quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O FLUIR DO TEMPO CELULAR


Crónica publicada no "Boas Notícias".

Henrique observa ao microscópio óptico uma gota de sangue. É fantástico o número elevado das células de cor vermelha que dão cor ao sangue. São glóbulos vermelhos, também designados por eritrócitos ou hemácias. Praticamente não consegue observar nenhum outro tipo de célula naquela amostra.

Henrique olha para o quadro interactivo na parede da sala de aula e lê que num microlitro de sangue existem entre cerca de 4,5 a 6,5 milhões de glóbulos vermelhos! Ou seja, em dois microlitros de sangue existe mais ou menos o mesmo número de células do que habitantes em Portugal!

Henrique olha de novo para a amostra de sangue através do microscópio. Apesar de cada eritrócito medir cerca de 0,007 milímetros (7 micrómetros), com a ampliação combinada das lentes oculares e objectivas do microscópio, consegue ver as células com um diâmetro aparente de cerca de 3,5 milímetros. Foca a sua atenção numa delas e observa que o glóbulo vermelho é uma célula sem núcleo. Todo o interior daquelas células em forma de disco bicôncavo parece homogéneo, como se todas as substâncias no seu interior estivessem igualmente distribuídas.

Henrique regressa com o seu olhar ao quadro interactivo e lê, numa legenda sobre o interior do glóbulo vermelho, que o seu citoplasma é constituído maioritariamente por hemoglobina, uma proteína que possui na sua constituição átomos de ferro e que é responsável pelo transporte de oxigénio desde os pulmões até todas as células do corpo.

Quanto tempo demora essa viagem? Quanto tempo é o carrossel sanguíneo, uma volta completa ao corpo? Depende de vários factores, sendo mais determinante o número de vezes que o coração bate e impulsiona o sangue num determinado período de tempo. Num adulto, com uma frequência de 70 batimentos por minuto, um glóbulo vermelho demora cerca de 20 segundos a percorrer a vascularização sanguínea que leva oxigénio desde os pulmões até a um dedo do seu pé e voltar de novo aos pulmões para se libertar do dióxido carbono produzido pelo funcionamento celular e renovar o seu carregamento oxigenado.

Como uma hemácia vive em média 120 dias, Henrique calcula mentalmente que cada uma destes discos celulares passa cerca de 500 mil vezes pelo seu coração até ser substituído por outro glóbulo vermelho gerado na sua medula óssea, num processo designado por eritropoese.

Com tanta volta, Henrique quase que se esquece do motivo principal da observação dos glóbulos vermelhos: a admiração encontrada num artigo publicado na revista Nature, no dia 27 de Janeiro de 2011, no qual investigadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, apresentam resultados da sua investigação sobre ritmos circadianos registados em eritrócitos!

Porquê a admiração? Porque até aqui os cientistas ligavam os ritmos circadianos a processos cíclicos envolvendo transcrição oscilatória de determinados genes. Ora acontece que, como Henrique conseguiu observar, os glóbulos vermelhos não têm núcleo, ou seja são células desprovidas de cromossomas e logo de genes!

O que são ritmos circadianos? São, ou melhor, resultam de processos fisiológicos celulares, constituindo uma propriedade fundamental das células, existindo quer em bactérias, como as que colonizam o nosso intestino, quer em células humanas com núcleo, com um período ritmado de aproximadamente de 24 horas. Constituem uma adaptação que confere vantagem evolutiva pela antecipação ajustada ao relógio solar.

A novidade deste estudo, é o de que os investigadores conseguiram identificar oscilações cíclicas, com um período de aproximadamente 24 horas, em reacções de oxidação redução promovidas por proteínas antioxidantes designadas por peroxiredoxinas, que existem no interior dos glóbulos vermelhos. Verificaram que este processo está também associado à oxidação da hemoglobina.

Mais interessante ainda é o facto de que estas proteínas, envolvidas na regulação e protecção de danos causados por stress oxidativo, a que o transporte de oxigénio não é alheio, existem em quase todas as células conhecidas, quer eurcariotas, como as humanas, quer procariotas como as bactérias.

Henrique foca a imagem ampliada de um grupo de hemácias e imagina, divertido, que ouve milhões de relógios a viajar pelo seu corpo, num carrossel finito no espaço, infinito no tempo, sincronizados pela rotação da Terra em torno do seu eixo, numa volta de 24 horas.

António Piedade

A apreensão de Dwight Eisenhower


“Filmem e fotografem o máximo possível,
pois pode ser que um dia digam que nada disso aconteceu.”
Dwight Eisenhower

Os campos de concentração de Auschwitz foram fechados há sessenta e seis anos. Foi no dia 27 de Janeiro de 1945. A cada ano que passa a memória desse dia e de muitos outros de que não nos devíamos jamais esquecer, torna-se mais ténue.

A apreensão de Dwight Eisenhower, general do exército americano, comandante das Forças Aliadas na Segunda Grande Guerra, ganha sentido.

Nem outra coisa seria de esperar, pois quem deve manter a memória histórica, a memória da humanidade viva, de modo que todos a partilhem, falha redondamente a tarefa. Refiro-me à escola, em primeiro lugar.

Mas não se aponte o dedo apenas à escola, que é a instituição a quem sociedade há muito delegou a tarefa de ensinar. Paradoxalmente, é essa mesma sociedade que nega à escola o dever de ensinar... o drama é que a escola consente...

