quarta-feira, 28 de abril de 2021

DO GRANITO AO GRANITO

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho.

Quando, no campo, olhamos para o granito num afloramento ou, na cidade, o pisamos, coeso e duro como pedra da calçada, pensamos que esta rocha sempre foi assim, mas não é essa a realidade. 

Podemos dizer, sem nos enganarmos, que são muitas as rochas que resultaram de outras e que o granito é uma delas. Por exemplo, quem diria que o granito, que se vê e explora em Trás-os-Montes, no Minho ou nas Beiras começou por ser um xisto, o mesmo que, com ele, forma o substrato destas províncias. 

Podemos dizer, no estilo que a linguagem literária consente, que o granito é filho do xisto, mas também não nos enganamos se dissermos o contrário, ou seja, que o granito é o pai (ou a mãe) do xisto. 

A explicação desta realidade é simples se nos fixarmos nos aspectos mais gerais, deixando de parte pormenores, que aos especialistas dizem respeito, e a abordarmos por palavras que toda a gente entenda. 

Como é sabido, os agentes atmosféricos “apodrecem” (alteram) as rochas e é essa alteração que gera a capa superficial do chão que pisamos no campo (de aspecto terroso) que, uma vez invadida pelas raízes das plantas e por toda a componente orgânica (viva e morta) associada, se transforma no solo. 

Continuando a pensar no granito que tomámos como exemplo, são o feldspato e a mica preta (biotite), próprios desta rocha, que sofrem o essencial dessa alteração. O primeiro, parcialmente, em minerais das argilas (barro), a segunda, libertando os óxidos de ferro que dão à rocha alterada, por vezes, o aspecto enferrujado.

O quartzo, praticamente, não sofre qualquer alteração, o mesmo sucedendo à mica branca (moscovite) que apenas se divide em palhetas cada vez mais pequenas e delgadas. A alteração do feldspato permite que a rocha se vá desagregando (dizemos nós, arenizando) libertando os seus minerais. Uns sob a forma de areias (os grãos de quartzo, os de feldspato que resistiram à alteração e a ou as micas) ou de partículas destes mesmos minerais, mas mais finas, a que os geólogos chamam silte (do inglês “silt”) e os pedólogos designam por limo (do latim “limus”) e, ainda, os ditos minerais das argilas.

Em tempo de chuva, as partículas mais finas (areias mais finas, o silte e os minerais das argilas), canalizadas pelos rios até ao mar, acabam por atingir o oceano profundo onde, ao longo de milhões de anos, se acumulam em depósitos sedimentares, alguns com milhares de metros de espessura. 

Sempre que um oceano se fecha, porque dois continentes se aproximam e entram em colisão, toda a “capa” sedimentar acumulada no dito oceano é, por assim dizer, enrugada ou pregueada, gerando uma cadeia de montanhas com a suas raízes profundas (conhecemos raízes que ultrapassam os 70 km de profundidade). Neste processo, os ditos depósitos sedimentares vão ficando submetidos a temperaturas e pressões que aumentam com a profundidade. Começam aqui as transformações próprias do chamado metamorfismo.

De entre os que se afundaram menos e que, portanto, sofreram um metamorfismo menos intenso, surge o xisto argiloso, rocha que qualificamos de metassedimentar porque está na fronteira entre as sedimentares e as metamórficas. Com o aumento da pressão e da temperatura, em profundidade, o xisto argiloso transforma-se noutros xistos de grau de metamorfismo mais elevado, a que os geólogos deram o nome de xistos luzentes ou filádios. No prosseguimento desta descida em profundidade e de transformação em transformação, surgem o micaxisto o gnaisse e o migmatito, rocha esta que se apelida de ultrametamórfica e que exemplifica a fronteira entre o metamorfismo e o magmatismo.

Sem entrarmos em pormenores, podemos simplificar, dizendo que, mais abaixo, a profundidades na ordem das dezenas de quilómetros, a temperatura pode atingir os 800 oC e a pressão ultrapassar as 4000 atmosferas, condições ambientais que promovem a fusão destes materiais, dando nascimento ao magma que, uma vez, arrefecido, regenera o granito.

Dizemos agora que, uma vez o granito aflorado à superfície, o que acontece muitos milhões de anos depois (o tempo necessário para que a erosão arrase quilómetros de espessura de rochas, esventrando as montanhas) a alteração começa aquilo que sabe fazer, repetindo a mesma sucessão de processos, dando início a mais um ciclo.

Dizemos mais um ciclo porque não sabemos exatamente quantos, mas sabemos que houve vários (com a duração de centenas de milhões de anos) desde, pelo menos, há 4000 milhões de anos. 

O exemplo que aqui escrevemos de forma muito simplificada, mas que respeita o que julgamos ser o essencial deste processo, é apenas um daquilo a que os geólogos baptizaram de “Ciclo Petrogenético” ou “Ciclo Geoquímico da Rochas” que envolve todo o geodinamismo do planeta, o externo, envolvendo a alteração das rochas, a erosão, o transporte dos produtos erodidos e a sua sedimentação, e o interno, de que fazem parte o metamorfismo e o magmatismo.

Galopim de Carvalho

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