quinta-feira, 7 de junho de 2018

OS DESCOBRIMENTOS E OS SEUS INIMIGOS

Artigo de Guilherme valente no JL de ontem:

A mão treme quando evocamos os crimes cometidos pelos Árabes, enquanto o inventário dos crimes cometidos pelos Europeus, igualmente condenáveis, ocupa páginas inteiras.
Marc Ferro

I
Os títulos de quem escreve não tornam justo o que se escreve. Nos artigos que escrevi acentuei até à redundância muito do que António Hespanha referiu no artigo que acaba de publicar no JL.
Essa convergência diz-me não ser a mim que se dirigiu (porque haveria, aliás, de me ter lido e responder?) quando acentuou justamente que “O patriotismo não pode assentar em operações plásticas na face da pátria. Tristes patriotas os que só amam pátrias belas e de história impoluta...”
Nunca houve pátrias assim, acrescento eu.
Amar a pátria é, pelo contrário, olhar a sua realidade nos olhos, criticamente, e empenharmo-nos em a tornar melhor. Nunca é, acentuo a propósito, odiar a pátria dos outros.
Esse ódio, que os horrores do século XX levaram a que se reserve o termo “nacionalismo” para o designar, nunca resulta de um excesso de pátria, mas de um défice. É por isso que quem ama a sua Terra é sensível e se pode entregar ao fascínio de outras civilizações sem perder nada, mas ganhando muito.
É um défice de pátria que explica pulsões (patológicas) que determinam muito do que está em jogo na questão do museu, na aversão, afinal, aos Descobrimentos.
De facto, se quisermos compreender esse jogo, teremos de ter presente o episódio da manifestação à estatua do Padre António Vieira, que poderia (quereria?) ter terminado com a sua vandalização. Manifestação, aliás, que o meu Presidente da Câmara se esqueceu de condenar.
E se o melhor da excelência académica que fazendo a diferença subscreveu o Abaixo-Assinado tivesse tido presente esse episódio, provavelmente não teria caído no logro de se embrenhar no tricot falacioso sobre a propriedade do termo "Descobrimentos”. Excelência académica que está a ser usada como bandeira de pressupostos e intenções que suponho não subscreverá.
Esse tricot terá servido pelo menos para confirmar não faltarem candidatos para o emprego na empreitada do museu. Lista e compromissos que já correm. Mas AH, que no mérito estaria bem colocado para a corrida, não consta dela, registe-se, nem aceitaria tal cargo, suponho.
Transcrevo o que recebi de um jovem intelectual de muito mérito, que me enche de esperança no futuro:
"Esta questão do nome do museu é mais uma demonstração da lavagem asséptica da linguagem que tem estado em voga. Esfrega-se bem até ficar tudo cinzento. Que um país com a nossa história não tenha um museu deste cariz, onde naturalmente se falará de escravatura (porque raio não se havia de falar?) como de tudo o resto, para mim é inexplicável. E mais inexplicável ainda que a primeira reacção dos académicos, que deviam ser parte integrante do projecto, seja um abaixo-assinado a rebater de imediato o nome informal que foi avançado. E realmente denota-se muito preconceito quando comparam o projecto do museu ao International Slavery Museum… Acho normal que se possa pensar noutra designação, mas o abaixo-assinado na verdade não o faz, e para além disso temo que os argumentos apresentados não tenham de facto boa-fé e isenção. Mas como tudo o resto vai por arrasto, e quem não pensa deixa que pensem por si, mais dia menos dia está aí um Museu-das-Viagens-Marítimas-Portuguesas-com-Intuito-Mercantil-cujo-Único-Resultado-Foi-a-Destruição-do-Povo-Indígena-Legado-que-os-Portugueses-Devem-levar- às - costas."
Assistir ao alheamento geral, ao silêncio ou cumplicidade de instituições e universitários que deviam estar na primeira linha da lucidez, da liberdade e da resistência, talvez seja mesmo o mais confrangedor e preocupante nesta história de sombras.
II
1. Não é preciso ser profissional ou sequer amador da História como sou para intervir no que está em causa.
Não foi o “outro” que veio, foram os portugueses de então que foram e encontraram o “outro”. (No caso dos Chineses porque estes decidiram mesmo não vir, pois possuíam tudo para terem chegado, saber, barcos formidáveis, riqueza e gente. E depois de terem navegado muitos mares, pararam intrigantemente perto.)
O resto são jogos semânticos para iludir o que não altera nada iludir. A realidade não deixa de ser o que é por impormos que seja diferente.
E como foram os nossos antepassados que partiram, obrigaram-se ao exercício de qualidades humanas e feitos extraordinários, medindo até aonde podia chegar então “a força humana”.