NOTA: Sobre o assunto, leia-se aqui um texto de Palmira Silva e dois outros aqui e aqui .

História Breve da Música Ocidental


Informação chegada ao De Rerum Natura:

Irá decorrer no próximo dia 02 de Fevereiro, às 18h30, na livraria Leya na CE Buchholz (Rua Duque de Palmela, 4, Lisboa), o lançamento da obra História Breve da Música Ocidental, da autoria de José Maria Pedrosa Cardoso.

A apresentação do livro ficará a cargo do Professor Doutor Mário Vieira de Carvalho.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os conteúdos online dos jornais portugueses devem ser pagos pelo leitor?


A minha contribuição para o think thank Contraditório, acerca da tema:

Acho que a questão que está subjacente a este debate é qual é o futuro do jornalismo. É evidente que ninguém irá pagar por conteúdos que possa ter gratuitamente ou que não tenham um valor objectivo para si. E mesmo que a diferença exista, entre o pago e o gratuito, ela pode não ser suficiente.

Veja-se o caso da enciclopédia Britannica (em vários volumes em papel), que tinha sem duvida muito mais informação do que a Encarta da Microsoft (em CD-ROM), e que custava a mesma coisa do que um computador pessoal (que vinha já com a Encarta). A Britannica, como a conhecíamos, desapareceu, a Encarta também desapareceu e hoje temos a wikipedia.

Uma possibilidade - levantada há mais de dez anos quando as tecnologias de informação estavam mesmo na moda e todos achavam que iam ficar ricos com os banners publicitários na Internet (afinal ficou só o google) - é que os mediadores entre os produtores de conteúdos e o público passarão a ser plataformas tecnologias sistemáticas de agregação de conteúdos, passando cada consumidor a ser o seu próprio editor. Isto dita o fim da industria discográfica, das distribuidoras de filmes, dos jornais, etc. Os leitores poderiam escolher subscrever um determinado jornalista (que já não trabalha num jornal) pagando por isso algo que apenas paga o jornalista e uma comissão à plataforma agregadora (o Google News ou a Apple Store, por exemplo), que é quem passa a ter o poder.

Não sei se isto é bom, nem se é o que vai acontecer. Mas não posso deixar de pensar que o futuro das notícias não seja de editores e projectos editoriais, mas de programadores e plataformas tecnológicas. E que o consumidor irá continuar a pagar: seja com um valor monetário (apenas para os jornalistas e autores que escolher e não para um pacote editorial) ou seja com os seus dados pessoais e preferências de consumo.

O caso da wikileaks também merece reflexão. Por um lado ilustra bem como a programação pode esvaziar em grande medida o poder dos editores e jornalistas passando-o para os agregadores sistemáticos de conteúdos. Por outro lado, com desenvolvimentos recentes, a propria wilileaks a fazer acordos com jornais de vários países, a edição e análise jornalista sai revalorizada.

Penso que a transferência do modelo de negócio dos jornais em papel para o on-line é improvável. Surgirá outro modelo de negócio, que poderá ter diferenças significativas em relação ao que é o jornalismo actual. Penso que haverá sempre algo parecido com jornalistas locais em Portugal, que podemos subscrever talvez através do iTunes, agora já não tenho a certeza quanto a jornais portugueses.

Presidente



Vejam este discurso de OBAMA sobre o Estado da União (2011). Vejam o que disse sobre energia, inovação, educação, economia, iniciativa, emprego, empreendedorismo, justiça. Vejam o que disse sobre os professores: "Queres mudar a vida do teu país, torna-te professor". Que sorte tem um país em ter um presidente assim.

Uma Vida de Poeta

Na sequência da cerimónia de doação do espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen à Biblioteca Nacional de Portugal, será hoje inaugurada uma exposição sobre a vida e obra da poetisa. Paula Morão e Teresa Amado são as comissárias, que assim apresentaram o seu trabalho:

"Tivemos o gosto de comissariar, a convite de Maria Sousa Tavares e da Biblioteca Nacional de Portugal, a exposição apresentada por ocasião da entrega do espólio de Sophia ao Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea. Seleccionámos as peças que a compõem, a partir de uma pré-selecção feita por Maria Sousa Tavares. Trata-se de manuscritos de correspondência entre Sophia e família ou amigos, de poesia e de prosa, em cadernos e em folhas soltas, onde há textos rescritos, versões acabadas e outras de trabalho em curso ou simplesmente começadas; há também impressos, vários dos quais com emendas autógrafas, e fotografias.
Além destes documentos, indicativos da diversidade e da qualidade do espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen, a exposição contém outros conjuntos de objectos que os complementam. Por um lado, primeiras edições e uma escolha de edições ilustradas. Por outro, peças de artistas plásticos e de fotógrafos oferecidas a Sophia pelos seus autores e que em muitos casos ilustraram edições de livros seus. E, finalmente, insígnias recebidas por Sophia em sinal do reconhecimento público que por diversas vezes lhe foi testemunhado e que fica a fazer parte da sua história.
O princípio geral de ordenação das peças expostas e do catálogo que lhes corresponde é o da cronologia; mas este critério dominante não foi aplicado de maneira rígida, porque entendemos fazer associações sugeridas por considerações de outra ordem entre peças e documentos diversos: por exemplo, aproximámos versões de um mesmo texto escritas em diversos suportes e em momentos distantes entre si, ou estabelecemos nexos entre fotografias e escritos.
Esta exposição, tal como o catálogo que agora se edita, pretenderam ser uma aproximação à vida e à obra de Sophia, construída a partir do seu espólio. Esperamos ter, de algum modo, atingido esse objectivo."

