quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

CARTA ABERTA À FCT SOBRE DISCRIMINAÇÃO DE CIENTISTAS PORTUGUESES FORMADOS LÁ FORA

Recebi esta carta dos signatários e concordo que eles não podem ser discriminados:

Carta Aberta ao Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Professor Doutor Paulo Ferrão

Somos candidatos ao Concurso para a Atribuição de Bolsas de Pós-Doutoramento 2016 da FCT e vimos mostrar a nossa preocupação com as consequências negativas para o sistema científico nacional resultantes da atribuição de uma bonificação a doutorados em caso de mobilidade. Na sua atual formulação no Guião de Avaliação esta bonificação desincentiva doutorados por universidades estrangeiras (i.e., também eles em situação de mobilidade) de contribuírem para a ciência em Portugal. Dado que neste momento ainda se encontram a decorrer as avaliações, poderá haver ainda oportunidade de modificar esta diretriz.

Recordamos que no Guião de Avaliação do Concurso de 2016 é conferida uma bonificação de 20% no mérito do candidato em caso de mobilidade:

Será atribuída uma bonificação de valor equivalente a 20% da pontuação atribuída ao critério “currículo pessoal”, aos/às candidatos/as que tenham obtido Doutoramento numa universidade portuguesa e que, simultaneamente, pretendam fazer o pós‐doutoramento:
. numa instituição de acolhimento diferente da que lhes conferiu o grau; ou,
. num distrito do território nacional diferente daquele em que se localizava a instituição onde obtiveram o grau de doutor, ainda que a instituição de acolhimento pertença à mesma universidade que lhe conferiu o grau de doutor; ou,
. na mesma instituição onde obtiveram grau de doutor após um percurso profissional ou científico de, pelo menos, 2 anos fora dela.

(sublinhado nosso)

Tal como está formulada esta bonificação é ambígua relativamente ao que fazer a doutorados no estrangeiro, pois estes aparecem apenas por omissão. Interpretada à letra nesta avaliação não será dada a mesma bonificação aos doutorados no estrangeiro que se candidatam com uma instituição de acolhimento portuguesa e, por isso, necessariamente diferente da que lhes conferiu o grau de doutor, o que constitui um importante indicador de mobilidade. Na verdade, se a bonificação não for aplicada a quem se doutorou numa universidade estrangeira, introduz-se uma discriminação injustificável à luz do que são as políticas europeias, amplamente recomendadas na Carta Europeia do Investigador. Neste caso não se tratará de igual modo candidatos em condições semelhantes de mobilidade, o que, em última análise, encerra um princípio protecionista, limitando a entrada no sistema científico português. Ou seja, não se compreende que a bonificação conferida à mobilidade não seja aplicada a quem se doutorou no estrangeiro.

No estado atual do sistema científico português, sofrendo de uma taxa de endogamia para além do que pode ser considerado benéfico, consideramos pertinente serem dados incentivos à mobilidade, leitura que fazemos desta cláusula. No entanto, na sua atual formulação, a diretriz discrimina negativamente os doutorados que obtiveram o grau noutras instituições internacionais. É sem dúvida importante para o Sistema Científico Nacional promover a mobilidade interna dos seus investigadores, mas também manter-se aberto aos investigadores (nacionais ou não) que tenham feito a sua formação avançada noutros países. No caso concreto de alguns de nós (i.e., portugueses doutorados no estrangeiro com bolsas financiadas pela FCT e que tencionam fazer pós-doutoramento em Portugal), do qual não somos certamente os únicos exemplos, esta discriminação representa ainda um desaproveitamento do dinheiro público investido em I&D que financiou as nossas bolsas de doutoramento. A bonificação atribuída de acordo com o atual critério contribui assim para desincentivar a participação na comunidade científica e na ciência que se faz em Portugal pelos investigadores doutorados no estrangeiro, impedindo assim a tão necessária internacionalização dos quadros científicos nacionais e de assimilação do melhor que se faz noutras culturas científicas.

Uma vez que o processo de avaliação está ainda a decorrer, parece-nos que a FCT ainda está a tempo de retificar esta diretriz, indicando claramente aos painéis de avaliação que esta condição contempla todos os candidatos que apresentem projetos em regime de mobilidade em relação à instituição que obtiveram grau.
Pedimos uma reunião para expor em detalhe o problema que aqui apresentamos e discutir possíveis soluções. Esperamos que esta ocorra o mais brevemente possível.

Lisboa, 13 dezembro de 2016

Com os nossos melhores cumprimentos
Rita Luís, doutorada pela Universidade Pompeu Fabra, Espanha.
Inês Ponte, doutorada pela Universidade de Manchester, Reino Unido.
Nuno Pedrosa, doutorado pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, França
Raquel Rato, doutorada pela Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, França
António Contador, doutorado pela Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, França
Inês Espírito Santo, doutorada pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, França
Carla Santos, doutorada pela Universidade de Santiago de Compostela, Espanha
Carolina Rito, doutorada pela Goldsmiths University of London, Reino Unido
Patrícia Santos Pedrosa, doutorada pela Universidad Politècnica de Catalunya, Espanha
Beatriz Cantinho, doutorada pela Universidade de Edimburgo, Colégio de Artes de Edimburgo, Reino Unido
Joana Serrado, doutorada pela Universidade de Groningen, Holanda
Marta Carneiro, doutorada pela Universidade de Copenhaga, Dinamarca


Contato:
ritaluis@gmail.com
ineslponte@gmail.com

1 comentário:

Anónimo disse...

Oh, oh, esse é um velho problema:
Pelos vistos são demasiados Doutorados para um país tão pequeno, ou, por lá somos demasiado pequenos para tantos canudos Doutorados.

A única forma de dizer tudo é recorrer à arte:
"Está tudo grosso"
https://www.youtube.com/watch?v=yJMV3WQ9CdU

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