sábado, 24 de janeiro de 2009

O SEGREDO DE COPÉRNICO


Informação recebida da Presença:

- Jean-Pierre Luminet, "O Segredo de Copérnico", Presença, 2009.

Sob a forma de uma biografia romanesca, O Segredo de Copérnico permite-nos descobrir aspectos da pessoa que se esconde por trás da figura deste extraordinário pensador e da sua vida. No início do século XVI, em Cracóvia, Copérnico vive numa época controversa, exercendo as suas múltiplas funções de astrólogo, médico e de homem da Igreja. Ainda assim, Copérnico prossegue as suas investigações sobre a organização do Cosmos, tal como a haviam estabelecido Ptolomeu e Aristóteles séculos antes, derrubando-a e colocando o Sol no centro do nosso Universo. Este romance pinta com forte colorido uma época de grandes mudanças, iluminando os debates teológicos e científicos de então.

Jean-Pierre Luminet é astrofísico, poeta e romancista. É autor de dois romances, Rendez-Vous de Vénus (1999) e Le Bâton d'Euclides (2002), dois grandes sucessos publicados em vários países.

HUMOR - DEUS E A EVOLUÇÃO


- E agora evolui.

HUMOR - DARWIN E A SELECÇÃO NÃO NATURAL

Como Darwin passou ao lado da selecção não natural.

HUMOR - DARWIN E OS SEUS CRÍTICOS



- Vai-te embora Darwin, desaparece!
- Nós não somos macacos!
- Nós fomos criados por Deus em pessoa!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

CHARLES DARWIN - MOSTRA BIBLIOGRÁFICA


Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (na foto, entrada das Prisões Académicas vista da escadaria de Minerva):

CHARLES DARWIN (1809-1882)
Mostra bibliográfica | 26 de Janeiro – 19 de Março | Prisões Académicas (por baixo da Biblioteca Joanina)

2ª – 6ª feira: 9:30h – 17:30h

Fim de semana: 10:30h – 16:30h

No âmbito das comemorações do bicentenário do nascimento de Charles Darwin (12 de Fevereiro de 1809), estará patente no espaço das Prisões Académicas da Universidade, entre 26 de Janeiro e 19 de Março, uma mostra bibliográfica que expõe edições em língua portuguesa e francesa da obra de Darwin, nomeadamente A Origem do Homem (ed. port. 1910) e a Origem das Espécies (ed. port. 1913).

A recepção de Darwin em Portugal é ilustrada por obras de Albino Augusto Geraldes, Eduardo Burnay, Osório Baltazar, Américo Pires de Lima, Bernardino Machado, Oliveira Martins e Júlio de Matos, nas áreas da botânica, zoologia e antropologia e, na Universidade de Coimbra, pelas teses de licenciatura e de doutoramento dos naturalistas e botânicos Júlio Augusto Henriques (este o primeiro na recepção a Darwin entre nós) e Luís Wittnich Carrisso.

Os documentos expostos destacam, ainda, as relações epistolares entre Francisco de Arruda Furtado e Darwin, bem como os artigos científicos publicados em O Positivismo e a obra Materiaes para o Estudo Anthropologico dos Povos Açorianos daquele naturalista português, um dos pioneiros da antropologia no nosso País.

As revistas O Instituto, Boletim da Sociedade Broteriana e Ocidente apresentam a colaboração científica de Júlio Henriques e Teófilo Braga, e o António Maria mostra as caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, igualmente ilustrativas do acolhimento em Portugal da obra de Charles Darwin.

A HERANÇA DE DARWIN


Minhas declarações à Lusa a propósito do ano Darwin (na imagem, primeiro esboço da árvore da vida feito por Darwin):

A herança de Darwin é extraordinária: grande logo à partida, tem rendido juros que se têm acumulado neste século e meio e continua a render! Como um biólogo ilustre disse, "nada na biologia faz sentido a não ser à luz da evolução". A teoria da evolução é uma grande teoria unificadora na Biologia pois permite explicar de uma maneira bastante simples toda a variedade e complexidade do mundo vivo, incluindo neste a nossa espécie. O sábio inglês afirmou que pequenas causas fazem, ao longo de muitos e muitos anos, grandes efeitos. Foi assim que a partir de organismos primitivos chegámos à riqueza do mundo vivo que hoje vemos. Foi assim que a partir de seres unicelulares se chegou ao homem. A origem da vida continua a ser algo misterioso, mas o seu desenvolvimento passou a ser claro. Darwin não conhecia os mecanismos da genética, mas, desde que estes se conhecem, percebe-se que as pequenas causas são alterações genéticas (pode sempre haver erros numa cópia). Essas pequenas causas serão ocasionais, mas o processo de selecção natural, que tem a ver com a melhor adaptação ao meio, faz com que umas espécies triunfem ao passo que outras não. Por exemplo, a nossa triunfou ao passo que as trilobites não. Na gigantesca árvore da vida nós estamos num ramo sobrevivente tal como milhões de outras espécies. Mas muitos outros ramos terminaram. Esta visão racional da história da vida, baseada em todas as observações e experiências disponíveis, não tem sequer nenhuma outra que lhe faça frente. Pode haver falhas aqui e ali, mas são falhas de pormenor numa visão global que faz sentido. Darwin, baseado nas suas cuidadosas e prolongadas observações na viagem à volta do mundo, teve uma intuição de génio e, como compreensão geral da prodigiosa biodiversidade, essa intuição não foi ultrapassada. Darwin mudou a nossa visão do mundo tal como, na física, Galileu.

