domingo, 9 de abril de 2017

Aprendizagem e equidade no discurso de um ministro da educação

Não é comum os políticos responsáveis por medidas educativas recorrerem a conhecimento que a investigação em educação formal proporciona (seja ela de natureza filosófica ou de natureza epistemológica) e muito menos comum é usarem-na com correcção. Por isso, foi com grande surpresa que li o discurso de Nick Gibb, ministro da educação de Inglaterra, proferido no passado dia 3 de Abril, na abertura de um evento internacional focalizado na profissão docente (aqui). O discurso não é inovador, concentra o essencial daquilo que investigadores da área da psicopedagogia de orientação cognitivista têm afirmado nas últimas décadas, mas é um discurso absolutamente necessário.
É uma honra abrir esta cimeira internacional sobre a profissão docente. Esta conferência oferece uma excelente oportunidade para políticos, sindicatos e representantes de professores das nações do Reino Unido e países de todo o mundo para discutir como se pode melhorar ainda mais a educação. Dar essa possibilidade aos professores de proporcionarem uma boa educação aos seus alunos é o cerne do que eu faço como Ministro. 
Sabemos, cada vez com mais certeza, o que pode ser feito para melhorar os resultados educacionais para todos os alunos. Melhorar os resultados não é simples, mas o princípio subjacente às reformas importantes deve ser: o conhecimento é poder.  
Conhecimento da eficácia de práticas de ensino, conhecimento da investigação cognitiva da memória; é um currículo rico em conhecimento que capacita os professores para conduzirem todos os alunos a melhores resultados. A pesquisa educacional tem evidenciado teorias que, não obstante estarem ultrapassadas, ainda abundam em muitos círculos.  
Kirschner e Van Merriënboer evidenciam três mitos de educação prevalecentes, ligados à falácia de que são os alunos que devem dirigir a sua educação e não os professores. Estes mitos estão em conflito com o conhecimento da ciência cognitiva e das melhores práticas de ensino. É preciso que os professores percebam isso de modo a organizarem aulas de alta qualidade. 
O primeiro mito é que os alunos hoje são "nativos digitais" e, consequentemente, a sua educação deve envolver a imersão na tecnologia digital. O trabalho de Kirschner e Van Merriënboer conclui que a aprendizagem se ressente quando o ensino se centra na aptidão técnica. 
O segundo mito é que os alunos têm estilos de aprendizagem únicos e que a educação deve ser adaptada ao seu estilo. Considerando a minha experiência, posso afirmar que este é um mito particularmente persistente nas escolas inglesas. A Fundação de Educação Endowment - uma instituição independente criada pelo governo em 2011 para identificar o que funciona na educação - concluiu o seguinte: os estudos em que as actividades de ensino são dirigidas a alunos específicos com base num "estilo" não demonstraram de forma convincente qualquer benefício importante, em particular para os alunos de baixo nível de escolaridade (...). Kirschner e Van Merriënboer concluem igualmente que não há nenhuma evidência sólida de que “estilos de aprendizagem” existam, de facto, e que não há qualquer benefício na adaptação da instrução a esses supostos estilos. Os investigadores da referida fundação também observam que o ensino direccionado para os estilos de aprendizagem pode ter um efeito negativo nos resultados dos alunos.  
O terceiro mito é que tudo o que se pode aprender na escola se tornou redundante, pois uma quantidade aparentemente ilimitada de conhecimento encontra-se armazenada nos dispositivos móveis dos alunos e acessível com um clique. Agora os alunos têm tudo o que é necessário para descobrirem o que quiserem. O corolário desta crença é que o ensino deve centrar-se em competências, sobretudo competências genéricas. Este argumento é intuitivamente atraente dado o boom tecnológico que estamos a viver mas não é novo. Em 1914 foi dito que “as pessoas educadas não são aquelas que sabem tudo, mas sim aquelas que sabem onde encontrar, a qualquer momento, a informação que desejam”. Foi errado em 1914 e está errado agora. Como ED Hirsch escreveu em 2000: “há um consenso na psicologia cognitiva que é preciso ter conhecimento para adquirir conhecimento” (...). Não basta fornecer ferramentas aos alunos para eles encontrarem conhecimento. Décadas de pesquisa dizem-nos que, a fim de dar sentido e reter novas informações, os alunos devem ter informações prévias às quais ligam novas informações.  
Proporcionar aos professores investigação de alta qualidade evita que caiam nestes e noutros mitos tão sedutores quanto falaciosos (...). 
Muitos dos mitos ligados, neste momento, à educação utilizam o contexto do século XXI como justificação de veracidade. Os professores são informados de que este novo milénio exige uma educação que dê aos alunos liberdade para resolver problemas, para que eles desenvolvam as habilidades de que precisam para ter sucesso nas economias modernas. Salienta-se que os professores devem proporcionar aos seus alunos actividades de resolução de problemas e permitir que aprimorem seu pensamento crítico. A evidência contra esta posição é, agora, esmagadora (…). 
Por exemplo, em estudos conduzidos na Holanda, Kroesbergen, Van Luit e Maas constituíram dois grupos de alunos com baixo desempenho: com um usaram o ensino directo (instruções directas do professor); com o outro usaram o método centrado nos alunos. Os investigadores verificaram que os alunos da primeira condição superaram significativamente os da segunda no que respeita à rapidez e eficácia na recuperação de conhecimentos e na capacidade de resolver problemas. 
Resultados semelhantes foram (...) obtidos por Klahr e Nigam da Universidade de Pittsburgh, que investigaram também os efeitos da instrução directa e da aprendizagem por descoberta, tendo percebido as vantagens da primeira metodologia. Além disso, quando pediram aos alunos para fazerem juízos científicos mais amplos e ricos, esses estavam em vantagem, assim como os poucos que descobriram o conhecimento por si mesmos. 
Estes resultados desafiam as previsões derivadas da suposta superioridade das abordagens de descoberta no ensino de procedimentos científicos básicos com crianças. 
Também os resultados do PISA de 2015 – que examinam a capacidade dos alunos de resolverem problemas científicos – têm o mesmo sentido. Os alunos – com excepção de três países –, que relataram níveis mais elevados de instrução directa obtiveram resultados significativamente melhores; os que relataram níveis mais elevados de aprendizagem baseada em problemas obtiveram resultados significativamente piores. 
A investigação é clara quanto a este ponto: não é por permitir que os alunos se comportem como cientistas que eles ficam mais bem preparados para se tornarem cientistas no futuro. É, antes, por lhes ser ensinado conhecimento científico. 
“Em pé sobre os ombros de gigantes” é uma máxima que nos deve orientar. 
É fundamental proporcionar aos professores este conhecimento pedagógico que mostra não só o que funciona melhor, mas que permite entender por que funciona melhor. Assim poderão melhorar não apenas os resultados, mas também a equidade. 
Graças à nossa maior compreensão da ciência cognitiva, sabemos que as pessoas têm memórias de trabalho muito limitadas, permitindo-lhes armazenar de três a sete itens de cada vez. No entanto, a nossa memória de longo prazo é ilimitada. Assim, se os professores quiserem que os alunos sejam capazes de resolver problemas ou pensar criticamente sobre um aspecto, é importante proporcionar-lhes conhecimento específico do domínio e levá-los a armazená-la na sua memória a longo prazo. 
O trabalho seminal de Sweller sobre a carga cognitiva demonstrou a importância do conhecimento específico do domínio para os alunos serem bem sucedidos a resolverem problemas. Esta área de investigação apoia a ideia de que a concepção de um currículo rico em conhecimentos prepara melhor os alunos para resolverem problemas aplicando esses conhecimentos. 
Os primeiros trabalhos de Bruner e Ross demonstraram a importância de afastar os alunos dos erros, ajudando-os a resolver problemas – reduzindo assim a complexidade cognitiva de resolver um problema novo. Estes autores também notaram a importância de destacar as características críticas de um problema e de modelar as soluções possíveis – ambos os aspectos constituem características-chave do ensino de alta qualidade (…). 
O conhecimento é poder para os professores. Mas também é poder para os alunos. Assegurar que todos os alunos tenham acesso aos conhecimentos de que necessitam conduz a uma melhoria dos resultados educativos e da equidade. Em Inglaterra, o governo está empenhado em garantir que todos os alunos tenham acesso a currículos ricos em conhecimento. 
A Sutton Trust - instituição respeitada que defende a mobilidade social – tem evidenciado que (…) as escolas com um currículo que agrega um núcleo de disciplinas são as mais benéficas para os alunos, particularmente para os de origens desfavorecidas. Blanden e Macmillan - examinando a desigualdade e a mobilidade social - defendem que (…) devem ser incentivadas as qualificações escolares de maior valor (…) que proporcionam uma ampla formação académica, uma cultura profunda, mas também facilitam o acesso às melhores universidades do país. 
Em Inglaterra, o governo incentivou escolas secundárias a ensinarem inglês, matemática, pelo menos duas ciências, história ou geografia, e uma língua estrangeira, juntamente com uma componente artística, de modo que mais alunos consigam essas qualificações aos 16 anos (...).
Temos de conceber currículos ricos em conhecimento para que os alunos tenham a maior oportunidade de sucesso. Precisamos garantir que os professores tenham conhecimento actualizado da ciência cognitiva e que percebam as implicações do que ensinar e de como ensinar.
Obrigado.

