sexta-feira, 23 de outubro de 2020

ÁLCOOL E CIDADANIA

 


Novo artigo do psiquiatra Nuno Pereira:

    Os problemas ligados ao consumo excessivo do álcool constituem um flagelo nacional, a nível do indivíduo, da família, da escola, do trabalho e da sociedade em geral. A cultura e as tradições do país favorecem hábitos precoces de ingestão de bebidas alcoólicas, o que provoca atrasos no desenvolvimento físico e mental das crianças e contribui para o insucesso escolar. Portugal situa-se entre os maiores consumidores mundiais de álcool, que é a substância psicoativa preferida dos jovens.

    O papel da educação para a saúde torna-se pois fundamental, logo nos primeiros anos da escola. Para tal o Ministério da Educação apresenta várias medidas, em que o Álcool pode fazer parte da Educação para a Cidadania, «em função das opções e das realidades de cada contexto educativo». Por um lado, como proposta das Direções-Gerais da Educação e da Saúde, o Álcool corresponde a um subtema do tema – Comportamentos Aditivos e Dependências – do Referencial da Educação para a Saúde, «de adoção voluntária». Por sua vez, a Saúde consiste num domínio da Educação para a Cidadania, obrigatório para todos os ciclos de escolaridade, que visa contribuir para o desenvolvimento da área de competências – Bem-Estar, Saúde e Ambiente – constante no “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.  

    As escolas, se não considerarem prioritários os problemas do álcool, não os incluirão na Estratégia da Educação para a Cidadania com tempo escasso para tantas e tão extensas áreas temáticas. Deste modo, muitos problemas importantes do foro da Cidadania podem deixar de ser abordados, mesmo pertencendo a grupos de domínios obrigatórios, e, se abordados, podem ser distribuídos tão ralamente no horário (p. ex., do 1º ano de cada ciclo) que se tornam irrelevantes. O Ministério da Educação, invocando a autonomia das escolas e a flexibilidade curricular, passa a responsabilidade para cada escola de compor um diminuto programa de Cidadania, selecionado da imensidão de subtemas e temas contidos nas dezenas de documentos de apoio.

    No caso de a escola optar pelo subtema Álcool, a abordagem do Referencial da Educação para a Saúde não é a mais conveniente, porque os objetivos específicos propostos não atendem devidamente ao grau de desenvolvimento mental das crianças e dos jovens nem à sequência natural do ensino a partir do que é mais familiar. De facto, entre as falhas contam-se: o começo da informação pelas consequências do consumo excessivo antes do conhecimento das bebidas alcoólicas, a ausência de crítica dalguns falsos conceitos sobre o álcool no 1º Ciclo e a promoção do comportamento saudável face ao consumo de álcool apenas desde o 2º Ciclo em vez de logo no 1º Ciclo e mesmo mais cedo.

    Também, não é muito avisado que as famílias detenham a plena responsabilidade da Educação para a Saúde sobre o Álcool, tanto mais num dos países com as mais altas taxas de alcoolização.

    Tendo em conta tudo o que se expôs, o Ministério da Educação deve assumir - sem a capa do «diagnóstico local» - o encargo de tomar as medidas adequadas para que sejam efetivamente tratados problemas de magnitude nacional, como o consumo abusivo do álcool com tão desastrosas consequências individuais, familiares, escolares, laborais e sociais. Assim, os conteúdos respetivos devem estar expressos no programa nacional do ensino básico do Estudo do Meio (no 1º Ciclo) e das Ciências Naturais (nos 2º e 3º Ciclos) e ser trabalhados em projetos no ensino secundário, de modo que se traduzam em atitudes e comportamentos responsáveis.

                                                                                             Nuno Pereira (psiquiatra)

   

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