Curiosamente, o ano Darwin é também o ano de Galileu, que assinala os 400 anos das primeiras observações astronómicas feitas com o telescópio. Tal como Galileu, Darwin baseou-se na observação. Tal como este verificou regularidades no Universo. Tal como ele, trouxe uma nova visão do lugar do homem. E, tal como ele, enfrentou a incompreensão, nomeadamente por parte de alguns poderes eclesiásticos. O lugar central do homem no Universo ficou seriamente abalado com Galileu e o lugar especial do homem no conjunto dos seres vivos não ficou menos abalado com Darwin. O triunfo maior de Darwin será talvez encontrar vida noutros sítios do Universo e descobrir que também aí as leis da evolução funcionaram, dando resultados provavelmente ainda mais diversos e surpreendentes daqueles, já de si tão diversos e surpreendentes, que encontramos no planeta Terra. A revista "New Scientist" pediu recentemente a vários cientistas para dizer qual foi mais importante, se Galileu se Darwin. Uns são por Darwin, outros por Galileu. Eu não sei decidir: apesar de ser físico, sou pelos dois... Os dois, cada um à sua maneira, fizeram com que hoje saibamos melhor onde estamos e quem somos. Há quem pense que o homem terá descido do seu pedestal, eu, como muitos outros cientistas, penso que esse pedestal era falso. Somos parte do vasto e variado Universo. Não somos estranhos num sítio estranho, mas sim uma parte natural de um Universo que, embora ainda mal conhecido, cada vez conhecemos mais e melhor. Aliás, enquanto não se encontrar vida inteligente noutros sítios do Universo, somos a única parte do Universo que quer saber dele, que o quer compreender, e que, felizmente, o consegue compreender. A ciência é uma forma de cultura e, com Galileu e Darwin, a nossa cultura ficou mais rica.

Ao contrário de Galileu, Darwin enfrenta ainda hoje alguma incompreensão. Os inimigos de Darwin são os inimigos da ciência, os descendentes daqueles que ontem condenaram Galileu. Há quem pense, pasme-se, que a ideia de criacionismo, assente num leitura literal da Bíblia (ao fim e ao cabo a mesma leitura que fizeram os que condenaram Galileu), está em disputa com a ideia da selecção natural de Darwin. Não está, não jogam sequer uma com a outra porque simplesmente são de campeonatos diferentes. Ciência e religião são dimensões humanas diferentes, que, apesar das suas grandes diferenças, podem coexistir pacificamente. Quando disputam uma com a outra, como por vezes acontece, pode ser mau para uma e para outra. Os criacionistas, que se encontram em largo número nas igrejas evangélicas (nos Estados Unidos, inquéritos sociológicos mostram que a maior parte das pessoas acredita em Galileu, mas não em Darwin), recusam-se a aceitar as regras do jogo da ciência, que passam por aceitar as decisões do "árbitro" que é o Universo, que "apita" através da observação e da experiência. Por mim, são livres de jogarem o jogo deles, uns com os outros, mas não nos obriguem a jogar com eles. Eu não quero jogar com eles! Eu quero jogar o jogo da racionalidade e não o da irracionalidade. E a sociedade moderna, que assenta largamente no "jogo da ciência", na progressiva compreensão do Universo em que vivemos, faz bem em não querer nem jogar nem sequer pagar nem assistir ao jogo deles. Se o fizesse correria o grande risco de deixar de ser moderna...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

RECEPÇÃO DE DARWIN EM PORTUGAL


Apresentamos a lista das obras que, de 26 de Janeiro a 21 de Março, vão estar em exposição nas Prisões Académicas, no piso inferior da Biblioteca Joanina em Coimbra, numa pequena mostra bibliográfica que assinalará o duplo centenário do nascimento de Charles Darwin. A lista foi organizada por Luísa Machado, bibliotecária na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

Bibliografia de Charles Darwin existente na Biblioteca Geral:


De l’origine des espèces par sélection naturelle ou Des lois de transformation de êtres organisés … Troisième édition. Paris: Guillaumin et Cie: Victor Masson et Fils, 1870. UCBG 7-42-36-20

La descendance de l'homme et la sélection sexuelle. Paris: C. Reinwald et Cie, Libraires-Éditeurs, 1872. UCBG 7-48-33-16/17

Voyage d'un naturaliste autour du monde fait à bord du navire Le Beagle, de 1831 à 1836. Paris: Ch. Reinwald, 1875.UCBG 9-(5)-2-8-51

L’expression des émotions chez l’homme et les animaux. Paris: C. Reinwald et Cie, libraires-éditeurs, 1877. UCBG 159.942 DAW

Observations géologiques sur les iles volcaniques explorées par l’expédition du “Beagle” et notes sur la géologie de l’Australie et du cap de Bonne-Espérance. Paris: Librairie C. Reinwald Schleicher Frères, éditeurs, 1902. UCBG 7-44-2-23

