quarta-feira, 4 de julho de 2018

Professor não; mediador sim, dizem alguns professores

"O grande desafio daqui pra frente não é mais saber conteúdos, 
posto que esses estão todos disponíveis na Internet, 
mas quais informações são importantes e relevantes 
para o crescimento cognitivo, 
como essas informações vão mudar o modo de ver o mundo 
e de fazer as pessoas crescerem intelectualmente."

Cláudio de Musacchio,  2014 (aqui).  

"Ele [o professor] ainda cumpre uma função,
é necessário à escola e pode ensinar (...) mas cumpre fazê-lo com cuidados.
O primeiro passo é responder ao que os seus alunos querem saber (...)
 Esse reposionamento do professor deixa lugar à actividade dos alunos,
coloca-os como guias e protagonistas últimos da educação escolar."

Afonso Mancuso de Mesquita, 2010, 72 (aqui).

Certas afirmações/declarações sobre o ensino são realmente difíceis de compreender. E são ainda mais difíceis de compreender se proferidas por especialistas em educação e por professores.

Uma delas é a que se prende com recusa do papel de ensino, que é específico do professor, de modo, claro está, que os alunos aprendam.

Que empresas, políticos e sociedade a veiculem e, mais do que isso, a queiram impor, é estranho, mas enfim, podemos sempre pensar que não estão por dentro do que é a escola e do trabalho que nela se faz ou que têm algo a ganhar com isso, contudo é desconcertante quando se trata de quem conhece e desempenha o ofício.

Realizou-se recentemente em Portugal uma conferência, que foi declarada como o "maior evento de educação do ano", sobre a
“mudança do papel” do professor de “fonte primária” de conhecimento para “medidor” entre alunos.
O organizar, um professor, presidente da Casa do Professor, explicou que os alunos aprendem agora de um modo diferente, não aprendem como aprendiam no passado. Nas suas palavras divulgadas na imprensa:
“... aprendem de forma diferente de há uns anos, as suas formas de aprender as matérias não são exatamente as mesmas, não têm os mesmos processos, são uma geração nascida no pós-internet e isso veio alterar a forma como os jovens se posicionam no mundo”.
Logo, disse, o professor "muda de papel":
“passa de fonte primária do conhecimento a orientador, um tutor, um verdadeiro mediador (...). Anteriormente, o professor era a voz do discurso pedagógico, hoje os alunos têm outros estímulos, reagem de forma diferente, têm uma atenção repartida durante o período da aula e tem que se os estimular no sentido de estarem atentos, mas não apenas focados no professor”.
Assim sendo,
“... este novo papel merece reflexão, exige constante formação e apresenta desafios, vai exigir muito dos professores e esta conferência var dar resposta a esse novo papel no sentido de acompanhar a inovação pedagógica, os desafios que se lhe colocam hoje em dia, porque 
Pergunta, com toda a pertinência, o jornalista, se neste "novo paradigma", o professor perde protagonismo "para as novas tecnologias". A resposta é que não, pois
“... há algo que o computador não consegue (...). As novas tecnologias não conseguem humanizar o contexto de sala de aula e nesse sentido o computador não vai nunca substituir o professor. Confere-lhe um novo lugar, mas não necessariamente um lugar secundário”.
Estas declarações, que têm tudo de nebuloso, não constituem uma novidade. São, na verdade, a replicação, ad nauseam, da "narrativa" da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a aprendizagem no século XXI.

Organização que também marcou presença na mencionada conferência, fazendo-se representar por um "alto quadro". Nem outra coisa seria de esperar: determinando ela a educação escolar no mundo,  tem de estar muito atenta ao que se diz e ao que se faz, não vá dar-se o caso de surgirem desvios.

7 comentários:

Anónimo disse...

A Nova Escola não para os alunos, é para levar a Escola aos professores, para que estes aprenderam, aprenderam a divertir e a ocupar os alunos, garantindo que estes percam o mais possível de tempo nas suas aprendizagens relevantes. Uma treta cujos resultados podem ser vistos no declínio da Alta Cultura Brasileira gerado pela aplicação da filosofia construtivista desde os anos 50. Soçobra ideologia, soçobra esquerdismo.

O objectivo é o professor vir a ser substituído a médio prazo, quando a Inteligência Artificial estiver pronta. Os alunos agora não "aprendem de forma diferente de há uns anos", eles simplesmente, não aprendem nada além de uma miscelânea de factóides sem Tempo, nem Espaço.

