do espaço através da sua luneta composta por duas lentes que aumentavam em 30 vezes o tamanho aparente de um objecto. Sentado no seu atelier cósmico em Veneza, os músculos de uma das suas íris contraíram-se para aumentar a pupila e deixar entrar todo espanto que então iluminou o novo conhecimento das crateras da nossa Lua, a descoberta de quatro Luas a orbitarem Júpiter, entre tanto outro espaço. Tinha dado início a ciência instrumental moderna, o que comunicou ao mundo através do livro Sidereus Nuncius ou “O Mensageiro das Estrelas” (publicado entre nós pela Fundação Calouste Gulbenkian).

Ao longo dos últimos quatro séculos fizemos uma viagem cósmica de mais de 13 mil milhões de anos, descodificando os sinais transportados em ondas electromagnéticas por fotões, quais peregrinos cósmicos, finalmente captados pelas “íris tecnológicas” que construímos. Uma das maiores é o recentemente inaugurado radioteslescópico ALMA, do Observatório Eusopeu do Sul, instalado no planalto desértico de Atacama, em Chile.


Abrem-se assim novas pupilas em “íris tecnológicas” que, apesar de não impressionarem a retina dos nossos olhos, espantam os nossos caminhos neuronais. Com o cérebro na posse do conhecimento e da tecnologia actuais, expande-se o nosso conhecimento do passado, e espreitamos o horizonte futuro de um novo cosmos invisível à nudez dos nossos olhos.

Hoje, podemos pintar o céu com um arco-íris que começa na radiação gama e acaba nas ondas dos nossos rádios!

António Piedade

Nota: O título é o primeiro verso de poema inédito de António Piedade

terça-feira, 16 de abril de 2013

PARA SEMPRE

- Vejamos, meu caro Anthime, está a divagar. 
Como se pudesse haver dois! 
Como se pudesse existir outro.


A. Gide “Os Subterrâneos do Vaticano

 Há algum tempo escrevi aqui um texto com o título Nunca Mais. No texto abordei sobretudo a ralação promíscua entre a ditadura de J. Videla e a Igreja Católica argentina. Para meu espanto algumas pessoas revoltaram-se contra o mesmo, inclusive questionaram a sua existência, e que, se houvesse censura, o texto não passaria. Como sou uma pessoa responsável e tudo o que escrevo é o resultado das minhas leituras e da minha reflexão, vou explicar o texto:

1 – Sobre a existência do texto:

Rodolfo Walsh e Haroldo Conti – desaparecidos –, e monsenhor Enrique Angelelli – assassinado por denunciar a morte de dois sacerdotes –, é que deveriam ter direito a uma existência mais longeva, se não denunciassem o terror da ditadura. Rodolfo Walsh tivera mesmo a coragem de escrever a famosa Carta aberta à junta militar, o que lhe valera a vida, onde denunciara as violações dos direitos humanos; coragem, essa, que faltara a muita boa gente, compreensivelmente. Quem leu A Bandeira Vermelha Da Coragem, de Stephen Crane, sabe que, face ao terror, todos nós temos medo, se não estivermos mentalmente preparados.

2- Relação dos religiosos com a ditadura

Entre os cerca de trinta mil mortos, os religiosos surgem com apenas 0,3%, depois dos operários, dos estudantes, dos empregados, dos docentes, dos liberais, das donas de casa, das forças de segurança, dos jornalistas e dos actores. Este número é elucidativo, quanto ao mutismo desta mesma classe. Os que foram perseguidos de acordo com o relatório de Sábato «estavam comprometidos com a causa dos mais carentes e com aqueles que sustentaram uma atitude de denúncia frente à violação sistemática dos Direitos Humanos». Felizmente, para os católicos, o Papa Bergoglio, conhecido pela sua simpatia com a pobreza e um acérrimo defensor destes Direitos, não fora perseguido. Porquê? Ou ficara em silêncio ou apoiara a ditadura. As escusas que ele apresentara, como o receio de os marxistas tomarem o poder, não abonam em nada a seu favor. Por outro lado, quem leu o jornal Público, no dia 14 de Março, leu isto:

Passado Polémico: ... Entre 1973 e 1979, Bergoglio foi o superior provincial dos jesuítas com a difícil missão de orientar a Companhia de Jesus no arranque conturbado da ditadura militar, responsável pela perseguição, tortura e morte de 30 mil pessoas. As ordens para os seus irmãos foram claras: as suas actividades seriam estritamente religiosas.