A origem do Homem . Porto: Magalhães & Moniz, Lda – Editores, [1910]. UCBG 5-17-2

Origem das espécies… Porto: Livraria Chardon, de Lelo & Irmão, editores, [1913]. UCBG 5-17-2

The autobiography of Charles Darwin 1809-1882. With original omissions restored edited with appendix and notes by his grand-daughter Nora Barlow. Collins: St Jame’s Place, London, 1958. UCBG 7-69-5-40

Recepção de Darwin em Portugal

HENRIQUES, Júlio Augusto, 1838-1928
As espécies são mudáveis?: dissertação para o acto de conclusões magnas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1865. UCBG 5-56-19-7

HENRIQUES, Júlio Augusto, 1838-1928
Antiguidade do Homem: dissertação de concurso para a Faculdade de Philosophia da Universidade de Coimbra. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1866. UCBG 7-64-22-14

GERALDES, Albino Augusto, 1826-1888
O darwinismo: trechos de uma conferencia. O Instituto. Coimbra. 35 : 8 (Fev. 1888) p. 421-429.

BURNAY, Eduardo, 1853-1924
Da craneologia como base de classificação anthropologica. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1880. UCBG 9-(5)-2-8-41

OSÓRIO, Baltasar, 1855-1926
Prólogo à zoologia. Lisboa: Universidade Livre [1912]. UCBG 5-17-3

CORRESPONDÊNCIA científica de Francisco de Arruda Furtado. Ponta Delgada: Instituto Cultural, 2002. UCBG 8-(2)-18-22-20

MATOS, Manuel Cadafaz de, 1947-
Arruda Furtado correspondente de Darwin. Lisboa: [s.n], 1986. Sep. de "Prelo", (11) Abr.-Jun. 1986. UCBG 6-29-20-13

FURTADO, Francisco de Arruda, 1854-1887
Embryologia: uma ideia popular do que ella vale na theoria de Darwin e do que é a philosophia de nossos avós perante ella. Porto. O Positivismo. 4 (1882) p. 121-163. UCBG 10-17-21-11

FURTADO, Francisco de Arruda, 1854-1887
Materiaes para o estudo anthropologico dos povos açorianos : observações sobre o povo michaelense. Ponta Delgada: Typ. Popular, 1884. UCBG 9-(5)-2-7-41

CARRISSO, Luís Wittnich, 1886-1937
Hereditariedade. Coimbra: Edição do A., 1910.
Dissertação manuscrita para o acto de licenciatura na Secção de Sciencias Histórico-Naturais da Faculdade de Philosophia, apresentada em 14 de Março de 1910. UCBG Ms. 1598

LIMA, Américo Pires de, 1886-1966
A evolução do transformismo: dissertação de concurso para o lugar de 2º Assistente de Sciências Biológicas da Faculdade de Sciências do Porto. Porto: Tip. Da “Enciclopédia Portuguesa”, 1912. UCBG 5-16-3

MACHADO, Bernardino, 1851-1944
A Universidade de Coimbra. 2.ª ed. Lisboa: Ed. do A., 1908. UCBG O.S. 420

MATOS, Júlio de, 1856-1922
Historia natural illustrada: compilação feita sobre os mais auctorisados trabalhos zoológicos. Porto: Livraria Universal [1880?]. UCBG V.T.-2-3-1

MARTINS, J. P. Oliveira, 1845-1894
Elementos de anthropologia : historia natural do Homem. 2.ª ed. augmentada… Lisboa: Livraria Bertrand, 1881. UCBG 572 MAR

MARTINS, J. P. Oliveira, 1845-1894
Elementos de anthropologia: historia natural do Homem. Quarta edição. Lisboa: Livraria de António Maria Pereira, 1895. UCBG 5-14-24-20

MARTINS, J. P. Oliveira, 1845-1894
As raças humanas e a civilisação primitiva. 2.ª edição augmentada. Lisboa Livraria de António Maria Pereira, 1893. UCBG 5-14-24-24/25

PINHEIRO, Rafael Bordalo, 1846-1905
Retrato authentico da microcephala apresentada ao congresso de anthropologia pelo dr. Feijão. O António Maria. Lisboa. 2: 70 (Set. 1880) p. 317. UCBG RP-1-1

Na morte (1882) e no centenário (1909) de Darwin:

CANDOLLE, Augustin Pyramus de, 1778-1841
C. Darwin: causas do sucesso de seus trabalhos e importância d’elles. O Instituto. Coimbra. 30 (Fev. 1883) p. 344-364.

BRAGA, Teófilo, 1843-1924
Carlos Darwin. O Occidente. Lisboa. 5: 123 (Maio 1882) p. 118. UCBG 1-(24)-46-1975

HENRIQUES, Júlio Augusto, 1838-1928
Carlos Darwin 1809-1909. Boletim da Sociedade Broteriana. Coimbra. 24 (1908-1909) p. [5]-6. UCBG A-5-11

HENRIQUES, Júlio Augusto, 1838-1928
Celebração do centenario do nascimento de Ch. Darwin. Boletim da Sociedade Broteriana. Coimbra. 24 (1908-1909) p. 245-246. UCBG A-5-11

Coisas de letra redonda


Regressa a prosa de Rui Baptista, o nosso habitual colaborador em assuntos de Educação (na imagem Eça de Queirós):

“Quando todos pensam o mesmo,ninguém pensa muito” (Kierkegaard).