Obrigada


Devemos declarar o dia de hoje, 26 de Janeiro de 2011, como um dia feliz. É um dia em que Portugal fica mais rico, e o mundo que ama a poesia também: o espólio literário de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi doado pela sua família à Biblioteca Nacional. A cerimómia oficial será mais logo, às quatro horas da tarde.

Permanece, assim, seguro para o futuro este legado, haverá quem o ordene, o torne acessível a todos os que o quiser investigar, resultando daí o seu conhecimento mais alargado e mais profundo.

Falando em nome próprio e no nome de De Rerum Natura, agradeço a todos os que tornaram possível esta partilha, em especial a Maria Andresen, filha de Sophia.

Público esclarece golpe publicitário mais deprimente do ano

O Público esclareceu a treta da notícia do dia mais deprimente do ano, publicada por vários jornais portugueses (entre os quais o Público) num texto assinado por Ana Gerschenfeld. Já era tempo!

O golpe publicitário mais deprimente do ano
Por Ana Gerschenfeld

Aqui vai a explicação do que está por detrás do chamado Blue Monday, com muitas aspas à mistura.

A dita “fórmula” foi oportunamente “inventada”, em 2005, por Cliff Arnall, na altura docente da Universidade de Cardiff, para uma campanha publicitária de uma agência de viagens entretanto encerrada, a Sky Travel. A ideia, da autoria de uma agência de comunicação empresarial, a Porter Novelli, era que um “cientista” desse o seu aval (mediante pagamento) à dita fórmula para fazer aumentar a venda de viagens para paragens menos deprimentes.

Já em Novembro de 2006, Ben Goldacre, do Guardian, escrevia nas páginas daquele jornal britânico acerca de Arnall: “É provavelmente o mais prodigioso de todos os produtores de ‘equações’ da treta.” E acrescentava que “as equações de Cliff Arnall são estúpidas e algumas até nem conseguem fazer sentido em termos matemáticos”.

Diga-se de passagem que o diário foi levado a publicar, na semana seguinte, uma declaração da Universidade de Cardiff a dizer que Arnall já não trabalhava naquela instituição desde Fevereiro de 2006.

O próprio Arnall não nega a sua impostura. Num outro artigo publicado por Goldacre, pouco antes do Natal de 2006 – onde o autor chegava ao ponto de apelidar Arnall de “prostituta empresarial” (“corporate whore”) –, o jornalista contava que o “cientista” lhe tinha enviado um email a propósito da sua crónica anterior, informando-o de que tinha acabado de receber um cheque do grande fabricante de gelados Wall’s. A pedido da Wall’s, Arnall tinha inventado uma outra “fórmula”, desta vez para determinar o dia mais feliz do ano (que, já agora, calha supostamente em finais de Junho, na abertura, por assim dizer, da temporada dos gelados...).
O Público ainda reconheceu o erro:
PÚBLICO ERROU
Assim como vários jornais em todo o mundo, o PÚBLICO online noticiou, esta segunda-feira, a fórmula matemática através da qual o investigador da Universidade de Cardiff, Cliff Arnall identificava o dia 24 de Janeiro como o dia mais deprimente do ano. Baseamo-nos nas informações publicadas no Daily Telegraph que não referia o estudo como uma campanha publicitária. Na realidade, como a notícia acima mostra trata-se de um golpe publicitário que a imprensa insiste em publicar todos os anos desde 2005. Aos leitores, as nossas desculpas.
Assumir e corrigir um erro é sempre de elogiar. Esperemos que sirva para que 2011 tenha sido o último ano do dia mais deprimente em Portugal.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NOVA GAZETA DE FÍSICA

Informação recebida da Sociedade Portuguesa de Física:

Já se encontra publicado on-line em http://www.gazetadefisica.spf.pt
o último número da Gazeta de Física.

Trata-se de um número duplo dedicado a aplicações da Física à biologia e à medicina, com seis artigos sobre problemas diferentes, e progressos interessantes, nesta área tão decisiva na contribuição da física para a sociedade.

A Gazeta traz ainda muitas notícias sobre acontecimentos do ano findo.

Em particular,

- um artigo sobre o Prémio Nobel da Física, de Nuno Peres e João Lopes dos Santos, autores que conhecem bem os laureados de 2010 e a física do grafeno.

- a notícia por Jim Al-Khalili da apresentação do novo livro de S. Hawking, "The Grand Design", no Royal Albert Hall em Londres.

-o artigo de Carlos Fiolhais sobre "the portuguese connection" com a Royal Society em Londres, ligada a nomes como Isaac Newton.

"Last but not the least", a Gazeta regista o sucesso da participação portuguesa na XV Olimpíada Ibero-americana de Física, onde João Carlos Peralta Moreira da Escola Secundária Domingos Sequeira de Leiria foi premiado com uma medalha de ouro.

Desejamos a todos boas leituras.

Teresa Peña
Directora Editorial da Gazeta de Física

Afinal fazemos parte de uma rede pan-europeia-palopiana de combate ao desemprego

"Nós temos jovens licenciados desempregados: não está a querer mandá-los para as obras públicas?"


VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS



O último filme de Woody Allen, já nos cinemas portuguesas, é, além de uma comédia sobre o desfazer das relações humanas, também uma sátira sobre os impostores que pretendem enganar os outros através de pretensos poderes de adivinhação do futuro.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ATAQUE À CLASSE MÉDIA

Um dos nossos leitores fez-nos chegar este Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV extraído da peça de teatro Le Diable Rouge, de Antoine Rault:

"• Colbert: Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar [o contribuinte] já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é que é possível continuar a gastar quando já se está endividado até ao pescoço…

• Mazarino: Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão. Mas o Estado… o Estado, esse, é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se… Todos os Estados o fazem!

• Colbert: Ah sim? O Senhor acha isso mesmo ? Contudo, precisamos de dinheiro. E como é que havemos de o obter se já criámos todos os impostos imagináveis?

• Mazarino: Criam-se outros.

• Colbert: Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

• Mazarino: Sim, é impossível.

• Colbert: E então os ricos?

• Mazarino: Os ricos também não. Eles não gastariam mais. Um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

• Colbert: Então como havemos de fazer?

• Mazarino: Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há uma quantidade enorme de gente entre os ricos e os pobres: os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tirámos. É um reservatório inesgotável."

AINDA OS PERIGOS DOS TELEMÓVEIS

Destaque para a coluna semanal do físico Robert Park, que continua a apontar o dedo à pseudociência:

"WIRELESS: BUSINESS IS THRIVING ON ALL SIDES OF THE ISSUE.

There are today 7 billion humans living on this tiny planet. According to recent figures, 5 billion of them have a cell phone (a “mobile” outside the US). Few of them have any idea how these incredibly complex devices work, making this the most attractive market on Earth. There are several ways to tap this incredible market without selling cell phones. You might, for example, sell books warning about the dangers of cell phones. More than a dozen books have been published in the last few years warning that the population problem might be solved the hard way, as cell phone users begin to succumb to cancer. When will this be? Cell phones have been in widespread use for about 10 years. According to Devra Davis, author of "Disconnect," the latency period for cell-phone cancer can be decades. This has revived the EMF paranoia that was set off two decades ago when the New Yorker ran a scientifically illiterate series by writer Paul Brodeur linking power-line fields to childhood leukemia. Although books linking cell phones to cancer enjoy brisk sales it does not seem to have dampened public infatuation with the cell phone. People can't imagine giving them up. It has, however, created a new industry: cell phone protection technology, such as the Q-Link Diode For Cell Phone & EMF Protection. This is too depressing to continue."

Robert Park

Dia da notícia da treta mais deprimente do ano


Hoje é o dia da habitual notícia de ciência da treta do início do ano, segundo a qual estamos no dia mais deprimente do ano!! Iupie, a partir daqui só pode melhorar. i, Publico, Radio Renascença e TVNet (pelo menos) deram esta notícia recorrente, a par dos seus embasbacados congéneres internacionais, que lhe chamam "blue monday". Esta é a notícia da treta mais deprimente do ano, segundo a fórmula (que eu inventei agora):

N/C + J/S

Em que N é o número de anos em que esta notícia vem sendo repetida nos media, C a credibilidade da afirmação, J o número de jornalistas que transcreve este press release e S o sentido crítico dos mesmos. É que não é preciso ter muita cultura científica para olhar para a fórmula apresentada pelo alegado psicólogo investigador (aliás não muito diferente da que eu inventei) e para a sua conclusão fabulosa, para torcer o nariz. Essa torcidela deveria desencadear uma pequena investigação, procurar referências na literatura ou, na ausência de tempo, pura e simplesmente abandoná-la. Convenhamos que não é informação com que não possamos viver (talvez seja útil para escolher o dia mais adequado para cortar os pulsos ou saltar da janela). Mas vivemos a ditatura do engraçadismo e uma coisa destas está de acordo com o regime.

Será que é para o ano que algum destes órgãos de informação averigua a credibilidade desta coisa antes de transcrever o press release?

Correcção: Um leitor atento fez-me chegar esta correcção à minha formula, que passo a transcrever e subscrever:

Como a credibilidade tende para 0, o primeiro termo tende para infinito e logo o segundo termo é desnecessário.

SOBRE O NOVO REITOR

O novo semanário "Cê" perguntou-me:

- Quais as expectativas para o futuro da Universidade com o novo Reitor?

E eu respondi:

- Einstein disse que nunca pensava no futuro, pois ele acabava por chegar mais cedo que pensava. A Universidade de Coimbra tem, agora, de pensar no futuro, para que ele chegue ainda mais cedo. Do próximo Reitor espero mais futuro já...

SUPER-ESCOLA ou o retrato da Escola portuguesa

Texto que nos chegou. O realismo torna-se, neste caso, humor... sério.

"Onde estão as melhores escolas do mundo? Claro! Está certo! Em... Portugal. Ora vejamos com atenção o exemplo de uma vulgar turma do 7.º ano de escolaridade, ou seja, ensino básico. Ah, é verdade, ensino básico é para toda a gente, melhor dizendo, para os filhos de toda a gente!

DISCIPLINAS/ÁREAS CURRICULARES NÃO DISCIPLINARES:
1. Língua Portuguesa
2. História
3. Língua Estrangeira I - Inglês
4. Língua Estrangeira II - Francês
5. Matemática
6. Ciências Naturais
7. Físico-Químicas
8. Geografia
9. Educação Física
10. Educação Visual
11. Educação Tecnológica
12. Educação Moral R.C.
13. Estudo Acompanhado
14. Área Projecto
15. Formação Cívica

É ISSO - CONTARAM BEM - SÃO 15. Carga horária = 36 tempos lectivos.