O seu relacionamento com as autoridades políticas dessa época é motivo de alguma polémica na Argentina, especialmente depois da publicação, em 2005, do livro O Silêncio, do jornalista Horácio Verbitsky. O autor alegou que Bergoglio contribuiu para a detenção pelas Forças Armadas, de dois sacerdotes, Francisco Jalics e Orlando Yorio, em 1976, ao transmitir as suas “ suspeitas de contactos com guerrilheiros e denunciar “conflitos de obediência”. Verbitsky citou documentos guardados no Ministério das Relações Exteriores e Culto da Argentina que apontam para esses “comentários orais”; Bergoglio negou ter colaborado com a ditadura e argumentou que falara dos dois sacerdotes ao Governo para tentar resgatá-los da Escola Mecânica da Armada, onde o regime mantinha os prisioneiros que depois desapareciam. O capítulo do livro que refere esse episódio tem por título As duas faces do cardeal.»

Eu acredito na palavra do senhor Bergoglio, mas mantenho que ele não denunciara nada, nem lamentara nada e, mais grave, não disse o que pensava do regime. Porque quem acusa a senhora Cristina Kirchner de “exibicionismo”, esquecendo-se de Evita Perón, quem diz ao Presidente Eduardo Duhalde, sobre a vinda do FMI em 2002, “Não vamos a lugar nenhum, só nos vamos endividar mais”, tem que ter uma palavra sobre a barbaridade do regime.

3- O Franciscanismo De Bergoglio

Agripino Grieco, escritor brasileiro, no seu livro S. Francisco de Assis e a Poesia Cristã, caracteriza deste modo o santo (com muitas semelhanças com Santo Agostinho, anote-se):

a) Contra a ciência inactiva, cultivava, acima de tudo, o coração.
b) …era pela doçura, e não pela violência.
c) …acharia que os ignorantes talvez amassem a Deus melhor.
d) Nunca abençoou punhais e espadas.
e) Gostava que os homens o desprezassem, e preferiria ser censurado a ser elogiado.
e) Depois das dissipações da adolescência, converteu-se, despojando a caixa paterna para dar esmolas pobres

Esta é a imagem que o Papa tem passado para os católicos. O problema está no último ponto; eu não creio que o Vaticano abra os cordões à bolsa para dar aos pobres, porque isto implicaria uma reforma profunda no Vaticano. As boas intenções não bastam.

4- O fascismo de F. Sá Carneiro

O fascismo terminara, de acordo com os historiadores, no dia 25 de Abril de 1974. Ora, em 1969 o senhor F. S. Carneiro fizera parte da lista de deputados da União Nacional, enquanto outros políticos estiveram no exílio ou na masmorra. Eu sei que os homens mudam de valores e estão sujeitos às vicissitudes do tempo, mas isto raramente acontece de um dia para o outro.

5- Sobre a existência de cronistas fascistas

Transcrevo aqui um excerto da entrevista que Manuel Alegre deu ao Público no dia 14 de Abril:

«- E é assim que se define, como um poeta que escreve prosa?

Hoje há pseudomarginais da literatura que são totalitários, com uma sede terrível do poder ou de assalto aos instrumentos de poder, aos jornais onde escrevem.

- Chamou-lhes hipócritas.

E são hipócritas. Nunca arriscaram nada. Nunca os vi arriscar. Nós escrevemos no tempo do fascismo, da censura. Um poema podia levar à prisão.

- Fala dos críticos?

Falo dos críticos e falo daqueles que se encostam aos críticos e que são protegidos pelos críticos, o que é uma forma de poder.

- Autores?

Sim, também autores, alguns nem sequer conheço. E falo de alguns críticos e não vou dizer nomes. Sofremos a censura do lápis azul, dos livros proibidos, de nos assaltarem as casas para apanharem livros. Agora há outra forma de censura que é a omissão e o compadrio.»

Não acrescento mais nada ao Manuel Alegre, porque sei a quem se refere. Só lamento que a literatura esteja nas mãos destes senhores, só lamento que qualquer opinião dos mesmos pese e catapulte amiúde a mediocridade para o topo das livrarias.

