Hoje na Assembleia da República, o Secretário de Estado Jorge Pedreira, possivelmente por "lapsus linguae", chamou "coitadinhos" aos professores que não entregaram os objectivos individuais para avaliação. A palavra não terá sido muito bem escolhida pois o Dicionário Houaiss entre os significados de "coitado" dá o de "homem traído pela mulher", significado que é corroborado pela expressão popular "coitado é corno". Esse mesmo sentido da palavra é dado por Eça de Queiroz, no romance "Os Maias", que Jorge Pedreira conhecerá bem até porque é leitura obrigatória nas escolas. Lembre-se o excerto do Eça, um saboroso diálogo entre Ega e Carlos:
"— Sabes que o nosso Dâmaso casou? disse o Ega um pouco adiante, travando outra vez do braço de Carlos.
E foi um espanto para Carlos. O quê! O nosso Dâmaso! Casado!?... Sim, casado com uma filha dos condes d' Águeda, uma gente arruinada, com um rancho de raparigas. Tinham-lhe impingido a mais nova. E o óptimo Dâmaso, verdadeira sorte grande para aquela distinta família, pagava agora os vestidos das mais velhas.
— É bonita?
— Sim, bonitinha... Faz aí a felicidade de um rapazote simpático, chamado Barroso.
— O quê, o Dâmaso, coitado...
— Sim, coitado, coitadinho, coitadíssimo... Mas como vês, imensamente ditoso, até tem engordado com a perfídia!"
O referido Dicionário dá também para "coitado" os significados de "infeliz, desventurado, inditoso, desditoso". Mas o que é certo é que os almejados já começaram a responder e com uma violência verbal que pede meças à do governante... Os ânimos, que já estavam exaltados, exaltaram-se mais, receando-se o pior. Jorge Pedreira, sem querer ou por querer, deitou gasolina a uma fogueira!
quarta-feira, 25 de março de 2009
ÚLTIMOS DIAS DA "EVOLUÇÃO DA BÍBLIA"
Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (na figura imagem da Bíblia que serviu debase ao protótipo de Elvira Fortunato)
A Exposição “A Evolução da Bíblia”, presente na Sala Nobre da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Sala de São Pedro, contendo uma rica e aantiga biblioteca, entrou nos seus últimos dias de apresentação pública. Esta é uma oportunidade rara, senão única, de poder ainda ver alguns dos mais preciosos e valiosos livros existentes em Portugal e no mundo, com raríssimos exemplares da Bíblia, sendo o mais antigo do século XII. A Exposição tem o encerramento previsto para o dia 30 de Março, fazendo a Biblioteca Geral visitas guiadas a grupos, com marcação prévia.
A Exposição conta ainda com um protótipo, único no mundo, apresentado pela Doutora Elvira Fortunato, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, em papel electrocrómico, perspectivando o que será o papel do futuro, na transição do e-paper ou para o paper-e, segundo esta cientista, responsável pela criação de transístores em papel.
HUMOR: INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Será hoje dia 1 de Abril? Leio no "Público on line" e não acredito. Um padre de Lisboa, de seu nome João Marques Eleutério, sportinguista ferrenho e muito zangado com a recente arbitragem de Lucílio Baptista no jogo Benfica-Sporting, recusa-se a baptizar crianças com o nome de Lucílio. Ler aqui.
PS) A notícia foi corrigida às 15h36m, tendo até o título sido mudado. Razão tinha eu para não acreditar... O sacerdote estava na reinação. Corrijo, portanto, também o "post" antepondo uma palavra no título.
PS) A notícia foi corrigida às 15h36m, tendo até o título sido mudado. Razão tinha eu para não acreditar... O sacerdote estava na reinação. Corrijo, portanto, também o "post" antepondo uma palavra no título.
José Mourinho, doutor honoris causa
Novo post de Rui Baptista:
“Seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom” (José Mourinho, “Record”, 24/03/09)
O recente doutoramento honoris causa, pela Universidade Técnica de Lisboa do licenciado em Educação Física pelo ISEF/Faculdade de Motricidade Humana José Mourinho (1984) fez-me folhear páginas de recortes de artigos de jornais por mim escritos ao longo de várias décadas para neles rebuscar um tema que tem sido motivo de discussão pública. Nessas páginas, encontrei fundamento para a evolução e teorização do actual futebol nacional que longe se afastou do tempo das chamadas “balizas às costas” por ser o que é hoje: uma indústria que faz correr rios de dinheiro e apaixona multidões de todo o mundo e o tornou matéria de estudo académico, como mostra a cerimónia que serve de título a este texto.
Décadas atrás, Carlos Miranda, ao tempo director de A Bola, ao escrever que “Carlos Queirós é um caso de predestinação comparável a Mozart” (que, como se sabe, aos quatro anos já tocava cravo e aos cinco ensaiava os primeiros passos da composição) deu o mote a uma discussão que corre o risco de se eternizar. A razão parece-me simples: nasce-se poeta e escritor, por exemplo. Mas não se nasce médico ou professor de Educação Física.
Sustento esta opinião no facto de na proliferação de licenciaturas por todos os escaninhos do país, numa girândola de matérias impensáveis há poucos anos atrás, não haver cursos universitários de Poesia e os melhores escritores portugueses não serem licenciados em Letras: Ferreira de Castro tinha a 4.ª classe do ensino primário, José Saramago o extinto curso industrial, António Lobo Antunes o curso de Medicina, etc., etc. Assim, de igual forma, nasce-se predestinado para a prática do futebol de alta competição (Carlos Queirós e José Mourinho foram-no só medianos), mas não se nasce treinador de futebol. E é essa confusão que tem retardado o progresso do futebol, uma arte e uma técnica hoje com foros de cidadania académica.