Não é o máximo ensinar isto tudo aos filhos de toda esta gente? De todo o Portugal? Somos demais, mesmo bons!

MAS NÃO FICAMOS POR AQUI!!!! A Escola ainda:
* Integra alunos com diferentes tipologias e graus de deficiência, apesar dos professores não terem formação para isso;
* Integra alunos com Necessidades Educativas de Carácter Prolongado de toda a espécie e feitio, apesar dos professores não terem formaçãopara isso;
* Não pode esquecer os outros alunos,'atestado-médico-excluídos' que também têm enormes dificuldades de aprendizagem;
* Integra alunos oriundos de outros países que, por as mais das vezes não falam um cu de Português, ou melhor, nem sequer sabem o que quer dizer cu.


Tem o dever de criar outras opções para superar dificuldades dos alunos, como:
* Currículos Alternativos
* Percursos Escolares Próprios
*Percursos Curriculares Alternativos
*Cursos de Educação e Formação


MAS AINDA HÁ MAIS...
A Escola ainda tem o dever de sensibilizar ou formar os alunos nosmais variados domínios:
*Educação sexual;
*Prevenção rodoviária;
*Promoção da saúde, higiene, boas práticas alimentares, etc. ;
*Preservação do meio ambiente;
*Prevenção da toxicodependência;
*Etc, etc...'peço desculpa por interromper, mas... em Portugal são todos órfãos?'(possível interpolação do Ministro da Educação da Finlândia).


Só se encontra mesmo um único defeito: Os PROFESSORES!!! Uma cambadade selvagens e incompetentes, que não merecem o que ganham, trabalham poucas horas (Comparem com os alunos! Vá! Vá! Comparem!!!). Têm muitas férias, faltam muito, passam a vida a desrespeitar e a agredir os pobres dos alunos, coitados! Vejam bem que os professores chegam ao cúmulo de exigir aos alunos que tragam todos os dias o material para as aulas, que façam trabalhos de casa, que estejam atentos e calados na sala de aula, etc... e depois ainda ficam aborrecidos por os alunos lhes faltarem ao respeito! Olha que há cada uma!

COM FRANQUEZA!!! Vale a pena divulgar ao maior número de pessoas (de preferência não professores) para que uma visão mais realista se comece a sedimentar. É bom que as pessoas percebam que ter filhos acarreta muita responsabilidade - não só a de os alimentar, vestir, comprar telemóveis, mp3, PC, como também, e principalmente: EDUCÁ-LOS!!!!!"

UM MUNDO IMAGINADO, MAS MUITO REAL



Crónica publicada no "Diário de Coimbra".

Em 1988, vivi de forma intensa e maravilhado “um mundo imaginado”. Uma experiência real de investigação científica através de um livro, com aquele título, então publicado na língua portuguesa pela Gradiva, editora que me ensinou a caminhar na ciência.

Linha após linha, página após página, eu, então jovem estudante de Bioquímica na Universidade de Coimbra, vivi 5 anos de uma história real e intensa de descoberta científica, num só fôlego, numa noite que se fez dia inúmeras vezes.

Vivi, através do relato rigoroso e apaixonado de June Goodfield, autora do livro, os dias e as noites sem horário, a entrega persistente e lúcida, os avanços e retrocessos, os obstáculos e os recuos, a alegria e o desespero silencioso do processo científico efectuado sob a linha do desconhecido por uma promissora cientista portuguesa a trabalhar nos Estados Unidos.

A cientista era a Bióloga Maria de Sousa, Professora Catedrática de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Jubilada em Outubro de 2009 (ver aqui vídeo da sua última aula) e agora homenageada pela Universidade de Coimbra com a atribuição do prémio desta instituição. Sublinho uma das inúmeras frases de referência que, nessa sua aula de jubilação, Maria de Sousa proferiu ao dizer, cito de cor, que ao longo da sua carreira só fez aquilo que sabia fazer: trabalhar!

A investigação em causa, uma caminhada árdua de cinco anos no Cornell Medical College, em Nova Iorque, na segunda metade da década de 70 do século passado e que produziu uma grande descoberta relacionada com o sistema imunitário, mais especificamente com o Linfoma de Hodgkin.

Mais do que um relato é um retrato vivo, com molduras que se abrem em novos quadros a cada obstáculo ultrapassado, com nevoeiros densos a dificultar a leitura de algumas derrotas, de becos aparentes que pareciam esfumaçar, com o folhear de uma página, anos de trabalho árduo.

Nesta hora de homenagem e reconhecimento da Universidade de Coimbra a esta sempre discreta mas incontornável referência do melhor da investigação científica, na sua área a nível mundial, realço a qualidade da sua dedicação ao trabalho científico, as descobertas que fizeram e fazem escola e que aparecem agora facilitados no tempo pela excelência da sua pessoa humana.

A enormidade da discrição enquanto pessoa contrasta abismalmente com a importância incontornável do seu trabalho científico. De referir que Maria Sousa produziu, desde 1960, artigos científicos cruciais à definição da estrutura funcional dos órgãos que constituem o sistema imunológico, descobrindo em 1971, um fenómeno que pode ser descrito pela capacidade de células imunitárias de diferentes origens migrarem e se organizarem em áreas bem determinadas dos órgãos linfóides periféricos, processo celular que designou e é conhecido por “ecotaxis”. Foi e é pioneiro o seu trabalho sobre a importância da homeostase do ferro no organismo e a relação das suas perturbações com várias patologias.