E continuaram nessa época, mas então num salto qualitativo inimaginável, o já longo percurso humano de abertura do mundo ao mundo, a descoberta entre si dos seres humanos, o reconhecimento e encontro de cada um consigo próprio. Os seus feitos alargaram surpreendentemente o horizonte da Humanidade toda.
O resultado dessa épica para o conhecimento e a criação humana global foi incomensurável. Novos continentes de aquisição e procura infindável de saber se abriram. Cultura, antropologia, ciências, medecina, literatura, nautica, geografia, astronomia, musica, pintura, costumes, valores, pensamento, o inventário é interminável. Fez-se, aconteceu. É um facto. E tem um mérito universal singular.
E nessa passada gigantesca, também as manchas impostas pelo tempo, os contextos e as inevitáveis universais misérias da condição humana.
Foi assim que o meu Pai me ensinou a História da minha Terra, com a verdade com que deve ser conhecida, mas exaltando o que intemporalmente deve ser exaltado. Recorrendo aos Quadros da História de Portugal de João Soares e Chagas Franco, às aguarelas belíssimas de Roque Gameiro e Alberto de Sousa. Quadros e figuras vivíssimas na minha memória. Como as do Gama e de Albuquerque, o meu Pai a mostrar-me o admirável dos seus feitos e deles próprios e o que compreendi dever ser lamentado nas suas acções e neles mesmos.
É assim que deve ser justamente celebrada “a glória dos feitos que fizeram”, que são património da Humanidade toda. Com uma informada celebração do bem, não com uma perversa hipertrofia do mal.
O museu dos Descobrimentos que os Portugueses devem a si próprios e ao mundo só pode ser amimado por este espírito, concebido com este objectivo.
Museu que sem ocultar nada, mas situando e documentando tudo, pode e muito bem chamar-se “Museu dos Descobrimentos”. Descobrimentos que nos cumpre mostrar e oferecer ao Mundo. Museu que por ser assim será também - outra designação bem adequada, mais expressiva, porventura, e rigorosa - um museu de “Portugal na Abertura [ou no Encontro] do Mundo”.
Ao contrário do museu (que antes fora estátua e museu da escravatura...) que nos querem impor os fugidos de lugares de horror, instalados na segurança e no conforto na nossa Terra que difamam insultando os Portugueses que os acolheram, impor-nos o remorso e a expiação eterna pelo que Portugal reconheceu há muito, situando-o no tempo e na História. E há alguém, algum país civilizado que não lamente os dramas da História?
Porque não reconhecem, se arrependem, expiam e choram eles próprios o horror praticado pelos seus antepassados? Horror que ainda continua HOJE a manifestar-se no seu mundo?
Escravatura e tráfico que começaram no mundo deles sete séculos antes e foram mais longos e mesmo mais cruéis por terem somado o genocídio e não terem tido a necessidade material de preservar a robustez e a vida dos cativos e lhes faltarem a moderação de uma religião do amor ao próximo. Impérios dizimados no interior da África, capturas impiedosas que só elas tornaram possível que o tráfico português e atlântico tivesse a dimensão quantitativa que teve *.
Porque não vão combater esse horror na África muçulmana e no Médio Oriente AGORA? RESPONDAM, NÃO SE ESCONDAM NUMA SUPOSTA IGNORÂNCIA!
À fixação nas trevas prefiro a estrada da luz. À vitimização e ao martirio prefiro a religião da esperança, o encorajamento da alegria. À vitimização absurda deles que tentam projectar sobre nós prefiro a consciência critica e o impulso dos grandes exemplos para a construção do futuro.
Europeus e Portugueses enfrentaram no passado outros obscurantismos, fizeram, apoiaram, com que se regenerasse mesmo o que desviava, profanava o espírito e a fonte da religião presente na nossa identidade, venceram os flagelos polÍticos e ideológicos mais bestiais que ameaçaram a Civilização. Combateremos e venceremos hoje o fanatismo que flagela o mundo e parece começar a vislumbrar-se na nossa Terra. Larvarmente, com a cumplicidade dos que pensam poder instrumentalizá-lo em proveito ideológico próprio.
Absurdos ressentimento, impotência e remorso próprios que projectam sobre o “outro”, sobre nós, sobre o mundo. Colaborarmos, alimentarmos essa autoilusão não os ajudará no reconhecimento terapeutico libertador.
E não apagarão o nosso património imaterial. Não destruirão com o meu silêncio o nossos budas do afeganistão e as nossas ruínas de Palmira.
Guilherme Valente
*. “O único povo a aceitar a escravidão são os Negros, em virtude do seu grau inferior de humanidade, estando mais próximos do estádio animal”. Maomé Ibn Khaldun, (1332-1406), Polímata ÁRABE de origem iemenita ou berbére, assim legitimando o esclavagismo árabe-muçulmano.