Isto de voltar ao passado não é como pensava Vergílio Ferreira, porque a consciência não se pode esvaziar como um balão.

Enterro este assunto, para sempre. Afinal, também sou “pecador” e falível.

"TODA A CIÊNCIA (MENOS AS PARTES CHATAS)" É O NOVO LIVRO DOS CIENTISTAS DE PÉ

O novo livro dos Cientistas de Pé, um grupo de cientistas que faz stand-up comedy desde 2009, chega às livrarias no final de Abril, editado pela Gradiva.


«Com esta obra, além de ficarmos a saber mais sobre alguns aspectos das multifacetadas ciências modernas, as ciências que tão fortemente moldam o mundo de hoje, ficamos também com uma imagem mais verdadeira da ciência e dos cientistas. Estes são capazes de não se levar demasiado a sério. Tal como estes Cientistas de Pé, os melhores cientistas são capazes do melhor humor. Uma das anedotas mais engraçadas da ciência que conheço é aquela em que alguém pede a Einstein para fazer uma conta simples, que deveria ser feita mentalmente por um físico laureado com o Nobel. Resposta, surpreendente, de Einstein: 'Julgam que eu sou algum Einstein?'» in Prefácio (Carlos Fiolhais)

Neste livro podem ler-se piadas sobre a ciência que há no futebol, no sexo e no bacalhau. Ficará a saber que as ciências são como as drogas, há as leves e as duras. Conta-se o caso dramático de um jovem privado de homeopatia desde pequenino e a vida de um informático na óptica do utilizador. Ficará rendido à eficácia do speed dating com arroz hermafrodita e preocupado com a crise de identidade do lixo. Também é explicado como a capacidade de planeamento pode prejudicar o desenrascanço e feito um tocante peditório para financiar um programa de reprodução de ideias ameaçadas em cativeiro. A comicidade é assegurada por uma série de rigorosos testes realizados em laboratório, de modo que o leitor nem precisa de se preocupar em rir.

«Do ponto de vista de um observador à velocidade da luz, este livro parece engraçadíssimo.»
Albert Einstein

«Este livro tem e não tem piada ao mesmo tempo.»
Erwin Schrödinger

«Tentei rir-me pouco para não emitir muito dióxido de carbono.»
Al Gore

«Tenho pena não estar cá para ler isto.»
Dodô (Raphus cucullatus)  ave extinta no século XVII

Os autores são os Cientistas de Pé, um grupo de cientistas de diversas áreas (desde a biologia à Buraca) que (desde 2009) faz espectáculos de stand-up-comedy sobre temas científicos. Já actuaram em teatros, anfiteatros, centros de investigação, museus de ciência, jardins e para muitos polícias de trânsito, na esperança de verem perdoada uma multa de estacionamento abusivo de velocípede.

Coordenação: David Marçal
Bruno Pinto
Cheila Almeida
Daniel Silva
Ivette Pacheco
João Cruz
João Damas
Joaquim Paulo Nogueira
Leonor Medeiros
Ricardo Sequeira
Sandra Mateus
Sofia Guedes Vaz
Sofia Leite
Romeu Costa
Sónia Negrão

Na próxima quinta-feira, dia 18 de Abril, irei fazer uma pré-apresentação do livro no Museu da Ciência de Coimbra, às 18h. Ainda sem livro, numa lógica muito semelhante à de consultar o saldo do multibanco "no ecrã". É mais ecológico. No futuro talvez as pessoas também leiam livros no ecrã do Multibanco, já que levantar dinheiro será cada vez mais difícil!

A ESCRITA E A INTERNET - UMA ESCRITA OUTRA?


