sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

INTRODUÇÃO


Este livro é a continuação de “Açordas, Migas e Conversas”, Âncora Editora, 2018. Como então escrevi, mais de dois anos de convivência virtual, praticamente diária, com os meus, agora, cerca de 9000 (actualmente já são 10 250) seguidores no Facebook, e a insistências frequentes e empenhadas de muitos deles, me encorajou no dever, quase na obrigação, de passar a livro uma selecção dos textos aqui editados (mais de um milhar) num conjunto tanto quanto possível harmónico, intercalando conversas que vão do trivial à divulgação científica e cultural com receitas culinárias de imensa simplicidade, na maioria, marcadas por sabores e modos de vida alentejanos.

Durante séculos, como o faz notar Monarca Pinheiro (1999), o alentejano viveu de «frustração sublimada em invenção. Com as migalhas que lhe couberam, soube inventar uma cultura de eleição, e esta é, talvez, a sua maior glória. Do pouco fez muito e bem». E entre esse muito e bem, nascido da alma deste povo, salienta-se a sua capacidade inventiva nos cozinhados, a que o autor se refere como «arte dos comeres», a par da «arte de musicar», internacionalmente reconhecida, em especial, através dos seus cantares.

Repetindo, por me parecer necessário, partes do que então escrevi, explicitarei que, além de tudo o que aprendi no imenso mundo da cozinha alentejana, desde criança, com a minha mãe e a minha avó, e do que fui modificando e criando de novo, reuni neste outro livro tudo o que pareceu interessante entre relatos ou crónicas de situações vividas e presenciadas, experiências de profissão, intervenções cívicas, ensaios, reflexões que vão da política à filosofia, passando pela divulgação científica e pela arte. A esta aprendizagem culinária juntou-se a outra recebida dos camponeses, em ocasiões do campismo selvagem que fiz, com o meu irmão Mário e outros companheiros, nas herdades rurais do concelho, petiscando e confraternizando, onde os saberes próprios das vidas deles se misturaram com os nossos, adolescentes a estudarmos na cidade.

Como no livro anterior, “COM COENTROS E CONVERSAS À MISTURA” não tem a preocupação de ensinar a cozinhar. Concebido para os que sabem movimentar-se na cozinha, permite-lhes encontrar nele informação suficiente para confecionar, “à sua maneira”, alguns dos “comeres” que foram e ainda são os meus. Esses “comeres” estão muito, pouco ou nada transformados, dos que vi fazer na grande chaminé da casa da minha avó, em lume de chão, com lenha de sobro ou azinho e em loiça de barro vermelho e de esmalte, e muitos dos que a minha mãe, cozinhando em lume de carvão, há mais de setenta anos, nos pôs no prato. São os cozinhados que me ajudaram a crescer, imensamente simples, à medida do orçamento disponível, e de confecção rápida, posto que a mãe, nesse tempo e numa família numerosa, tinha muito mais que fazer. A este património familiar acrescentei, como disse, um conjunto de receitas criadas de raiz ou transformadas, mas sempre dentro do que poderíamos qualificar de sabor alentejano.

As confecções que aqui se apresentam são, insisto em dizer, particularmente simples, tanto no que diz respeito aos diversos ingredientes usados, como no modo de operar. São acessíveis em termos de procura e de custo, rápidas de preparar, saudáveis, nutritivas, perfumadas e agradáveis ao paladar. E nelas, os “cheiros” têm lugar de destaque. Naquelas em que, tradicionalmente se pisam os coentros e os alhos no gral (almofariz), prefiro batê-los em azeite no copo com a varinha ou no liquificador, com a vantagem de lhes intensificar os respectivos aromas.

Faça, pois, querida leitora ou querido leitor, desta obra e por uns tempos, também o seu livro de cozinha e verifique como isso se reflecte positivamente no seu dia-a-dia em termos de alegria à mesa, facilidade e rapidez de confecção, saúde e economia, o que é um aspecto a considerar nos tempos que correm. E aproveite, com a leitura dos curtos textos associados a cada receita, para recordar o que já esqueceu ou aprender o que não sabia.
A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

Anónimo disse...

Cá por cima, pelas províncias do litoral do norte, sem coentros, vêm-me contudo à memória alguns pitéus familiares de há meio século atrás de fazerem crescer água na boca:
- Fígado de cebolada;
- Galo caseiro assado no forno com batatas, ao almoço de domingos, feriados e dias santos;
-Salada russa com bacalhau desfiado regado com azeite virgem;
- Lulas grandes, recheadas em casa;
- Lulas fritas;
- Fanecas frescas fritas;
- Alheiras confecionadas em casa com carne de galinha caseira;
- Sardinhas assadas na brasa, com batatas cozidas, broa e vinho tinto da pipa;
-Caldo verde com um fio de azeite e uma rodela de chouriço;
- Arroz doce com imensa canela.

Sobremesas disse...

Bolo de bolacha
Maçã com pau na canela
Serradura
Toucinho do céu

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