sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A utilidade das aprendizagens

Para que serve isto?

Servir vem de servire, verbo latino intransitivo, “algo (o sujeito activo do verbo) serve a alguém ou a alguma coisa”. Na sua origem latina é da mesma raiz de servus (=escravo), o que está dependente de alguém. Logo, servir significa, nesta acepção etimológica, “obedecer a alguém”. O vocábulo adquiriu, porém, na língua portuguesa, muitas outras acepções, podendo ser também um verbo transitivo, em variados contextos.

No entanto, quando perguntamos “para que serve?” queremos saber a quem essa coisa/pessoa, que é o sujeito de servir, vai ser útil, vai obedecer. É a utilidade que se quer destacar. Mesmo quando dizemos “Este casaco não me serve”, quer dizer que não tem utilidade para mim, não o posso vestir e, por isso, não o quero para nada.

Vem isto a propósito de um livro de um professor da Universidade de Siena, recentemente dado à estampa. Trata-se da obra de Maurizio Bettini, A che servono i Greci e i Romani?, Einaudi, 2017.

Com este título “provocatório”, o autor quer denunciar as políticas educativas actuais que transformaram o ensino e a cultura em qualquer coisa que precisa de “servir”, de ter uma utilidade imediata. O que se aprende, o que se ensina nas escolas tem de “servir para”, “ter utilidade para”. Se não houver um proveito imediato, palpável, visível, contabilizado, então não interessa, não faz falta, é posto de parte.
Na construção do curriculum tudo se reduz ao útil, ao préstimo, à serventia, económica essencialmente.

Então para que serve aprender Latim e Grego, estudar os clássicos da Antiguidade? Como levar aos jovens a “utilidade” de uma cultura e de uma época do passado? “Para que lhes serve isso?”

Serve para lhes mostrar a continuidade da história, da cultura, da literatura, do pensamento. Estudar Latim e Grego serve para levar à leitura dos autores que continuam actuais: os tragediógrafos da antiga Grécia, os filósofos, os poetas e até os que, tal como hoje, em campanha eleitoral ou na declaração dos seus amores, escreviam nos muros de Pompeios os seus pensamentos, os seus sentimentos, os seus apelos.

Como afirma o autor, “é necessário introduzir na escola um novo paradigma didáctico, que insira o estudo da língua e da literatura num contexto mais amplo, que leve os jovens a apropriar-se daquilo que chama “a nossa enciclopédia cultural”, composta não só pelo património cultural “visível” (quadros, esculturas, livros...), mas sobretudo por aqueles bens que não se podem ver nem tocar, mas que mostram a continuidade da história, que mostram aquilo que nos une aos antigos.”

(notícia aqui).

De Itália nos têm chegado, recentemente, os melhores testemunhos em defesa das Humanidades, da cultura do passado, da necessidade de não esquecermos de onde viemos para melhor compreendermos para onde queremos ir:

Dionigi, I. (2016) , Il presente non basta. La lezione del latino. Milão: Mondadori.

Gardini, N. (2016), Viva il latino. Storie e belleza di una língua inutile, Milão: Editore Garzanti.

Ordine, N. (2016), A utilidade do inútil, Rio de Janeiro: Zahar.

Bettini, M. (2017) A che servono i Greci e i Romani?, Turim: Einaudi. 

Dante e Virgílio com Ovídio, Homero, Lucano e Horácio de Priamo della Quercia (1444-1452)
 [iluminura da Divina Comédia de Dante —in The Bristish Library]


1 comentário:

Anónimo disse...

Modern Science is defunct. Natural Philosopher (Pure Science) vs. modern "science"
https://www.youtube.com/watch?v=pUUw2hFjry4&list=UL

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