Mas esta discussão não é apenas dos dias de hoje. Do mundo distante de milénios das actividades corporais da Antiga Grécia chegou até nós a polémica entre práticos e teóricos. Segundo Galeno (célebre médico grego da escola de gladiadores, tido como pai da actual Medicina Desportiva), os treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica (pedótribas) e dos médicos sob o pretexto de que quando se não tem a prática do ofício não deve ser reconhecido o direito de discutir sobre coisas desconhecidas!
Como escrevi na altura, Severiano Correia, treinador e antigo jogador de futebol, já falecido, fez-se prosélito desta teoria ao subscrever parte da entrevista de Balmanya, então treinador do Bétis de Sevilha, em A Bola, e em que este “se mostrava muito surpreendido com o facto de o Sporting, para além de um treinador de futebol, também ter um preparador físico, situação que não compreendia, uma vez que o técnico deve ser o único responsável por toda a orientação da equipa” (“Tribuna”, Lourenço Marques, 05/03/64).
Por sempre ter defendido a necessidade de ser um professor de Educação Física a ministrar a preparação física das equipas de futebol (e das outras modalidades desportivas), da resposta que me mereceu esta provocatória opinião, respigo: “Ainda recente, o caso até de um treinador de futebol que, pela experiência de 30 anos, reduz à expressão mais simples os conceitos laboratoriais da Medicina Desportiva e da Metodologia do Treino” (“Notícias da Tarde”, Lourenço Marques, 06/03/64). Reacendia-se uma polémica tendo como protagonistas professores de Educação Física, médicos de Medicina Desportiva e treinadores de futebol!
Anos volvidos, ao ler na imprensa que, numa reunião do Sindicato Nacional de Treinadores de Futebol, fora levantado o problema dos técnicos de Educação Física orientarem a preparação técnico-táctica das equipas profissionais de futebol (a preparação física tornara-se já matéria de consenso), não pude deixar de intervir nesta matéria, escrevendo: “Claro que quando um bacharel em Educação Física [de posse do então curso médio de instrutores de Educação Física] nos dá conta de muito ter aprendido, no aspecto da preparação física, com um treinador de futebol, ainda que de gabarito, mas sem preparação académica escolar, todas as conclusões, a partir daqui, são possíveis: até a de considerar exercício ilegal de profissão o facto de um licenciado em Educação Física treinar uma equipa de futebol” (“Jornal Novo”, 15/01/77).
Contrariando os que julgaram ver no futebol uma actividade profissional em que os antigos jogadores de futebol, agora treinadores de futebol, seriam os seus teorizadores, seguiu o desporto-rei a evolução dos outros domínios do saber, reconhecendo a necessidade de uma formação superior para os respectivos agentes.
Assim, numa primeira fase (ou fase empírica) o futebol esteve entregue a práticos, antigos jogadores de nomeada com cursos de treinadores de fim-de-semana (ou pouco mais), merecedores de gratidão porque cabouqueiros do actual futebol português, de que é justo realçar os nomes de Pedroto, Tony ou António Oliveira, por exemplo. Numa segunda fase (ou fase pré-científica), surgiram os então instrutores de Educação Física, Henrique Calisto e Hernâni Gonçalves. Na fase actual ou terceira fase (fase científica), aparecem, entre outros, os teóricos de formação superior em Educação Física (com ou sem a recente “Opção de Futebol”), Carlos Queirós, Jesualdo Ferreira e Carlos Carvalhais. Englobo nesta lista o nome de Artur Jorge com o curso de treinador de futebol obtido numa universidade da ex-RDA.
Consequentemente, não posso deixar de subscrever a opinião categorizada de Joseph Blatter, então secretário-geral da FIFA, quando afirmou que “Carlos Queirós e os seus jogadores praticam o verdadeiro futebol do futuro” (“A Bola”, 23/06/91). Todavia, o messianismo de um super-treinador, capaz de tudo vencer, é carga demasiado pesada para os frágeis ombros humanos, ainda que musculados com os mais altos graus académicos ou títulos honoris causa universitários. Ora, como se leu, em letra de caixa alta, e em título de reportagem n’ “O Jogo” de 24/03/09, “o doutor Mourinho também é humano”. E, como tal, sujeito a errar, como ele próprio humildemente reconhece (ibid.): “Estou disposto a trabalhar o jogo até à exaustão, a perder horas e horas. A ideia é a de tentar reduzir a imprevisibilidade do jogo”, explicando que nunca o conseguirá fazer na totalidade uma vez que “há sempre uma bola que vai ao poste ou um jogador que comete um erro” (a que eu acrescento um imponderável não menor: o árbitro que desvirtua o resultado dos jogos deliberadamente ou não). Não é a bola redonda?
Rui Baptista
"O SR. DUARTE PIO E O OPÚSCULO"
No blogue "Ponte Europa" Carlos Esperança escreve sobre o "Sr. Duarte Pio e o opúsculo": aqui.
terça-feira, 24 de março de 2009
MAIS VACUIDADES: MAGALHÃES E NOVAS OPORTUNIDADES
Há quem use vacuidades tanto para o ataque como para a defesa. Ela já tinha atacado os professores e a língua portuguesa, com vacuidades espantosas. Mas ontem à noite o Magalhães e as Novas Oportunidades foram defendidos numa sessão pública em Matosinhos pela já famosa Directora Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira (uma das figuras de topo do Ministério da Educação, talvez a mais conhecida depois da ministra), com vacuidades que não ficam atrás das anteriores. Leia-se o "Público on line" :
"A directora saiu em defesa do Magalhães, arguindo que se trata de um "excelente computador", referindo, por exemplo, que ele está programado para não deixar os alunos jogar sem antes fazerem os seus trabalhos para casa.(...)Parece que os Magalhães, com os quais se quer substituir os professores, qualquer dia irão também substituir os pais... E quanto ao facto de a Escola de Segunda Oportunidade (proponho a sigla E2O, que é parecida com EB23) de S. Mamede de Infesta ser uma de apenas duas no mundo, leio os jornais internacionais e verifico que o mundo ainda não sabe. Pela minha parte fico curioso em saber em que parte do vasto mundo ficará a outra.
