quarta-feira, 9 de outubro de 2019

ALCANENA E O ENSINO DAS CIÊNCIAS EM PORTUGAL


Meu artigo no último JL:


Está de parabéns o Agrupamento de Escolas de Alcanena, no distrito de Santarém, por ter recebido o selo de STEM School Proficiency, que é atribuído pelo projecto STEM School label (https://www.stemschoollabel.eu/), que beneficia do apoio da União Europeia através do programa Erasmus+. A sigla STEM significa Science, Technology, Engineering and Mathematics, isto é, um agrupamento de áreas relacionadas com as ciências. Nos Estados Unidos, de onde vem o termo, distingue-se matemáticas de ciências, tendo a designação STEM sido adoptada no início deste século pelas instituições nacionais. A promoção das STEM atravessou o Atlântico, existindo vários projectos europeus com essa ênfase, Como o STEM School label que procura estimular o gosto pelas ciências de um modo interdisciplinar e aplicado. Quando se pensa em STEM pensa-se em problemas reais e na necessidade de conjugar várias disciplinas para os enfrentar, uma atitude que deve desde cedo ser cultivada na escola. A grande preocupação dos Estados Unidos com o ensino das STEM tem a ver com o afastamento dos alunos em relação à ciência e com a falta de professores com formação adequada nas áreas científicas. Existe, de facto, um problema quando, numa sociedade de base científico-tecnológica, faltam pessoas, treinadas no método científico, que sejam capazes de usar a matemática, a experimentação e a computação para resolver problemas. Na Europa, embora a fuga dos alunos das áreas STEM não seja tão grande como nos Estados Unidos (em Portugal não é), o STEM School label procura ser inspirador. Nele estão associados, além da European Schoolnet (consórcio de 34 ministérios da Educação europeus), o programa Ciência Viva português, a Maison pour la Science da Alsácia, o Center for the Promotion of Science da Sérvia, e o Education Development Center da Lituânia.

O feito da Escola de Alcanena é de assinalar, pois, num exercício de avaliação alargado à escala europeia, foi a única a alcançar o grau de proficiency, acima das três centenas de outras, algumas delas portuguesas, que alcançaram o patamar de competent. O grau superior de expert, que corresponde a uma prática extraordinária por todos os critérios da estratégia da Escola STEM, ficou nesta primeira edição por atribuir.

Quais têm sido as boas práticas em Alcanena que levaram à distinção? Pois tem sido o cultivo de uma cultura de projectos, que procuram fazer interessar os alunos por problemas locais, como é o caso na região da reconversão dos desperdícios dos curtumes (as descargas dessa indústria causam problemas sérios de poluição). Desde o pré-escolar até ao final do secundário o Agrupamento de Escolas tem promovido o interesse pela ciência, procurando desenvolver práticas inovadoras tanto nas salas de aula e laboratórios escolares como no terreno (uma dessas iniciativas são os Clubes de Ciência). Existem colaborações com escolas de ensino superior, como a Universidade de Coimbra, a Universidade Nova de Lisboa e os Institutos Politécnicos mais próximos (Leiria e Santarém). Elvira Fortunato, especialista em Ciência de Materiais da Universidade de Lisboa, apesar de ser natural de Almada, tem família oriunda de Alcanena. Eu próprio tive na Universidade de Coimbra uma doutoranda de Alcanena que hoje é professora na Universidade Nova de Lisboa, e tiva, há alguns anos, a oportunidade de visitar a escola secundária local e de falar para os alunos.