No beco que tem oposto o Ministério da Educação (ME) e a Plataforma Sindical dos Professores, tendo como porta-voz o secretário-geral da Fenprof, pouca me parece ser a preocupação de ambos em sair dum impasse em que o direito dos alunos a a educação de qualidade se transformaram numa moeda de troca ao serviço de intenções de cariz nitidamente político.

Mas recuemos no tempo para se poder ter uma perspectiva do que aconteceu nos últimos anos de ensino em Portugal em que a deficiente formação dos professores mereceu a contundente crítica de Nuno Crato: “É indesculpável que um professor - qualquer professor! - não saiba escrever, cometa erros de ortografia graves, tenha limitações sérias no vocabulário (…)”.

Ora, para evitar que tenhamos, como disse José Luís Borges, como futuro o esquecimento, convém situar a génese da actual situação no famigerado Estatuto da Carreira Docente (Decreto Lei 139-A/90, de 28/Março), acordado, no tempo em que Roberto Carneiro ocupava a pasta da Educação, “numa mesa de negociações entre o ME e cerca de 30 sindicatos e organizações afins”. Ontem como hoje, uma verdadeira babilónia de interesses!

Sem qualquer alma gémea em qualquer recôndito da terra, este estatuto transformou gigantes em anões e anões em gigantes, tendo levado, em 1992, à criação do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, hoje integrado na dita Plataforma, “em ruptura com as orientações sindicais então existentes, em oposição frontal à instituição de um carreira docente única de professores, pois pretende revalorizar a profissão em todo o seu percurso, em consonância com os valores e as necessidades dos professores dos nossos dias”.

As normas estatutárias que enformam este documento deram azo ao mais descarado oportunismo em que o acesso ao topo da carreira era o 9.º escalão para os bacharéis e o 10.º para os licenciados. Numa amálgama de habilitações académicas, destinava-se o 9.º escalão a bacharéis com certificados que iam dum curso do ensino técnico (equivalente ao actual 9.º ano de escolaridade) a um diploma de ensino universitário. Desta forma, passou a tratar-se, de igual maneira, todos os docentes, independentemente das respectivas habilitações académicas, a exemplo do que sobre os livros entendia um criado de Eça de Queirós que se tornou personagem de um dos seus textos com este delicioso naco de prosa:
“Caso surpreendente! E sobretudo surpreendente para mim, porque descubro que a Academia tem sobre os livros a opinião do meu velho criado Vitorino. Este benemérito quando em Coimbra lhe mandávamos buscar a um cacifo, apelidado de ‘Biblioteca de Alexandria’, um livro de versos trazia sempre um dicionário, um Ortolan, ou um tomo das Ordenações; e se, por maravilha, nos apetecia justamente um destes tomos de instrução era certo aparecer Vitorino com Lamartine ou ‘A Dama das Camélias’. Os nossos clamores de indignação deixavam-no superiormente indiferente. Dava um puxão do colete de riscadinho, e murmurava com dignidade: isto ou aquilo são coisas de letra redonda”.
Mas como se isto não bastasse, logo aparecerem escolas privadas (ditas) superiores que em meia dúzia de meses distribuíram diplomas de licenciatura a granel a estratos profissionais de posse de diplomas de ensino não superior que passaram a ascender meteoricamente ao topo da carreira docente (10.º escalão). Os resultados deste “nacional porreirismo” estão à vista de tods, através dos fracos resultados alcançados pelos nossos alunos do ensino em confronto com outros países. Tanto relatórios internacionais como Medina Carreira, quando afirma estarem “a formar-se ignorantes às pazadas”, dizem aquilo que a “massa cinzenta”, com assento nos cadeirões da 5 de Outubro, não quis ou foi capaz de ver durante anos de cegueira colectiva mesmo quando mentes lúcidas alertavam para o facto de o rei ir nu.

Quase três décadas e meia de vida leva a democracia portuguesa. É mais do que tempo de procurar um estado de Direito em que se não legisle segundo o interesse de sindicatos que pretendem proletarizar a nobreza do magistério ou de selvagens grupos de pressão, mas tendo em vista o interesse último da sociedade portuguesa em ter um ensino de qualidade para que, em desejo expresso por Carlos Fiolhais, “a escola, a boa escola, ocupe o lugar a que tem direito”.

No desastroso statu quo a que tudo isto chegou, sob a complacência ou até mesmo aplauso da maioria sindical, acontece que a antiga e a actual avaliações dos professores pouco mais representam que uma espécie de vacina que se pretende ministrar a um cadáver para evitar que ele adoeça. Em vésperas de eleições, a luta sem quartel entre partes desavindas não devia evitar que seja feito o que deve ser feito para distinguir os bons dos maus professores. Pode-se discutir, apenas, a forma de o fazer, porque não se pode pôr em causa a necessidade em o fazer numa carreira profissional em que a chegada ao topo não pode continuar a corresponder a dois versos de Garcia de Resende, no “Cancioneiro”: “Fazer do torto, direito/e a quem tem direito, torto”.

