sexta-feira, 8 de novembro de 2019

O MEU «EX-COLÉGIO DE CERNACHE»

Não obstante a minha inabalável defesa do sistema público de ensino (que, lamentavelmente, já não o é) e da sua separação do sistema de ensino privado, não posso deixar de reconhecer o trabalho, em prol da educação para todos, que foi o do colégio jesuíta da Imaculada Conceição, situado em Cernache. Foi um trabalho que conheci de perto e do qual tenho a melhor impressão (não me pronuncio em relação aos outros dois colégios jesuítas existentes no país, pois não os conheço). Este colégio, tendo perdido os apoios do Estado, fechou no final do passado ano e, tal como Carlos Fiolhais, considero que isso constituiu um mau serviço à educação (ver aqui).

Recebi um artigo recente de Manuel Alte da Veiga, que aqui partilho, precisamente sobre o encerramento de uma escola que poderia continuar a desempenhar a sua função educativa com base no saber inestimável que os jesuítas reuniram ao longo de séculos (deixo de fora as derivas modernas da sua pedagogia que é seguida em algumas regiões e que ainda não entendi).

Chamo-lhe «meu», porque andei a correr por todos os corredores e salas ainda antes de abrir aos primeiros alunos, com o vigor e atrevimento dos 15 anos. Era aluno da «Escola Apostólica» de Macieira de Cambra (1956), dirigida pela Companhia de Jesus e que seria deslocada para Cernache (Coimbra). Desde então até hoje, muitas vezes lá fui restaurar forças, dar alguma colaboração e sobretudo matar saudades, admirando as suas múltiplas potencialidades. 
O «Colégio de Cernache» dispunha de um ambiente escolar invejável. Como é que se prefere, «em vista do bem comum», substituir uma instituição de ensino de boa qualidade por outra sem potencialidades equivalentes? Será que o ideal de «igualdade» é colocar toda a gente no nível mais baixo, sob a égide do facilitismo? 
Lembro a história de um amigo meu antes do 25 de Abril: passando com sucesso nas provas para a carta de condução, esta foi-lhe negada porque não encontrava o «diploma de 4ª classe», exigido para tal. Ele bem acenava o diploma de licenciatura, mas quê! Fiquei triste a pensar que não vale a pena procurar ser melhor… O Colégio de Cernache não tinha «o diploma de 4ª classe convencional» para estabelecimento de ensino de «interesse público»: só podia apresentar um corpo docente bem escolhido, um ambiente de «boa educação» (= procurar sempre o melhor), respeito indiscriminado pelos alunos… e tudo isto num edifício bem apetrechado, bem orientado e vasto, rodeado de magnífico ambiente natural, com o qual professores e alunos dispunham do contacto directo. A permanente residência de pessoas responsáveis garantia o cuidado do património e da segurança. 
Por que será que até muitos políticos pagam bem para «guardar» os filhos em escolas particulares de «alto nível»? Por que será que muitos pais ou encarregados de educação se «esmifram» para que os educandos frequentem as escolas de maior qualidade? 
In illo tempore, chegada a altura de mandar os filhos para o «suplício obrigatório» (alcunha algo verdadeira do «ensino obrigatório»), as «escolas públicas» eram preferidas sobretudo por prepararem melhor os alunos para o «mundo como ele é»: com seus erros e qualidades, desafios e «lutas» (e não só o bullying), além de outras «surpresas». 
Como professor (percorri todos os níveis de ensino), participei em várias discussões informais sobre a história e fundamentos do funcionalismo público, aspectos positivos e negativos. Embora sem visão especializada, considerávamos a sua importância para o equilíbrio social e económico-financeiro e portanto para uma justa organização do mercado laboral e clarificação dos fundamentos éticos. Um tema a ser continuamente aprofundado – o que muito ajudaria a clarificar e «civilizar» a questão «público versus particular». Esta oposição é objecto de muita discussão (...). 
Sentem-se as falhas de informação e de honestidade no debate entre «bem comum» e «o bem de cada qual». Na prática, despreza-se o senso comum: este sabe que a acção particular de cada ser humano se deve orientar pelo objectivo final de bem público; e que, por sua vez, só haverá «bem público» nos empreendimentos que defendem e promovem a «particularidade» (originalidade) de cada grupo e de cada ser humano (...). 
A «igualdade» resultante da imposição duma fôrma medíocre será inevitavelmente medíocre. Só o «igual atendimento personalizado» a cada aluno é que incentiva o nível mais excelente das qualidades pessoais, sem «passagens de ano em massa» ou «reprovações destruidoras» (...). 
A organização estatal do ensino anda demasiado perto do totalitarismo. Na prática, acaba por distribuir o mal pelas aldeias, ao dificultar que cada escola tenha autonomia suficiente para formar uma boa equipa de professores, cuja originalidade seja garantia da «biodiversidade» necessária para a melhor educação. 
MANUEL ALTE DA VEIGA (professor universitário aposentado)

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Torna-se cada vez mais patente, para não dizer evidente, que muita coisa está a mudar e, no ensino, também.
Se é para melhor ou pior, eis o problema.
Mas nada será como antigamente. E antigamente era o que se sabe: nem tudo se recomendaria.
O antigamente seria recomendável nas situações em que o presente fosse tão abonatório do passado que nem havia necessidade de o recomendar. Assim, estamos forçados a censurar e a louvar o passado pelo presente que nos "legou".
Se é preciso trabalhar muito para que tudo continue na mesma, quanto mais ou quanto menos não é preciso para mudar?

Anónimo disse...

Portugal é um pobre país da Europa Ocidental.
A existência das escolas secundárias no nosso país, sendo justificada por múltiplas razões de caráter estritamente educativo e cultural, não deixa de ter como um dos seus fins mais importantes fazer diminuir a pobreza dos portugueses e de Portugal.
A Companhia de Jesus, fundada no século XVI, tendo como fim último a propagação da santa fé católica pelos quatro cantos do mundo, deu, na prática, uma grande ajuda a Portugal na defesa das nossas populações e territórios ultramarinos contra os hereges holandeses e ingleses que só não nos roubaram o que não puderam. Mesmo assim, o Marquês de Pombal acabou por expulsar, e bem, os jesuítas, porque, entre outras razões, não concordava com os seus sistemas e métodos de ensino. O mal é que o grande Sebastião José falhou na implantação de um novo “ensino secundário” onde as ideias novas do século XVIII vingassem.
Alguém acredita que a escola secundária do século XXI, inimiga do saber e do conhecimento, com alunos mal aferidos e sem exames, de passagem obrigatória, poderá ser fonte de riqueza intelectual ou financeira?!
Desenganem-se!
Sem disciplina, conhecimento e trabalho, dentro e fora da escola, não vamos sair da cepa torta!

Rui Baptista disse...

"Alguém acredita que a escola secundária do século XXI, inimiga do saber e do conhecimento, com alunos mal aferidos e sem exames, de passagem obrigatória, poderá ser fonte de riqueza intelectual ou financeira?!
Desenganem-se!". Esta citação que faço vai ao encontro (não de encontro) ao que escreveu Francisco de Sousa Tavares (não se trata de um "perigoso" homem de Direita): "Antigamente, Portugal era um país de analfabetos, hoje de burros diplomados"! Brevemente, será aqui publicado um post meu sobre esta temática.

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