Outro elogio foi para a Escola de Segunda Oportunidade que este ano lectivo começou a funcionar em S. Mamede de Infesta, Matosinhos, e que visa acolher jovens que abandonaram os estudos. "Só há duas no mundo e uma delas é em Matosinhos", destacou Margarida Moreira (...) "
VACUIDADES: ELE NÃO É DEUS!
Aqui há tempos comecei aqui uma rubrica contendo vacuidades (segundo os dicionários "ausência de ideias, vazio moral ou espiritual"), que depois não prossegui, não por falta de material, que de facto abunda, mas por falta de tempo, que desesperadamente escasseia. É agora tempo de prosseguir.
E o ensejo é oferecido de bandeja por Miguel Pignatelli Queiroz, membro do Partido Popular Monárquico (PPM) e deputado da nação eleito nas listas do Partido Social Democrata (PSD), que no jornal "As Beiras" de 24 de Março esclarece quem pudesse ter dúvidas sobre o assunto que ele... não é Deus. O inesperado esclarecimento aparece quando declara o seu voto na Assembleia da República de congratulação pela canonização de D. Nuno Álvares Pereira, misturando essa declaração com a do seu voto de pesar pelo falecimento de Nino Vieira:
Mas a melhor (ou a pior?) vacuidade em votos de pesar veio precisamente do PPM, há alguns anos. Em Junho de 2004 este partido divulgou um comunicado a propósito da morte em campanha do Professor António Sousa Franco, cabeça de lista do Partido Socialista ao Parlamento Europeu. O texto, com vários subscritores entre os quais o deputado Queiroz, continha preciosidades como estas:
E o ensejo é oferecido de bandeja por Miguel Pignatelli Queiroz, membro do Partido Popular Monárquico (PPM) e deputado da nação eleito nas listas do Partido Social Democrata (PSD), que no jornal "As Beiras" de 24 de Março esclarece quem pudesse ter dúvidas sobre o assunto que ele... não é Deus. O inesperado esclarecimento aparece quando declara o seu voto na Assembleia da República de congratulação pela canonização de D. Nuno Álvares Pereira, misturando essa declaração com a do seu voto de pesar pelo falecimento de Nino Vieira:
"Beato Nuno de Santa Maria vai, finalmente, ser canonizado. A Assembleia da República votou a a favor de um voto de congratulação. Eu votei a favor. De mini-minorias laicistas (não ler laicas) não reza a história. Há semanas, a Assembleia votou favoravelmente um voto de pesar pelo assassinato do Presidente Vieira, da Guiné. Mas antes eu reagira mal ao ver a mesma Pessoa na Tribuna de Honra do Hemiciclo, o responsável por múltiplas atrocidades e assassínios enquanto Presidente. Como escrevi semanas, atrás,[pontuação sic] não sou juiz nem, muito menos, DEUS [maiúsculas sic]. Não me compete condenar os mortos (nem os vivos)."Sem querer ser juiz desta prosa, apenas receio que o nome de Deus tenha sido invocado em vão, ao arrepio do que manda o segundo mandamento da Igreja. Também não percebo a relação entre o Beato Nuno e o Presidente Vieira: Será uma relação de semelhança por os dois terem sido combatentes? Ou uma relação de contraste porque um vai ser santo sem ter sido mártir, enquanto o outro foi mártir sem ter sido nenhum santo?
Mas a melhor (ou a pior?) vacuidade em votos de pesar veio precisamente do PPM, há alguns anos. Em Junho de 2004 este partido divulgou um comunicado a propósito da morte em campanha do Professor António Sousa Franco, cabeça de lista do Partido Socialista ao Parlamento Europeu. O texto, com vários subscritores entre os quais o deputado Queiroz, continha preciosidades como estas:
"Não queremos nem devemos dramatizar, nem tão pouco fazer do Professor um mártir, mas a verdade é que o Professor também deveria fazer parte das pessoas que não cuidava da sua saúde. Provavelmente, não media a tensão há muito tempo. A sua morte já estava prevista" (...) "Ao mesmo tempo, estamos certos, esta foi a melhor e a mais eficiente forma do Professor dizer basta desta politiquice e dos politiqueiros que a alimentam".Para quem não acreditar, a notícia da agência Lusa transcrevendo o comunicado do PPM vem aqui. Convenhamos que, como vacuidade, este último excerto é mesmo difícil de bater por muito que alguém se esforce!
CRIACIONISMO DIVERTIDO
Alertado por uma recensão na "Time-Out" escrita por um criacionista assumido, perguntei ao Google quem era o autor. A existência de Tiago de Oliveira Cavaco prova que Jónatas Machado não é o único criacionista português: Como diriam os matemáticos, há pelo menos dois. E a leitura de Cavaco prova que, se houvesse um prémio para o criacionista português que escreve melhor, Jónatas não teria quaisquer hipóteses. Além do mais o criacionismo de Cavaco é muito mais divertido. Ao lê-lo não se pode evitar o indiscutivelmente saudável prazer do riso, ao passo que a leitura de Machado nem para isso dá. Leia-se este excerto de um "post" de Cavaco datado de três anos antes do ano Darwin ("Darwin e os esqueletos da humanidade") que, com a inestimável ajuda do Google, escavei na Internet:
Contra o "Big Bang" Cavaco também fornece argumentos retóricos:
"Uma das primeiras acusações que devo apontar a Darwin é o facto de ter abandonado a Teologia a favor da Botânica. Coloca-o na família dos ex-seminaristas, uma espécie que nunca conheceu evolução. Pessoas que ficam a meio da sua vocação deixam sempre coisas por arrumar nos seus futuros. Um religioso que abandona a Teologia tem na maior parte das vezes um motivo sensual forte. No caso de Darwin foram os besouros. Abandonar a Teologia por causa de uma mulher suscita solidariedade. O que diremos em relação ao abandono da Teologia por causa de insectos? Mesmo que se tenha verificado grande margem de progressão no objecto de estudo de Darwin, o critério rastejante da sua permuta académica é incontornável. Da sacristia para a bicharada, portanto."Esta explicação freudiana de Darwin talvez sirva para mostrar que o freudianismo não é ciência! Como o blogue de Cavaco se intitula "O comedor de gafanhotos", conclui-se quando muito que o autor, comungando com Darwin o gosto pelos insectos, prefere gafanhotos a besouros. Claro que tanto uns como outros podem existir nas sacristias se estas não forem bem desinfestadas, não é preciso sair de lá para os encontrar.