A ACTUALIDADE DE JOSÉ BONIFÁCIO

Há poucos dias tive a oportunidade de ouvir no Museu da Ciência de Coimbra uma interessantíssima palestra de Martim Ramiro Portugal, Professor de Ciências da Terra, sobre a vida e obra do seu antecessor na Universidade de Coimbra José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), o brasileiro descobridor do mineral onde foi encontrado o lítio e pioneiro da metalurgia em Portugal que no Brasil talvez seja mais conhecido como o "patriarca" da independência do Brasil (ver aqui um excelente sítio sobre José Bonifácio).

Com a devida autorização do autor (que agradeço), transcrevo o teor de um dos "slides" que o Professor Martim Portugal apresentou, com frases textuais de José Bonifácio e o respectivo significado na interpretação do palestrante. Conclusão: José Bonifácio permanece bastante moderno. Mudam-se os tempos, mas não se mudam todos os costumes!

Escritos sobre as Ciências Naturais de José Bonifácio de Andrada e Silva (entre parêntesis interpretação de Martim Portugal passados dois séculos):

1- "A falsa ideia que o povo tem da Ciência"
(Preconceitos sobre a dificuldade)

2- "O ódio que o clero supersticioso lhes tem."
(Prevalecimento de rotinas e velhos conceitos)

3- "O encasquetamento do direito civil e canónico, que dão pão."
(Privilégios das profissões mais rendosas)

4- "A nímia estimação que faz a capital dos estudos frívolos da poesia e retórica."
(A cultura está nas literaturas e nas ciências sociais – conceito antigo)

5- "A seita exclusiva do purismo."
(Preconceitos que prejudicam o saber fazer)

6- "A falta de museus, gabinetes de física e laboratórios."
(A falta de equipamentos e laboratórios)

7- "A negligência dos grandes para este tipo de basófia"
(O não reconhecimento da importância da Ciência e Tecnologia)

8- "A falta de meios dos literatos, para longas observações e experiências custosas".
(A inexistência de condições para investigação porfiada e bem sustentada)

9- "A falta de patriotismo etc, tudo o que pode trazer utilidade à nação".
(Não reconhecimento do valor estratégico da Ciência e Tecnologia).

10- "O modo pouco adulador do filósofo".
(O carácter austero e a expressão dos trabalhos de Ciência e Tecnologia em linguagem sóbria).

JÚLIO HENRIQUES SOBRE A ORIGEM DO HOMEM, 1866

Em 1866, no ano seguinte ao da sua tese doutoral, Júlio Henriques submete-se a provas para concurso para professor da Faculdade de Philosophia da Universidade de Coimbra com uma dissertação intitulada "Antiguidade do Homem". Esse pequeno volume saído do prelo da Imprensa da Universidade (30 páginas mais uma estampa) está "on-line" na Biblioteca Digital de Botânica da Universidade de Coimbra. Vale a pena transcrever um excerto, conservando a grafia da época:
"(...) Dizer isto é mostrar evidentemente que não acha fóra da razão a origem que dão ao homem os que partilham as idêas de Lamarck e Darwin.

Futuras descobertas virão talvez mostrar que a theoria da transformação, que tão conforme é ao plano geral da organisação dos seres vivos e dos factos paleontológicos, é apllicavel á origem humana - contra o que hoje é fortemente defendido pelas crenças religiosas e por grande parte dos homens de sciencia.

O que hoje é porem incontestável é que os unicos restos humanos, que contam alta antiguidade, em vez de nos mostrarem o homem d'esse tempo gigante, intelligente, capaz de dominar o mundo, querendo mesmo derrubar o poder do céo, nol'o apresentam pequeno, e com caracteres osteologicos unicamente semelhantes aos das raças mais inferiores que hoje se encontram na superficie da terra.

(...) Nenhum acontecimento notável, nenhuma circunstância extraordinaria acompanho a apparição do homem. Ja a maior parte da flora actual existia, bem como muitos dos animaes, que hoje se conhecem. Não foi necessaria nenhuma d' essas grandes revoluções, que a geologia imagina. No decorrer do tempo, num momento da vida na terra, appareceu elle como milhares de seres que o tinham precedido, para talvez desapparecer, como desappareceram muitos animaes seus contemporaneos nos primeiros tempos, e como muitos que hoje vão desapparecendo.

As leis organicas, immutaveis como as que regem os movimentos dos astros, devem dar origem a phenomenos identicos em quanto durarem. Se o homem tem de ser ainda na terra substituído por algum outro ser mais perfeito, se ao soberbo cedro do Libano e aos brilhantes vegetaes, que vivem com suas formas variadas e muitas vezes exquisitas, lá aonde o sol ardente derrama immensa luz, devem succeder outras formas, organismos diversos, o que é perfeitamente conforme á razão, não ha-de ser nenhuma causa extraordinaria, que ha de produzir semelhantes effeitos. Á vida de hoje não succederá a destruição universal, para que sobre suas ruinas a nova geração possa encontrar elementos de prosperidade.