Anónimo disse...

Estas são as consequências de crer que a Educação deve/pode ser uma ciência. As Ciências da Educação são a parvoíce mais perniciosa em que caíram os professores e que destrói gradualmente a toda a profissão. Claro, como ferramenta política é insubstituível na engenharia social.

Anónimo disse...

Sem dúvida que os alunos agora "aprendem de forma diferente de há uns anos", vejam esta notícia:

Facebook e Twitter são projectados para agir como ‘cocaína comportamental’
https://pplware.sapo.pt/informacao/facebook-e-twitter-sao-projetados-para-agir-como-cocaina-comportamental/

Anónimo disse...

Do meu ponto de vista, da minha experiência nos últimos 30 anos, estas teorias são destrutivas, são a antítese da "libertação" do aluno. Hoje temos uma tentativa de censura pelo excesso de informação, não pela sua escassez. De que interessam paredes de tijolos sem uma Forma, sem as vigas, sem um projecto?! Para que interessa muita informação, se degradamos a capacidade de formular questões?

A degradação do zero disse...

Boa! Eu quero ser mediadora. Onde se tira o curso?

políndromo disse...

Passo a explicar, desenhando uma garatuja científica para que as mentes brilhantes me entendam melhor.
Imaginem uma linha crítica entre os pólos zero e um. Dentro desses limites, todos os zeros são não triviais. Riemann afirma que qualquer zero complexo da função zeta possui parte real. No plano real, tudo é um separado do outro, mas no pano de fundo, no plano complexo, tudo está ligado. Só assim se explicam os pontos de encontro entre linhas reais e imaginárias na tal zona crítica porque “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Esses pontos são metáforas. Afasias. Vazios de valor real. Botões entre ser e não ser. Depois, alinhamento do abstrato, dos zeros, na reta real. “A linguagem pensa-me”, diz Lacan. Nasce o bebé. Olha-se ao espelho e o drama acontece – a apropriação da linguagem que me pensou. E assim sucessivamente... até que aconteça um erro de padrão que faça toda a estrutura mudar de eixo para se repetir de outra forma.
O mediador é esse botão entre significantes e significados, sendo, ele mesmo, nenhum dos dois. Um vazio infinito de concreta passagem, condensado e deslocado de lá, respetivamente, de onde estava e de onde supostamente deveria estar... E isto é progressista porque interminável.
Muito melhor do que ser professor, esse zero à esquerda ou à esquerda do zero, trivial, cheio de números pares negativos.
Perceberam?

Anónimo disse...

Antes de mais, não podemos perder de vista que, ao mesmo tempo que nós, os colaboradores do Rerum-Natura, analisamos e discutimos estas questões essenciais da identidade e função do professor na escola do século XXI, os grandes órgãos de comunicação social, em Portugal, continuam a dar, todos os dias, grande destaque a notícias de que os professores permanecerão em greve até que o governo admita que dispõe de dinheiro suficiente para lhes pagar os ordenados presentes e futuros!...
Os professores não se podem assumir como os “operários da educação”! Fazer greves é próprio de proletários explorados do século XIX!
O pecado original das política educativa em Portugal foi partir do princípio de que um país é tanto mais culto e desenvolvido quanto maior é o seu número de professores, que servem, principalmente, para formar novos professores!
Para completar o quadro esquizofrénico, vieram depois os cientistas da educação que encheram com disparates as cabeças dos professores, ao ponto de estes já não saberem o que estão a fazer nas escolas! Como a matemática, a física, o inglês e demais saberes foram transferidos para a internet, os professores agora só precisam de saber os endereços eletrónicos dos melhores sítios para aprender! Contra esta falácia do Aprender a Aprender, limito-me a apresentar o seguinte testemunho pessoal:
Desde tenra idade, pude, fora da escola, ler muitos livros e revistas, em casa e bibliotecas, bem como assistir a bons programas de televisão e rádio, contudo, considero que mais de 90 % da do acervo cultural científico constituinte da minha pessoa, para além da muita água que faz a maior parte do meu corpo, só é meu porque me sujeitei a sentar nos bancos da escola por mais de 20 anos!
É verdade que a informação está toda na internet, mas a grande maioria das pessoas, como eu, continuará a precisar de professores que lhes expliquem o conceito de Força de Coriolis, por exemplo!

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