quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O ABUSO DAS EXPLICAÇÕES PARTICULARES

Artigo recebido do  psiquiatra  Nuno Pereira: 


    As explicações particulares constituem serviços pagos de apoio extraescolar com o objetivo de melhorar o desempenho dos alunos. O recurso transitório a explicações individuais ou em pequenos grupos pode ser vantajoso, quer como recuperação para alunos com dificuldades, quer como reforço para bons alunos, permitindo acelerar a aprendizagem. Os primeiros procuram acompanhar o ritmo da turma e os segundos aspiram à excelência. Dada a competitividade na sociedade, são as classes médias e altas que mais se valem das explicações para seguir estudos superiores. No entanto, manter explicações ao longo da escolaridade obrigatória prejudica por um lado os alunos, porque lhes cria dependência e limita o tempo livre, e por outro lado as famílias, porque sobrecarrega o orçamento doméstico.

    Em primeiro lugar, os alunos, habituando-se a dispor sempre da ajuda dos explicadores, desvalorizam as aulas oficiais e não desenvolvem o estudo autónomo. Os explicadores para obterem resultados rápidos apresentam o conteúdo curricular já pronto e treinam para os testes. Os explicandos limitam-se a assimilar a matéria “mastigada”, o que lhes permite uma progressão mais célere. Ficam porém privados de aprenderem de modo autónomo não só a recolher e organizar informações, transformando-as em conhecimentos, como também a aplicar estes últimos. Já sem falar nos “explicadores” que praticamente resolvem os trabalhos para casa dos alunos, o que falseia o mérito individual. Tudo isto pode trazer consequências funestas na universidade e mesmo na vida profissional, em que mais se exige competência autorregulatória. Em segundo lugar, a sobrecarga das explicações e deslocações gera fadiga, reduz o tempo de socialização e afeta o convívio familiar. Pior ainda se se resumem a meras aulas extras para oferecer mais do mesmo. Em terceiro lugar, o custo das explicações é insuportável para muitas famílias, o que motiva desigualdades sobretudo no acesso ao ensino superior. Seja como for, mesmo que acabem com os exames na escolaridade obrigatória (como defendem alguns), haverá sempre provas de ingresso com a consequente seriação, caso os candidatos superem as vagas subordinadas à capacidade de formação no curso pretendido.

    Em suma, as explicações privadas – sinais de insuficiência da escola - podem ser úteis se episódicas, mas prejudiciais se duradouras. Porém, o ideal é o domínio de todo o processo de ensino/aprendizagem exercido pelo professor no âmbito da própria disciplina com a progressiva autonomização dos seus alunos, sem que estes necessitem de duplicar as lições.

                                                                       Nuno Pereira (psiquiatra)

2 comentários:

Anónimo disse...

Esta breve exposição do psiquiatra Nuno Pereira é irrepreensível do ponto de vista formal e científico. Já no que diz respeito a referências ao pragmatismo, que, nos tempos que correm, se tem vindo a infiltrar nos grandes sistemas de pensamento, nomeadamente naqueles de onde provêm as linhas mestras orientadoras das políticas educativas em Portugal nas últimas décadas, o texto é de uma pobreza franciscana. Por outras palavras, a maioria dos estudantes que procuram explicações, assim como os que vão “estudar” para os colégios particulares, querem apenas desenvencilhar-se, o mais rápido possível, das dificuldades postas pela aquisição de conhecimentos, que na escola do Aprender a Aprender há muito tempo deixou de ser essencial, e pela falta de autonomia de aprendizagem, que também já não faz falta, e investem, muito dinheiro e vontade, na papinha feita dos explicadores que lhes dá acesso fácil à porta do cavalo de entrada na universidade ou politécnico, onde o que vão aprender continuará a ser secundário em relação ao objetivo supremo que é ter o canudo que prova que são engenheiros, arquitetos ou doutores. Concluindo, no nosso ensino secundário de faz de conta há mais vantagens do que desvantagens em contratar um explicador particular.

Anónimo disse...

ok

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