Para estas modificações são sufficientes as causas que hoje se observam. As actuaes e lentas modificações dos continentes alteram os climas, e estes as formas organicas, como noutras eras poderia succeder com intensidade diversa, sem contudo a vida deixar um só momento de existir, desde que as leis que a regulam foram estabelecidas pelo creador de todas as cousas.

Assim como na Dinamarca ao Pinus silvestris succedeu o carvalho anão, a este o Quercus robur, e a este a faia; assim como ao urso das cavernas succederam, já talvez ao tempo do homem, as especies d'ursos que ainda vivem, ao mammouth o elephante, e ás especies da epocha quaternaria - assim as futuras gerações se succederão no decorrer dos seculos, sem interrupção, mas com a imponente regularidade com que se executam os movimentos d' esses milhares de mundos, entre os quaes a terra é nada."
O candidato foi aprovado. Lembre-se que o livro de Charles Darwin "The Origin of Species", de 1859, não falava sobre a origem do homem. Este é o tema central de "The Descent of Man" que teve primeira edição no ano de 1871.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

SERÃO DA BONJÓIA NO PORTO

Informação recebida da Câmara Municipal do Porto:

A CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, através da FUNDAÇÃO PORTO SOCIAL — PORTO CIDADE DE CIÊNCIA, e a GRADIVA têm o prazer de convidar V. Ex.ª a participar no debate em torno do livro

ENGENHO LUSO E OUTRAS CRÓNICAS
de CARLOS FIOLHAIS

ao Serão da Bonjóia, no dia 22 de Janeiro, às 21h15, na Quinta de Bonjóia, Rua de Bonjóia, 185, no Porto.

A sessão contará com a intervenção do Professor José Ferreira Gomes.

HUMOR - A CORRESPONDÊNCIA DE DARWIN

DARWIN SOBRE DEUS


Darwin sobre Deus na sua "Autobiografia":
"Outra fonte de convicção quanto à existência de Deus, ligada com a razão e não com os sentimentos, influencia-me como tendo muito mais peso. É uma questão da extrema dificuldade, ou melhor, impossibilidade, de conceber este imenso e maravilhoso universo, incluindo o homem com a sua capacidade de olhar para o passado distante e para o futuro longínquo, como sendo o resultado do acaso cego ou da necessidade. Quando começo a reflectir assim, sinto-me obrigado a recorrer a uma Causa Inicial que possua uma mente inteligente, até certo ponto análoga à mente do homem; e mereço ser chamado Teísta.

Esta conclusão estava fortemente implantada na minha mente, tanto quanto me posso recordar, pela altura em que escrevi "A Origem das Espécies"; e foi depois disso que se tornou gradualmente mais fraca, com muitas flutuações.

Mas então surge a dúvida - será que a mente do homem, que se desenvolveu, como creio sem reservas, a partir de uma mente tão primitiva como aquela que o animal mais primitivo possui, é de confiança relativamente à sua capacidade de inferir conclusões tão grandiosas? Será que não são simplesmente o resultado da ligação entre causa e efeito que nos impressiona como sendo necessária, mas provavelmente depende apenas da experiência herdada? Nem devemos deixar de considerar a probabilidade de que a constante inculcação da crença em Deus na mente das crianças possa produzir um efeito tão intenso, e talvez herdável, nos seus cérebros ainda não completamente desenvolvidos, que depois é tão difícil para elas abandonarem a sua crença como é para um macaco abandonar o seu medo intenso e instintivo de cobras. Não posso pretender lançar luz dobre problemas tão abstrusas. O mistério do início de todas as coisas é insolúvel para nós; e por isso contento-me em permanecer Agnóstico"
- Charles Darwin, "Autobiografia", Relógio d' Água, Lisboa, 2004, tradução, introdução e notas de Teresa Avelar (original de 1887, publicado postumamente pelo seu filho Francis, que cortou partes do texto, satisfazendo pedidos da sua mãe Emma e sua irmã Henrietta, que eram crentes).

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

BARACK OBAMA, 20/1/2009


"Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas. E vamos transformar as nossas escolas e universidades para satisfazer as exigências de uma nova era."

JÚLIO HENRIQUES SOBRE DARWIN, 1865


Tanto quanto se sabe a primeira referência a Darwin em Portugal encontra-se numa tese doutoral ("As espécies são mudáveis?") de Júlio Augusto Henriques (na foto), defendida em 1865 à Universidade de Coimbra, seis anos depois da publicação de "A Origem das Espécies". A tese está "on-line" (aqui) e é interessante ler as últimas linhas deste texto do primeiro darwinista português, eivado da ideia de progresso (manteve-se a grafia da época):

"Parece pois que na especie humana tem completa aplicação a theoria de Darwin. A muitos desagradará a ideia de que o homem é um macaco aperfeiçoado. Mas se Deus nos deu a razão, se hoje o progresso e o desenvolvimento intellectual nos colloca tão longe do restante do mundo animal, que importa a origem?

Que receio pode infundir uma theoria, cujas consequencias são em geral a consecução de um maior grau de perfeição?

