terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Amos Oz: "O fanatismo não me sai da cabeça porque o vejo em toda a parte"


Comemora-se hoje, dia 1 de Janeiro, o Dia Mundial da Paz, criado pela Igreja Católica em finais de 1967. Outra data dedicada à celebração da Paz é 21 de Setembro, criada, posteriormente, pelas Nações Unidas e designada por Dia Internacional da Paz. Há, portanto, dois dias por ano em que a Paz está, ou deveria estar, em debate sério e profundo à escala global.
Nesse debate, seria de colocar a Escola em lugar central, não para transferir para o seu currículo, como é costume e de forma completamente desadequada, toda a responsabilidade ou irresponsabilidade da sociedade, mas tentar perceber qual é efectivamente a sua função nesta matéria.

Mas não é sobre a Escola que pretendo falar neste texto, pelo menos de um modo directo. O que pretendo é assinalar a recente morte de alguém que, estando no cenário que é o israel-palestiniano, se preocupou durante toda a sua vida com a Paz. Falo do escritor Amos Oz.

A sua intervenção cívica, muito evidente na escrita, tanto de ensaio como ficcional, não fez dele um homem tranquilo, confiante num futuro necessariamente melhor. Há uma inquietação real, que perpassa a sua obra e que parece avolumar-se à medida que o tempo passa. Talvez esse tenha sido o resultado da progressiva consciencialização da natureza (ou condição) humana e, sobretudo, do abrandar da guarda que é preciso fazermos ao que de pior ela tem.

Nos dias conturbados que vivemos, vale a pena ver a intervenção que fez em São Paulo, há pouco mais de um ano, aquando da apresentação do seu livro de ensaios Mais uma luz, publicado no Brasil pela Companhia de Letras.

Em complemento, vale a pena ler e/ou ver dois apontamentos disponibilizados pelo sítio Fronteiras do pensamento.
Ao longo da história, as pessoas não precisaram de muitos motivos para odiar outras pessoas. Ao longo da história, as pessoas odiaram as outras porque não eram iguais a elas. Deviam ser mais iguais, mas não eram. Homens odiavam mulheres porque mulheres não são como os homens. Negros e brancos, oriente e ocidente, ricos e pobres odeiam-se entre si: é um componente comum da natureza humana. No século XX, por causa do grande trauma causado por Hitler e Estaline, as pessoas ficaram mais relutantes por algum tempo, pouco tempo. Tornaram-se cuidadosas com o seu ódio, com o fanatismo radical, com o racismo. Esse foi o presente de Hitler e Estaline. Eles nunca quiseram dar esse presente, mas acabaram por deixar esse bom presente. Agora esse presente está a chegar ao fim do seu prazo de validade. A geração mais nova, que está a emergir, mal se lembra dos horrores de Hitler e Estaline, portanto o ódio, o racismo, a misoginia e o preconceito voltaram a todos os lugares que ocupavam (aqui).
(...) 
Existe uma crise universal da democracia. Israel é parte dessa crise e acredito que o Brasil também. Parte da crise tem a ver com o facto de cada vez mais e mais pessoas deixarem de diferenciar a política do entretenimento. Votam porque se querem divertir. Votam porque querem algo totalmente diferente – não interessa o quê, querem um novo filme na política. Votam porque querem empolgação. Votam porque querem um escândalo, e elas gostam do escândalo. Muitas pessoas já não vêem qualquer conexão real entre a maneira como votam e o seu destino após as eleições. Votam por-que querem que as coisas sejam divertidas. Alguém muito excêntrico como Donald Trump, alguém muito jovem como Macron em França, alguém extremamente radical, alguém extremamente revolucionário, alguém totalmente inesperado. Diversão. Essa é das crises da democracia. A outra crise talvez seja mais profunda: quanto mais complexas se tornam as questões do mundo, mais as pessoas desejam respostas muito, muito simples. A globalização é uma questão complexa. Há lados positivos e lados negativos. O aquecimento global é muito complexo, existem muitos lados nessa questão. As pessoas querem uma resposta de uma frase. Os fanáticos, os extremistas, os radicais, a extrema-direita e a extrema-esquerda, todos eles nos oferecem uma fórmula muito simples. Dizem-nos quem são aqueles que encarnam o mal. Precisamos de nos livrar deles e, depois disso, os portões do paraíso vão abrir-se. As pessoas optam por respostas simples porque as questões estão a tornar-se cada vez mais complicadas. Estes são alguns aspectos da crise da democracia (aqui).

1 comentário:

Andrés Palma disse...

Querida Helena. Muy esclarecedor y muy interesante. Gracias por tus palabras y por reflexiones. Ya hablaremos sobre este tema y este autor.

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