Contra o "Big Bang" Cavaco também fornece argumentos retóricos:
"Esqueceram-se que no Princípio era o Verbo. Não dá para queimar etapas. Nesta gramática canibal os fenómenos prolongam-se sem afectos. Os darwinistas trocaram o velho barbudo que criou amorosamente o Planeta Azul por um grande acaso com tiques de governanta alemã. Mas o impulso primordial para a sobrevivência não subsiste hoje sem dificuldade. A sustentabilidade do enredo é precária e não cria empatia nos leitores. Em último reduto o antagonismo entre o Criacionismo e Evolucionismo resolver-se-á através de uma questão de critério na escolha de narrativas. Que tipo de civilização desfralda com orgulho a bandeira de uma grande explosão aleatória como acontecimento inaugural? Não é bonito tratar o cosmos como o rebentamento de uma bilha de gás."Não deixa de ser um argumento extremamente gasoso, já que se evapora ao primeiro exame. Então a história cósmica, objecto de estudo da astronomia e da cosmologia, resolve-se por uma "questão de critério na escolha de narrativas"?! Isto é o pós-modernismo no seu melhor. Ou no seu pior, façam o favor de escolher...
"JUST BEFORE DARWIN": CONFERÊNCIA NA GULBENKIAN

Informação recebida da Fundação Gulbenkian:
ESTEJA PRESENTE, a transmissão ao vivo é boa, mas melhor será estar presente. Ao longo desta série sobre Darwin e a evolução juntaram-se por vezes mais de mil pessoas na Av. Berna. Venha a uma Fundação habituada a enchentes para música e outras actividades artísticas. A Ciência é cultura, ajude-nos a continuar a encher este espaço com o seu apoio e as suas perguntas.
Na próxima quarta-feira, às 18 horas no auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian (Praça da Espanha), uma conferência imperdível: o Prof. Pietro Corsi (na foto), da Universidade de Oxford, Reino Unido. A conferência tem o título “Just Before Darwin: the question of species during the 1850's".
Professor Catedrático de História de Ciências na Universidade de Oxford, Pietro Corsi é dos maiores especialistas mundiais da história da Ciência e Tecnologia do séc. XVIII, e particularmente do período pré-Darwin. Entre dezenas de trabalhos académicos, Pietro Corsi foi também inovador na utilização da Internet como ferramenta de difusão dos documentos e legados históricos, tendo sido o autor e responsável científico pelos sites oficiais de biólogos eminentes desta época, mormente de Buffon ou de Lamarck. A questão da espécie foi determinante em toda a discussão científica do séc. XVIII e por ela passaram grande número de influências sociais e culturais pós-iluministas, nomeadamente a visão religiosa, a revolução francesa, etc.. Entre os seus créditos mais firmados, está a sua grande capacidade de comunicação e de tornar simples e interessantes para o grande públicos as questões históricas que estiveram por detrás de algumas dos mais importantes avanços científicos desta altura, mormente de toda a revolução darwinista do séc. XIX. Um ângulo novo para cientistas, uma grande conferência para historiadores, uma visão fascinante dos contextos históricos em que a Ciência nasce para o público em geral. A não perder.
O Prof. Corsi falará em inglês, com tradução simultânea para português. Aos que não podem assistir a conferência em pessoa, a Gulbenkian oferece um webcast em directo do evento.
Há resumos de conferências anteriores no You Tube. Ver também blogue de apoio à exposição aqui.
Série "A Evolução de Darwin" (com tradução simultânea):
MARCAR NA AGENDA: 14-Abril, 19 h Lynn Margulis, Univ Massachussets, USA,
Evolution on a Gaia Planet: Darwin's legacy
29-Abril Mark Stoneking, Max-Planck Inst. G
Human Evolution: The Molecular Perspective
13-Maio David Sloan-Wilson, Binghamton Univ. US
Evolution and Human Affairs
24-Maio Rosemary e Peter Grant, Princeton Univ. US
Evolution of Darwin's Finches
segunda-feira, 23 de março de 2009
Alguns deslizes de linguagem

Numa prosa muito clara e didáctica, misturada com bom humor, o escritor açoriano, que também foi durante muitos anos leitor de Inglês na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, dá um contributo para que o comum dos mortais que usa o português melhore a sua competência linguística.
Em Coimbra, a apresentação da obra será na próxima quarta-feira, dia 25 de Março, pelas 18h30, na Livraria Almedina-Estádio Cidade de Coimbra e está a cargo de Regina Rocha, linguista e professora de Português, co-autora de um livro com o mesmo propósito do de Cristovão de Aguiar e que se intitula Cuidado com a Língua!
"READING TEST DUMNIES"
Um artigo de opinião publicado no "New York Times" de hoje da autoria de E. D. Hirsch Jr., o autor do conhecido livro "The Schools We Need and Why We Don't Have Them" (1996) contra o romantismo educativo, começa assim:
"In his recent education speech, President Obama asked the states to raise their standards and develop “assessments that don’t simply measure whether students can fill in a bubble on a test.” With the No Child Left Behind law up for reauthorization this year, the onus is now on lawmakers and educators to find a way to maintain accountability while mitigating the current tendency to reduce schooling to a joyless grind of practice exams and empty instruction in 'reading strategies.' "
O resto pode ser lido aqui.