O mundo marcha: deixemo-nos ser levados neste movimento de progresso."

GALILEU VERSUS DARWIN

Mas que ano! Este ano é o ano Darwin, mas é também o ano Galileu. Celebram-se os 200 anos do nascimento de Darwin e os 400 anos das primeiras observações telescópicas realizadas por Galileu. A revista "New Scientist" de 20 de Dezembro passado perguntou a vários cientistas e pensadores qual era mais importante para a humanidade, Galileu ou Darwin. Vejamos, escolhidos por mim entre outros, os depoimentos de um físico, Lawrence Krauss, de um escritor sobre biologia, Matt Ridley, e de um filósofo, Daniel Dennett:

LAWRENCE KRAUSS
"Já era evidente antes de Darwin que partilhamos muitas coisas com outras espécies. O que ele fez de modo brilhante foi remover a descontinuidade entre Darwin e outros animais, e mostrar como é que leis naturais não orquestradas podiam produzir a diversidade da vida que observamos. Mas Galileu removeu-nos do centro do Universo: que maior queda poderíamos nós sofrer? Mais ainda: ele substituiu o conhecimento "revelado por Deus" pelo conhecimento empírico. Voto em Galileu!"

MATT RIDLEY
"Nem hesito: Darwin, porque o tamanho da queda do homem do seu pedestal ainda está a aumentar. Há apenas uma dúzia de anos, a maior parte dos cientistas pensavam que eram os genes que fizeram o nosso cérebro especial. Agora sabemos que os nossos cérebros são maiores do que os de um rato só porque evoluímos para activar um conjunto de genes do crescimento do cérebro durante um pouco mais de tempo. A similaridade da vida é surpreendente mesmo para aqueles que já esperam ser surpreendidos. Comparado com isso, quem é que quer saber que astro anda à volta de outro?"

DANIEL DENNETT
"É um empate. Darwin mostrou que somos animais, ocupando o nosso raminho na árvore da vida e não necessitando de nenhuma chama divina para descrever as nossas muitas adaptações. Galileu iniciou o processo que mostrou que habitamos um pequeno lugar à volta de outro pequeno lugar, ambos perdidos no meio de milhares de milhões de lugares numa galáxia. Ambos nos deram as melhores razões para reconsiderarmos a fonte dos sentidos nas nossas vidas: fomos nós, usando os dons que a evolução cegamente nos deu, que criámos e adoptámos os sentidos que levamos tão a sério."

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

GOLPE DE ESTÁDIO?

Acaba de ser anunciada a intenção de Portugal se candidatar juntamente com Espanha à organização do Mundial de Futebol de 2018, um bom pretexto para a realização de mais um passatempo conjunto DRN/Sorumbático.

Como já se percebeu, trata-se de premiar, com um exemplar do livro cuja capa aqui se vê, o melhor comentário que venha a ser feito a esse assunto até às 17 horas do próximo dia 21 de Janeiro (quarta-feira).

NOTA: Embora o passatempo seja organizado pelos dois blogues, todas as respostas deverão ser dadas apenas aqui, no DRN, na caixa de comentários de baixo.
Actualização: o resultado está afixado no comentário das 19h52m

O ECO SILENCIOSO DE JOÃO LOBO ANTUNES APRESENTADO HOJE


Informação recebida da Gradiva:

O Eco Silencioso, o mais recente livro de ensaios de João Lobo Antunes, vai ser hoje apresentado às 21h30m no Casino da Figueira da Foz. A entrada é livre.

Esta obra reúne textos que foram escritos pelo autor na sua larga maioria, nos últimos três anos. Um estilo admirável para comunicar um pensamento e uma sensibilidade singulares, enquadrados por uma cultura, uma erudição científica e literária e uma experiência humana, únicas no nosso panorama cultural.

JOÃO LOBO ANTUNES licenciou-se em Medicina na Universidade de Lisboa em 1967. Entre 1971 e 1984 trabalhou em Nova Iorque, na Universidade de Columbia. Em 1984 torna-se Professor Catedrático de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Presidente do Instituto de Medicina Molecular desde a sua fundação, é ainda autor de numerosos artigos científicos e editor de vários livros na área das neurociências. Publicou quatro livros de ensaios: Um Modo de Ser (1996), Numa Cidade Feliz (1999), Memória de Nova Iorque (2002), Sobre a Mão e Outros Ensaios (2005), todos editados pela Gradiva. Em 1996 foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa.

O censor invisível

Defendi três ideias centrais nos meus artigos contra a ideia de que é legítimo usar o conceito de insulto para limitar a liberdade de expressão. Primeiro, que seja o que for que alguém escreva pode ser acusado de ser insultuoso, e que historicamente sempre foi esta a acusação feita para amordaçar a liberdade de expressão. Segundo, que se tivermos medo de escrever algo por poder ser insultuoso para alguém, estaremos a interiorizar a censura, e a autocensura é pior do que a censura explícita, porque a segunda é mais visível. Terceiro, que há hoje mais autocensura na vida pública do que há poucas décadas.