Há hoje várias evidências que indicam ter a internet um efeito sobre a forma como o nosso cérebro processa a informação que dela retira. 
A história da literatuta e da filosofia mostram que a tecnologia usada em dado momento para expandir o pensamento e a memória é agente modelador de todo não desprezível. E a internet não é excepção.
Dados recentes provenientes das neurociências e fundamentados pelas novas tecnologias de imagiologia cerebral, indicam que a neuroplasticidade permite que o cérebro dos internautas (independetemente da idade e sexo) se ajuste à nova tecnologia e faça uso de outros padrões de actividade neuronal! 
Assim, a internet parece estar rapidamente altera a forma como pensamos e nos relacionamos com as fontes de conhecimento. Será que também altera a forma como escrevemos e o que escrevemos? E os editores de textos (word e companhia) que nos corrigem automaticamente, diminuindo a nossa atenção sobre a ortografia e a semântica, será interferem no processo e no produto final da escrita? É neste contexto que se enquadra a conversa/debate que agora e aqui se publicitam (através da internet!)
António Piedade


Past Perfect?


http://www.democracyjournal.org/28/past-perfect.php?page=all

how do we explain such major patterns as China's dominance in technology and prosperity in the fifteenth century, then its enduring economic and social backwardness for five centuries, and then its meteoric rise over the last 30 years? Any reasonable account of China's economic and social history must place changes in the social organization and institutions of the country as the most important factor explaining these very significant ups and downs.

(via Instapaper)

Margaret Thatcher: Freedom fighter


http://www.economist.com/news/leaders/21576094-now-especially-world-needs-hold-fast-margaret-thatchers-principles-freedom-fighter?fsrc=rss%7Clea

She privatised state industries, refused to negotiate with the unions, abolished state controls, broke the striking miners and replaced Keynesianism with Friedman's monetarism. The inflation rate fell from a high of 27% in 1975 to 2.4% in 1986. The number of working days lost to strikes fell from 29m in 1979 to 2m in 1986. The top rate of tax fell from 83% to 40%.

(via Instapaper)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Bitcoin and the illusion of money


http://www.bbc.com/future/story/20130412-bitcoin-and-the-illusion-of-money/

Writing in 1976, Fredrich Hayek argued in The Denationalization of Money for the removal of the legal obstacles preventing people from using any kind of money they wanted, thus creating a kind of global battle between different rival systems.

"We have always had bad money," Hayek argued "because private enterprise was not permitted to give us a better one." No government has yet has acted on Hayek's faith in the power of the open market. The world, though, may already have embarked on just such an experiment.  Betting against Bitcoins is one thing. But the change they represent packs quite a punch – and, with conventional finance on the ropes, it's still anybody's fight.

(via Instapaper)

Hacktivists as Gadflies


http://opinionator.blogs.nytimes.com/2013/04/13/hacktivists-as-gadflies/

In a world in which nearly everyone is technically a felon, we rely on the good judgment of prosecutors to decide who should be targets and how hard the law should come down on them. We have thus entered a legal reality not so different from that faced by Socrates when the Thirty Tyrants ruled Athens, and it is a dangerous one. When everyone is guilty of something, those most harshly prosecuted tend to be the ones that are challenging the established order, poking fun at the authorities, speaking truth to power — in other words, the gadflies of our society.

(via Instapaper)

A poesia é precisa nas escolas

"Deixem-me começar assim: Precisamos de poesia. Precisamos, mesmo. A poesia faculta a literacia, constrói um sentido de comunidade e contribui para a resiliência emocional. Ela pode ultrapassar fronteiras que mais nada consegue. Abril é o Mês Nacional da Poesia. Integrem alguma poesia no vosso coração, casas, salas de aulas e escolas."
Assim começa um texto de uma senhora que se chama Elena Aguilar. As suas palavras reportam-se ao ensino americano, mas servem perfeitamente para o nosso. As cinco razões que indica para incluir a poesia nas escolas são universais.

Pode ler o texto aqui.

O que é inovar?


Informação recebida do Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra. Henrique Madeira é proefssor de  Engenharia Informática e vice-reitor para a área da inovação na Universidade de Coimbra.

domingo, 14 de abril de 2013

"Reviravolta" no ensino das clássicas?

Boris Johnson, como presidente da câmara de Londres tem incentivado 
ensino da cultura e línguas clássicas nas escolas básica (Photo: TELEGRAPH)
Diversos países europeus e americanos por reconhecerem a importância do ensino das línguas e culturas clássicas têm conseguido mantê-las no currículo escolar, mesmo quando todos ventos "pseudo-pedagógicos" sopram a desfavor.

Esses ventos. como é sabido, orientam a aprendizagem predominantemente para a aquisição de competências práticas, concretas, com sentido e utilidade "no" e "para" o quotidiano dos alunos. Isto, diz-se, como resposta a necessidades de integração social e laboral, de promoção da "igualdade de oportunidades".