"In his recent education speech, President Obama asked the states to raise their standards and develop “assessments that don’t simply measure whether students can fill in a bubble on a test.” With the No Child Left Behind law up for reauthorization this year, the onus is now on lawmakers and educators to find a way to maintain accountability while mitigating the current tendency to reduce schooling to a joyless grind of practice exams and empty instruction in 'reading strategies.' "
O resto pode ser lido aqui.
O HUMOR DE DAVID MARÇAL NO "INIMIGO PÚBLICO"
Mais humor do "Inimigo Público" pela pena de David Marçal:
Doutoramentos na hora têm só capa e agradecimentos
A necessidade de cumprir quotas de 50% de professores doutorados está a promover o Doutoramento na Hora nalgumas universidades e politécnicos, que firmam sinergias com instituições espanholas. Estes acordos baseiam-se na circulação de divisa de Portugal para Espanha, e de graus de doutor de Espanha para Portugal. O Inimigo publica aqui uma tese, para preencher, na íntegra.
Título: (escreva aqui um título, por exemplo os três primeiros itens da sua lista de supermercado).
Nome: (é o seu próprio nome, tal como aparece no BI ou cartão do cidadão, que é a mesma coisa)
Faculdade de (ponha aqui a sua área mais ou menos) da Universidade de Lloret del Mar, Isla Canela, Benidorm (riscar o que não interessa).
Data: (ponha a data de hoje, por exemplo, se não for fim de semana)
Agradecimentos: (exemplo: agradeço ao meu cão, fulano e sicrano, tal e tal, e acima de tudo à faculdade onde dou aulas e aos amigos que lá tenho. Obrigados).
David Marçal
Doutoramentos na hora têm só capa e agradecimentos
A necessidade de cumprir quotas de 50% de professores doutorados está a promover o Doutoramento na Hora nalgumas universidades e politécnicos, que firmam sinergias com instituições espanholas. Estes acordos baseiam-se na circulação de divisa de Portugal para Espanha, e de graus de doutor de Espanha para Portugal. O Inimigo publica aqui uma tese, para preencher, na íntegra.
Título: (escreva aqui um título, por exemplo os três primeiros itens da sua lista de supermercado).
Nome: (é o seu próprio nome, tal como aparece no BI ou cartão do cidadão, que é a mesma coisa)
Faculdade de (ponha aqui a sua área mais ou menos) da Universidade de Lloret del Mar, Isla Canela, Benidorm (riscar o que não interessa).
Data: (ponha a data de hoje, por exemplo, se não for fim de semana)
Agradecimentos: (exemplo: agradeço ao meu cão, fulano e sicrano, tal e tal, e acima de tudo à faculdade onde dou aulas e aos amigos que lá tenho. Obrigados).
David Marçal
I Encontro Nacional de História da Ciência
Informação recebida do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior:
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lançou em 31 de Janeiro passado um programa de estímulo ao desenvolvimento da História da Ciência em Portugal e de valorização do património cultural e científico do País, compreendendo a formação avançada, em Portugal e em instituições estrangeiras, assim como o reforço e articulação em rede de grupos e instituições científicas e o desenvolvimento de programas de investigação e o apoio à preservação, classificação e estudo de acervos documentais e de arquivos de Ciência em Portugal. Estas iniciativas serão promovidas através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT.
O programa História da Ciência em Portugal inclui ainda, entre outros objectivos, o estímulo a uma rede efectiva de cooperação temática em História das Ciências através da organização sistemática de um encontro anual de História da Ciência em Portugal que permita, através do diálogo especializado e plural, traçar o estado da questão e fundar redes e parcerias para a definição de estratégias prioritárias e alianças internacionais. O encontro será promovido pela FCT e pelo Centro Científico e Cultural de Macau, CCCM, através de uma Comissão Organizadora para a qual aceitámos contribuir.
É nesse sentido, que, como Comissão Organizadora, vimos convidá-lo a participar no primeiro Encontro Nacional de História da Ciência em Portugal que decorrerá, ao longo de dois dias, em data a acordar entre 21 e 24 de Julho no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, R. da Junqueira, nº. 30.
O encontro, aberto a todos os interessados nesta área, será organizado em várias sessões de trabalho, visando caracterizar e debater o estado da questão, as vias e as prioridades de desenvolvimento da investigação em História da Ciência em Portugal.
Contamos com a sua participação, desde já através de sugestões e contributos que queira enviar para a organização do Encontro. Pedimos também o seu apoio para a divulgação e o debate desta iniciativa junto de outros investigadores de História da Ciência em Portugal, podendo contar com a nossa total disponibilidade para reuniões preparatórias do Encontro Nacional que considere necessárias.
As inscrições para o Encontro Nacional de História da Ciência realizam-se através do acesso a http://historiaciencia.fct.mctes.pt ou por email para o endereço inscrever@historiaciencia.fct.mctes.pt.
Com os melhores cumprimentos
Fernanda Rollo, Instituto de História Contemporânea - FCSH da UNL
Luís Filipe Barreto, Centro Científico e Cultural de Macau
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lançou em 31 de Janeiro passado um programa de estímulo ao desenvolvimento da História da Ciência em Portugal e de valorização do património cultural e científico do País, compreendendo a formação avançada, em Portugal e em instituições estrangeiras, assim como o reforço e articulação em rede de grupos e instituições científicas e o desenvolvimento de programas de investigação e o apoio à preservação, classificação e estudo de acervos documentais e de arquivos de Ciência em Portugal. Estas iniciativas serão promovidas através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT.
O programa História da Ciência em Portugal inclui ainda, entre outros objectivos, o estímulo a uma rede efectiva de cooperação temática em História das Ciências através da organização sistemática de um encontro anual de História da Ciência em Portugal que permita, através do diálogo especializado e plural, traçar o estado da questão e fundar redes e parcerias para a definição de estratégias prioritárias e alianças internacionais. O encontro será promovido pela FCT e pelo Centro Científico e Cultural de Macau, CCCM, através de uma Comissão Organizadora para a qual aceitámos contribuir.