4 comentários:

Anónimo disse...

Camille Paglia: 'Universities Are an Absolute Wreck Right Now'
https://www.youtube.com/watch?v=B553na_skKI

Carlos Fiolhais disse...

Comentário recebido de Guilherme Valente:

Obrigado, Helena, por nos ter trazido o tão oportuno discurso do ME inglês, há ministros e ministros. Obrigado também porque com esse discurso me sinto menos só no óbvio que desde há anos não me tenho cansado de gritar.

Obrigado também ao Doutor Rui Baptista, a convergência das nossas ideias alimenta a minha convicção. Obrigado, meu Amigo, por nunca me deixar "entregue aos bichos".

Guilherme Valente

Rui Baptista disse...

Foi com orgulho, meu Caro Doutor Guilherme Valente, que li o seu comentário. Volvidos que se são 85 anos de vida e seis décadas de combate, de que me fiz simples soldado por uma Educação que premeie os alunos que "suam as estopinhas" para alcançarem os seus diplomas e em que o meu distinto Amigo atingiu as estrelas do generalato, trago na lembrança Freud: "Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles que lutaste!" Bem haja pelas palavras de ânimo que fez o favor de me dirigir.

Unknown disse...

"Teaching Functions", publicado em 1986 é um clássico da literatura sobre ensino. Um artigo seminal!

Como a colega Helena Damião menciona:

"O discurso não é inovador, concentra o essencial daquilo que investigadores da área da psicopedagogia de orientação cognitivista têm afirmado nas últimas décadas, mas é um discurso absolutamente necessário."

Concordo plenamente. O momento precisa de uma revisão do que está sendo proposto nas escolas, principalmente nas áreas de Português e Matemática.

http://www.formapex.com/barak-rosenshine/112-teaching-functions
69i57.12691j0j4&client=tablet-android-samsung&sourceid=chrome-mobile&ie=UTF-8&gfe_rd

Solange Amato
Professora de Didática da Matemática da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

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