domingo, 29 de março de 2020

"Quarentena bem passada... Ou, pelo menos, um bocadinho melhor".

Neste momento de ameaça global à vida humana, que não pode deixar de ser marcado pela desorientação, a que se aliam vários modos de tristeza e medo, persistem as marcas do "espectáculo" e do "fazer-por-fazer"que temos conferido à sociedade.

Sinais de perplexidade face à nossa fragilidade (e à fragilidade do planeta), de preocupação pelo presente e, sobretudo, pelo futuro, convivem com sinais de uma ligeireza, materializada no "fazer alguma coisa para mostrar na rede": o que se faz tem valor se aí aparece; não tem valor se fica entre nós e com os que nos são próximos. Nas mensagens destinadas aos mais novos, são estes últimos sinais que parecem prevalecer.

No caso de Portugal, vemos como o Ministério da Educação amplia, tais sinais, nomeadamente, com o "movimento nacional de motivação": Uma foto. Uma rede social. Uma hashtag, que tem tido algum acolhimento por parte das famílias (aqui).

Mas estamos longe de ficar por aqui: outras propostas são feitas aos miúdos para "partilharem na rede". 

Por exemplo, há um jornal que promove certa actividade com o título: "Quarentena ilustrada é quarentena bem passada". ideia é que mostrem, através de desenhos, "como se vive dentro de quatro paredes", melhor, como se vive na sua casa, no seu espaço privado.

Além do evidente (e fácil) convite à publicitação do privado (outros temas poderiam ser sugeridos para ilustrar a quarentena) há uma pergunta óbvia: como pode uma quarentena (e pelas razões que se sabe) ser bem passada?! E como é possível que adultos (ainda que por razões simpáticas ou mera desatenção) sugeriram que isso é possível àqueles que, sendo crianças, estão a construir a sua estrutura ética e moral? 

Quem apresenta a proposta, manifestamente centrada no mundo do "eu", terá tido um vislumbre no momento de rematar o texto, pois termina-o atenuando: "... bem passada. Ou, pelo menos, um bocadinho melhor".

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