Sendo indiscutível o mérito do trabalho realizado em Alcanena por alunos e professores. ´´e óbvio que são exagerados alguns títulos aparecidos nos jornais como “a melhor escola de ciência na Europa”. Só uma amostra muito pequena das escolas europeias tentaram obter o selo em causa e não faz sequer muito sentido essa designação, por não haver nenhuma maneira objectiva de estabelecer um ranking da qualidade do ensino das ciências. Na minha opinião, é mesmo impossível dizer qual é a melhor escola em ciências na Europa ou mesmo em Portugal. Nem os famigerados rankings baseados nas classificações nacionais ajudam muito, dada a conhecida relevância da origem socioeconómica dos alunos. A distinção é apenas o reconhecimento internacional dos louváveis esforços da escola em interessar os seus alunos pela ciências e tecnologias. Permito-me, entre todos esses esforços, que são impulsionados pelo corpo docente dos departamentos de ciências com o indispensável apoio da direcção da escola, destacar o trabalho que o Centro Ciência Viva do Alviela – situado nos Olhos de Água do Alviela, perto de Alcanena – no sentido de levar a ciência a crianças do pré-escolar. Vale a pena visitar o referido centro, que mostra os morcegos e outros aspectos das grutas da região calcária. E espera-se que abra para visitas regulares o há muito anunciado Museu dos Curtumes, cujo edifício já está construído e cujo fito é divulgar o facto de Alcanena ser a “capital da pele” portuguesa.

O reconhecimento internacional de Alcanena oferece uma boa oportunidade para nos interrogarmos sobre o ensino das ciência em Portugal. Uma comparação internacional feita a alunos de 15 anos nas áreas da leitura, da matemática e ciências é proporcionada pelos testes PISA - Programme for International Student Assessment da OCDE. Portugal, que estava muito em baixo, tem melhorado nestes testes. No PISA de 2015, que se centrou nas ciências, o nosso país obteve resultados médios um pouco superiores à média da OCDE tanto na literacia científica como na de leitura, ficando a literacia matemática na média da da OCDE. Em ciências Portugal ficou no 17.º lugar, entre os 35 países da OCDE. Estando agora longe dos últimos, onde já estivemos, estamos porém ainda longe dos primeiros lugares, que são ocupados por Singapura, Japão, Estónia, Taiwan e Finlândia. Portugal aparece próximo da Suíça, Irlanda, Bélgica, Dinamarca e Polónia, que estão um pouco acima de nós, e da Noruega, Estados Unidos, Áustria, França e Suécia, que estão um pouco abaixo.

Num recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “Porque melhoraram os resultados PISA em Portugal?”. dirigido por David Justino, tentou-se perceber melhor os resultados nacionais. Entre os pontos positivos fala-se de investimento em linha com outros países comparáveis, frequência quase universal do pré-escolar, adequada dimensão das turmas, boa formação dos professores e boa motivação dos alunos. É salientada a existência de escolas com bons resultados em meios carenciados do ponto de vista socioeconómico. Nos aspectos negativos, figuram o excesso de reprovações, o conhecido défice de educação dos pais (um dos maiores problemas nacionais), o envelhecimento dos professores e a sua resistência à mudança (é incrível a falta entre nós de professores com menos de 30 anos), a falta de autonomia das escolas e o excesso de trabalho escolar, a carência de infraestruturas escolares, e a falta de actividade física dos alunos.

Em Portugal, apesar de Alcanena, não se pode dizer que o ensino das ciências tenha evoluído significativamente nos últimos quatro anos. Se me perguntarem como melhorar o ensino das ciência em Portugal, faria duas propostas:

1) Renovação urgente do corpo docente, permitindo que surja uma nova geração de professores, mais preparada para o uso das novas tecnologias, e que ela seja de início devidamente acompanhada pelos colegas mais experientes.

 2) Aposta muito forte no ensino experimental das ciências nas idades mais baixa. O RÓMULO – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra abriu há um ano uma escola por onde passam durante uma semana todos os alunos do 4.º ano do município de Cantanhede e os resultados têm sido muito encorajadores. Pode-se fazer mais no ensino experimental no ensino básico. Além disso, havendo já em Portugal uma boa cobertura do pré-escolar, ainda falta generalizar a iniciação à ciência nessas idades. A ciência a brincar é – deve ser – o início da ciência a sério.

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