No capítulo da divulgação de ciência e da formação sobre o que é o dia-a-dia de quem faz ciência, deveria ser obrigatório ler este “Mundo Imaginado”, apesar de esgotado no editor (de June Goodfield, Gradiva, coleccção Ciência Aberta nº 9), para mim, e para muitos, um dos melhores livros sobre ciência e talvez o melhor sobre ciência em acção directa.

Para progredirmos temos de aprender com os exemplos dos melhores, independentemente da sua área. E no panorama da realização científica portuguesa das últimas décadas Maria de Sousa é incontornável. Ou, como ela com certeza corrigiria, o seu trabalho é que é incontornável.

António Piedade

Challenger: 25 anos depois.






A minha crónica semanal no jornal i. Esta semana, relembrando um momento negro da história da exploração espacial.


O relógio marcava 11h39 da manhã na Florida, EUA; eram 16h39 em Portugal continental. Uns minutos antes e ainda na manhã desse dia 28 de Janeiro de 1986, um jornalista da rádio que se encontrava relativamente afastado da rampa de lançamento 39B pergunta ao seu editor se podia fazer a cobertura em directo do lançamento de mais uma missão do vaivém, dessa vez o Challenger. Era o 25.o lançamento e a taxa de sucesso era triunfal, o que tornava o evento vulgar para os media. A resposta do editor parece-nos hoje pesarosamente irónica: "Telefona-nos só se rebentar"! E, 73 segundos após o lançamento, o mundo parou e não acreditou! A tripulação: Michael J. Smith, Dick Scobee, Ronald McNair; Ellison Onizuka, Gregory Jarvis, Judith Resnik e ainda Christa McAuliffe, a primeira professora no espaço, um poço de simpatia, a imagem da mulher exemplar, uma pura jogada (genial, diga-se) de marketing da NASA. Ao contrário do que a ensurdecedora desintegração (e não explosão) faz parecer que terão morrido apenas quando o compartimento onde viajavam embateu no oceano a mais de 320 km/h. Mais tarde, nas investigações, acrescentou-se uma nova entrada no vocabulário da tragédia: anel-O, um componente mecânico, um anel que, quando comprimido, facilita a união entre duas partes. Um desses anéis não estaria nas melhores condições devido ao frio gélido que se sentia no dia do lançamento. Foi há 25 anos... Onde estava quando o Challenger desabou?

domingo, 23 de janeiro de 2011

Os maus hábitos de trabalho dos alunos portugueses



“A maior paixão da humanidade é iludir a realidade” (Sigmund Freud, 1856-1939).


Da oportuna entrevista de Steiger Garção, professor da Universidade Nova de Lisboa, intitulada “Alunos trabalham pouco”, publicada no Expresso (22/01/2000), e transcrita em recente post de Helena Damião intitulado “As (boas) armadilhas pedagógicas”, na tentativa de obstar a uma das principais características de um tempo em que as pessoas se fecham nas suas divergências sem as discutir verdadeiramente para que a opinião pública as possa avaliar sem qualquer e indesejável parti pris, destaco duas questões:

1.ª - A introdução de aulas sujeitando algumas turmas a aulas teórico-práticas “com qualquer coisa parecida com as antigas chamadas do secundário”.

2.ª - O reconhecimento de os alunos “não serem maus nem pouco espertos, mas possuírem maus hábitos de trabalho provenientes do secundário”.

Saúdo a adopção de práticas colhidas no ensino secundário, mas, por outro lado, tenho, de certo modo, inquietante a exclusiva referência aos maus hábitos dos alunos do ensino secundário. Ao assacar-se este desastroso estado de preguiça exclusivamente aos alunos vindos do secundário, sem ter em conta a mochila anterior de uma crassa ignorância, corre-se o risco de tomar a nuvem por Juno atirando para as largas costas deste grau de ensino essa responsabilidade (único baluarte de um ensino sério e esforçado com exames nacionais de avaliação) quando o mal maior reside no contingente de alunos que entraram na Universidade com classificações negativas do secundário, sem o travão do extinto exame de aptidão que evitava que verdadeiros “analfabetos” transpusessem os umbrais da Universidade. Esta invasão de verdadeiros bárbaros nos claustros seculares e respeitáveis da Universidade Portuguesa mereceu a crítica pública do falecido professor catedrático de Letras da Universidade de Coimbra e homem prestigiado da Cultura, Aníbal Pinto de Castro. Em corajoso alerta, pediu ele com veemência: “Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os Asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados” (Diário de Coimbra, 27/11/2005).

Razão de justo louvor para com os professores do ensino liceal (actual ensino secundário), encontrei-a eu numa belíssima crónica, intitulada “O render dos heróis” , da professora universitária e festejada bióloga Clara Pinto Correia. Talvez porque, como escreveu Lacan, “o mundo das palavras cria o mundo das coisas”, começa ela por esclarecer “mesmo que liceu seja uma palavra que já se não usa, dá jeito, no caso vertente, para simplificar o discurso e toda a gente perceber a que é que ela se refere”. E continua ela: “A barbárie não anda longe. Nunca andou. É contra o seu fundo de trevas que se desenha o brilho da civilização. É nesse mesmo fundo que, de tempos a tempos, o brilho se dissolve e a escuridão total desce sobre a floresta. É cíclico. Já aconteceu antes. Mais que uma vez. . Não temos nenhuma razão, pelo contrário, para pensar que não volte a acontecer. Para evitar que assim seja temos nos professores do liceu a mais importante das nossas armas. Devíamos beijar-lhes as fímbrias do manto”.