É nesse sentido, que, como Comissão Organizadora, vimos convidá-lo a participar no primeiro Encontro Nacional de História da Ciência em Portugal que decorrerá, ao longo de dois dias, em data a acordar entre 21 e 24 de Julho no Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, R. da Junqueira, nº. 30.
O encontro, aberto a todos os interessados nesta área, será organizado em várias sessões de trabalho, visando caracterizar e debater o estado da questão, as vias e as prioridades de desenvolvimento da investigação em História da Ciência em Portugal.
Contamos com a sua participação, desde já através de sugestões e contributos que queira enviar para a organização do Encontro. Pedimos também o seu apoio para a divulgação e o debate desta iniciativa junto de outros investigadores de História da Ciência em Portugal, podendo contar com a nossa total disponibilidade para reuniões preparatórias do Encontro Nacional que considere necessárias.
As inscrições para o Encontro Nacional de História da Ciência realizam-se através do acesso a http://historiaciencia.fct.mctes.pt ou por email para o endereço inscrever@historiaciencia.fct.mctes.pt.
Com os melhores cumprimentos
Fernanda Rollo, Instituto de História Contemporânea - FCSH da UNL
Luís Filipe Barreto, Centro Científico e Cultural de Macau
domingo, 22 de março de 2009
O NOSSO CIENTISTA NOBEL

Uma vez que este ano se comemoram os 60 anos do único Prémio Nobel português de ciências, Egas Moniz (na foto, tirada em Madrid em 1918), recupero um meu texto publicado no livro "Curiosidade Apaixonada" (Gradiva):
Em 1949, quando a Segunda Guerra Mundial já tinha terminado e a esperança de paz e liberdade era manifesta, o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia era atribuído “ex aequo” ao médico português António Egas Moniz e ao médico suíço Walter Hess.
O acontecimento, para nós decerto extraordinário – tratou-se afinal, desde o início do século quando se inauguraram os prémios Nobel até aos dias de hoje, do único Prémio Nobel Português na área das ciências–, não encontrou ressonância na imprensa nacional da época, tendo a notícia ficado resumida a umas linhas envergonhadas numa página interior. A explicação mais imediata para esse silêncio foi talvez o conhecido posicionamento político do laureado. Nas palavras cruas mas esclarecedoras de um alto funcionário do regime de Salazar o prémio fora concedido a um “filho da puta da oposição”…
Mas a explicação mais profunda para o silêncio é o afastamento que os portugueses, desde os tempos dos Descobrimentos, têm mantido em relação à ciência e aos cientistas. Os portugueses têm, pelo menos até há pouco, tratado a ciência, desde a mais exacta, a Matemática, passando pela Física, Química e Biologia, até à menos exacta, a Medicina (deixamos aqui de lado, sem qualquer desprimor, as ciências humanas), como uma coisa estranha, uma coisa que lhes é alheia, algo que, na melhor das hipóteses, se importa e tolera em doses que bastem. Antes mesmo de se considerar a questão de termos silenciado os poucos cientistas portugueses que foram distinguidos internacionalmente há que enfrentar a questão de eles terem sido proporcionalmente poucos assim como a questão mais geral de ter sido exíguo o contingente geral de cientistas de onde os melhores podem ser extraídos. Portugal é, de facto, um país geográfica e demograficamente pequeno, mas a sua quota de prémios Nobel em ciências (e, já agora, também em literatura, onde o nosso panorama não é melhor do que nas ciências: temos apenas um!) não consegue competir com a de países europeus mais pequenos, como a Holanda ou a Áustria, que acarinharam e desenvolveram as ciências e as tecnologias, sedimentando uma sólida cultura científica. Em conformidade com esse facto, a nossa comunidade científica não tem ultrapassado uma percentagem da população que fica bastante aquém dos valores observados em países como os dois exemplos referidos. A prolongada falta de liberdade e de tolerância, manifesta na divisão maniqueísta na política entre “nós” e os “outros” (os filhos das nossas mães e os filhos das mães dos outros), será decerto um factor estrutural que tem travado o nosso desenvolvimento.
Egas Moniz foi a excepção – o prémio, o reconhecimento internacional - que confirmou a regra – o atraso, o isolamento nacional. Mal avisados andarão os historiadores de ciência que porventura achem que a excepção apaga a regra, que o prémio individual compensa o atraso colectivo, e que escrevam, nessa lógica, biografias meramente hagiográficas esquecendo-se de discutir o respectivo contexto, o cenário social, económico e político que deve servir de quadro de referência. A história da ciência em Portugal – ou da falta dela – nos últimos cem anos está ainda por fazer. Quando se fizer, concluir-se-á, com fundamento maior do que aquele que já está hoje disponível, que temos mais uma sucessão de omissões e hiatos do que de realizações e progressos.
Egas Moniz foi um cientista que, de um modo inédito e numa época em que tal era difícil, conseguiu realizar quase toda a sua carreira científica em Portugal. Para tanto, teve de arrostar com correntes fortemente adversas, com a falta de tradição, com a ausência de ambiente e com a pobreza de meios. Facto sintomático foi, desde logo, a secundarização de Egas Moniz no concurso para professor catedrático em Coimbra e a sua concomitante deslocação para Lisboa, onde acabou por fazer nome e escola. Moniz foi um cientista num país cuja história revela a falta de ciência. Teve de quebrar a tradição, criar ambiente, reunir meios.
O que é um cientista? Um cientista é alguém que tem dentro de si uma “curiosidade apaixonada”, como Einstein disse um dia. Alguém que coloca questões sobre o mundo ou sobre as pessoas que o habitam e procura com método, mas também com paixão, as respostas para elas. Cultivando analogias, colocando hipóteses, verificando possibilidades. Experimentando, experimentando sempre. Egas Moniz foi um procurador de respostas ao longo da sua vida.