A favor desta segunda ideia não apresentei dados empíricos -- pensava ingenuamente que esta seria uma ideia pacífica. Muitos leitores discordam de mim  e pensam que a liberdade de expressão não está hoje mais ameaçada do que há umas décadas. Neste artigo, Christopher Hitchens  apresenta vários casos que sustentam a ideia de que a liberdade de expressão está hoje mais ameaçada do que há umas décadas, precisamente por causa da autocensura, baseada na ideia de que seja o que for que se possa escrever poderá ser insultuoso para alguém.

O que pensa o leitor?

Recordando Tereza Coelho (1959-2009)

Acabo de receber notícia da morte de Tereza Coelho e é adequado dizer algumas coisas sobre as circunstâncias em que a conheci e o que dela vi. Há por vezes a convicção, dado o comportamento de algumas pessoas que escrevem nos jornais, que isto é tudo uma questão de conhecimentos e de amigalhaços; que para escrever num jornal é preciso pertencer a esse círculo olímpico, do qual estão excluídas as pessoas comuns. Isto pode ser parcialmente verdade, mas não é certamente toda a verdade. Não foi verdade comigo, nomeadamente. Por causa da Tereza.

Não me lembro em que ano contactei a Tereza nem sei qual foi o primeiro texto que publiquei no suplemento “(livros)” do jornal Independente, por ela dirigido. Não a conhecia pessoalmente de lado algum, mas sabia que tinha dirigido antes o suplemento cultural do Público. E a nova revista do Independente era muito apetecível porque tinha muito mais espaço para se escrever sobre livros do que é comum. De modo que decidi mandar-lhe uma carta propondo-me para escrever sobre livros de filosofia, de maneira simples e estimulante, para divulgar junto do grande público esta área, geralmente desprezada. Juntamente com a carta, que tinha apenas uma página, tanto quanto me lembro, enviei-lhe alguns exemplos de recensões de livros de filosofia que eu vinha publicando online na Crítica desde 1997.

Não teria ficado surpreendido se a minha carta nunca recebesse resposta. Mas, para minha surpresa, recebi imediatamente um telefonema dela, pedindo-me que me dirigisse à redacção do jornal, para trocarmos ideias (na altura eu vivia em Portugal). E lá fui. A minha primeira impressão foi muito boa. Uma pessoa descontraída, que tinha um interesse genuíno pelos livros e que não tinha o mínimo interesse na sua própria promoção. Passei a escrever regularmente para ela. E uma das coisas de que gostei era que uma vez ou outra, sobretudo no início, cortava-me desalmadamente disparates que eu escrevia. Fazia-o com a maior das tranquilidades e isso é muito raro pois, por alguma razão, muitos autores sentem-se infantilmente melindrados quando são corrigidos por outras pessoas, o que faz os editores ter medo de nos ajudar a escrever melhor.

Depois o suplemento do jornal separou-se e tornou-se uma publicação independente, com o título Os Meus Livros (que ainda existe). Continuei a escrever para ela, até a reestruturação da revista ter afastado a Tereza, que começou então a trabalhar como editora -- e eu passei a escrever para a Isabel Coutinho, do suplemento cultural do Público.

Da Tereza guardo impressões curiosas. Apesar de a minha principal função ser escrever sobre livros de filosofia, gostou da ideia de se escrever sobre o que muitos consideram “iliteratura”: Stephen King, por exemplo, literatura de puro entretenimento e escapismo. A Tereza não tinha esse género de preconceitos. Lembro-me de estar a tentar persuadi-la de que era importante divulgar livros deste género porque dão a muitas pessoas, sobretudo jovens, um gosto pela leitura que poderá depois ser transferido para ler outras coisas. Foi em vão, não no sentido de ela não se convencer, mas porque eu estava sem saber a dar a missa ao padre: ela pensava precisamente a mesma coisa. E então escrevi sobre outros livros de puro entretenimento, como os viciantes livros de Rex Stout. Este episódio mostra uma atitude da Tereza que não é comum: num país em que os livros e a cultura tendem a ser sacralizados e usados como adereços que demarcam imaginadas superioridades sociais, ela tinha uma atitude muito descontraída. A cultura, os livros, a ciência, a literatura são importantes, sim, mas não vale a pena pôr o fato de Domingo, até porque isso transforma essas coisas todas em grandes chatices.

A última correspondência que troquei com a Tereza, há muito tempo, foi aquando da reestruturação inelegante da revista que ela dirigia. A Tereza foi afastada de maneira pouco elegante, mas limitou-se a aceitar o facto e passou à frente. Nada de dramatismos.

Sem dramatismos, lamento a sua morte temporã. Era uma pessoa muito afável, mas com ideias bem definidas. Não gostava de ir atrás das correntes da moda, mas também não tinha o espírito bélico de querer convencer o mundo de que era ela que tinha razão. Limitava-se a dizer o que pensava, e porquê, com muita doçura. Quando escrevi um texto (que não era para publicação na revista) sobre as razões que levam as pessoas a hesitar chamar “filósofo” a uma pessoa como eu, mas não hesitam em chamar “poeta” ou “matemático” a pessoas com qualificações poéticas ou matemáticas iguais às que tenho em filosofia, disse-me apenas: “concordo, mas exageras um bocado”. E tinha razão.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...