4 comentários:

Anónimo disse...

A História não é uma ciência exata. Os Descobrimentos portugueses foram um dos maiores feitos realizados pela Humanidade com uma grandeza comparável à das viagens de exploração espacial dos nossos dias. A História Universal não pode ignorar a contribuição decisiva dos portugueses de quinhentos para a expansão da fé católica, para a qual estávamos devidamente mandatados pelo Papa, bem como o seu papel primordial no desenvolvimento do comércio à escala global e no triunfo da revolução cultural que então eclodiu na Europa. Evidentemente que houve muitos naufrágios, escravatura e pirataria, com muitos mortos e feridos, mas as guerras entre civilizações em épocas anteriores não tinham tido melhores resultados.
Atualmente, somos alvo um alvo fácil de todas as críticas porque não soubemos ser suficientemente tratantes para investirmos os ganhos obtidos em negócios produtivos, tendo esbanjado o dinheiro da pimenta e do ouro em roupagens de luxo, mosteiros gigantescos e obras de arte que fomos comprar ao norte da Europa de onde vinham os piratas que nos roubavam e matavam no mar.
Estes argumentos não valem nada aos olhos dos americanos, que veem a História através de filmes feitos por gente com dinheiro, e, portanto, não podendo objetivamente negar a importância de Cristóvão Colombo, exaltam sobretudo os feitos dos bravos cowboys na chacina dos falsos índios!
Dos ingleses e holandeses é mais difícil falar mal!...

LuisY disse...

Toda a gente anda muito entretida a discutir o futuro nome do museu, mas esquecem-se do problema de fundo, que se resume a uma questão “para quê, criar um novo museu em Lisboa, se os que existem vivem com um orçamento miserável, com quadros de pessoal muito envelhecidos e menosprezados pelas respectivas tutelas?

Por outro lado, os defensores deste museu dos descobrimentos, da expansão, encontro de culturas ou da viagem ignoram que quase todos os museus de Lisboa são dos descobrimentos. Grande parte da colecção do Museu de Arte Antiga é constituída por obras resultantes desse período da história portuguesa, estou a lembrar-me dos biombos nambam e de toda a arte indo-europeia. A Casa-Museu Anastácio Gonçalves com a sua colecção única de porcelana chinesa é um museu dos descobrimentos, para não falar do Museu do Oriente, do Museu da Marinha, do Museu da Sociedade de Geografia, do Museu Nacional de Etnologia ou ainda do Museu de Artes Decorativas da Ricardo Espírito Santo. Também não nos podemos esquecer do património documental referente aos descobrimentos que está na Torre do Tombo, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca Nacional ou na Biblioteca da Ajuda.

Creio que teria muito mais interesse publicar um bom roteiro em várias línguas da Lisboa dos Descobrimentos, do que gastar um horror de dinheiro num novo elefante branco.

Um abraço

Anónimo disse...

"Os Descobrimentos portugueses foram um dos maiores feitos realizados pela Humanidade com uma grandeza comparável à das viagens de exploração espacial dos nossos dias".

:D

Acho piada falarem em genocídio quando carregámos milhões de pessoas em barcos de um continente para outro.

revolução cultural, comércio à escala global, religião e fé...

tudo frases feitas e palavras grandiosas.

A única motivação portuguesa (e castelhana) foi cobiçar o comércio das especiarias às repúblicas italianas, por outra via. Tudo o resto é consequência não planeada.

Será que o Fernão mente? eu cá acho que não.

Anónimo disse...

O facto de terem sido realizados sem um planeamento exaustivo não retira grandeza aos Descobrimentos Portugueses. De resto, muito mais importante do que a cobiça que Vossa Excelência refere, tratava-se de uma questão de sobrevivência de um pequeno e pobre país. Agora, mal governados por Sócrates, Varas, Brunos de Carvalhos e Catarinas Martins, estamos a ir ao fundo!...

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, in Mensagem

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