Encontravam-se os então chamados professores do liceu (grau de ensino que ia do 5.º ao 12.º anos de escolaridade, numa terminologia dos nossos dias) habilitados com uma licenciatura universitária. Anos após o 25 de Abril, na fúria devastadora de romper com o passado, a docências dos actuais 2.º e 3.º ciclos do básico passou a ser desempenhada, simultaneamente, por licenciados universitários e das escolas superiores de educação tendo como forma de ingresso na docência apenas a nota de curso, estabelecendo-se, assim, um critério que não teve na devida conta a dificuldade e a exigência de cada um destas formas de habilitação como que em vassalagem ao princípio de quanto pior a formação docente melhor os resultados dos discentes. Ou seja, questionar a necessidade de uma exclusiva formação universitária para a docência sequente ao ensino do 1.º ciclo do básico (antigo ensino primário) foi facilitar o caminho às modernas (?) teorias pedagógicas assentes numa deficiente preparação científica desses agentes de ensino.

O mau uso das novas tecnologias da informação vieram secundarizar a consulta a bibliotecas escolares ou pessoais, informando, de imediato,e sem qualquer esforço de memorização, por exemplo, e descontado o exagero, os ignorantes da História de Portugal sobre o nome do primeiro rei da 1.ª dinastia, pano para mangas de intermináveis discussões. Razões do coração (como é sabido, o coração esconde os melhores e piores sentimentos ) em defesa do coitadinho que não estudou por carências económicas, excluindo, ab initio, situações de pura cabulice ou de querer entrar no mercado de trabalho, muitas vezes, ao serviço de simples extravagâncias de adolescentes, enquanto outros queimavam as pestanas em noites insones com dispêndio das bolsas dos progenitores, vieram agravar a situação. Interesses partidários ou sindicais que igualaram desiguais, mais não foram que punhais que rasgaram as fímbrias do manto do professor do actual ensino secundário em luta constante e denodada para que a escuridão total não desça sobre uma terra queimada, até, pela própria aberrante e nunca justificada crisma do ensino liceal para ensino secundário.

Se a esta enxurrada de alunos deficientemente preparados, que a universidade se viu coagida a aceitar, juntarmos o actual contingente de gente oriunda das ridículas "Provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos", deixadas ao livre critério das instituições de acolhimento que lutam por cêntimos para manterem à tona de água saldos deficitários ( em termos de contas de merceeiro e não do real valor da educação), como qualquer indivíduo que prestes a afogar-se luta por uma bóia de salvação, temos uma perspectiva do que se passa no ensino superior português escravizado a um novo rei Midas.

Julgo ter ficado bem claro que não defendo, de forma alguma, a impossibilidade de verdadeiros e excepcionais autodidactas (não aqueles, definidos pelo poeta brasileiro Mário Quintana, como “ignorantes por conta própria”) terem acesso honroso à Universidade. Bem pelo contrário! Apenas reprovo a extinção dos antigos e exigentes "Exames Nacionais de Acesso à Universidade", os também chamados “Exames Ad Hoc”. Embora tarde e a más horas (mas como diz o ditado “mais vale tarde do que nunca”), o ministro Mariano Gago, em medida de aplaudir, acaba de fechar esse portal de descarado acesso a indivíduos oriundos das "Novas Oportunidades".

Mas a verdadeira génese de maus hábitos de trabalho vem de anos de escolaridade anteriores, isto é, de um ensino do 1.º ciclo do básico que permite a passagem de alunos para o 2.º ciclo sem saberem ler, escrever ou contar, e deste ciclo para o 3.º continuando a passar e a terminar os estudos sem exigentes exames nacionais que avaliem e consubstanciem os diversos patamares de aquisição de conhecimentos, em desrespeito pelo princípio defendido por Saint-Exupéry: “Se cada tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção”.

E desta insólita forma, chega-se à triste situação do ensino universitário tentar recuperar as deficiências do actual ensino secundário ( repito, ainda o único baluarte de um ensino sério a cargo de gente séria que luta desesperadamente contra medidas legislativas em que são piores as sucessivas emendas do que o respectivo soneto) tornando a Universidade num escoador de detritos de ignorância originários das primeiras letras. Desta forma, são feitas orelhas moucas às palavras “loucas” de Maria Filomena Mónica: “Pela sua natureza, a universidade é uma instituição que deve ser frequentada pela aristocracia intelectual, que tem como vocação a universalidade e que deve adoptar como critério a exigência”.

Como nos avisa a gente simples mas sábia do povo, "quem torto nasce tarde ou nunca se endireita”. “Ora, o ensino em Portugal tarda em endireitar-se e mais tardará se continuarmos a percorrer o caminho do facilitismo que enche o ego dos nossos governantes que se preocupam com a percentagem da população escolar ou escolarizada, descurando a respectiva qualidade.

Ao serviço desta finalidade as estatísticas estão sempre à mão de semear porque, como disse o ministro da Educação do antigo regime Leite Pinto, “há duas maneiras de mentir: uma é não dizer a verdade; outra fazer estatística”. Ou seja, o prestígio da pátria passou a depender de estatísticas para consumo externo da Comunidade Europeia. E a pátria comovida aplaude e agradece aos seus aparentes benfeitores!