Ora, é por demais evidente que a aprendizagem de conteúdos da Antiguidade não responde directamente a estes requisitos, ou não responde da maneira como se espera que responda, logo terá de cair na categoria de irrelevante. Ou pior, associando-se-lhe um carácter abstracto e erudito, recaíndo sobre ela a suspeita de desrespeito pela origem étnica dos sujeitos e pelo seu contexto vivencial mais imediato.

Resistindo a esse discurso fortemente ideológico, vários são os países ocidentais em que, quando o Estado se demitiu de assegurar o ensino clássico, autarquias, escolas (sobretudo privadas) e associações diversas tomaram a dianteira.

Um exemplo digno de registo é Inglaterra, onde nos últimos anos muitas escolas básicas, num esforço para aumentar a qualidade da aprendizagem, passaram a proporcionar latim e grego antigo aos seus alunos e isto desde os sete anos de idade.

Pretende-se agora que, a partir de 2014, todas essas escolas tenham o ensino de línguas, e entre elas estão essas duas. Isto com a intenção de se conseguir uma base em gramática, sintaxe e vocabulário capaz de apoiar os processos de compreensão dos alunos.

É justo que se diga que esta "reviravolta" no ensino clássico deve muito à sociedade que, nas pessoas de autarcas, directores de escolas, professores, pais... que têm resistido à tendência de terraplanagem de áreas curriculares fundamentais, legitimada pelos mais altos responsáveis pela educação.

Maria Helena Damião e Alexandra Azevedo

Texto escrito a partir de dois artigos de Graeme Paton, editor de educação do The Telegraph, datados de 
Março de 2010 e de Novembro de 2012, que podem consultar-se aqui e aqui.

O ESTUDO DAS ROCHAS MAGMÁTICAS EM PORTUGAL (2)

Texto do Professor Galopim de Carvalho, na sequência de que outro antes aqui publicado.


Edifício do antigo Convento de Jesus, na Rua da Academia das Ciências de Lisboa, onde, no 2.º andar, se abre ao público o Museu Geológico do LNEG e onde, na viragem do século XIX ao XX, nasceu a petrografia portuguesa.
É num ambiente de franco desenvolvimento da petrografia alemã e também da francesa, com evidentes reflexos em Portugal, que ganha relevo a figura do português Engº. Vicente de Souza-Brandão (1863-1916). Para além do nome e do prestígio que lhe são devidos como mineralogista, este petrógrafo de muito saber, entre outras cadeiras, estudou em Coimbra, Mineralogia, Geologia e Arte de Minas, onde teve como professor o ilustre lente Doutor Gonçalves Guimarães.

Estagiou depois em Paris, na École des Mines, e cursou engenharia de minas em Freiberga, na Alemanha. Regressado ao país, Souza-Brandão sucedeu a Alfredo Bensaúde na chefia da Secção de Mineralogia e Petrografia da Direcção de Trabalhos Geológicos, no edifício do antigo Convento de Jesus, onde hoje se abre ao público o Museu Geológico Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), herdeiro da citada Direcção de Trabalhos Geológicos. Pelo seu labor, este português atingiu notável domínio nas técnicas de identificação microscópica de minerais e rochas, tendo conseguido que os fabricantes de microscópios «Fuess» lhes introduzissem significativas alterações, tendo mesmo lançado no mercado, em 1911, o então chamado «Microscópio Mineralógico Souza-Brandão», ao mesmo tempo que, na revista Zeitschrift, publicava a notícia “Neuy Grosses Mikroskop, model Ib nacht Souza Brandão”.

Entre os estudos que nos deixou, relativos a rochas de várias regiões do país, distinguem-se os das rochas hiperalcalinas de Alter Pedroso, no Alto Alentejo. Deve-se-lhe ainda o conhecimento do espichelito [1], um tipo de rocha filoniana, novo para a ciência, descrito em 1907, cujo nome evoca o Cabo Espichel, a região da respectiva proveniência.