Mas, acima de tudo, um cientista é alguém que não tem receio de errar na procura constante que empreende: sabe que erra, uma e outra vez, mas esforça-se por o fazer cada vez menos (errar é humano, mas errar muito e repetidamente é inumano!). É alguém que sabe reconhecer o erro e corrigi-lo. E aqui radica a questão quiçá mais interessante para os historiadores de ciência, actuais ou futuros, que se interessem pela obra do cientista português que foi nobelizado. Terá Egas Moniz errado na contribuição cirúrgica – a leucotomia pré-frontal – que lhe valeu o Prémio Nobel? E terá ele errado ao não reconhecer o erro?
A memória do nosso único prémio Nobel em ciências, a quem está de resto associada uma outra invenção de utilidade indiscutível - a angiografia cerebral -, está tocada pela sombra das dúvidas que foram surgindo à volta da leucotomia pré-frontal, nomeadamente a justificação científica desse acto médico e as implicações éticas que ele envolve: será lícita a destruição irreversível de um cérebro e, por isso, de uma mente humana? Sejamos frontais: a questão não é tanto saber se o método é hoje discutível - está posto de lado em favor de tratamentos químicos mais “soft” – mas sim saber se, na data em que foi proposto, nos anos trinta, o método era suficientemente justificável e foi suficientemente justificado.
O neurologista João Lobo Antunes (autor de “Numa Cidade Feliz” e de outros notáveis livros de ensaios) no prefácio à fotobiografia de Egas Moniz publicada pelo Círculo de Leitores (de Rui Pita, Leonor Pereira e Rosa Maria Rodrigues, “Retrato de Egas Moniz”, 1995) reconhece que é discutível a justificação científica da leucotomia (fala de “inconsistência na fundamentação científica da intervenção de Moniz”), mas defende Moniz dos seus mais escarniçados críticos (alguns são bastante violentos, como o neurologista norte-americano Oliver Sacks que se atirou não só a Moniz mas também ao seu compatriota Walter Freeman, o campeão das leucotomias). Lobo Antunes, em criança, conheceu pessoalmente Egas Moniz, com quem o seu pai, também médico, trabalhou. Ser-lhe-á talvez dificil descartar a carga afectiva ligada à memória do seu pai e do mestre do seu pai.
Ainda não passou o tempo suficiente para haver o necessário distanciamento, para que os cientistas e os historiadores de ciência ensaiem um pensamento crítico acerca da obra de Moniz. O tema da história da leucotomia é interessantíssimo e está a ser estudado em diversos países (por exemplo, a Suécia e o Brasil), com conclusões parciais variadas. Há que esperar por mais conclusões e por conclusões mais completas...
Mas a Medicina, que atrás colocámos nos antípodas da Matemática no globo das ciências, será mesmo uma ciência? Era a Medicina nos anos trinta, quando surgiu a leucotomia, uma ciência? É a Medicina hoje uma ciência? Na Medicina há, com certeza, curiosidade, procura sistemática e metódica, experimentação. E admite-se o erro. Egas Moniz não terá criticado a sua leucotomia, mas muitos médicos afirmam que se trata de um erro. Os exemplos de crítica médica abundam de tal maneira que se pode afirmar que a Medicina é hoje uma ciência como já o era nos anos trinta. Mas não o era no tempo de Hipócrates, do qual a Medicina moderna herdou o juramento mas não a teoria dos humores (lembremos que a Matemática de hoje contém intocada toda a geometria de Euclides e que a Física actual é devedora profunda de Arquimedes). A Medicina é uma ciência em progresso tão vertiginoso que, daqui a setenta anos, achará tão antiquadas os nossos saberes e as nossas técnicas de hoje como nós hoje achamos as leucotomias dos anos trinta... Serão erros crassos algumas das coisas que hoje fazemos?
sábado, 21 de março de 2009
Primeiro livro de poesia
Que poesia de deve dar a ler às crianças e aos jovens a ler?
Deixando de lado os debates de teor académico e curricular, detenho-me na resposta, em forma de livro, que Sophia de Mello Breyner Andresen organizou e Júlio Pomar ilustrou, e que tem por título: Primeiro livro de poesia: poemas em língua portuguesa para a infância e adolescência.
Nesta pequena grande obra de capa azul, onde se vê o esboço dum menino a segurar uma guitarra, encontramos poesias em português de Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor, Brasil, da Guiné, São Tomé e Princípie. Entre os poetas portugueses contam-se, Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Jaime Cortesão, Vitorino Nemésio, António Nobre, Alexandre O´Neill, Fernando Pessoa, Sidónio Muralha, Miguel Torga, Texeira da Pascoais, Bocage, Eugénio da Andrade… Há também poesias populares, tradicionais, sem atribuição de autor.
Aqui deixo o poema de Gomes Leal - Rainha de Kachmir - que nela se reproduz e que, pela aprimorada estrutura, vocabulário a que pouco se recorre no quotidiano, realidade distante, etc., se poderá pensar não ser adequado para os mais jovens. Mas, penso que Sophia de Mello Breyner Andresen sabia perfeitamente que era, quando o escolheu.
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
Ou a visão de um faquir,
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhum
Jurará se é neve ou pluma,
Se é leite, ou astro, ou espuma,
Nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
Para amimar com blandícias,
Para beijar com carícias
Que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
Não rojava nos caminhos,
Pois sua cauda, aos saltinhos,
Levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
Da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
Como a um punhal que a trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
Esse brinde, em língua estranha!
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!...

Nesta pequena grande obra de capa azul, onde se vê o esboço dum menino a segurar uma guitarra, encontramos poesias em português de Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor, Brasil, da Guiné, São Tomé e Princípie. Entre os poetas portugueses contam-se, Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Jaime Cortesão, Vitorino Nemésio, António Nobre, Alexandre O´Neill, Fernando Pessoa, Sidónio Muralha, Miguel Torga, Texeira da Pascoais, Bocage, Eugénio da Andrade… Há também poesias populares, tradicionais, sem atribuição de autor.