Ainda há escolas e professores

Seguindo a sugestão de um leitor, aqui reproduzimos, com a devida vénia, o texto da professora do ensino secundário Maria Nazaré Oliveira, divulgado no jornal Público de hoje e encontrado aqui. A pertinência dos problemas que levanta justificam uma ponderação muito atenta por parte da sociedade, em geral.

"Este ME está completamente perdido no meio dos atropelos que causou. Demonstra falta de conhecimento da realidade. Ainda há escolas e professores que se preocupam em dignificar a palavra democracia e que fazem a diferença pela sua postura cívica interventiva.

Escolas que, com toda a legitimidade, numa desejável colaboração institucional, não só criticam directrizes do Ministério da Educação (ME) como apontam caminhos que tragam urgentemente a harmonia e a motivação a uma classe docente cada vez mais violentada na essência do seu trabalho, com decretos, despachos e orientações absurdas sobre a avaliação do seu desempenho e a pretensa procura do mérito e competência. Mas o ME não as leva a sério e as respostas são sempre desfavoráveis, claramente evidenciadoras de um diálogo que nunca se pretendeu verdadeiramente e redundou em unilateralidade e imposições.

Num torpor e estranho aceitacionismo, há escolas e direcções que executam apressadamente tudo o que lhes chega, como é o caso das últimas regulamentações sobre a avaliação dos professores, multiplicando-se em dezenas e dezenas de reuniões infindáveis nas quais pouco tem importado o que os professores pensam e dizem. Assustadoramente, invadem-nos com centenas de e-mails e páginas escritas para reflexão orientada superiormente; no entanto, quanto divisionismo e discussões estéreis provocam, quanto desânimo e frustração.

Apesar de legitimadas pelo voto dos seus pares e conhecedoras deste ambiente que tem vindo a degradar-se nas escolas, as direcções quase nunca ou nunca convocam os professores para, legitimamente, em sede de reunião geral ou conselho pedagógico, tomarem uma posição de escola. Deveriam denunciar publicamente que o ME continua a não dar resposta aos pedidos das escolas sobre a dificuldade de operacionalização da avaliação docente e dos prejuízos que isso está já a provocar, inevitavelmente, no trabalho com os alunos. Tal como a atitude da maioria dos deputados, cujo servilismo partidário e ascensão social se sobrepõe aos interesses do país real, e até do Presidente da República. Aliás, dois dos candidatos às próximas eleições, que acabaram por pactuar com o Governo, cada um à sua maneira, aquando da votação do Estatuto da Carreira Docente, aparecem-nos agora como arautos do Estado Social e Justiça Social! E quantos deputados visitam as escolas do seu círculo eleitoral para verificarem seriamente como é hoje o trabalho dos professores e as condições em que o fazem?

Aprendamos com a experiência de 2008/2009 – avaliação de pares por pares –, que não resultou nem resultará se pretendemos qualidade e isenção, excepto para os “habilidosos”, cuja capacidade de encenação lhes permitiu, como sempre, aproveitarem-se do sistema.

Ainda agora, o ME só privilegia a “formação com créditos”, mesmo que essa formação, pedagógica e cientificamente administrada, seja comprovadamente de pouco nível. No entanto, rejeita completamente formação acrescida, universitária, que o professor escolheu, pagou e consta do seu curriculum, mas da qual não tem “créditos”.

Este ME está completamente perdido no meio dos atropelos que causou. Demonstra falta de conhecimento da realidade, falta de liderança e honestidade.

É cada vez mais exigente e desgastante uma carreira no ensino que não se compadece da falta de rigor e da complexidade perversa de experiências legislativas. Nem pode continuar a ser um tubo de ensaio onde se doseia e mistura mérito com competência… a qualquer preço. Estão a destruir a paz nas escolas. Instalou-se o medo, a chantagem e a ameaça da estagnação na carreira, sobretudo para os contratados, caso não se cumpra o que sempre pretenderam e que sub-repticiamente acabaram por impor. Instalou-se o conflito de interesses interpares, gerador de confusão, parcialidade, grande desgaste psicológico e até físico, com avaliados e avaliadores a concorrerem às mesmas quotas (percentagem de “Muito Bons” e “Excelentes”) por escola, e até elementos da comissão de avaliação e relatores a concorrem para o mesmo objectivo! Que nome dar a isto? Que legitimidade existe quando coordenadores são obrigados a assistir a aulas de relatores e o director às dos coordenadores, não avaliando, obviamente, a qualidade científica do trabalho? Quando assistimos a uma aula, não podemos nem devemos separar a dimensão pedagógica da científica, logo, fica desde logo viciada a linha de partida e desacreditado um processo que deveria ser sério e transparente para ser correctamente aplicado. Um processo que tornasse a progressão na carreira justa e motivadora, da qual os alunos, a escola e o país, naturalmente, sairiam a ganhar.

Não pode haver, outra vez, “acordos de princípios” que vão contra as legítimas aspirações dos milhares de professores que se manifestaram publicamente. “Quando não se aceita a prova da realidade, entra-se no reino da irracionalidade”. Foi e é o que continua a acontecer e os resultados estão à vista de todos.

Já não se aguenta tanta arrogância e pretensiosismo de um Governo que se arvora em defensor do mérito e da competência, mas cuja acção continua a envergonhar a democracia e o ideário da Primeira República que diz ter comemorado."

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...