Com o desaparecimento de Souza-Brandão apagou-se também por alguns anos o fulgor que vinha avivando a petrografia portuguesa. Nos começos do século XX destaca-se o primeiro estudo petrográfico da Ilha da Madeira, da autoria do alemão G. Gagel, dado à estampa em 1914, sendo curioso salientar a descrição de um novo tipo de rocha próxima dos peridotitos, a que o autor deu o nome de madeiraíto [2].

No mesmo ano, K. A. Osann e um seu aluno, O. Umhaeur, retomaram o estudo das rochas hiperalcalinas de Alter Pedroso, no Alto Alentejo, e descreveram um tipo mais escuro a que deram o nome de pedrosito [3].

Em Coimbra, o Prof. Anselmo Forjaz de Carvalho (1878-1955) fundava, em 1921, a revista «Memórias e Notícias», onde se arquiva parte importante da investigação científica nacional no domínio da petrologia ígnea, entre outras não menos importantes. Este lente, que foi director do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico daquela Universidade, de 1919 a 1948, deixou-nos, entre muitas publicações, “Modernas Ideias sobre a Acção Ígnea” (1915).

Sem esquecer o papel do Prof. F. Fouqué, nomeadamente na orientação dos estudos de Canto e Castro (1887) e de Rego de Lima (1890), deve salientar-se de forma especial Alfred Lacroix, não só como grande vulto que foi na petrografia mundial, como pela influência que teve no curso desta área de investigação científica em Portugal, quer em virtude da facilidade de penetração da língua francesa entre nós, quer ainda pelos estudos que ele próprio levou a cabo sobre rochas do nosso território. Neste capítulo descreveu novos tipos de rochas magmáticas a que deu designações relacionadas, ou com o nome de Portugal, o lusitanito [4], um sienito hiperalcalino, descrito em 1916, proveniente da região de Alter Pedroso, ou com o local de proveniência, como é o caso do algarvito [5], de Monchique, no Algarve e do mafraíto [6], uma outra rocha cujo nome evoca, erradamente, Mafra. Esta rocha é, sim, proveniente do rio Touro, na serra de Sintra, tendo a confusão resultado da troca das amostras enviadas por Paul Choffat a Lacroix.

A importância do maciço de Monchique, no contexto da petrografia mundial, mais uma vez trouxe até nós grandes especialistas como o alemão E. Kaiser, que voltou a estudar este notável acidente geológico, considerando-o, primeiro, como um lacólito e depois com um facólito. A este trabalho seguiu-se, em 1926, um outro da autoria do Prof. F. L. Pereira de Souza (1870-1931), da Faculdade de Ciências de Lisboa e director do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico anexo a este estabelecimento de ensino, hoje integrado no Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Como petrógrafo, Pereira de Sousa estudou diversos tipos de rochas magmáticas das orlas mesocenozóicas ocidental e algarvia. Seguiu-se-lhe, na mesma instituição, o Prof. A. A. d’Oliveira Machado e Costa (1870-1952), em cuja obra constam algumas referências aos ofitos [7] e teschenitos [8] portugueses e apontamentos sobre a ocorrência de basaltos da região de Lisboa a que chamou “monumentos da arquitectura eruptiva”.

Foi ao tempo do Prof. Machado e Costa, em 1914, já a antiga Escola Politécnica tinha dado lugar à Faculdade de Ciências de Lisboa, que aqui surgiu a cadeira intitulada Mineralogia e Petrologia.

Entretanto, na Universidade de Coimbra, o Prof. José Custódio de Morais estudava a petrografia das regiões de Leiria e de Elvas, bem como das ilhas da Madeira, Porto Santo e Selvagens, cujos resultados nos deixou nas já referidas Memórias e Notícias, iniciadas em 1921. Anos mais tarde, em 1929, o suíço C. Burri voltou a estudar os sienitos sódicos de Alter Pedroso., mais conhecidos por sienitos hiperalcalinos.

Também em Coimbra, o professor catedrático jubilado, João Manuel Cotelo Neiva, nascido em 1917 e, felizmente, ainda entre nós, deixou obra feita na petrografia das rochas ultramáficas da região de Bragança, tendo proposto três novos nomes para as variedades que distinguiu, abessedito, boqueirito, e bragancito, alusivos, respectivamente, à mina de Abessedo, ao Monte Bougueiro e à dita região. Estes nomes não vingaram, tendo caído em desuso.

