domingo, 1 de julho de 2018

HAWKING OU COMO FIQUEI SEM VOZ


Minha contribuição para a revista "Antimatéria" dos estudantes de Física da Universidade de Coimbra:

No dia da morte de Stephen Hawking, 14 de Março de 2018 (curiosamente o aniversário do nascimento de Einstein e também o dia do pi por ser 3/14 na notação anglo-saxónica), fui acordado de madrugada por um jornalista da rádio, que me transmitiu a infeliz notícia pedindo-me um depoimento. Seguiu-se uma avalanche de outras chamadas, às quais procurei responder. Nesse dia tinha de ir cedo de carro para Guimarães e lembro-me que estava uma tempestade terrível. Escrevi rapidamente um artigo para o Expresso on-line ainda antes de partir. Na autoestrada, usando o telefone de alta-voz, dei uma entrevista ao Público, que no dia seguinte apareceu no jornal sem grande edição (disseram-me que não saiu mal, mas tudo foi um grande improviso em movimento). No Porto parei nos estúdios da RTP no Monte da Virgem para dar uma entrevista em directo.

Com tantas declarações e a meteorologia tão desfavorável fui perdendo a voz. Lá disse o que tinha a dizer no Minho (uma sessão combinada há muito), com a voz cada vez mais fraca. Entretanto comprometi-me a passar ao fim do dia pelos estúdios da SIC e da TVI no Porto, para intervenções em directo. Na SIC uma amabilíssima funcionária, além do oportuno copo de água, deu-me umas pastilhas para a garganta, que minoraram momentaneamente o meu problema. Mas no fim do dia, depois de ter ingerido uma canja, a entrevista que dei, em directo, à Judite de Sousa, já me foi bastante custosa. A minha voz não parecia minha e não sei se alguém conseguiu perceber alguma coisa. No estúdio em Lisboa estava uma doente com uma doença neurológica, como aquela que tinha afectado Hawking a partir dos 20 anos, que, apesar do seu problema motor, se expressava melhor do que eu. A jornalista perguntou-me qual era a razão de Hawking falar tantas vezes de Deus e eu lá tentei dizer que ciência era uma coisa, crença era outra e o físico inglês usava a palavra Deus basicamente para chamar a atenção: quando um cientista fala em Deus toda a gente levanta as orelhas!

Depois foi o regresso a casa pela mesma autoestrada, felizmente agora sem a necessidade de falar. Fiquei uns dias praticamente sem voz (o que foi bom: há quem diga que o calado é o melhor).´ Parece-me que no dia 3/14 falei a todos os media nacionais, excepto talvez ao Observador que teve o azar de me telefonar quando eu tinha a linha ocupada. No dia seguinte lá me li nos jornais. Vendo à distância, com todas as falhas que podem ter acontecido devido ao improviso, estou em crer que fiz o que tinha a fazer, pois Hawking era o cientista mais mediáticos da actualidade e, com Einstein, Darwin e poucos mais, um dos mais mediáticos de sempre. Falar sobre Hawking era uma ocasião para falar de ciência, para falar dos mistérios do mundo e da tentativa de desvendar desses mistérios que a ciência é. Hawking pensou o Universo todo, desde o seu início, o Big Bang, até aos fins que são os buracos negros (que para ele não eram afinal negros). Assuntos enigmáticos sobre os quais ele, mesmo sem voz, conseguia falar e que nos deixam a maior parte de nós mudos, por pouco termos a dizer. Foi irónico que eu, embora temporariamente, tenha ficado mudo tal como Hawking na maior parte da sua vida. Passe a comparação, pois é preciso salvaguardar as distâncias cósmicas que há entre um físico genial e um seu admirador.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não é preciso mais do que este breve testemunho, de um dia triste e chuvoso da vida de Carlos Fiolhais, para que este eminente Professor de Física da Universidade de Coimbra mereça que o tratemos, para sempre, como um mártir ao serviço da Ciência e sua Divulgação por toda a Terra.

Anos de vazio disse...

"(...) quando um cientista fala em Deus toda a gente levanta as orelhas!" Os burros?
Um cientista fala de Deus porque O procura toda a vida, na Ciência, tentando comprová-Lo. Que outro motivo terá o cientista? Apesar de a voz de Hawking representar a de todos nós, acredito que, no fundo de tanto silêncio, O tivesse escutado...

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