sexta-feira, 7 de agosto de 2020

AINDA SOBRE O ENSINO EM PORTUGAL

Quando o Primeiro Ministro, em 2018, afirmou que o nosso maior défice era o da Educação, fiquei a saber que a análise que ele fazia deste importantíssimo sector da vida nacional coincidia com a minha. Por isso afirmo uma vez mais que é preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si gente realmente capaz de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino, a começar nos programas, passando pelo negócio dos livros e outros manuais adoptados e, a terminar, na conveniente formação e necessária dignificação dos professores e em tudo mais que lhes diga respeito, como seja, por exemplo, a libertação de todas as tarefas alheias à sua real missão de ensinar.

Em 2002 a UNESCO instituiu o Dia Mundial da Filosofia, no propósito de promover a reflexão sobre os acontecimentos actuais, fomentar o pensamento crítico, criativo e independente, contribuindo assim para a promoção da tolerância e da paz. 

Todo o ideal que aqui se pretende promover está contemplado no teórico e ilusório propósito oficial da nossa escolaridade obrigatória, agora de 12 anos. Basta ler os textos de alguns dos responsáveis pelo nosso ensino para verificar que assim é. Mas a verdade é que continuamos a ser um povo em que ainda são muitos os desinteressados pelos valores da ciência e da cultura, alienados pelo “jogo da bola” e em que muitos militantes e a maioria dos simpatizantes e, até mesmo, militantes dos partidos políticos desconhecem os fundamentos das respectivas ideologias. Basta vê-los, à entrada dos congressos, sem saberem responder às perguntas dos jornalistas sobre esta ou aquela noção. 

A Revolução de Abril, escancarou não só as portas, como os portões e as janelas, ao conhecimento dos mais variados temas das culturas científica, humanística e artística. Mas vivemos 46 anos, praticamente, de costas voltadas para estes valores, entretidos com futebol, lutas entre os aparelhos partidários, e três televisões, duas delas, privadas, essencialmente vocacionadas no lucro (o que não choca, como empresas que são e garantem trabalho a muita gente) e uma, pública, paga por todos nós que, no seu canal de maior audiência, “dá ao povo aquilo de que o povo gosta” e que, assim, não sai da vulgaridade em que cresceu, vive e vai despedir-se deste mundo, sem ter aproveitado o prazer de saber e com isso ter participado numa sociedade melhor.

Não obstante os belos propósitos, que eu diria falhos de convicção, de responsáveis pelo ensino como, por exemplo o que diz que a escolaridade obrigatória estabelece que um aluno, no final dos respectivos 12 anos, esteja: “munido de múltiplas literacias que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no seu dia a dia”. Grande e lamentável falhanço!

A verdade é que são muitos os adolescentes que pouco ou nada leram, que chegam à universidade falhos de todas as culturas, sem saberem escrever português. Os teóricos que aconselham os governos pretendem (ilusoriamente e estou em crer que sem convicção) que, cumprida a escolaridade obrigatória, o jovem: “seja livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”.

Mas basta vê-los, irracionalizados, saltando e gritando, na Praça do Marquês de Pombal, aquando das vitórias deste ou daquele clube de futebol e constatar a elevada percentagem de abstenções nos actos eleitorais, para verificar a falência deste nobre propósito. Os programas oficiais estabelecem que, nas diferentes áreas de competências, os alunos aprendam a “colaborar em diferentes contextos comunicativos, de forma adequada e segura, utilizando diferentes tipos de ferramentas (analógicas e digitais), com base nas regras de conduta próprias de cada ambiente”.

Um belo e elevado propósito que não teve e continua a não ter realidade visível na média dos nossos cidadãos e cidadãs. O que salta à vista nos dias que correm e nesta geração de adolescentes, que teve e tem o privilégio de fruir da condição de estudante, é o uso obsessivo dos telemóveis, onde quer que estejam e seja a que horas forem. 

É, pois, preciso e urgente olhar para esta realidade do nosso ensino. É, pois, preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si gente realmente capaz de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino, a começar nos programas, passando pelo negócio dos livros e outros manuais adoptados e, a terminar, na conveniente formação e necessária dignificação dos professores e em tudo mais que lhes diga respeito, como seja, por exemplo, a libertação de todas as tarefas alheias à sua real missão de ensinar.
A. Galopim de Carvalho

1 comentário:

Anónimo disse...

Professor Galopim de Carvalho,

Por muito desabrido que lhe possa parecer o meu comentário, tenho de lhe dizer, com toda a franqueza, que, em questões do foro da Educação Nacional, V. Ex.ª está muito desatualizado. Recordo-lhe, com todo o respeito e admiração, que, já vai para mais de duas décadas, entramos neste primeiro quartel do século XXI, onde o ensino professoral, dos seus tempos de juventude e meia-idade, está a dar lugar a uma coisa flexível e inclusiva conhecida nos meios do eduquês por Aprendizagens Essenciais. Para lhe dar uma pequena ideia da revolução que chegou à educação, basta dizer-lhe que a figura do professor clássico, o mestre-escola de aldeia, ou o doutor do liceu, praticamente já foi totalmente substituída pela do educador de infância, que ensina no Jardim, ou pelos dos novíssimos mentores, que mentoram nas escolas EB 2,3 + S.
Agora, o paradigma já não é ensinar! Com esse paradigma corria-se o risco de os professores ensinarem muito e os alunos aprenderem pouco e poderem ficar, temporariamente, para trás - seria uma perda de tempo e de recursos financeiros. Com os mentores, tudo é mais simples: deve-se ensinar apenas o mais fácil e óbvio, para que os todos os alunos aprendam facilmente o pouco que lhes é ensinado. Assim, seremos todos mais iguais, e felizes no desconhecimento de matérias escolares que antigamente só serviam para dar dores de cabeça a alguns estudantes. Pode ser que, com o abrandamento da Covid, continue a haver bons empregos lá fora!

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