Nessa altura era grande o interesse pelo Complexo Vulcânico de Lisboa-Mafra, então referido por Complexo Basáltico de Lisboa. Surgiram, assim, os trabalhos baseados em observações no terreno realizados por Georges Zbyszewski e Amílcar de Jesus, nos anos 50, António Serralheiro, mais recentemente, e os estudos petrográficos do mesmo complexo levados a cabo por J. Brak-Lamy, alguns dos quais em colaboração com Carlos. F. Torre de Assunção (1901-1987), professor da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Prof. Carlos. Fernando Torre de Assunção (1901-1987)
Este ilustre docente e investigador, que se seguiu ao Prof. Machado e Costa, foi temporariamente afastado das suas funções, durante o Estado Novo, por motivos de natureza ideológica. Fez obra vultuosa e inovadora e deixou discípulos com importante trabalho realizado.

No que se refere às rochas plutónicas integradas no soco hercínico, com larga representação no norte e centro do país e ainda no Alto Alentejo, sem dúvida o conjunto de rochas magmáticas com maior extensão em termos de área ocupada, muitos foram os estudiosos que delas se ocuparam, a partir da década de 1940. Evocamo-los com breves referências, num gesto de homenagem pelo saber que nos legaram. São desta época os professores Judite dos Santos Pereira e Miguel Montenegro de Andrade, da Universidade do Porto, Carlos. F. Torre de Assunção da Universidade de Lisboa, A. V. Pinto Coelho, da ex-Junta de Investigações do Ultramar, os holandeses Oen Ing Soen e L. J. G. Schermerhorn, dois geólogos holandeses de muito prestígio, e a petrógrafa francesa Elisabeth Jérémine, cujo nome fica igualmente ligado ao estudo do eucrito de Chaves, um meteorito da classe dos acondritos, recolhido em Vila Verde da Raia, em 1925. 

Dos petrógrafos da minha geração, e são muitos, na maioria retirados, e dos que hoje estão na força da respectivas investigações, outros falarão mais tarde.
Serra de Sintra, “uma jóia da petrografia portuguesa”
Notas

1. Espichelito - Lamprófiro mesocrático, analcímico, com horneblenda, augite, olivina, magnetite, calcite e pirite, nos fenocristais, e labradorite, ortoclase, horneblenda, augite, analcima, biotite e apatite, na pasta, descrito em filões do Cabo Espichel (Portugal). 
2. Madeirito - Rocha granular holomelanocrata, afim do peridotito, descrita em Porto da Cruz, na Ilha da Madeira. Inicialmente considerado como uma fácies ultrabásica dos essexitos, foi posteriormente interpretada como uma diferenciação do basalto local. O mesmo que madeiraíto.
3. Pedrosito - Sienito hiperalcalino, holomelanocrata, rico em anfíbola sódica (riebeckite). 
4. Lusitanito - Sienito hiperalcalino, mesocrata, com riebeckite e aegirina.
5. Algarvito - Rocha filoniana, afim dos niligongitos e dos melteijitos, intruída no sienito nefelínico de Monchique. Contém diópsido aegirínico, biotite, nefelina e sodalite, com ou sem ortoclase. Termo proposto por Lacroix, em 1922, caído em desuso. 
6. Mafraíto - Rocha granular (plutonito) grosseira, afim dos gabros e dos teralitos, com fenocristais de anfíbolas (kaersutite e barkevicite), de titanaugite violácea e de labradorite. Contém, ainda, em menores percentagens, biotite, horneblenda verde fibrosa, esfena e magnetite. Descrita por Lacroix, em 1920.
7. Ofito - Dolerito com textura ofítica, própria de uma rocha hipabissal de composição dolerítica, na qual os cristais de augite são penetrados por agulhas de plagioclase. No final do século XVIII, ofito era sinónimo de pórfiro verde.
8. Teschenito - Variedade de teralito com analcima, descrito em Teschen, no Sul da Polónia, em 1861. 

Galopim de Carvalho

sábado, 13 de abril de 2013

Não é o primeiro caso, não será o último

Na contemporaneidade, no mundo ocidental, escolarizado, ordenado e asséptico, exploram-se, até onde a imaginação pode alcançar, corpos e sentimentos para gáudio, diversão, júbilo público... Em estúdios de televisão, em casas e espaços fabricados para o efeito ou já existentes... põem-se umas pessoas a participar em situações delicadas e outras a assistir.