Aqui deixo o poema de Gomes Leal - Rainha de Kachmir - que nela se reproduz e que, pela aprimorada estrutura, vocabulário a que pouco se recorre no quotidiano, realidade distante, etc., se poderá pensar não ser adequado para os mais jovens. Mas, penso que Sophia de Mello Breyner Andresen sabia perfeitamente que era, quando o escolheu.
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
Ou a visão de um faquir,
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhum
Jurará se é neve ou pluma,
Se é leite, ou astro, ou espuma,
Nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
Não há olhar que destrince!
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
Para amimar com blandícias,
Para beijar com carícias
Que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
Leque de rendas e sândalo.
Cor da lua, os sapatinhos
Eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
Não rojava nos caminhos,
Pois sua cauda, aos saltinhos,
Levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
Da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
Fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
Entrou um moço estrangeiro...
Pegou no copo, com graça,
E brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
Como a um punhal que a trespassa,
Encheu de prantos a taça,
E o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
Esse brinde, em língua estranha!
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
Chorou, num pranto sumido,
O seu passado perdido,
Os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
Encheu de pranto os anéis.
Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
Tão leal e tão constante,
Que, do seu reino distante,
Brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
Que fez turbar a rainha.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
Ficou de pranto alagado
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
Fazem lágrimas cair!...
poesia poesia
“Falar de poesia a crianças. Mas como? Dizer o que é a poesia? Dar uma definição rigorosa ou sugestiva?
Há algum tempo assisti a um colóquio em que o tema central era precisamente a poesia.
Era um colóquio para jovens e eu sentava-me junto de alguns, ouvindo alguém que se esforçava por demonstrar que não era possível dizer o que era a poesia.
Ao meu lado, baixinho, para não interromper, o Fernando indignou-se:
- Ora esta!, Mas eu sei o que é…
Eu – Então diz lá.
Fernando – A poesia é a beleza da vida.
Eu – Parece-me que tens razão.
Logo o João se meteu na conversa:
- Então as coisas feias não têm poesia?!
Eu – Parece-me que tens razão: as coisas feias também têm poesia.
Salta o André:
- Nesse caso, a poesia pode ser o sentido das coisas.”

Assim, começa o livro de Maria Alberta Meneres O poeta faz-se aos 10 anos (página 7). Trata-se do resumo duma acção educativa que a autora, quando professora de Língua Portuguesa, numa escola preparatória, entre 1969 e 1973, levou a cabo com os seus alunos, que tinham entre 10 a 12 anos. A proposta era simples: falar-lhes de poesia, envolvê-los na poesia e levá-los a escrever poesia.
Constam no livro, intercalados com o relato do que foi acontecendo, feito pela professora, vários poemas que sairam da pena das crianças. Para rematar a obra, que revela a essência do ensino, a autora retoma palavras escritas por elas, palavras que dizem o que é a poesia. Eis algumas delas (página 39):
- é a beleza das coisas
- é o sentido das coisas
- uma forma de dar atenção a tudo
- o amor pelas letras e pelo que elas podem
- o amor pelas palavras e pelo jogo que as lança na aventura
- poesia espanto
- poesia texto
- poesia poesia.
Há algum tempo assisti a um colóquio em que o tema central era precisamente a poesia.
Era um colóquio para jovens e eu sentava-me junto de alguns, ouvindo alguém que se esforçava por demonstrar que não era possível dizer o que era a poesia.
Ao meu lado, baixinho, para não interromper, o Fernando indignou-se:
- Ora esta!, Mas eu sei o que é…
Eu – Então diz lá.
Fernando – A poesia é a beleza da vida.
Eu – Parece-me que tens razão.
Logo o João se meteu na conversa:
- Então as coisas feias não têm poesia?!
Eu – Parece-me que tens razão: as coisas feias também têm poesia.
Salta o André:
- Nesse caso, a poesia pode ser o sentido das coisas.”

Assim, começa o livro de Maria Alberta Meneres O poeta faz-se aos 10 anos (página 7). Trata-se do resumo duma acção educativa que a autora, quando professora de Língua Portuguesa, numa escola preparatória, entre 1969 e 1973, levou a cabo com os seus alunos, que tinham entre 10 a 12 anos. A proposta era simples: falar-lhes de poesia, envolvê-los na poesia e levá-los a escrever poesia.
Constam no livro, intercalados com o relato do que foi acontecendo, feito pela professora, vários poemas que sairam da pena das crianças. Para rematar a obra, que revela a essência do ensino, a autora retoma palavras escritas por elas, palavras que dizem o que é a poesia. Eis algumas delas (página 39):
- é a beleza das coisas
- é o sentido das coisas
- uma forma de dar atenção a tudo
- o amor pelas letras e pelo que elas podem
- o amor pelas palavras e pelo jogo que as lança na aventura
- poesia espanto
- poesia texto
- poesia poesia.
DIA MUNDIAL DA POESIA - HINO À RAZÃO
Como não há duas sem três, eis mais um soneto de Antero de Quental, este intitulado "Hino à Razão":
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.
Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,
Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Antero de Quental
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.
Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,
Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Antero de Quental
DIA MUNDIAL DA POESIA - EVOLUÇÃO
Como hoje é o Dia Mundial da Poesia e como estamos no ano darwin, valerá a pena publicar o poema "Evolução" de Antero de Quental:
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
Antero de Quental
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
Antero de Quental
DIA MUNDIAL DA POESIA - PALÁCIO DA VENTURA

Como é hoje é o Dia Mundial da Poesia, publicamos o poema "Palácio da Ventura" de Antero de Quental (na imagem) que dá o título ao recente filme de José Medeiros sobre esse autor:
O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão -- e nada mais!
Antero de Quental
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