segunda-feira, 2 de março de 2020

TOXICOMANIA, UMA TRAGÉDIA SOCIAL



Em 16 de Agosto de 1971, proferi na Sociedade de Estudos de Moçambique, uma conferência  titulada “Educação Física, Ciência ao Serviço da Saúde Pública”.. Nela abordei oito temas, a título de mero exemplo, sistemas circulatório e respiratório, gerontologia, metabolismo, em que a Educação Física desempenha um papel relevante.
  
Transcrevo o texto da notícia que dava conta dessa minha conferência:

Temos hoje oportunidade de passar a divulgar, o texto da notável conferência proferida pelo Dr. Rui Baptista na sede da Sociedade de Estudos de Moçambique, em Lourenço Marques.

Nome sobejamente conhecido nos meios desportivos, com maior incidência na Educação Física, o seu autor Rui Baptista dispensa qualquer apresentação.
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O texto que hoje começamos a publicar [foi ele publicado, pela sua extensão, 10 dias seguidos] reflecte bem os conhecimentos profundos que o seu autor tem sobre a problemática da Educação no Estado Português de Moçambique, assim como no nosso País”.

Abordei o tema da toxicomania da forma de que aqui dou conta:

“Drogas, preocupação dominante e obsessiva da sociedade moderna por a abalar nos seus alicerces. Problema de pais e educadores. De instituições e países. Estigma gravíssimo que ameaça quem delas é vítima produzindo acção desastrosa na nossa geração e na geração que lhe há-de seguir.

Procurando a génese da avassaladora onda de jovens que se refugiam no mundo artificial das drogas, temos que possuir a coragem de arcar com a responsabilidade que nos cabe, como educadores, aos da nossa geração e aos  que nos antecederam, na criação de um clima de instabilidade, fruto de guerras e revoluções, levando à desolação, à fome, à destruturação familiar e, em paralelismo, pelo avanço da uma tecnologia desumanizante, ao conforto, ao luxo, ao entorpecimento da vontade.

Por formação pedagógica, sei que a educação e o meio ambiente não fazem totalmente o indivíduo, tendo em conta o forte condicionalismo da carga genética. Seja como for, tenho de enorme importância estudar o papel que cabe à Educação Física neste contexto, pese embora a ameaça que paira sobre o Desporto em se tornar um dos grande focos desta chaga social: o uso de drogas para aumentar o desempenho desportivo e encobridor de um estado de alerta: a fadiga que pode levar à morte do atleta. 

Refio-me ao “doping” que, segundo o Dr. Silva Rocha, parece derivar da palavra holandesa “doop”, traduzida para português, baptismo. E prossegue esta autoridade nacional em Medicina  Desportiva: “Esta palavra é hoje adoptada internacionalmente para exprimir todos os meios que aumentam o rendimento atlético do indivíduo durante a competição desportiva", em acrescento meu, com efeitos funestos para a respectiva saúde.

Assim, para que possa ser reconhecido ao desporto a força moral para actuar como meio eficaz no combate às drogas, que o pode ser indubitavelmente, há que expurgar o “doping” do seio desportivo onde causa grande número de vítimas, num perigo letal evidente. Com essa finalidade, o desporto terá que enveredar por caminhos que não o conduzam à sua própria decadência ao afastar-se do meio educativo onde deve ser exigido ao desportista, mesmo que profissional  a mais estrita ética. 

A Educação Física, no seu aspecto formativo, tem muito a dizer nesta conjuntura. Disso mesmo se apercebeu quem a esta temática tem dedicado muito do seu saber, o Dr. Amílcar Moutinho, médico escolar, que numa reunião para  estudar os meios de combate às drogas no meio estudantil, se referiu a esta parcela de uma educação integral como via eficaz e muito valiosa.

Princípio defendido, igualmente, pelo Engenheiro Rogério de Carvalho, devoto praticante de culturismo, quando escreve num dos meus livros: “Não acredito, para mais, que num  grupo social de indivíduos instalado num corpo saudável  e bem oxigenado penda para as drogas”.

Mas em que estrato social a Educação Física deve actuar? Julgo que em dois diametralmente opostos: na camada dos jovens economicamente fracos, que, por vezes, para obterem a droga dela se fazem traficantes, ou nela se refugiam para sonharem com um mundo de abastança e felicidade e no meio  de uma juventude que procura nas drogas sensações novas que lhes abrande a monotonia e o aborrecimento de uma existência demasiado  cómoda e fácil.

Urge, como tal, levar a Educação Física e o Desporto à mais recôndita carência económica, transportá-los a meios esconsos; impô-los à mais deficiente pobreza pela promoção social e económica da população, trazer à sua prática, os privilegiados da fortuna.

Só assim a Educação Física e o Desporto terão verdadeiro impacto no mundo subterrâneo  das drogas, desventrando-o, pondo a descoberto as mazelas. Pela profilaxia que a actividade física aporta, se evitará (ou pelo menos, se diminuirá) a propagação desta chaga social, se erguerá, por fim, uma população saudável que a exemplo de Ling, com o método de ginástica que herdou o seu nome, combateu o alcoolismo que assolava o seu país natal, a Suécia.

A fonte que representa a actividade gimnodesportiva, devidamente orientada, afasta para longe a astenia de uma vontade impotente para se opor ao fascínio das drogas, corpos sadios não se comprazem com o mundo das drogas que nele não se conseguem acoitar e a eles não resistem como não resiste o micróbio ao ar”!.

Meses após, foi a minha conferência completa, publicada num opúsculo de meia centena de páginas, em edição da Sociedade de Estudos de Moçambique (“Palmas de Ouro” da Academia de Ciências de Lisboa) que abriria as portas de um notável templo  científico/ cultural à Educação Física tendo sido nomeado, tempos depois, vice-presidente da Direcção e, simultaneamente, presidente de uma das secções: Secção de Ciências.

Utopia minha em acreditar no papel da Educação Física e do Desporto na diminuição drástica do consumo de drogas? Seja! Em última análise fica-me a esperança de que, fazendo fé em Edouard Herriot, “uma utopia é uma realidade em potência”!

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