Essas situações são pensadas, planificadas, incentivadas, exploradas e mostradas ao mundo (com a garantia, por via das novas tecnologias, de ficarem eternamente acessíveis) as facetas menos humanos do Humano. Quem participa nelas ou quem a elas assiste fá-lo por vontade própria, diz-se. Logo, está tudo certo.

Afinal, o pensamento social vigente, que tudo relativiza e subjectiviza, embandeirando o slogan "o que vale para mim não vale para ti", cunha como "certo" apenas e só o que o deriva da "vontade do eu".

Sabem alguns que a "vontade do eu" é (sempre foi e sempre será) apetecivelmente manipulável, mas aqui há que distinguir os que, conscientes da integridade e respeito que são devidos a cada pessoa denunciam a manipulação (o que soa estranho); e os que... vivem (muito bem) disso e com isso.

Centremo-nos nestes últimos: "empresas" e audiências".

As empresas usam uma receita extraordinariamente simples. Quanto mais escabroso, mais audiências e quanto mais audiências mais dinheiro a correr. Sem barreiras axiológicas, a sua imaginação não encontra barreiras. Quanto às audiências, essas sobem a cada patamar de desumanidade. As audiências têm a crueldade que têm, depressa se saciam e querem mais e mais.

Neste "harmonioso" rolar, chegámos a programas de televisão, do género reality show, que se vangloriam de pôr os concorrentes no limite das suas possibilidades físicas e mentais. São os programas de sobrevivência.

Num deles, recente, um concorrente não sobreviveu a um ataque cardíaco. Tinha 25 anos. Como se pode deduzir,  neste cenário, uma morte em directo, é o máximo. O coração deslambido das audiências faz disparar os números. Um sucesso.

Mas o que pode ser melhor do que uma morte? Duas mortes, obviamente! E, foi isso que aconteceu com o suicídio do médico que assistia os concorrentes. Tinha 38 anos. A carta que deixou dá a entender que não aguentou a suspeita de negligência que imediatamente recaiu sobre ele.

Uma certa comunicação social, que propaga estes programas e proporciona a tal fama de 15 minutos depressa estende o dedo da acusação para, claro está, satisfazer a sede de sangue das tais audiências.

O dito programa "apesar da popularidade" (detenhamo-nos nestas três palavras) vai ser cancelado, afirmaram os responsáveis por ele. É uma deliberação que não nos deve impressionar nem descansar.

Se nada for feito novos programas, ainda mais degradantes, surgirão. A destruição de pessoas, com muitos outros antecedentes, continuará. Talvez deva ser o próprio poder político a intervir, uma vez que as instâncias que regulam a comunicação social parecem não dar sinal de existência.

Nesta sequência, aministra da Cultura e Comunicação de França declarou a necessidade de se regulamentarem os espectáculos realistas "de modo a preservar a dignidade dos seres humanos, dos participantes e dos telespectadores".

Outros textos sobre o assunto, publicados no De Rerum Natura:
aquiaquiaqui aqui

Para escrever este texto tomei como referência as notícias dos jornais:
- Expresso on-line (aqui).
- Diário de Notícias, edição de 11 de Abril de 2013, página 51.

O PAPEL DA ANALOGIA NA ARGUMENTAÇÃO

Informação chegada ao De Rerum Natura.

Colóquio Internacional THE ROLE OF ANALOGY IN ARGUMENTATIVE DISCOURSE

Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 3-4 de Maio de 2013.

Organização: Grupo de investigação “Ensino de lógica & argumentação” da unidade de investigação “Linguagem, interpretação e filosofia”, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com sede na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

O programa, para além da área teórica e/ou meta-conceptual sobre a definição e caracterização do raciocínio analógico e respectiva importância para o discurso argumentativo, cobre outras tão diversas como o papel da analogia na literatura, na ciência, na filosofia, no direito, na política e na prática clínica.

A participação de todos os interessados é bem-vinda.

Why Joe Barton's biblical flood comment is so illogical

http://www.csmonitor.com/Science/2013/0411/Why-Joe-Barton-s-biblical-flood-comment-is-so-illogical

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...